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Quebra do sigilo bancário no sistema BacenJud

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16/12/2008 às 00:00
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3 SISTEMA BACEN JUD

O Sistema Bacen Jud é o conjunto de elementos de informática, que fornece um veículo de comunicação entre os juízes e os bancos, através da Internet, e que possibilita a realização da penhora on-line de ativos financeiros.

Ao contrário do que se pode concluir da leitura de alguns trabalhos – como, por exemplo, o de José Ronemberg Travassos da Silva [21] – a penhora não é a única funcionalidade do Sistema Bacen Jud. Também é possível realizar mero bloqueio de valor, bloqueio total da conta, solicitação de saldos, extratos bancários e endereço de clientes do Sistema Financeiro Nacional. Também está prevista a possibilidade de se comunicar e extinguir falência.

No Sistema Bacen Jud, a penhora é efetuada em duas etapas. Na primeira, ocorre o simples bloqueio do valor, que gera apenas a impossibilidade de movimentação do montante afetado. O numerário permanece na conta bloqueada. Na segunda etapa, o valor é transferido para uma conta judicial em banco oficial. Nesse momento, o valor fica à disposição do juízo e passa a sofrer atualizações monetárias.

É oportuna a discussão de Cláudia Campas Braga Patah, segundo a qual "existe uma diferença conceitual entre bloqueio e penhora". [22] Citando Marco Aurélio Aguiar Barreto, ela explica que

no bloqueio, o dinheiro permanece na mesma conta onde depositado, mas impossibilitado de ser utilizado. Já na penhora on line, há a retirada do bem da esfera patrimonial do devedor, passando para conta judicial, vinculada a determinado processo e à disposição do juízo. [23]

Essa discussão é relevante para questões de ordem prática, como por exemplo a incidência da CPMF, que não ocorre no momento do bloqueio, mas apenas quando há efetiva penhora on-line, pois somente nesse momento há transferência de titularidade do dinheiro.

Além disso, existe imposição legal para que valores penhorados sejam depositados em bancos oficiais (Lei de Execuções Fiscais, art. 32 [24] e Código de Processo Civil, art. 666, I [25]). Não existe, porém, a mesma imposição para valores que foram apenas bloqueados. Por isso, valores bloqueados em bancos privados neles podem permanecer até que se determine a penhora, ocasião em que o montante deverá ser transferido para um banco oficial.

Por fim, a devolução do valor ao executado, por qualquer motivo, é mais fácil nos casos em que houve apenas um bloqueio. Isso porque, em tese, o valor nunca foi removido da conta bancária, mas somente tornado indisponível. Por isso, para que seja devolvido, basta que o magistrado efetue o comando de desbloqueio no sistema Bacen Jud. Dessa maneira, num prazo de até quarenta e oito horas o valor volta a ficar disponível. Quando, ao contrário, o numerário foi penhorado, a devolução é mais burocrática. Isso porque, além de ter sido retirado da conta, o valor pode, inclusive, estar depositado em outra instituição financeira.


4 CONVÊNIO BACEN/TST

O Convênio BACEN/TST é o que imprecisa e vulgarmente se chama de Convênio Bacen Jud. Trata-se apenas de um documento que formaliza a colaboração técnico-institucional entre os órgãos acima citados, para possibilitar o uso do Sistema no âmbito da Justiça do Trabalho.

O convênio que tornou possível o uso do sistema Bacen Jud na Justiça do Trabalho foi o Convênio BACEN/TST-2002, subscrito em 05 de março de 2002, e concerne ao sistema Bacen Jud 1.0.

Atualmente, existe também o Convênio BACEN/TST-2005, que foi assinado em 22 de setembro de 2005, referente ao sistema Bacen Jud 2.0.

Desde dezembro de 2005 não é mais permitida a solicitação de bloqueio através do primeiro sistema. Entretanto, o convênio de 2002 continua vigente, tendo em vista que os valores bloqueados no Bacen Jud 1.0 não foram migrados para o sistema atual, e eventuais solicitações de desbloqueio devem ser efetuadas ainda pela versão anterior.


5. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

A possibilidade de quebra do sigilo bancário foi uma das maiores preocupações dos que se insurgiram contra o sistema Bacen Jud. O tema ensejou, inclusive, propositura das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 3091 e n.º 3202. Atualmente, embora as ações ainda não tenham sido julgadas, as discussões a esse respeito têm sido enfraquecidas.

Quando se diz que o Bacen Jud é inconstitucional porque quebra o sigilo bancário do devedor, a primeira reação dos defensores do sistema é dizer que a penhora on-line não quebra o sigilo, porque não informa a movimentação financeira do cliente bancário, mas apenas aprisiona o valor solicitado. Esse argumento é questionável. Explica-se.

Ao longo deste trabalho, tentou-se explicar que a penhora on-line é apenas uma das diversas funções do sistema Bacen Jud, ou seja, que penhora on-line e sistema Bacen Jud não se confundem. A penhora on-line realmente não explicita as movimentações financeiras do devedor. O máximo que se pode saber é que o cliente bancário dispunha do valor que foi aprisionado, ou que não possuía valor algum depositado em contas bancárias.

Entretanto, é possível a solicitação de extratos bancários através do sistema Bacen Jud, independente de se realizar a penhora. Mas não se pode afirmar que, por isso, o sistema é inconstitucional, pois os Poder Judiciário é competente para decretar a quebra do sigilo bancário e os juízes estão autorizados a solicitar informações ao Banco Central, por força da Lei Complementar n.º 105/2001, art. 1º, § 4º [26] e art. 3º caput [27].

Sobre esse tema, Rodolfo Pamplona Filho já ensinava em 2002 que:

Por força de norma legal, já é permitido aos juízes determinar o bloqueio de ativos financeiros e obter de entidades públicas ou privadas as informações necessárias para a instrução de processos, respeitadas as regras constitucionais e processuais vigentes. [28]

Além disso, até o ano de 2005, quando existia apenas o sistema Bacen Jud 1.0 e os bloqueios de valores eram efetuados manualmente por um funcionário da instituição financeira, a solicitação dos extratos bancários era importante ferramenta para que os juízes pudessem fiscalizar o fiel cumprimento de suas ordens de bloqueio.

Não se pode esquecer também que, assim como não há princípios absolutos, o sigilo bancário tem sido mitigado em várias hipóteses. Obrigadas pela Lei n.º 9.613/98, as instituições financeiras devem informar aos órgãos competentes do Estado qualquer movimentação financeira de seus clientes que constituam indício de lavagem de dinheiro, sobretudo as de elevado valor. O próprio recolhimento do CPMF, que acontecia até o ano passado, acabava por expor grande parte da movimentação financeira do correntista. Aliado a isso, ainda existe a obrigação que tem o próprio contribuinte de informar à Receita Federal a posição financeira de suas contas bancárias em declaração de imposto de renda.

Se o sigilo bancário pode ser quebrado para fins de fiscalização e tributação, como não fazê-lo em nome da execução de créditos trabalhistas e da efetividade processual?

Alexandre de Moraes acrescenta que

os sigilos bancário e fiscal são relativos e apresentam limites, podendo ser devassados pela Justiça Penal e Civil, pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e pelo Ministério Público uma vez que a proteção constitucional do sigilo não deve servir para detentores de negócios não transparentes ou de devedores que tiram proveito dele para não honrar seus compromissos; [29]

Ademais, a jurisprudência tem demonstrado grande tranqüilidade no uso do sistema Bacen Jud com a finalidade de localizar bens do devedor e demonstra a desnecessidade de se requerer previamente a quebra do sigilo:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.

INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA

BACEN JUD.

[...]

3. A regra é a de que a quebra do sigilo bancário em execução fiscal pressupõe que a Fazenda credora tenha esgotado todos os meios de obtenção de informações sobre a existência de bens do devedor e que as diligências restaram infrutíferas, porquanto é assente na Corte que o juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN após o exeqüente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens.

4. Precedentes: RESP 282.717/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11/12/2000 RESP 206.963/ES, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 28/06/1999, RESP 204.329/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 19/06/2000, RESP 251.121/SP, Min. Nancy Andrighi, DJ de 26.03.2001.

5. Todavia, o sistema BACEN JUD agiliza a consecução dos fins da execução fiscal, porquanto permite ao juiz ter acesso à existência de dados do devedor, viabilizando a constrição patrimonial do art. 11, da Lei nº 6.830/80. Deveras é uma forma de diligenciar acerca dos bens do devedor, sendo certo que, atividade empreendida pelo juízo, e que, por si só, torna despiciendo imaginar-se um prévio pedido de quebra de sigilo, não só porque a medida é limitada, mas também porque é o próprio juízo que, em ativismo desejável, colabora para a rápida prestação da justiça.

7. Destarte, a iniciativa judicial, in casu, conspira a favor da ratio essendi do convênio. Acaso a constrição implique em impenhorabilidade, caberá ao executado opor-se pela via própria em juízo.

8. Recurso Especial provido. [30]

Contudo, é extremamente importante que a quebra do sigilo não desborde os limites da necessidade. Com isso, quer-se dizer que, mesmo decretada a quebra do sigilo bancário do executado, somente as informações necessárias à solução do processo devem ser incluídas nos autos. Por exemplo: numa simples execução por quantia certa, via de regra, não é necessário que se conheça a movimentação financeira do devedor, mas apenas o saldo da conta bancária. A inclusão dessas informações nos autos resultaria em invasão injustificada da privacidade do devedor. E, levando-se a análise aos extremos, resultaria em inconstitucionalidade do ato. Isto porque, conforme explica Daniel Sarmento, a restrição a um princípio constitucional deve ser a mínima possível, apenas a necessária para proteção de outro princípio contraposto. [31]

No mesmo sentido é a orientação de Luis Guilherme Marinoni, que sublinha: havendo quebra de sigilo bancário, o processo deve correr em segredo de justiça.

A preservação da intimidade do devedor pode ser garantida através da aplicação de normas já consagradas no CPC. Assim, se uma "informação" contiver dados que desbordem da necessidade do exeqüente, deverá ser extraída uma suma para ser anexada aos autos, devolvendo-se ao respectivo órgão a integralidade da documentação apresentada (art. 363, parágrafo único, do CPC). Além disso, também para se preservar a intimidade, o processo, depois de prestadas as informações, deverá passar a correr em segredo de justiça, aplicando-se o art. 155, I, do CPC. Isso pelo motivo de que a informação é resposta ao direito do credor e, portanto, apenas a ele diz respeito. [32]

Marcelo Lima Guerra também sugere que o processo corra em segredo de justiça:

Da mesma forma, uma vez decretada a quebra do sigilo, impõe-se que o processo passe a correr em segredo de justiça. Com efeito, se revela inteiramente desnecessário, e por isso desproporcional, que resulte públicas as informações obtidas com a referida quebra. [33]

Sem dúvidas, a privacidade do executado não precisa ser exposta ao público, uma vez que a informação é indispensável apenas aos interessados no processo.

Por fim, há de se frisar que o procedimento da penhora on-line dispensa o conhecimento do saldo bancário. Portanto, na esmagadora maioria das vezes, a quebra do sigilo é desnecessária para que se dê prosseguimento à execução. Deve ser medida excepcional, usada para fins de investigação, instrução processual ou qualquer ato justificado pela necessidade e amparado noutro princípio constitucional que, no caso concreto, tenha um peso maior que os princípios da intimidade e da privacidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que o sistema Bacen Jud permite que o magistrado solicite saldos e extratos bancários de clientes do Sistema Financeiro Nacional. Entretanto, não se pode falar em inconstitucionalidade do sistema, tendo em vista que o os juízes têm autorização legal para decretar a quebra do sigilo bancário. Porém, uma vez decretada a quebra do sigilo, o processo deve correr em segredo de justiça, uma vez que não há necessidade de expor ao público a intimidade financeira do investigado.

Por outro lado, a simples penhora de dinheiro através do sistema não quebra o sigilo bancário, porque não expõe saldos ou movimentações financeiras. As informações do sistema, nesse caso, limitam-se à disponibilidade, ou não, do valor solicitado.


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Sobre o autor
Hugo César Azevedo Santana

Bacharel em direito pela Universidade Federal da Bahia, técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Hugo César Azevedo. Quebra do sigilo bancário no sistema BacenJud. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1994, 16 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12088. Acesso em: 24 abr. 2024.

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