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Redução do formalismo excessivo no juízo de admissibilidade

17/12/2008 às 00:00
Leia nesta página:

Considerando o juízo de admissibilidade praticado pelos Tribunais Superiores como a análise de "questões prévias ao conhecimento do mérito recursal"1, sempre considerei sua necessidade como filtro para a melhor atuação dos órgão jurisdicionais superiores.

Porém, nunca entendi – ou nunca quis entender – o excessivo formalismo destes Tribunais em criar, a revelia da lei processual, juízos de admissibilidade que vão além do admissível.

Neste contexto, se insere a exigência de certificação de veracidade do voto divergente ou de peças obtidas na internet.

Sendo assim, não é difícil se deparar com inúmeras decisões do STJ e do TST em que se exige tal certificação, caso contrário se considera deficiente o instrumento para negar conhecimento ao agravo.

Trata-se, evidente, de formalismo excessivo frente as modernas técnicas de obtenção de cópias de documentos introduzidas pela internet como ferramenta de aproximação, inclusive, do Judiciário a população destinatária final a atividade jurisdicional.

Assim, não pode o judiciário fomentar a utilização da internet fornecendo ao mais simples cidadão a possibilidade de acompanhar seu processo, obter cópia de peças contidas neste processo, permitir aos advogados das partes o peticionamento eletrônico, para, ao final, negar conhecimento a recurso, uma vez que não há certificação de, por exemplo, um acórdão inserido em página da internet de outro Tribunal.

Sobre o Juízo de admissibilidade, vale citar José Carlos Barbosa Moreira2:

"para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta – e altamente recomendável – toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos de não-conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento."

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira3,, professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em seu artigo intitulado "O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo" leciona que:

"o formalismo excessivo deve ser combatido com o emprego da equidade com função interpretativa-individualizadora, tomando-se sempre como medida as finalidades essenciais do instrumento processual (processo justo e equânime, do ponto de vista processual, justiça material, do ponto de vista material), e os princípios e valores que estão a sua base, desde que respeitados os direitos fundamentais da parte e na ausência de prejuízo."

Para arrematar, Giuseppe Chiovenda4 nos ensina que:

"Muitas formas são o reflexo das condições sociais e políticas da época; muitas, porém, constituem resquício de sistemas antigos, que se transmitem por um apego, por vezes justificável, por vezes desarrazoado, à tradição, e pelo espírito conservador que domina a casta forense, como toda classe que se educa numa longa preparação técnica. A isto acresce o prejuízo oriundo da aplicação que se faz das formas, não raro com espírito litigioso e vexatório, ou ainda mais por espírito caviloso e formalístico, alimentado pela medíocre elevação e cultura das pessoas chamadas a utilizá-las. Eis aí por que a história das leis e dos costumes forenses nos oferece eterno contraste entre o sentimento da necessidade das formas e a urgência de que as justiça intrínseca, a verdade dos fatos no processo não venha a sacrificar-se a elas; entre a necessidade da presteza nas lides e a de uma cognição e de uma defesa completas."

No entanto, não me parece que seja o único intrigado com o dito formalismo excessivo.

É que o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão unânime da Terceira Turma, decidiu afastar tal formalismo excessivo quanto a certificação de peças obtidas na internet e assim conhecer de agravo de instrumento, vejamos:

"RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.015 - RS (2008/0151790-1)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : CONTERRA CONSTRUÇÕES E TERRAPLENAGENS LTDA

ADVOGADO : CICERO DE QUADROS PERETTI E OUTRO(S)

RECORRIDO : EUNICE CEZAR       

ADVOGADO : KAREN ESPINA DE LIMA E OUTRO(S)

EMENTA

Processual Civil. Recurso Especial. Agravo de Instrumento. Cópia da decisão agravada sem assinatura do juiz, retirada da Internet. Art. 525, I, do CPC.

Ausência de certificação digital. Origem comprovada: site do TJ/RS. Particularidade. Redução do formalismo processual. Autenticidade. Ausência de questionamento. Presunção de veracidade.

- A jurisprudência mais recente do STJ entende que peças extraídas da Internet utilizadas na formação do agravo de instrumento necessitam de certificação de sua origem para serem aceitas. Há, ainda, entendimento mais formal, que não admite a utilização de cópia retirada da Internet;

- O art. 525, I, do CPC refere-se expressamente a "cópias", sem explicitar a forma que as mesmas devem ser obtidas para formar o instrumento;

- Os avanços tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades processuais anteriormente exigidas;

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- Na espécie, há uma particularidade, pois é possível se aferir por outros elementos que a origem do documento retirado da Internet é o site do TJ/RS.

Assim, resta plenamente satisfeito o requisito exigido pela jurisprudência, que é a comprovação de que o documento tenha sido "retirado do site oficial do Tribunal de origem";

- A autenticidade da decisão extraída da Internet não foi objeto de impugnação, nem pela parte agravada, nem pelo Tribunal de origem, o que leva à presunção de veracidade, nos termos do art. 372 do CPC, ficando evidenciado que, não havendo prejuízo, jamais se decreta invalidade do ato.

Recurso especial conhecido e provido, para que o TJ/RS profira nova decisão. "

Veja-se, ainda, que as decisões até aqui proferidas para negar seguimento a recurso cujo instrumento, sobretudo acórdãos paradigmas, não apresentem certificação de autenticidade, chocam-se com a atual redação do artigo 365 do Código de Processo Civil, alterado por força da Lei nº 11.419/06 que instituiu o processo eletrônico.

Vejamos os incisos V, VI e o § 1º do citado dispositivo:

"Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:

V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem;

VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

§ 1º Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória.

Ademais, considerando o princípio da instrumentalidade, não há que se falar em invalidade de peça extraída da internet sem certificação quando esta atingir sua finalidade, sem, muitas vezes, haver impugnação pela parte contrária, ou seja, sem haver manifesto prejuízo.


Notas

1 Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel; Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 32.

2 Temas de Direito Processual, Editora Saraiva, São Paulo, 2007, p. 270.

3 Leituras Complementares de Processo Civil, Organizador Fredie Didier Jr., Editora Podivm, Bahia, 2008.

4 Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Bookseller Editora, São Paulo, 2002, p. 6/7. Tradução do original Italiano "Instituzioni di Diritto Processuale Civile" por Paolo Capitanio.

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Sobre o autor
Alexandre Lima de Almeida

Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Alexandre Lima. Redução do formalismo excessivo no juízo de admissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1995, 17 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12089. Acesso em: 18 abr. 2024.

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