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Simulação e falência: um estudo comparado das mudanças nas legislações civil e falimentar

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12/12/2008 às 00:00
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4 SIMULAÇÃO NA LEI 11.101/2005

Inicialmente, no que diz respeito à simulação na Lei n° 11.101/2005, trataremos deste problema perante os credores. Assim, apresentaremos, nas próximas linhas, as conseqüências da simulação quando emitida pelos credores, ou seja, quando estes simularem algo.

O objeto da simulação, quando esta parte dos credores, é, via regra, o crédito. Como o crédito é algo incorpóreo, abstrato, precisa de uma representação concreta, material, a qual comprovará a relação obrigacional existente entre o devedor de que trata a Lei em análise e aquele que alega ser o credor. Se, de fato, existir a obrigação, estaremos diante de uma relação creditícia entre essas duas partes.

O estado de falência é caracterizado pela impossibilidade, por parte de determinado devedor, de adimplir as obrigações por ele assumidas. A sistemática da Nova Lei privilegiou a recuperação da atividade empresarial, ao contrário do que fazia o Decreto-Lei, muito mais preocupado com a recuperação do empresário individualmente considerado. Atualmente, portanto, a regra é de que só se opte pela falência quando não houver outro caminho mais viável e menos gravoso, já que a atividade empresarial deve ser preservada quando possível.

Quando se mostrar viável o salvamento da atividade empresarial, deve-se proceder ao que a Lei chamou de Recuperação da Empresa, seja ela Judicial ou Extrajudicial; a primeira, porém, recebeu maior atenção do Legislado, o que nos faz crer que ela se trata da opção por ele preferida entre as duas.

Tanto na Falência quanto na Recuperação Judicial, existe a fase comum da habilitação dos créditos, momento em que os credores comparecem para alegar serem titulares de crédito, o que implica passarem eles a ser os litisconsortes ativos necessários do processo falimentar, após a habilitação. Ciente de que os créditos não são todos iguais, o Legislador os dividiu em três categorias, as quais são a dos créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho, a dos créditos com garantia real e dos créditos quirografários, com privilégio especial ou com privilégio real [17].

O processo de habilitação dos créditos foi tratado de maneira comum tanto para a Falência quanto para a Recuperação Judicial, mas há diferenças quanto aos momentos que antecedem a habilitação. Para a Recuperação Judicial, preceitua a Lei que o juiz, estando corretamente juntada a documentação exigida pelo artigo 51 [18], deverá ser deferido o processamento, devendo o magistrado tomar as atitudes previstas ao longo dos incisos da cabeça do artigo 52 [19], bem como deve tomar a providência de que trata o parágrafo primeiro deste artigo:

§ 1º O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;

II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;

III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7º, § 1º, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

É a partir da publicação desse edital que podem os credores requerer a habilitação dos seus créditos, tendo prazo de quinze dias para fazê-lo [20]. A relação de credores constante no edital não é definitiva, sendo sábios os dizeres de Gladstone Mamede:

A relação de credores não é um retrato do passivo da empresa; não diz de seus credores nem de seu valor (nem do todo, nem de cada parte); é, isto sim, um retrato das pretensões sobre o ativo da empresa: a relação daqueles que pretendem direitos sobre esse ativo, que se pretendem credores, bem como dos respectivos valores. Melhor seria, portanto, chamá-la de relação de pretensos credores (…) (2006:161).

Isso se dá em decorrência da possibilidade de se impugnarem os créditos apresentados na relação de credores. Os legitimados ativos para proporem a impugnação são o devedor ou seus sócios, o Comitê de Credores, qualquer outro credor ou o Ministério Público, sendo o prazo de dez dias contado a partir da publicação do edital, nos termos do artigo 8º da Lei de Falências. A impugnação é outro processo judicial, e, como tal, exige petição inicial própria; necessárias se fazem as provas daquilo que está sendo alegado.

Em se tratando de processo apartado, possui rito próprio, previsto entre os artigos 13 e 17 da referida Lei. Como o credor que tiver seu crédito impugnado pode ser o legítimo detentor deste, o juiz, a fim de evitar que se cometa injustiça, deve determinar a reserva desses valores [21]. Ao final do procedimento da impugnação, restará provada legitimidade ou a ilegitimidade do crédito.

Muitas são as razões que podem justificar a impugnação de determinado crédito. Entre elas, certamente, está a de que o crédito apresentado na habilitação é oriundo de simulação ou outro vício dos negócios jurídicos. Sendo a simulação, conforme demonstrado em páginas anteriores, problema de ordem pública, de acordo com o Código Civil de 2002, pode vir a ser alegada a qualquer tempo.

Para os efeitos de falência ou de recuperação judicial, a Lei 11.101/2005 concedeu aos mesmos legitimados para impugnar crédito a possibilidade de se manifestarem, pedindo a exclusão, a nova classificação ou a retificação de crédito que fora descoberto como sendo proveniente de fraude [22]. É claro que nada impede que seja alegada a simulação depois do término da falência ou da recuperação judicial, pois, como já foi exposto, passou a ser a simulação causa de nulidade do ato jurídico; acontece que, estando terminados esses procedimentos, a pendenga judicial será entre o devedor e o falso credor, ultrapassando os limites do estudo por nós hora realizado. Portanto, para os objetivos deste trabalho, é mais interessante que analisemos a possibilidade de alegação de simulação ao longo de todo o processo de falência ou de recuperação judicial.

O Administrador Judicial, que é figura comum tanto à falência quanto à recuperação judicial, tem esse poder de se manifestar no processo quando perceber que se está diante de simulação. Em regra, a atuação do administrador é imparcial, não lhe cabendo qualquer valoração quanto aos créditos por ele próprio relacionados. Uma de suas primeiras tarefas é levantar a lista dos possíveis credores a partir da análise dos livros da empresa, onde podem ser encontrados dados efetivos sobre o passivo da empresa. Entretanto, há situações que podem levar ao administrador o conhecimento de que houve simulação, sendo seu dever, perante a empresa que está administrando momentânea ou definitivamente, zelar pela sua pronta recuperação, se for o caso e recuperação judicial, ou pela satisfação completa e definitiva dos credores, caso tenha se dado a falência. Assim, firma-se a sua obrigação de tomar as providências encontradas no artigo 19 da Lei de Falências. É importante lembrar que é dever do administrador judicial se manifestar nos casos em que a Lei prever, de acordo com o artigo 22, I, i.

Igualmente, cabe ao Comitê de Credores, criação da Nova Lei de Falências [23], se manifestar quando a referida Lei determinar, de acordo com o artigo 27, I,f. Assim, o caso previsto pelo artigo 19 é de expressa previsão legal para manifestação do Comitê de Credores, o que implica que essa manifestação se constitui dever do Comitê, e dever é algo que precisa ser seguido.

Por fim, o legislador falimentar reservou àquele que se caracterizou, ou mesmo tentou se caracterizar, como credor um tipo penal próprio. Trata-se do crime falimentar de habilitação ilegal de crédito. Diz a Lei:

Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A partir da análise do tipo penal, percebe-se a existência de algumas condutas típicas. Incorre no crime aquele que apresentar (1) relação de créditos, (2) habilitação de créditos ou (3) reclamação, sendo elas, necessariamente, falsas. Há, ainda, outra conduta, esta mais interessante ao nosso trabalho, que é a juntada de título falso ou simulado.

O caráter de ordem pública de que se revestiu a simulação com o Código Civil de 2002 é perceptível através da análise da tipificação desta conduta. Não só é nula a obrigação oriunda de título simulado; aquele que agiu no sentido de simular título comprovador de relação creditícia é criminoso e, ficando comprovada a sua conduta, recebe pena bastante dura.

§13

Tendo traçado comentários às relações entre simulação e credores, ou, mais precisamente, entre as simulações realizadas por credores, analisando as conseqüências desses atos, passaremos agora à discussão dos atos de simulação perpetrados pelos devedores, tanto na falência quanto na recuperação judicial.

Não há dúvidas de que a falência é um dos institutos mais complexos e interessantes do Direito. A situação que se forma após a caracterização de um devedor, empresário ou sociedade empresária, como falido é singular, e singulares são, também, as medidas que devem ser tomadas para sanar os problemas daquele que não tem condições de arcar com as suas dívidas.

A principal característica de um devedor falido é a sua impontualidade. Tem-se, portanto, grande conflito: alguém tem dívidas cujo vencimento está marcado para determinado dia; este dia chegou, mas, por algum motivo, o devedor não as adimpliu. Normal é a empresa deixar de pagar suas dívidas no período marcado, e diversas razões podem originar essa impontualidade. A empresa pode estar passando por dificuldades financeiras momentâneas oriundas, por exemplo, de outra dívida, na qual ela figura como credora, e, sendo esta adimplida, fará com que novos fundos entrem na empresa para que sejam pagas as suas dívidas. Conclui-se, assim, que nem todo devedor impontual está realmente falido.

Acontece que, estando a impontualidade conjugada com outro estado do devedor, a falência estará muito próxima de se concretizar. Esse estado a que nos referimos é o de insolvência, a qual "é a condição de quem não pode saldar suas dívidas" (ALMEIDA, 2007:23). Não é qualquer dívida que caracteriza um devedor com insolvente. É precisa que existam muitas dívidas, ou, pelo menos, um montante de dívidas numeroso frente ao patrimônio da empresa. Esse montante de dívidas é chamado de passivo, que consiste, desta forma, em tudo o que a empresa deve. Do outro lado, tudo aquilo de que a empresa dispõe para arcar com as suas obrigações, seja em dinheiro ou em bens, constitui o seu ativo. É característico do estado de insolvência, portanto, um passivo maior do que um ativo.

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Essas situações caracterizam, genericamente, a falência. Há, porém, outros casos que, se acontecerem, também caracterizam a falência. Esses, todavia, estão geralmente ligados à essência da idéia transmitida pela insolvência e pela impontualidade. Nas linhas a seguir, comentaremos cada um desses casos.

O Legislador Falimentar de 2005 trouxe, no artigo 94 da Lei, aquilo que a doutrina chama de Atos de Falência. Esses atos, uma vez identificados, são suficientes para caracterizar um devedor como falido. Como já dissemos, a idéia transmitida por esses atos é bastante ligada às idéias de insolvência e de impontualidade. Leiamos, então, a íntegra do artigo referido:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

§ 1º Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.

§ 2º Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.

§ 3º Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.

§ 4º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.

§ 5º Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.

Podemos perceber que o Legislador adotou como caracteres principais do devedor falido a insolvência e a impontualidade, mas não de qualquer forma nem de vistas isoladamente. É preciso haver uma conjugação entre elas: não é qualquer devedor impontual que está falido, mas um devedor impontual que não tenha como arcar com as suas dívidas, porque está insolvente, conforme prevê o inciso I, onde o elemento do não-pagamento, característico da impontualidade prepondera sobre os demais; da mesma forma, os elementos da falta de depósito e de nomeação à penhora de bens suficientes para a quitação da dívida preponderam sobre os demais no inciso II, caracterizando, assim, a insolvência, pois se presume que o devedor não indicou os bens porque não os possuiu ou não os tens disponíveis.

Como se percebe da leitura do artigo em seu todo, essas duas hipóteses não esgotam as possibilidades de caracterização da falência. O inciso terceiro indica situações que também caracterizam o devedor como falido, ressalvando expressamente se elas forem parte de plano de recuperação judicial, como medidas para salvar a empresa.

As duas últimas situações, presentes nos incisos f e g, diferem em essência dos outros. Enquanto na primeira delas há o abandono da empresa sem deixar substituto em condições de continuar o comando dos negócios, na segunda está prevista hipótese genérica de descumprimento de obrigação assumida em plano de recuperação judicial. Este, conforme analisaremos em seguida, traz obrigações e metas que devem ser cumpridas pelo devedor para que possa ser salvada a atividade empresarial, constituindo benefício concedido à empresa; caso esta não atue conforme o que foi estabelecido, será decretada a falência. Assim, percebe-se que essas duas hipóteses de atos de falência não são tão próximas das cinco outras constantes no mesmo inciso.

Essas outras hipóteses, previstas entre os incisos a e e, nos interessam mais, no que diz respeito ao trabalho em desenvolvimento, do que as demais previstas no artigo. Isso porque elas possuem uma característica em comum, que é a prática de ato com o intuito de enganar os devedores, para fingir que está insolvente. Assim, ou pratica atos com intuito de enganar a todos os credores ou para pagar a uns e deixar outros sem receber. São grandes espécies de simulação as cinco primeiras hipóteses no artigo 94, III, apesar de a Lei ter usado o termo simulação somente em alguns deles. Entretanto, não importando quais os vocábulos de que lançou mão o Legislador, parece-nos bem mais importante compreender a natureza dos atos praticados, e claro resta que eles têm o intuito de simular situações que, de fato, não existem. Assim, analisaremos cada uma dessas cinco hipóteses, afim de que fique comprovada a tese de que elas todas consistem em simulações.

A primeira hipótese dos atos de falência pode ser decomposta em três subespécies distintas (Cf. MAMEDE, 2006:330). Num primeiro momento, pode ser decretada a falência se o devedor liquidar precipitadamente os seus ativos, ou seja, quando ele transforma o seu patrimônio em dinheiro de forma precipitada [24]. Desta forma, tem-se que, quando o devedor passa a se desfazer de seus bens, dando aparência de que ou está tentando se livrar de bens que podem vir a servir de garantia em futura execução contra ele, pode-se caracterizar estado de falência.

Em seguida, a mesma alínea trata do caso de o devedor lançar mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos. Segundo Amador Paes de Almeida, bastante comum, para caracterizar esta hipótese é a emissão de duplicatas frias, "assim consideradas aquelas que não correspondam à efetiva transação mercantil" (2007:76). Aqui, sim, tenta-se enganar os credores, agindo o devedor de maneira fraudulenta. Entre esses meios ruinosos ou fraudulentos, pode-se incluir a simulação, especialmente a hipótese prevista no artigo 167, §1º, II, do Código Civil [25].

A alínea seguinte do artigo 94, III, da Lei de Falências determina ser ato de falência a realização de negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro. A Lei diz que esse terceiro pode ou não ser credor e também não exige a efetiva realização desses atos, bastando que se prove que ele tentou realizar. Aqui a Lei fala expressamente em simulação, considerada como uma das hipóteses do artigo 167 do Código Civil. O intuito, entretanto, é bastante específico, pois o que se quer é diminuir, através da simulação, o ativo para que nem alguns ou todos os credores sejam prejudicados.

Há dois condicionamentos: o primeiro trata do percentual do patrimônio alienado, que pode ser em sua totalidade ou em parte; o segundo, por sua vez, versa sobre aquele que faz parte do negócio simulado, que pode ser credor ou não. Se alienado todo o patrimônio, é óbvio que nada restará para que fique garantida a solvabilidade do devedor; restando percentual, porém, alguns créditos poderão ser adimplidos, mas ainda não será o ideal, tanto porque haverá outros créditos inadimplidos quanto porque havia grande parcela do patrimônio que auxiliaria ao adimplemento da maioria dos créditos e, por conta do negócio simulado, não mais poderia fazer parte do ativo.

Elemento essencial a esta hipótese é a vontade de prejudicar, a qual é parte fundamental da simulação. Mamede fala da necessidade de se caracterizar o dolo específico no comportamento ora analisado, precisando, assim, da

intenção consciente de que o comportamento se realiza para criar uma situação de insolvência, em prejuízo dos credores. Daí o fundamento específico da decretação da falência: a má-fé do empresário ou administrador societário que age para enfraquecer a garantia genérica dos credores qual seja, o patrimônio ativo da empresa, transferindo-o a terceiros por meio de negócios simulados ou fraudulentos, bem como por atos que, mesmo não construindo-se como imitações ou falseamentos, revelam a intenção clara de esvaziar e enfraquecer o patrimônio ativo, tornando provável que as obrigações constantes do patrimônio passivo fiquem a descoberto, isto é, não sejam satisfeitas. (2006:335)

Outra espécie de simulação assim considerada expressamente pela Lei é a da alínea d, quando se refere à simulação da transferência do principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor. A definição de principal estabelecimento não é legal, mas, sim, doutrinária. É o local de comando, de onde partem as ordens da administração empresarial, sendo, em outros termos, a sede da administração (Cf. ALMEIDA, 2007:67). Levando-se em consideração que a competência para o juízo falimentar é do principal estabelecimento [26], a simulação da transferência é manobra utilizada para dificultar o pedido de falência ou mesmo a fiscalização tributária e trabalhista (Cf. ALMEIDA, 2007:77). É medida que se utilizada para o mal, pode ser bem eficaz, por obstar a aplicação da justiça, sendo, por isso, proibida.

Na mesma esteira da hipótese anterior, ainda tratando de transferência de estabelecimento, diz a Lei que se caracteriza ato de falência a transferência deste a terceiro, independentemente de ser credor. Não é qualquer transferência, todavia, que faz incidir esta determinação legal, necessário se fazendo (1) a falta de consentimento de todos os credores, e (2) a falta de bens suficientes para solver o passivo. Neste caso, ao contrário da hipótese comentada no parágrafo anterior, não há distinção entre estabelecimentos, podendo ser o principal ou qualquer outro, sendo considerado estabelecimento aquilo que assim foi definido pelo Código Civil de 2002 [27]. A importância do estabelecimento é imensa, pois, nas palavras de Mamede, ele funciona como

garantia genérica, não especializada, das obrigações assumidas, ex volutate ou ex legibus, no desempenho das atividades empresariais. Se com aquele que transfere o estabelecimento não restam bens suficientes para solver seu passivo, ou seja, para atender às obrigações empresariais, a alienação só será considerada plenamente eficaz se todos os credores forem pagos ou se consentirem com a transferência (…) (2006:337).

É necessário, desta forma, que, para haver a transferência do estabelecimento, sejam cumpridas as exigências legais. Acreditamos que o consentimento dos credores, em sua totalidade, quanto à transferência se ergue como mais importante para a situação, uma vez que, tendo o devedor obtido esse posicionamento, se faz possível a transferência independentemente de haver bens suficientes para solver o passivo.

Por fim, a derradeira hipótese de que trataremos por hora é a da alínea e, a qual versa sobre dação ou reforço de garantia a credor por dívida contraída anteriormente. Para que se caracterize a hipótese hora desenhada, porém, é preciso que o devedor, ao garantir dívida, que deve ser necessariamente anterior, fique sem bens livres para saldar as suas outras dívidas. Ao definir tal situação como ato de falência, quis o Legislador evitar a preferência de um ou alguns credores em detrimento de outros, ficando estes seriamente prejudicados quando da hora de receberem o que lhes é devido. Evita-se, também, a simulação com este inciso, pois poderia haver acerto entre devedor e algum dos credores para simular dação em garantia, com o intuito de prejudicar os outros devedores.

§14

No que diz respeito ao papel do devedor e a sua relação com a simulação na recuperação judicial, é preciso que se façam algumas especificações, abordando, inicialmente, a própria recuperação judicial, para, em seguida, passarmos ao tema propriamente dito.

A principal diferença entre os Diplomas Falimentares de 1945 e de 2005 diz respeito à mudança de prioridade dos objetivos de ambos. No Decreto-Lei, pretendia-se, principalmente, preservar o empresário, fazendo com que a execução falimentar fosse a menos gravosa possível para ele. Com a Lei 11.101/2005, ao mesmo tempo em que se garante o menor prejuízo possível ao empresário, transfere-se o foco de centro das atenções deste para a empresa, compreendida como atividade empresária. Portanto, tenta-se salvar a empresa, e, não sendo possível, tenta-se recuperar a atividade empresarial.

O salvamento da empresa se dá através da chamada recuperação, que pode ser judicial ou extrajudicial. A primeira, no nosso entender, foi privilegiada pelo legislador, já que a maior parte da Lei foi a ela reservada.

É preciso que se tenha em mente que nem todas as empresas podem ser recuperadas. Certo é que se deve buscar a sua manutenção, mesmo porque é interessante para economia nacional que o menor número possível de empresas quebre, além do que, é claro, a falência provocará a perda do emprego dos trabalhadores ligados à empresa. Contudo, estabelece a Lei de Falências restrições à recuperação judicial, podendo requerê-la o empresário individual ou a sociedade empresária que estiverem dentro das condições estabelecidas pela Lei [28].

A fim de que se atinja o intuito de recuperar a empresa, o devedor deve aprontar um plano de atividades a serem seguidas, para que, ao término no prazo estabelecido, as dívidas tenham sido adimplidas e a empresa deixe a condição de insolvente, ou seja, deixe ter passivo maior do que o ativo. O plano de recuperação judicial acompanha o pedido feito pelo devedor, juntamente com a vasta documentação discriminada pelo artigo 51 [29]. Furtar-nos-emos de comentar pormenorizadamente a documentação requisitada, por fugir do tema do nosso trabalho.

Ao verificar a documentação juntada à petição inicial, deve o juiz deferir o processamento da recuperação judicial. No mesmo ato, deve tomar algumas providências [30], dentre as quais a nomeação de um administrador judicial, figura chave desta secção da nossa pesquisa.

Figura essencial tanto na falência quanto na recuperação judicial, o administrador judicial "não é simples representante do falido, mas um órgão auxiliar da justiça" (ALMEIDA, 2007:200). A lista das suas competências é extensa, mas é preciso que se lembre que não compete nem a ele nem ao Comitê de Credores, quando este houver, a condução dos negócios da empresa. Esta, como regra, continua sendo gerida pelo devedor ou por seu administrador. Portanto, não nos confundamos: existe a figura do administrador judicial, cujas funções são discriminadas pelo extenso artigo 22 da Lei de Falência, diferente, porém, do administrador da empresa, que é aquele que conduz os negócios empresariais desde antes da falência ou da recuperação.

A condução dos negócios durante a falência ou a recuperação judicial, assim, é tarefa do próprio devedor ou mesmo de administrador seu, que pode ter sido investido no cargo antes da decretação da falência ou do deferimento da recuperação. Assim, frise-se novamente, o poder de decisão dos negócios cabe ao devedor. Esta é uma garantia importante e que faz parte da presunção de boa-fé do devedor, a qual, presume-se, chegou à situação hora descrita não por sua vontade ou por maldade sua, mas fatores outros.

Comporta, porém, a regra várias exceções, encontradas no artigo 64 da Lei de Falências, o qual agora colacionamos:

Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

Dentre as hipóteses previstas, duas se apresentam como interessantes ao nosso trabalho. A primeira delas é a do inciso III, que versa sobre a atuação com simulação contra o interesse de seus credores. Ora, para que o devedor continue gerindo o seu negócio é preciso que fique demonstrada a confiança tanto do juiz quanto, principalmente, dos credores, uma vez que é através desse gerenciamento que a empresa vai se recuperar, rendendo vencimentos que serão utilizados para o cumprimento das obrigações perante os credores. Não existindo mais essa relação de confiança, não há como se manter o devedor ou seu administrador na gestão dos negócios.

É preciso que se frise que essa atuação com simulação, que deve, não custa lembrar, ser intencional, precisa ser comprovada e pode ter sido antes mesmo do aforamento do pedido (ALMEIDA, 2006:276). A intenção de falamos é de prejudicar os credores, característica essencial da simulação.

O outro caso trazido por este artigo está na alínea d do inciso IV. Trata-se da simulação dos créditos apresentados perante a relação nominal dos credores de que trata o artigo 51, III da Lei de Falências. É o lançamento na relação de credores de obrigações inexistentes. Conforme Mamede, "também há simulação de crédito quando se tem uma alteração na qualidade do crédito" (2006:289). Ressalva, entretanto, que, se ficar justificada a ação em virtude relevante razão de direito ou em amparo de decisão judicial, descaracterizada ficam os efeitos da simulação.

Não poderíamos encerrar esta secção sem dizer que, verificada alguma das hipóteses do artigo 64, deve o juiz convocar assembléia-geral de credores para escolher um gestor judicial, este sim com poderes de comando, que passará a gerir a empresa, conforme preleciona o artigo 65.

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Sobre o autor
Gustavo César Machado Cabral

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Gustavo César Machado. Simulação e falência: um estudo comparado das mudanças nas legislações civil e falimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1990, 12 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12074. Acesso em: 27 dez. 2024.

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