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Conflitos entre princípios e regras

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03/12/2008 às 00:00
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4. Outras classificações: princípios constitucionais

Inúmeras são as referências classificatórias aos princípios e às regras constitucionais, com os autores oferecendo as mais variadas concepções.

As classificações são posições doutrinárias que facilitam o entendimento e o reconhecimento de uma determinada figura jurídica. Não obstante as diferenças observadas entre princípios e regras, a classificação segue critérios, pelos quais o estudo das normas é transcendentemente aproveitado pelos dos princípios.

José Joaquim Gomes Canotilho [27] trata os princípios em quatro níveis: a) princípios jurídicos fundamentais, representando os princípios gerais do direito; b) princípios políticos constitucionalmente conformadores, que representam opções políticas centrais e refletem a forma ideológica da constituição adotada em um país, como os que definem poderes do Estado; c) princípios constitucionais impositivos, bem característicos nas constituições dirigentes, uma vez que impõem a realização de fins e a execução de tarefa aos poderes, como o princípio da independência nacional e da correção das desigualdades; d) princípios-garantia, os mais próximos das regras, com força normativa, permitindo estabelecer garantias para o cidadão, como o princípio do juiz e do promotor natural.

Outras referências, acentuadamente didáticas, também são de relevo para o estudo das classificações. Ressaltam-se ainda as classificações de Luis Roberto Barroso e Edilsom Pereira de Farias. [28]

Luis Roberto Barroso relaciona os princípios como: a) princípios fundamentais, a exemplo do republicano, do estado democrático de direito, da separação dos poderes e outros; b) princípios constitucionais gerais, equivalentes a desdobramentos menos absolutos dos princípios fundamentais, a exemplo do princípio da legalidade; c) princípios setoriais ou especiais que abarcam um número específico de normas e partem de um conteúdo, tema ou título, do texto constitucional.

Edilsom Pereira de Farias expõe sua classificação em: a) princípios explícitos ou positivos, que estão subscritos na constituição ou na lei; quando na Constituição, subdividem-se em: princípios estruturais ou fundamentais, representantes das decisões políticas fundamentais do constituinte; princípios constitucionais impositivos ou diretivos, ligados às necessidades coletivas de natureza econômica, social e política; e princípios-garantia, referentes às normas constitucionais que estabelecem uma garantia individual; b) princípios implícitos ou princípios gerais do direito, que não estão presentes em norma, mas têm respaldo no direito positivo; c) princípios supraconstitucionais ou extra-sistêmicos, que têm origem fora e acima do direito positivo, não se extraindo por dedução, nem por indução de norma existente, citado como exemplo pela doutrina, os princípios da precedência da lei no âmbito normativo.

Não há uma classificação que atenda as muitas considerações. Todas podem ser utilizadas e adotadas em sistema bem didático, importando ser o critério classificador coerente, orientando e aglutinando princípios afins, como meio de possibilitar, revelar características e melhor proporcionar a formação de conhecimento.

A autonomia conceitual dos princípios constitucionais positivos pode passar ainda, sem preferência de posição doutrinária, por critérios que se revelam classificatórios.

Identificam-se como princípios político-constitucionais e os princípios jurídico-constitucionais. [29]

Princípios político-constitucionais são concretizações de decisões políticas fundamentais. Sustentam-se sobre normas inseridas no sistema constitucional positivo. Vezio Crisafulli informa que normas-princípio são "normas fundamentais de que derivam logicamente (e em que, portanto, já se manifestam implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente relações específicas da vida social" [30].

Gomes Canotilho lembra que os princípios politicamente conformadores são princípios constitucionais, que explicitam as valorações políticas fundamentais do constituinte.

Essas opções políticas fundamentais são princípios fundamentais, que estão, a exemplo na nossa Constituição Federal, nos artigos do 1º ao 4º. São de natureza variada, pois visam a definir e essencialmente a caracterizar a coletividade tanto na política quanto na própria estrutura do Estado, enunciando as opções chamadas político-constitucionais.

A Constituição Federal utilizou-se dos princípios fundamentais, estabelecendo princípios não só os relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado, e à organização da sociedade, ao regime político, à prestação positiva do Estado, mas também os relacionados à comunidade internacional.

Já os Princípios jurídico-constitucionais gerais compõem a ordem jurídica nacional. Entre eles estão os decorrentes de certas normas constitucionais e os princípios-garantia, identificados particularmente na nossa Constituição Federal, artigo 5º, incisos XXXVIII a LX.

Os princípios jurídico-constitucionais, como foi dito, estão delineados na Constituição, identificando-se com o princípio da legalidade, o da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, o da punição à discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, o da prática de racismo, o da individualização da pena, o do devido processo legal, o do juiz natural, o do contraditório, o da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito e outros.


Conclusão

O escopo deste estudo não foi investigar todas as concepções conceituais dos princípios constitucionais, nem esgotar a distinção entre princípios e regras, nem tampouco limitá-la à distinção quantitativa ou de grau e à distinção qualitativa ou lógica.

A descrição dos principais pensamentos da doutrina dos princípios, tratados inicialmente como simples exortações sem força de comando de direito, norteou o trabalho a fim de demonstrar o resultado de hoje em que grande respeito e aplicabilidade são declinados aos princípios.

Nomes como os de José Joaquim Gomes Canotilho, lembrado em vários pontos deste trabalho; de Ronald Dworkin e Robert Alexy, no momento em que foi necessário adentrar-nos nas distinções, ofertaram uma gama de valores, com resultado muito mais do que a análise de que princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas.

Sem desmerecer as considerações extraídas dos pensadores de outras nacionalidades, abordar especialmente as doutrinas brasileira e portuguesa sobre este tema tão abrangente em muito fortaleceu os conceitos necessários para a conclusão de que os princípios constitucionais são normas gerais elevadas à categoria constitucional, quer por sua natureza e importância, quer por opção política.

Como não bastasse a importância pela própria relação formal que tem um princípio constitucional com o ordenamento, sua violação tem o reconhecimento de ser muito mais grave do que transgredir uma regra qualquer, pois estariam sendo violados valores supremos encontrados na sociedade, institutos que pertencem ao centro da meta de todo o sistema constitucional.

Reconhece-se que os princípios são dotados de elevado grau de abstração, não significando, contudo, sua impossibilidade de determinação imediata. A generalidade, muito utilizada pelos autores estudados, vem, juntamente com as relações com outras normas e tipo de formação lingüística, formar o quadro de distinção quantitativa ou de grau.

A distinção entre princípios e regras foi também identificada levando-se em consideração sua natureza qualitativa ou lógica, em que os princípios representam a expressão primeira dos valores fundamentais, informando materialmente as demais normas. Reserva-se que o conflito entre os princípios deve ser apreciado através de uma composição de um peso ou de uma importância, em que um cede espaço ao outro, sem que o de menor dimensão perca sua validade. Por outro lado, impõe-se o afastamento de uma regra em função de um processo hierárquico, cronológico ou da especialidade.

Ainda com a finalidade de melhor compreender o fenômeno dos princípios, o trabalho adentrou-se em algumas classificações, reconhecendo-as como posições doutrinárias que facilitam o entendimento e o reconhecimento de uma determinada figura jurídica, sistematizando-os basicamente em quatro níveis: a) princípios jurídicos fundamentais, representando os princípios gerais do direito; b) princípios políticos constitucionalmente conformadores, que representam opções políticas centrais; c) princípios constitucionais impositivos, bem característicos nas constituições dirigentes; e, d) princípios-garantia, os mais próximos das regras, com força normativa, permitindo estabelecer garantias para o cidadão.

Os princípios constitucionais foram também estudados com a divisão em princípios político-constitucionais, concretizações de decisões políticas fundamentais, e os princípios jurídico-constitucionais, compondo-se pela ordem jurídica nacional, como certas normas constitucionais e os princípios-garantia.

Operou-se verdadeiramente uma revolução de juridicidade sem precedentes no estudo do constitucionalismo, e a inicial concepção de princípios gerais se transformou em princípios constitucionais, movimento participado também pelo sistema brasileiro, possibilitando fornecer elementos jurídicos hábeis para melhorar a compreensão do significado da norma, sem distinção de sua fonte ou ramo do direito.

Bem verdade é que não há uma classificação que atenda a todas as considerações, mas entender sua importância já representa suficiente referencial para seu estudo dos princípios constitucionais.

Diante dessas considerações, a conclusão revela-se conformadora de que os princípios constitucionais têm a mais significativa importância normativa para o sistema jurídico, pois os princípios prevêem importantes valores éticos e políticos numa sociedade firmada no Estado Democrático de Direito.

Diante desses valores abordados, deixo o conteúdo deste estudo aberto a críticas, representando assim seu primordial objetivo: o de fomentar o debate.


Referências

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Notas

  1. BOBBIO, Norberto. Contributi ad un dizionario giuridico. Torino: G. Giappichelli, 1994, p. 366.

  2. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 27.

  3. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 248.

  4. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39.

  5. ALEXY, Robert. Op.cit., p. 270, nota 3.

  6. ÁVILA, Humberto. Op. Cit, p. 29, nota 4.

  7. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Editora Almedina, 2000, p.1215.

  8. Há de se reconhecer as limitações da configuração binária, que enfrenta críticas especialmente em relação à corrente que estrutura a norma em três elementos, representados pela previsão, pelo operador deôntico e pela estatuição.

  9. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1999, p. 13.

  10. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 629.

  11. ROTHENBURG, Walter Claudius. Op. cit., p. 14, nota 7.

  12. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 95.

  13. Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op cit, p. 450-1, nota 8.

  14. Apesar de não ser uma preocupação direta deste trabalho, há de ser considerada a existência de classificação que impõe uma terceira via, a norma goals (ou policies), na qual são configurações normativas diferenciadas, com distinta morfologia normativa. Desta classificação decorreriam, portanto, três modalidades de normas: as regras, com previsão e estatuição fechadas; os princípios, com previsão aberta e estatuição fechada; e os goals, com previsão e estatuição abertas.

  15. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 270.

  16. Id. Ibidem, p. 279.

  17. Cf. ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p.21.

  18. Cf. DANTAS, Ivo. O valor da Constituição Rio de Janeiro: Renovar, 1996, na apresentação.

  19. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 145.

  20. As constituições possuem tanto norma regra como norma de princípio.

  21. Cf. CANOTILHO, op. cit, p. 166, nota 6.

  22. Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas; A Estrutura das Normas Constitucionais: notas sobre a distinção entre princípios e regras. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; FILHO, Firly Nascimento (Org.). Os princípios constitucionais da constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 10-1.

  23. Abud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Op cit., p. 10, nota 18.

  24. ROTHENBURG, op. cit, p. 18, nota 7.

  25. PEREIRA, Jane; DUARTE, Fernanda. Op. cit., p. 09, nota 18.

  26. Cf. SANCHIS, Luis Prieto. Sobre principios y normas: problemas del razonamiento jurídico. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 131.

  27. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit, p. 170, nota 6.

  28. Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius. Op. cit, p. 68-69, nota 7.

  29. SILVA, José Afonso da. Op. cit, p. 96-7, nota 10.

  30. Id, Ibidem, p. 97.

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Sobre o autor
Fernando Estevam Bravin Ruy

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo. Mestre em Direito e Economia. Doutor em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUY, Fernando Estevam Bravin. Conflitos entre princípios e regras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1981, 3 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12034. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

Texto baseado em estudos realizados no Seminário de Pesquisa do Mestrado da Universidade Gama Filho, de titularidade da Professora Doutora Fernanda Duarte, e foi publicado na Revista Jus Scriptum, do Núcleo de Estudantes Luso-brasileiros da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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