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Democracia, cidadania e direitos humanos.

O que é proporcional, razoável ou correto?

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VERDADE E CONSENSO. CULTURA E MATEMÁTICA EM XEQUE.

O FGTS é um benefício do trabalhador? Matematicamente, não. É um meio de o governo financiar programas sociais, sobretudo habitação, pagando juros irrisórios a uma massa de trabalhadores que todos os meses vêm sair de seus contracheques 8% de seus rendimentos. O que é, então? Matematicamente é uma poupança forçada. Uma poupança forçada que será bonificada com 50% (40% para o trabalhador e 10% para o governo) em caso de dispensa sem justa causa.

No âmbito da matemática é uma poupança forçada. No âmbito social é um benefício. Por quê? Porque será o FGTS que garantirá o tempo que o trabalhador permanecerá sem emprego. Ah, o governo é melhor que o trabalhador? Não deveria ser, mas como o trabalhador não tem o hábito de economizar, o governo se sub-roga na função. Ruim? Não necessariamente. Apenas denota que a autonomia da vontade vem sendo diminuída e o Estado vem se agigantando.

Vimos no tópico anterior que no caso do FGTS o trabalhador tem uma poupança que rende 0,25% ao mês. Um dinheiro que, in tese, será usando em benefício dos trabalhadores. Um dinheiro que será repassado ao custo médio de 1,5% ao mês para que ele tem a tão sonhada Casa Própria. Ruim tudo isto? Não. São as regras do jogo e no capitalismo o spread.bancário é um pressuposto.

As regras do jogo são o "consenso". Um consenso que eu poderia chamar de senso comum. Um senso comum de que se valeu o senhor Rubens Menin Teixeira de Souza [35], proprietário da MRV (construtora mineira) para chegar à Forbes, grande vitrine do capitalismo. Uma vitrine onde apenas os bilionários são expostos. Uma exposição na qual criador e criatura se confundem.

O "consenso" leva o senhor Menin de Souza à Forbes, mas também realiza o sonho da casa própria. O preço é alto? Sim. Mas o preço da verdade não parece ser menor. Pelo contrário, o preço do que hoje é verdade imporia uma inversão da lógica no longo prazo se todo mundo passasse a ser verdadeiro. Uma inversão que não parece ocorrer porque o consenso predomina desde a compra de Manhatan [36] no século XVII.

Manhatan teria sido o grande negócio da história, como se relatou na nota de rodapé. Todavia, segundo Robert Kiyosaki e Sharon Lechter em Pai Rico, Pai Pobre [37], o valor de compra daria para comprar toda Nova York, hoje, caso tivessem sido aplicados em 1626 com juros de 8% ao ano. Caso a taxa anual fosse de 12%, comprar-se-ia todos os EUA.

Do que se expôs uma pergunta fica no ar: aluguel é ruim? Depende. Financiamento é ruim? Depende. Depende do percentual que cada um representa sobre o valor do bem utilizado. Depende da disciplina da pessoa que faz a pergunta. Depende da matriz cultural que o interlocutor apresente quando da indagação.


NOSSOS DIREITOS SÃO FUNDAMENTAIS? QUAL A RESPOSTA CORRETA?

Nossos direitos são fundamentais? Provavelmente, sim. Tudo indica que esta assertiva seja correta e assim esta será considerada, salvo a existência de um motivo divergente.

Nossos direitos são fundamentais, pelo menos, para a nossa cultura. São melhores que os do oriente? Não. "Nem melhor, nem pior, apenas diferente". Talvez diferentes. Talvez iguais. Pouco importa. São Direitos Fundamentais e devemos batalhar para que estes direitos não retrocedam, daí a vedação do retrocesso [38].

Nossos direitos são universais? Possivelmente [39], sim. É possível que sejam universais, ao menos em parte. É possível, e não provável, porque em um mundo com mais de seis bilhões de habitantes soa muito pretensioso a criação de um modelo exclusivo de condução da vida humana.

Einstein, a partir dos "Buracos Negros" no universo, formulou a "Teoria da Relatividade". Relatividade, então, existiria fora do self.

Parece muito claro que haja relatividade fora do eu, mas parece claro, também, que a relativização se dá no plano pessoal. Parece claro e fica mais claro ainda diante da história que se segue, recriada para que se pense em democracia e a função dos Direitos Humanos e da Constituição.

Imagina que você seja o maquinista de um trem e venha dirigindo com toda calma possível. Subitamente uma bifurcação é vista: a) à esquerda uma linha desativada; e, b) à direita uma linha ativa. O que fazer?

Como o problema foi proposto, não há qualquer complexidade. Deve se seguir pela linha ativa, e ponto final. A resposta é óbvia.

A resposta é obvia até se avistar que na parte ativa há cerca de quinhentas pessoas (adultas, em sua maioria) brincando. Por outro lado há apenas uma criança na parte desativada da linha.

De um lado cerca de quinhentas pessoas. Quinhentas pessoas que brincam na linha férrea porque a freqüência do trem ali é muito baixa. Do outro lado uma criança. Uma criança que escolheu a linha férrea desativada porque ali não mais há passagem de trem.

O trem vai seguindo. Não há qualquer possibilidade de se frear. O momento da decisão se aproxima e uma escolha deverá ser feita. O que fazer? Qual é a resposta correta? O que é razoável? O que é proporcional?

A situação é de "Velocidade Máxima", mas não é Hollywood. Aliás, é Hollywood, mas uma fábrica de ilusões pós 11/09/2001. Não há, portanto, um Bourne supremo. Não há os homens de preto de MIB. Duro de Matar, agora, é só Duro de Matar, e não "Impossível" [40]. Invasões continuam a chegar pelos ares, mas de aviões comerciais tornados armas de guerra, ainda que Santos Dumont diga: "eu não inventei o avião com esta finalidade". Continuam a chegar pelos ares, mesmo que o American World negue a primazia do brasileiro e conceda a honra aos irmãos Wright, para nós meros mísseis humanos, catapultados por uma energia inercial mecanicamente contida.

Como estamos no mundo real, ou na Hollywood por Armagedon 11/09, Keanu Reaves e Sandra Bullock não "frearão o ônibus sem freio" ou mudarão a "direção do navio sem leme". Não farão isto por razões óbvias. No mundo sensível [41] as leis da física [42] vigem sem qualquer embargo, de declaração ou infringente. Não há obscuridade, contradição, dúvida, omissão ou voto vencido. Há inércia. Há gravidade. Há uma realidade na qual os sentidos percebem. Há uma realidade de percepção, e não de criação.

Como estamos no mundo sensível e neste vige a lei da inércia, o trem continuará seguindo. Continuará seguindo e em velocidade ascendente, uma vez que se trata de uma descida. Uma descida pouco íngreme, é verdade, mas uma descida É! A bifurcação sucede a uma leve descida. Uma pequena descida, mas grande o bastante para anular a atuação dos freios. Portanto. O trem continuará seguindo. Mesmo freado, continuará caminhando por sobre os trilhos, dando provas concretas de que o princípio da inércia é da ordem da natureza.

Já que o trem continuará seguindo, uma opção deve ser feita. Mas qual? O que é razoável? O que é proporcional? O que você faria? Qual a resposta adequada para o problema proposto?

Repisando a história, na linha desativada há apenas uma criança. Na linha ativa há cerca de quinhentas pessoas. Ah, no problema proposto, você, o maquinista, não sabe as razões que levaram à desativação da linha. Ela foi desativada, e ponto. A linha está desativada, e ponto. É isto que importa. Importa que na linha desativada há uma criança. Importa que na linha ativa há cerca de quinhentas pessoas.

Não há mais tempo. A bifurcação chega e você deve virar. Então! O que fazer? Esquerda, e linha desativada, ou direita, e linha ativa? O que salvar? Uma criança ou quinhentas pessoas? Pense bem. Pense bem, porque terá de matar, pelo menos, uma criança. Ainda que seja "só" uma criança, ocorrerá um sacrifício. O sacrifício tem de ocorrer e você deve escolher o que sacrificar: "uma criança" ou "quinhentas pessoas".

Sacrificar uma criança parece a resposta correta, sejamos honestos. Para muitas pessoas pode até ser a resposta correta, mas, a mim não parece nem mesmo a resposta adequada. Tenho poucos elementos, mas posso pré-compreender algumas coisas, sobretudo que a desativação deve ter uma motivação.

As lições de Gadamer [43] são essenciais para a chamada compreensão. São essenciais, sem dúvida, sobretudo, para o mundo ocidental. São essenciais em um mundo em que a representação mental deve anteceder à escrita, que é "nua" por si só. É nua e se veste de significado quando atribuo sentido a uma determinada seqüência de letras. Então, o que significa não é a letra, em si. O que significa é a junção de letras, que formam palavras.

Palavras permitem uma compreensão mínima. Isto é fato. É um fato notório porque a partir destas se pode esperar um padrão mínimo de entendimento. Por isto mesmo é preciso se cuidar para não confundir nomes, uma vez que este não muda a natureza das coisas. Chapéu é chapéu. Geometria é geometria. Desta forma, chamar geometria de chapéu não permitirá ao calvo (ou seria careca?) cobrir a própria cabeça.

No mundo ocidental as letras são vazias de significado. Isto é ruim? Não. Absolutamente. Não é ruim, mas é diferente do modelo oriental, sobretudo o chinês (de onde provém o japonês), uma vez que este conta com Kanjis, chamados por nós de ideogramas. Isto mesmo: grafia de idéias.

Como o padrão chinês conta apenas com ideogramas, japoneses cultos se correspondem com chineses, embora não se falem verbalmente. Não se falam porque o modo de ler o ideograma (idéia grafada) é próprio de cada idioma, mas o significado não é alterado por isto. Portanto, o amor ( para o japonês) significará o "encontro de duas pessoas pelo coração", muito embora o chinês tenha um modo próprio para ler o mesmo Kanji.

Falar do chinês e do japonês parece distante, mas isto ocorre conosco também. Duvida? Experimenta comer aipim, macaxeira ou mandioca. Ah, continue tentando e coma a macaxera, forma que a Língua Portuguesa de igual modo prevê. O que mudou? Nada. Estes quatro nomes são apenas um modo de se dar chamar o tubérculo de uma certa planta.

Como posso pré-compreender algumas coisas, compreendo que a desativação foi motivada. Motivada em quê? A isto, a menos que tenha "informação anterior" [44], não tenho como responder. Mas posso responder que uma linha férrea não é desativada sem uma motivação qualquer. Portanto, devo partir da premissa de que houve uma razão relevante para a sua desativação.

Eu seguiria pela linha ativa, porque este é o caminho adequado. Ah, e as quinhentas pessoas? Elas escolheram brincar na linha ativa! Sei que a reposta parece dura, mas até quando quem está no caminho certo deve ser punido em nome do "sentimento democrático" de maioria?

Escolho o caminho mais ‘duro’ porque esta também é uma missão dos Direitos Humanos. Ser remédio contra as maiorias. Devem garantir as maiorias, ainda que seja coibindo os excessos cometidos por esta. Maioria não quer dizer, necessariamente, correto. Isto parece claro e fica mais claro ainda se se pensar na "Revolução Iraniana de 1979", onde um Aiatolá mudou a história, do oriente e do ocidente, inclusive o nosso dicionário, que hoje contempla termos como fundamentalista e xiita.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não vejo resposta para o problema do direito fora do direito. Usarei a tese do ordenamento – à Kelsen and company –, do sistema (obrigado Luhmann e sua trupe), da ponderação (valeu, Sarmento e companhia), dos princípios (volta aqui e explica, Alexy), da verdade (ainda estou de queixo, Lênio) ou do método de Gadamer. Quero tudo, porque quero texto, contexto e pretexto. Aceito tudo para negar o hibridismo. Modelo chega de motorista. Top model de driver...

Acredito que, partindo do pressuposto correto (preservação da Dignidade da Pessoa Humana), pouco importa o nome do método. O que se quer é vida digna. Se vai se chegar a isto pela seita, tudo bem. Democracia é respeito à perspectiva do outro. Preciso respeitar porque quero ser respeitado, à Cristo: ao próximo como a ti mesmo. Assim, só venço a arte da guerra quando conheço a mim e ao outro. Posso sempre fazer isto? Não. Então, preciso me colocar no lugar do outro quando puder. Abstração não é mágica e, até ela, tem limites. Duvida? Experimenta comparar a dor do parto com o chute no saco...

Preciso assumir que a pessoa é o pressuposto do direito para ter um núcleo duro. Do contrário, terei conveniência. Do contrário, preferirei puxar saco à carroça, esquecendo que o puxa saco vê o escroto, enquanto o burro vê o horizonte, ainda que estreitado pela viseira.

Do que se expõe tenho que: universalismo é só vaidade. É só uma capacidade de comparar o que é incomparável. É só a capacidade de fazer o ano do sol ser matematicamente (e não filosoficamente) igual ao da terra. Abstração é bom? Sim. Mas abstração demais é vaidade.

Devo me preocupar com o outro, mas devo começar a fazer isto por mim. Não mudo a vida do meu irmão de sangue, porque ele é livre e igual. Posso dar dicas? Sim. Mas não posso viver sua vida. Se fizer isto, estarei negando sua condição de dignidade. Isto não é razoável, embora seja bem possível, sobretudo na ditadura.

Do que se expõe, temos que o reclamo de Lenio clama aos céus e nos faz perguntar: até quando nossa república não será de ninguém? Até quando o crime de colarinho branco será de menor potencial ofensivo? Até quando o juiz, do auto de seu Iphone com 10.000 músicas baixadas da internet, vai mandar para prisão o vendedor de CD pirata porque o infeliz é criminoso e desrespeita direito autoral, gerando desemprego.

Até quando o estado (em minúsculo, por opção) vai anteceder à pessoa. Até quando o Estado será maiúsculo e o eu será minúsculo? Até quando uma máquina de uma gravadora multinacional, que faz milhares de cópias em pouco tempo, será mais importante que milhares de famílias que vivem do comércio de mídias não-autorizadas? Até quando vão chamar a parte patrimonial do "direito autoral" de Direito da Personalidade para, em nome de uma pretensa ofensa à Dignidade Humana, se aplicar a pena base do ECAD: dois anos de reclusão! Até quanto vão chamar patrimônio de pessoa para continuar cobrando serviços à comunidade e cestas básicas no procedimento de comutação da pena aplicada? Até quando o direito brasileiro vai se travestir?

Até quando quem está no caminho certo deve ser punido em nome do sentimento democrático de maioria? Os direitos humanos devem ser levados a sério. É chegada a hora...

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Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. Democracia, cidadania e direitos humanos.: O que é proporcional, razoável ou correto?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1983, 5 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12045. Acesso em: 18 abr. 2024.

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