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A problemática da atual interpretação da ADI nº 3.395 face aos contratos nulos dos servidores temporários.

Alcance do art. 114, I, da Constituição Federal

26/11/2008 às 00:00
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Resumo: Recentes decisões do STF defenderam que a competência para analisar a validade dos contratos de servidores públicos temporários não seria da Justiça do Trabalho, por afrontar o que foi decidido na ADI nº 3.395. Tal entendimento ensejou a suspensão de várias reclamações trabalhistas. Com amparo em preceitos constitucionais, bem assim com arrimo no conceito de competência e seus anexos (causas de pedir próxima e remota), defende-se neste trabalho que a mera previsão legal disciplinando a contratação temporária não é suficiente para deslocar a competência da Justiça Obreira, quando se alega desvirtuamento do pacto e pleiteai-se verba trabalhista.

Palavras-chave: Contratos nulos. Servidores temporários. ADI nº 3.395. Competência da Justiça do Trabalho. Constituição Federal, art. 114, I.


1. Introdução

Afigura-se imperioso registrar, inicialmente, que a EC nº 45/2004 promoveu o elastecimento da competência da Justiça do Trabalho, que passou a julgar não só as relações de emprego, mas também as demais relações de trabalho, ações relativas ao exercício do direito de greve, representação sindical, ações indenizatórias, penalidades administrativa impostas pela fiscalização do trabalho e remédios constitucionais relativos a matérias atinentes à sua competência.

Não se pode olvidar que a ampliação da competência obreira também teve origem na característica de extrema celeridade inerente a esse ramo especializado, notadamente no que toca à fase cognitiva de seus processos.

As principais repercussões da Reforma do Judiciário no art. 114. da Constituição foram a ampliação para julgamento das relações sem vínculo de emprego e as ações indenizatórias acidentárias entre os sujeitos da relação laboral.

Por razão técnico-delimitativa, este trabalho ater-se-á a analisar somente a polêmica acerca do alcance da liminar concedida na ADI nº 3.395, que suspendeu toda e qualquer interpretação do art. 114, I, da Constituição que insira na competência material da Justiça Obreira o processamento de ações entre Entes Públicos e seus servidores, quando a vinculação entre ele for de relação tipicamente estatutária ou de caráter jurídico-administrativo e seus reflexos nos contratos nulos de trabalho temporário.

Com efeito, a atual interpretação dada pelo Preclaro STF ao mencionado preceptivo originou forte controvérsia acerca da incompetência da Justiça do Trabalho para analisar a validade dos contratos firmados por trabalhadores temporários, que ingressam na Administração Pública sem a observância de concurso público e prestam serviços, permanentemente, durante anos.

Entendem alguns Ministros da Suprema Corte que a relação desses servidores seria de caráter jurídico-administrativo e, portanto, refugiria à competência material da Justiça Laboral.


2. Competência – Breve Incursão

A Constituição Federal delimita a cada órgão do Poder Judiciário o seu quadro jurídico de atuação, elencando as demandas que podem ser processadas e julgadas pelos seus diferentes ramos.

A competência é definida pela doutrina como o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição, ou seja, é o poder de atuação atribuído a cada órgão e agente constitucional de dizer o direito ao caso concreto. É corrente, ainda, o conceito de que competência é a medida da jurisdição.

Sob outra perspectiva, não se pode definir a competência do órgão julgador apenas pela gramatical dicção da lei, eis que, por se tratar de pressuposto processual de validade, é imprescindível aferir também a causa de pedir para a definição do ramo do Judiciário competente.

Assim, independentemente da relação jurídica (putativa ou real), não há como atribuir a outro órgão a competência para analisar a procedência ou não de depósitos do FGTS, respaldado no art. 19-A da Lei nº 8.036/90, parcela estritamente trabalhista, mas apenas à Justiça do Trabalho.


3. Discussão e Repercussão da ADI nº 3.395

Em decisão monocrática proferida na ADI nº 3.395, o então Presidente do STF, Ministro Nelson Jobim, deu interpretação conforme ao inciso I do art. 114. da CF, com redação dada pela EC 45/2004, e suspendeu, ad referendum, toda e qualquer interpretação que inclua na competência da Justiça do Trabalho, a "... apreciação ... de causas que ... sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo" .

Repousou a discussão de inconstitucionalidade na eventual existência de vício formal na aludida emenda constitucional, tendo em vista que não constou do texto promulgado a exceção registrada pelo Senado Federal, no sentido de que não se encontrava albergada, dentre as relações de trabalho analisáveis pela Justiça Laboral, a competência para dirimir controvérsias dos servidores públicos ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, da administração direta, suas autarquias e fundações.

A decisão liminar estribou-se na doutrina da Gilmar Mendes, para quem a validade da interpretação conforme a Constituição é assegurada para dar concretude ao princípio da unidade da ordem jurídica, corroborando a idéia de presunção de constitucionalidade das normas incluídas no ordenamento pelo legislador constituinte derivado.

Nesse sentir, a interpretação conforme propiciou a manutenção da ordem jurídica, na medida em que afastou da competência obreira a apreciação das relações tipicamente administrativas, ou seja, aquelas de servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou em comissão, de ordem exclusivamente estatutária.

Argumentos encampados, inclusive, pelos Ministros Carlos de Brito e Cezar Peluso, na sessão Plenária do STF, realizada no dia 05.04.2006, em que a aludida liminar foi referendada. Imprescindível, portanto, transcrever o que disseram, na ocasião, os Ministros daquela Excelsa Corte:

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Supero o obstáculo de ordem formal, na linha do pensamento do eminente Relator, por entender que o acréscimo que adviria da intervenção do Senado teve caráter meramente expletivo, porque ele já se contém logicamente na atual redação do Art. 114, I. Acho que o Ministro Peluso votou nessa linha e eu sigo integralmente.

Quanto à questão de fundo, tenho preocupação em precisar o alcance material da liminar agora submetida ao nosso referendo, porque o Ministro Nelson Jobim exclui, dando interpretação conforme ao art. 114, I, da competência da Justiça do Trabalho toda causa instaurada entre o Poder Público e os seus servidores por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.

Esse "ou" é uma conjunção disjuntiva? Significa uma coisa ou outra?

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Dou elemento histórico para ajudá-lo a compreender. Essa expressão foi tirada do voto do eminente Ministro Celso de Mello, intérprete autêntico. A impressão que tive é que, no voto da ADI 492, Vossa Excelência quis dizer relação jurídico-administrativo como sinônimo da relação estatutária.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – É mero reforço.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Porque se for assim, aquelas relações de trabalho instauradas entre o Poder Público e os servidores temporários...

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Fora de dúvida que é da Justiça do Trabalho.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Agora, porque embora ela se instaure por efeito de um contrato administrativo, não tem caráter estatutário, porque, se o tivesse, também não teria traço de contratualidade.

Se todo cargo provido estatutariamente é de caráter jurídico-administrativo, nem toda relação de trabalho de caráter jurídico-administrativa é estatutária. Então, quero deixar bem claro que, de fora à parte as investiduras em cargo efetivo ou em cargo em comissão, tudo o mais cai sob a competência da Justiça do Trabalho.

Então, precisado o alcance material da decisão, agora posta à nossa apreciação, também referendo a decisão do Ministro Nelson Jobim. (Grifos nossos).

Nessa esteira, a discussão jurídica na Suprema Corte não deixa dúvidas de que as expressões "ordem estatutária" e "caráter jurídico-administrativo" foram empregadas como sinônimos, o que, por certo, reflete na análise dos contratos nulos por inobservância de concurso público e nas contratações desvirtuadas de servidores temporários, pois, tecnicamente, essas relações estariam excepcionadas do regime estatutário, que regula contratações válidas.

Destarte, a invalidade da contratação de servidor público atrai a competência da Justiça do Trabalho. Isso porque, ante a impossibilidade desta forma de contratação ser regida pelo regime jurídico estatutário, a norma aplicável passa a ser a regra geral trabalhista, consoante ilações que se extraem da OJ nº 205, da SDI-1, e da Súmula nº 363, ambas do Colendo TST. Entendimento que vinha sendo pacífico até as decisões atuais do Pretório STF.


4. Contratos nulos dos servidores temporários

A previsão do art. 37, IX, da Constituição permite aos entes públicos a contratação de servidores temporários, a fim de atender necessidade sazonal de excepcional interesse público. O preceptivo estabelece, ainda, que a matéria deverá ser regulada por lei.

Com efeito, cada esfera da administração pública, no exercício de sua respectiva autonomia legislativa, deve regulamentar as hipóteses configuradoras de necessidade temporária, os prazos de contratação e estabelecer o regime jurídico a que os servidores temporários ficam vinculados.

Imprescindível registrar, por oportuno, que recente decisão liminar do STF, proferida na ADI nº 2.135, suspendeu, com efeitos ex nunc, a eficácia do caput do art. 39. da Constituição, redação dada pela EC nº 19/1998, para restabelecer, até o julgamento final, a redação original do dispositivo, que prevê a instituição de regime jurídico único no âmbito de cada um dos ramos de governo.

Na administração pública federal, a contratação temporária é regulamentada pela Lei nº 8.745/93, que permite arregimentação de trabalhadores mediante mero processo de seleção, prescindindo-se do crivo de concurso público.

Até aqui não existe nenhuma pecha sobre a contratação sazonal perpetrada pela administração pública.

Ocorre que, principalmente nas esferas estadual e municipal, a contratação temporária vem afastando-se do espírito sob o qual foi concebida, pois, ora possuem cunho totalmente eleitoreiro, ora são desvirtuadas por contratações e prorrogações seqüenciais e permanentes dos mesmos trabalhadores.

Veja, a mens legis é no sentido de dar concretude aos princípios da efetividade e da continuidade dos serviços públicos, possibilitando que, através de procedimentos simplificados, a administração pública contrate pessoal para suprir necessidade comprometedora do bom atendimento ao contribuinte.

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As máximas de experiência demonstram que os entes públicos firmam contratos com duração de seis ou doze meses, para suprir déficit de pessoal em determinada área, e prorrogam os contratos sistematicamente, com casos que chegam a quinze anos de prestação de serviços "temporários".

Ora, a prestação de labor de forma permanente induz ao reconhecimento do vínculo com a Administração, contudo, encontra óbice no art. 37, II, da CF/88, restando cristalino o desvirtuamento da contratação, o que torna nulo o liame, desde sua origem (art. 37, § 2º, da CF/88).

Outra hipótese de mácula à espécie de contratação em comento é a ausência da motivação tanto do ato originário quanto do ato de prorrogação do contrato. É que se trata de ato vinculado e, por isso, deve observar as diretrizes estabelecidas em lei, sendo imperiosa a demonstração da necessidade excepcional e temporária, ou seja, o ato deve ser motivado, sob pena de nulidade do ato.

Além disso, a Justiça deve permanecer vigilante para evitar que a Administração Pública incorra em favorecimentos com finalidades eleitoreiras e com isso vilipendie os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade.

De efeito, não se nega, sob a interpretação ora expendida, a validade das contratações temporárias e tampouco das leis de cada ente público que regulam a matéria, mas apenas se evidenciam as hipóteses de nulidade das contrações que se afastam dos ditames constitucionais e se desvirtuam da finalidade para a qual foram criadas.

Sendo nula a contratação, não pode ser regida pelo respectivo estatuto dos servidores públicos, pois este regula contratações válidas. Situação que é incontroversa quando se trata de servidores que ingressaram na administração sem o necessário concurso público.

Assim, a contratação nula de trabalhadores temporários corresponde exatamente ao que estabelece o art. 37, § 2º, da Constituição. Não há, portanto, como negar validade ao dispositivo constitucional e à lei que garantem a esses trabalhadores os depósitos do FGTS do período contratual (art. 7º, III, da CF/88 c/c art. 19-A da Lei nº 8.036/90). Entendimento que é corroborado pela jurisprudência através da Súmula nº 363 do Colendo TST.


5. A atual interpretação da ADI nº 3.395

Alguns entes públicos, notadamente os estados federados, vêm ingressando com reclamações perante o Preclaro STF (Reclamações nºs 5.933 e 5.946), a fim de manter a autoridade da decisão da Suprema Corte proferida na ADI nº 3.395, conforme já mencionado ao norte, ao argumento de que falece competência à Justiça do Trabalho para aferir a validade dos contratos temporários, devendo a controvérsia ser dirimida pelo juízo competente para apreciar questões administrativas, porquanto, para aqueles que se filiam a essa corrente doutrinária, a relação do servidor temporário com a administração é de caráter eminentemente jurídico-administrativo.

Com efeito, o Pretório STF acolheu, em várias decisões monocráticas, a aludida tese e determinou a suspensão de diversas reclamações trabalhistas de servidores temporários, entendendo que o processamento das referidas ações na Justiça Obreira afrontaria a decisão adotada na ADI nº 3.395.

Ora, não foram essas as razões que referendaram a liminar concedida na mencionada ação de inconstitucionalidade. A discussão travada na respectiva sessão plenária não deixou dúvidas de que a relação tipicamente estatutária ou, caso queiram, de caráter jurídico-administrativo, é aquela em que há provimento do cargo público, efetivo ou em comissão, o que só é possível se o trabalhador for aprovado em regular certame público. Não é esse o caso dos servidores temporários.

Veja, a relação dos trabalhadores públicos sazonais é, inegavelmente, contratual, independentemente do regime jurídico que seguiam (ADI nº 2.135) ou seguem, mormente porque o liame possui prazo certo para terminar.

Nesse diapasão, conforme já mencionado, a observância do regime estatutário para a espécie de contratação em comento apenas tem efeito jurídico se esta for válida, caso contrário (nulidade da contratação), a regra a ser seguida é trabalhista comum.

Com isso, pode-se verificar que os contratos temporários válidos não garantem ao trabalhador o direito aos depósitos do FGTS, o que confirma a tese defendida no presente trabalho.

Tal constatação permite inferir que as decisões liminares que estão suspendendo as reclamações trabalhistas é que, de fato, afrontam o que restou decidido na ADI nº 3.395. Na verdade, são decisões monocráticas contrariando a decisão e fundamentos do próprio Plenário da Corte.

É pacífico na seara trabalhista o brilhante entendimento de que a mera previsão legal disciplinando a contratação temporária não é suficiente para deslocar a competência da Justiça do Trabalho, quando se alega desvirtuamento do pacto (OJ nº 205, da SDI-1, do Colendo TST), ponderação que prestigia todo arcabouço principiológico e protetivo do Direito do Trabalho.

Com a devida vênia e respeito que merece uma decisão de Ministro do STF, mas é temerário interpretar que a ADI nº 3.395 excluiu da competência material da Especializada Trabalhista a apreciação da validade dos referidos contratos temporários.

Ora, a competência de um órgão jurisdicional não é definida meramente pelo rol taxativo ou residual da lei, como dito linha atrás, mas também pela causa de pedir da demanda. É que a competência é pressuposto de validade do processo, o que impõe também a avaliação concomitante da causa de pedir próxima e da causa de pedir remota para se destacar a natureza da relação jurídico-processual.

No caso sob exame, a causa de pedir próxima (fato jurídico ou provimento jurisdicional desejado) é a declaração de nulidade da contratação e a causa de pedir remota (interesse juridicamente tutelado ou o bem da vida perseguido) são os depósitos do FGTS.

Desse modo, emerge a natureza indissociável das causas de pedir próxima e remota para se definir o órgão julgador competente, sobretudo porque entendimento diverso revelaria conseqüências fáticas e jurídicas desastrosas, eis que o trabalhador vindica parcela de natureza estritamente trabalhista (FGTS).

Acatar o entendimento dos Ministros da Suprema Corte que determinaram a suspensão de reclamações trabalhistas dos servidores temporários é atribuir à Justiça Comum a competência para analisar as nuances da relação e do contrato temporário e, caso reste confirmada a nulidade da contratação, remeter à Justiça do Trabalho a apreciação do pedido de FGTS.

Ademais, a aludida tese, com a devida vênia, fomenta a interposição de recursos e o ingresso de medidas judiciais procrastinatórios pela Fazenda Pública, fazendo corroborar o jargão de que "o Estado é o pior pagador e o melhor cobrador", além de deixar que questão de natureza processual inviabilize o direito material.

Com efeito, hipoteticamente, após anos e anos de espera, o trabalhador teria a sentença de declaração de nulidade do seu contrato proferida pela Justiça Ordinária. Aí se indaga: o que o trabalhador fará com o mencionado título judicial? A resposta seria o ajuizamento de reclamação trabalhista para pleitear os depósitos fundiários ou a cobrança de verbas trabalhistas na Justiça Comum? Evidente que a competência para apreciar o caso em tela é da Justiça do Trabalho, inclusive no tocante à validade do contrato.

Inversamente, imagine-se outra situação: o trabalhador temporário, em sede de reclamação trabalhista, aduz nulidade do seu contrato e pleiteia, por conseguinte, os depósitos do FGTS. Analisando os meandros da contratação, o juiz do trabalho conclui que a contratação é lícita e justificável e, em conseqüência, julga improcedente o pedido. O que há de errado neste caso? Nada, obviamente!

Nessa senda, é viável registrar a ilação de que não se permite à Justiça do Trabalho analisar pedidos de verbas relacionadas ao estatuto de servidores públicos, bem assim é defeso à Justiça Comum apreciar questões de natureza trabalhista. Noutras palavras, não pode mais de um ramo do Judiciário apreciar o mesmo fato. Aliás, é por isso que existe a divisão constitucional de competência.

Ora, com a devida vênia, mas não é coerente a interpretação atual que alguns Ministros do STF vêm dando à decisão proferida na ADI nº 3.395, eis que, além de ser deveras prejudicial ao obreiro, faz tábula rasa da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF/88), bem como dos demais critérios de definição de competência.

Decisões desse jaez têm feito a doutrina mais abalizada declarar verdadeiro "luto" ao Supremo Tribunal Federal, aduzindo severas críticas à Corte, pois estaria esta se descurando dos verdadeiros valores do Estado Democrático de Direito e de promover justiça social, que é, indiscutivelmente, o objetivo primordial da Carta Magna, tendo o Supremo deixado de proferir decisões jurídicas e passado a proferir decisões políticas.

Para dar remate, por tudo que foi exposto, resta evidente que a competência jurisdicional prevista no art. 114, I, da Constituição alcança a apreciação da validade dos contratos de trabalhadores temporários, firmados pela Fazenda Pública, mormente porque a nulidade do liame traz como questão de fundo a análise de parcelas de natureza exclusivamente trabalhista


6. Conclusão

Evidentemente que não se teve a pretensão de esgotar o assunto neste singelo trabalho, mas a pesquisa possibilitou registrar as alterações promovidas pela EC nº 45/2004, conhecida como a Reforma do Judiciário, especialmente no tocante à competência da Justiça do Trabalho, bem assim foi possível conceituar, ainda que sucintamente, o instituto da competência, apresentando seus elementos anexos.

A diferenciação entre a contratação temporária lícita e a desvirtuada demonstrou-se imprescindível, pois, sem isso, seria inócua a defesa da tese de manutenção da competência da Justiça Laboral para apreciar os casos de desvio da finalidade da contratação sazonal.

De outro vértice, a problemática da interpretação que alguns Ministros do Preclaro STF vêm manifestando no caso dos servidores temporários, contraria o que restou decidido pelo próprio Plenário da Corte, e possibilitou a conclusão de que, eventualmente, até mesmo os juristas mais versados adotam decisões divorciadas da justiça e da principiologia de Constituição Federal.

Por derradeiro, espera-se que a pesquisa tenha atingido a finalidade de demonstrar, concessa venia, o equívoco que se comete ao suspender a tramitação de reclamações trabalhistas de servidores temporários que alegam desvirtuamento da contratação, mormente em razão da drástica conseqüência de se negar, por via transversa, o direito do trabalhador ao FGTS.


Bibliografia

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o fundo de garantia do tempo de serviço e dá outras providências. LTr: Consolidação das Leis do Trabalho / Compilação de Leis, São Paulo, 34. ed. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI/3395. ADI/2135. Rcl/5933. Rcl/5946. Disponíveis em <https://www.stf.gov.br/portal/processo/pesquisarProcesso.asp>. Acessos em 18/06/2008.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

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Sobre o autor
André Luiz Lauro

Analista Judiciário do TRT da 24ª Região (aprovado em 1º lugar no concurso de 2003), Diretor de Secretaria de Vara do Trabalho desde 2012, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes e Especialista em Gestão Pública Judiciária pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAURO, André Luiz. A problemática da atual interpretação da ADI nº 3.395 face aos contratos nulos dos servidores temporários.: Alcance do art. 114, I, da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1974, 26 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12009. Acesso em: 4 nov. 2024.

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