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A assistência jurídica gratuita aos pobres nos Estados Unidos

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29/12/2008 às 00:00
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3. A Assistência Jurídica em Causas Criminais

Consoante já mencionado anteriormente, o fundamento constitucional que confere aos cidadãos norte-americanos o direito de contarem com assistência jurídica gratuita nas causas criminais, incluído o patrocínio de seus interesses em juízo por advogado, encontra-se inscrito no dispositivo da Sexta Emenda [30] à Constituição Federal de 1787. A interpretação acerca da extensão desse direito foi paulatinamente sendo construída pela Suprema Corte norte-americana. Originariamente entendia-se que tal dispositivo tinha como efeito não o de impor ao Poder Público a obrigação de conceder gratuitamente um advogado aos que necessitassem, mas apenas o efeito de impedir os tribunais de recusarem aos acusados a prerrogativa de se fazerem assistir por advogados. Posteriormente evoluiu-se para a idéia de que em certos casos que envolvessem circunstâncias especiais, em que o réu não tivesse recursos para contratar advogado, era dever dos tribunais prover um profissional devidamente habilitado a lhe representar e prestar assistência técnica na apresentação da defesa. Entendia-se, também, inicialmente que tal dispositivo constitucional incidia apenas nos julgamentos criminais realizados perante os tribunais federais. Com a Emenda Constitucional número XIV, que – juntamente com a Emenda XIII – integra as denominadas "cláusulas de igualdade" de 1868, foi estabelecido que as garantias da Declaração de Direitos também se aplicavam aos tribunais criminais dos Estados. Mas ainda se adotava interpretação mais estrita no sentido de que a norma constitucional tinha como finalidade assegurar tão somente a mera prerrogativa de se fazer assistir por advogado e não de impor aos governos estaduais o ônus de prover, gratuitamente, advogados para os que não pudessem pagar pelo serviço.

Somente com o caso "Gideon v. Wainwright", decidido pela Suprema Corte em 1963, firmou-se o entendimento de que também perante os tribunais dos Estados deveria ser assegurado o direito de defesa técnica por advogado, não apenas em "casos especiais" (tal como já fora reconhecido, por exemplo, no caso "Powel v. Alabama", em 1932), mas sim em qualquer caso capaz de sujeitar o acusado a pena de prisão (entendimento que veio a ser consolidado no caso "Argersinger v. Hamlin", de 1972). Do contrário, segundo entendeu a Suprema Corte, estariam sendo violadas as garantias da XIV Emenda ("Due Process of Law" e "Fair Hearing").

Esse direito de assistência jurídica por intermédio de advogado, para defesa em questões criminais, consagrado na Sexta e na Décima Quarta Emendas Constitucionais não se restringe – segundo entendeu a Suprema Corte – apenas à sessão de julgamento; abrange todos os estágios antecedentes tais como "arraignments" [31], audiências e moções ou incidentes preliminares, e possíveis negociações para transação penal (os chamados plea bargaining); também persiste o direito depois de eventual condenação, na fase de prolação da sentença e estabelecimento da pena, assim como na fase de apelação. Em alguns Estados, mesmo sem que haja expressa determinação da Suprema Corte nacional a respeito, o campo de atuação da Defensoria Pública na área criminal alcança a defesa de presos em processos disciplinares no âmbito do respectivo estabelecimento penitenciário, assistência em audiências e procedimentos de revogação do benefício de suspensão condicional da pena, etc.

Como é próprio da Constituição Federal Norte-Americana – característica, aliás, que tem sido decisiva para permitir sua prolongada longevidade no decorrer dos anos, apesar de tantas mudanças sociais, econômicas e culturais – ela se limita a estabelecer princípios e diretrizes gerais, sem detalhar o modo de implementação dos direitos e garantias que assegura. Em muitos casos, esses princípios gerais, apesar de nominalmente permanecerem os mesmos há mais de duzentos anos, em seu conteúdo e significado sofreram processo de grande mutação e de adaptação às novas realidades, sendo decisivo o papel de interpretação e de atualização desempenhado pela Suprema Corte ao longo da história constitucional dos Estados Unidos. Entretanto, mesmo a Suprema Corte é bastante cuidadosa no desempenho do seu papel de intérprete da Constituição. Ela procura sempre deixar a maior margem de autonomia e liberdade para que os Poderes Legislativo e Executivo Federais e, especialmente, para que os Governos dos Estados exerçam de modo mais amplo possível sua prerrogativa de escolher os meios mais apropriados para dar efetividade aos direitos emanados da Carta Constitucional.

Assim, temos que, embora reconhecido paulatinamente pela Suprema Corte o dever - tanto do governo federal quanto dos governos estaduais - de prover assistência jurídica gratuita para todos os cidadãos acusados de crimes cuja pena possa afetar sua vida ou sua liberdade [32], não há nenhuma determinação em sede constitucional, nem tampouco em decisões da Suprema Corte, acerca do formato que deva ser adotado para a efetivação desse direito. Disso resulta que os Estados da Federação têm ampla autonomia para dispor sobre o modo pelo qual esse serviço será prestado. No que toca à esfera federal, o Congresso Nacional decidiu disciplinar essa matéria através da Lei 88-455, de 20 de Agosto de 1964, denominada de "Criminal Justice Act - CJA", traçando diretrizes para a organização dos serviços de Defesa Pública Criminal, cujo detalhamento se verá adiante.

No âmbito dos Estados, ainda que efetivamente subsista plena autonomia para que cada qual disponha sobre a forma pela qual será organizado o serviço público de defesa criminal, um importante papel de harmonização e de indicação de parâmetros mínimos a serem observados vem sendo cumprido por organizações de abrangência nacional que congregam os profissionais jurídicos, notadamente a ABA – American Bar Association (mais ou menos correspondente à Ordem dos Advogados no Brasil) e a NLADA – National Legal Aid and Defender Association. Essas duas organizações, após abalizados estudos e pesquisas conduzidos por acadêmicos de escol, e com base na rica experiência profissional acumulada durante anos por seus membros, fizeram publicar documentos propondo parâmetros (standards) [33] e diretrizes (guidelines) [34] recomendados para a implementação e funcionamento de serviços oficiais de defesa em causas criminais. Nesse mesmo diapasão, outro importante documento que permitiu uma pioneira visão de conjunto acerca do sistema norte-americano de defesa criminal foi o estudo realizado no ano de 1986 pelo Serviço de Estatística do Departamento de Justiça dos Estados Unidos [35].

Apresentamos, adiante, uma visão panorâmica acerca do funcionamento efetivo do sistema de assistência jurídica em matéria criminal prestada às pessoas pobres nos Estados Unidos, primeiramente no âmbito federal e depois no âmbito dos Estados. Essa visão pode ser complementada, como já salientamos acima, pelo que consta dos relatórios que se encontram anexos ao presente trabalho, onde procuramos registrar as impressões hauridas durante o período em que estivemos realizando um estágio de observação in loco nos serviços de assistência jurídica que funcionam nas cidades de Nova York e Baltimore (no Estado de Maryland), no período de outubro de 2003 a março de 2004.

3.2. O Criminal Justice Act e a defesa criminal perante os órgãos da Justiça Federal

Nos processos criminais perante a Justiça federal norte-americana a designação de advogado para defender réus incapazes de arcar com as despesas de contratação de advogado historicamente tem sido considerada uma responsabilidade do próprio Poder Judiciário. Até o ano de 1964, antes da edição da lei federal que regula o assunto, ou seja, o "Criminal Justice Act – CJA", os juízes federais dependiam da colaboração voluntária e caritativa dos advogados que atuavam a título pro bono publico, visto que não havia nenhum sistema estruturado para permitir a remuneração desses serviços. Sob o impacto da decisão da Suprema Corte no caso "Gideon v. Wainwright", de 1963, e dentro do contexto do movimento de afirmação dos direitos civis e de luta pela promoção social das classes pobres que marcaram a década dos 60 nos Estados Unidos, o Congresso Nacional aprovou, am agosto de 1964, essa importante lei que tinha por objetivo estruturar um sistema de prestação de assistência jurídica capaz de assegurar a adequada representação dos acusados em processos criminais perante a Justiça Federal.

O modelo estabelecido pelo CJA manteve a histórica vinculação ao Poder Judiciário do sistema de prestação dos serviços de defesa criminal gratuita. Assim, continuou sendo atribuição dos Juízes designar, dentre os advogados habilitados a atuar perante o respectivo Distrito Judicial, um profissional a ser encarregado de promover a defesa do réu desprovido dos recursos econômicos necessários para arcar com tal despesa. Originariamente havia no texto do CJA apenas a previsão de ressarcimento de despesas feitas pelo advogado em função da preparação do caso, inclusive pagamento de peritos e serviços de investigação. Também estava previsto o pagamento de módica remuneração pelos serviços prestados pelo advogado que fosse designado pelo Juiz, em valores bem abaixo dos praticados pelo mercado, o que exigia uma significativa parcela de voluntariedade do profissional que assumisse o encargo do serviço. Esse quadro foi modificado em 1970, quando foi aprovada uma alteração na Lei em referência, ficando os Distritos Judiciais autorizados a criar Defensorias Públicas para atuar na representação dos acusados pobres.

O propósito inicial da criação das Defensorias Públicas era apenas o de suplementar a prestação dos serviços que já vinham sendo prestados pelos advogados particulares, na base do "caso-a-caso", mediante designação dos Juízes. Mas aos poucos essa acabou se tornando a modalidade principal de prestação dos serviços de assistência jurídica na Justiça Federal em causas criminais. A possibilidade de criação de Defensorias Públicas estava, como ainda está, condicionada à existência de uma demanda superior a 200 pedidos de assistência jurídica por ano no respectivo Distrito. Conforme dispôs, ainda, uma alteração legislativa ocorrida no ano de 1970 duas seriam as modalidades possíveis de criação das Defensorias Públicas: as chamadas "Federal Public Defender Organizations" e as "Community Defender Organizations". Segundo informa o Dr. Theodore Lidz, que é o chefe nacional da Divisão de Defensorias Públicas do governo federal norte-americano:

"Federal public defender organizations are federal entities, and their staffs are federal employees. The chief federal public defender is appointed by the court of appeals of the circuit in which the organization is located in order to insulate the federal public defender from the involvement of the district court before which the defender principally practices. Community defender organizations are non-profit defense counsel organizations incorporated under State laws. When designed in the CJA plan for the district in which they operate, community defender organizations receive sustaining from the federal judiciary to fund their operations. Community defender organizations operate under the supervision of a board of directors and may be a branch or division of a parent State agency that provides similar representation in local courts." [36]

Dos 94 Distritos Judiciais em que se divide a Justiça Federal norte-americana 83 deles optaram por prestar o serviço de assistência jurídica e representação dos acusados em processos criminais através da criação de Defensorias Públicas. Essa tem sido, a toda evidência, a opção majoritária para a defesa criminal perante o judiciário federal. Paralelamente às organizações de Defensorias Públicas mencionadas acima, um número de mais de 10.000 advogados – os chamados "panel attorneys" [37] – também atuam na representação de réus processados perante a Justiça Federal, mediante designação "caso-a-caso", sendo remunerados com base nas horas de serviços efetivamente prestados. Esses advogados privados atuam principalmente na representação e defesa de acusados que respondam a processos criminais nos 11 Distritos da Justiça Federal que optaram por não criar ainda suas Defensorias Públicas. Também atuam em caráter suplementar nos demais 83 Distritos onde já existem Defensorias Públicas Federais implantadas, especificamente nos casos de colidência de interesses entre acusados, quando um deles já esteja sendo assistido pela Defensoria Pública do Distrito [38].

Como nos informa, mais uma vez, o Chefe da Divisão Federal de Defensorias Públicas, Dr. Theodore Lidz [39], a prestação desses serviços de defesa criminal no âmbito da Justiça Federal norte-americana acarretou um custo próximo da casa dos US$ 500 milhões, no ano de 2002, para um total de 133 mil casos assistidos (processos-crime), o que resulta em torno de US$ 3.600 dólares por caso. Os advogados contratados para exercer função de Defensor Público normalmente recebem salários fixados com base anual, independentemente do número de casos em que efetivamente atuem. Já os advogados particulares, quando designados pelos Juízes nas hipóteses acima mencionadas, recebem remuneração com base na quantidade de horas de trabalho dedicadas à defesa respectiva, que varia entre o valor de US$ 90 (noventa dólares) para os casos ordinários a US$ 125 (cento e vinte e cinco dólares) por hora nos "capital cases" (em que haja possibilidade de aplicação de pena de morte). Apesar do sistema de remuneração ser baseado na quantidade de horas dedicadas ao caso, há um teto limite fixado, conforme o tipo de delito, sendo o valor de US$ 5.200 para os felonies (que são os crimes propriamente ditos, mais ou menos correspondentes aos que são punidos com pena de reclusão no Brasil); o valor de US$ 1.500 para os misdemeanours (que são os delitos mais leves, equivalentes às contravenções e, em alguns casos, aos crimes com pena de detenção no Brasil), e US$ 3.700 para as apelações. Esses tetos podem, eventualmente, ser excedidos em caso de comprovada necessidade, para garantir uma remuneração mais justa pelo trabalho prestado.

O sistema de defesa criminal na Justiça Federal é gerido, em suas linhas gerais, pelo Conselho Superior do Poder Judiciário - o órgão na verdade se denomina Judicial Conference – que possui em sua estrutura um "Comitê de Serviços de Defensoria". A supervisão operacional e executiva do serviço é exercida pelo Escritório Administrativo dos Tribunais dos Estados Unidos (Administrative Office of the United States Courts) [40], o qual contém em sua estrutura uma Divisão de Serviços de Defensoria (Defender Services Division) que é responsável pelo gerenciamento da aplicação dos recursos orçamentários destinados anualmente pelo Poder Legislativo para os serviços de defesa criminal, e também pela supervisão nacional das diversas organizações de Defensoria Federal e dos Advogados cadastrados no "painel" para prestar serviços de defesa, incluído treinamento e formação continuada para os profissionais, e o estabelecimento de diretrizes de gestão operacional dos serviços.

3.3. A defesa criminal no âmbito dos Estados e a importância dos Standards propostos pela American Bar Association

Enquanto no sistema da Justiça federal a existência de uma lei aprovada pelo Congresso – o "Criminal Justice Act - CJA" – confere certa unidade e organicidade ao serviço de defesa criminal dos réus desprovidos de recursos para arcar com tais despesas, no âmbito dos Estados – como já assinalado - a realidade é extremamente mais variada e complexa; não apenas se comparados os Estados entre si, mas também, em muitos casos, no interior de um mesmo Estado diversas são as formas pelas quais se estruturam os serviços de Defensoria Pública. Em boa parte das unidades federativas norte-americanas esses serviços estão organizados no âmbito dos governos locais, ou seja, dos Condados, inexistindo em alguns deles qualquer organismo de âmbito estadual encarregado de coordenar e supervisionar o que se passa em cada Condado [41]. A descrição dos formatos pelos quais se estruturam a maioria dos serviços de defesa criminal no âmbito dos Estados foi apresentada, com muita propriedade, num abalizado estudo levado a efeito pelo Departamento de Justiça do governo norte-americano, que assim os classificou:

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"- Public Defender program established as a public or private nonprofit organization staffed by full-time or part-time salaried attorneys

-Assigned counsel or ad hoc system where private counsel are appointed as needed from a list of available attorneys

-Contract system in which individual attorney(s), bar association(s), or private law firm(s) agree to provide services for a specific amount [42]

-Hybrid or combination system, which may include any of the above in any number of configurations." [43]

Exatamente em razão da diversidade e complexidade apontadas acima, pode-se afirmar que o modelo prevalecente nas unidade federativas é o chamado modelo "híbrido" ou "combinado". Entretanto os estudos realizados demonstram uma tendência cada vez mais forte no sentido de se substituir o modelo denominado "Assigned counsel" pelo modelo "Public Defender", que tende a se tornar dominante. Já em 1986 [44] se demonstrava que embora fosse grande o número de Condados que adotavam o modelo de advogados particulares remunerados na base do "caso-a-caso", essa realidade se concentrava, sobretudo, nas zonas rurais, de população mais rarefeita. Nos centros urbanos mais densamente povoados prevalecia, já naquele ano, o modelo de defensorias públicas, sendo que apenas sete dos cinqüenta mais populosos Condados do país não eram servidos por defensores públicos. No quadro geral, já naquele ano de 1986, quase setenta por cento da população norte-americana residia em localidades em que o serviço de defesa na área criminal para os indigentes era provido por defensores públicos.

Para os objetivos do presente estudo, torna-se de grande importância discorrer um pouco mais detalhadamente acerca das características predominantes do sistema de Defensoria Pública nos Estados Unidos, sempre ressaltando que tais características não resultam propriamente de dispositivos da Constituição ou de legislações de abrangência nacional; elas emanam de entendimentos firmados no âmbito das entidades de representação profissional e são consideradas de tal relevância que se encontram expressamente indicadas pela "American Bar Association - ABA" em sua publicação denominada "Standards for Criminal Justice: Providing Defense Services", já referida anteriormente.

Assim, ao tratar dos sistemas para representação em juízo dos acusados em causas criminais, a ABA propõe que:

"Standard 5-1.2. (a) The legal representation plan for each jurisdiction should provide for the service of a full-time defender organization when population and caseload are sufficient to support such an organization. Multi-jurisdictional organizations may be appropriate in rural areas. (b) Every system should include the active and substantial participation of the private bar. That participation should be through a coordinated assigned-counsel and may include contracts for services. No program should be precluded from representing clients in any particular type or category of case. (c) Conditions may make it preferable to create a statewide system of defense. [45]

Em comentário que segue ao texto desse "Standard", consta o entendimento da ABA de que, embora propugne um modelo "misto", de Defensoria Pública e de advogados inscritos em "painéis" a serem considerados pelos juízes para nomeação na base do "caso-a-caso" quando necessário, a instituição da Defensoria Pública é reconhecida como sistema "prioritário" de prestação dos serviços [46] (em textual: "the Public Defender Office as the primary delivery system", com grifos no original), assinalando ainda que o ideal é que os serviços sejam estruturados não em âmbito local, mas sim em âmbito estadual [47]. Enfatizando as vantagens dos programas de Defensoria Pública, desde que disponham de recursos financeiros adequados e número suficiente de defensores com dedicação integral ao serviço (full time personnel), a ABA assevera que:

"By devoting all of their efforts to legal representation, defender programs ordinarily are able to develop unusual expertise in handling various kinds of criminal cases. Moreover, defender offices frequently are in the best position to supply counsel soon after an accused is arrested. By virtue of their experience, full-time defenders also are able to work for changes in laws and procedures aimed at benefiting defendants and the criminal justice system" [48].

Mesmo reconhecendo que o modelo de Defensoria Pública deve ter prioridade no sistema de prestação dos serviços de assistência jurídica criminal aos indigentes, a ABA sustenta que não se pode prescindir da participação dos advogados privados na prestação desses serviços [49]. Três são as razões apresentadas para tanto. Primeiramente para servir como uma "válvula de segurança" quando houver eventual e momentânea sobrecarga de trabalho que não possa ser atendida exclusivamente pelos Defensores Públicos, sem comprometer a qualidade dos serviços prestados. Além disso, argumenta-se que o envolvimento de advogados privados no serviço de defesa assegura a manutenção de interesse da classe da advocacia pelo bom funcionamento da Justiça criminal como um todo, de grande importância (em razão da força política que os advogados possuem nos Estados Unidos) para o contínuo desenvolvimento e aprimoramento do sistema. Enfim, ainda segundo a ABA, torna-se essencial à participação dos advogados privados no sistema público para garantir a imparcial representação de acusados nos processos com pluralidade de réus, em que haja colidência de defesas. Segundo a mentalidade norte-americana, jamais dois advogados pertencentes à mesma entidade (seja ao mesmo escritório particular de advocacia ou ao mesmo escritório público, no caso a Defensoria Pública) poderiam assumir a defesa de réus cujos interesses sejam colidentes. [50]

Ainda no que se refere às características primordiais de que deve revestir-se o serviço de Defensoria Pública, temos o Standard 5-1.3., que trata da independência funcional, devendo sempre ser preservada a integridade da relação entre o cliente e o advogado, sem qualquer interferência de ordem político-partidária, e isenta de influência de qualquer autoridade judicial [51] (salvo o regular exercício da jurisdição em casos de conflitos ou litígios, do mesmo modo como ocorreria em se tratando de advogado privado). Assim como os advogados contratados pelos clientes que dispõem de recursos financeiros não precisam passar pelo crivo da autoridade judicial para desempenhar sua função, do mesmo modo deveria ocorrer com os advogados ou defensores encarregados da defesa dos pobres, cuja designação – segundo entende a ABA – deve ser atribuição de pessoa ou órgão totalmente desvinculado da figura do Juiz.

Segundo prescrevem, ainda, os Standards estabelecidos pela ABA, os serviços de Defensoria Pública nos Estados Unidos devem necessariamente contar com uma infra-estrutura de apoio, especialmente considerando-se que naquele país vigora o sistema processual adversarial, em que a responsabilidade pela produção das provas é exclusiva das partes, sendo mínima a atuação do Juiz nesse sentido. Assim, torna-se imprescindível tanto à Acusação quanto à Defesa contar com auxílio de investigadores, peritos e outros recursos de modo produzirem as provas e contra-provas necessárias para sustentar suas respectivas teses em Juízo [52]. No anexo deste trabalho consta um relatório que elaboramos descrevendo o funcionamento do setor de investigações mantido pela Defensoria Pública do Estado de Maryland, que tivemos ocasião de visitar em fevereiro de 2004.

Além dos serviços de apoio administrativo e técnico, há uma séria preocupação no que se refere ao treinamento e a ações voltadas para a formação continuada dos advogados vinculados ao serviço de Defensoria Pública e de toda a equipe de assessoramento. Há recomendação no sentido de que sempre que ocorra ingresso de novos profissionais na Defensoria seja realizado um curso de adaptação e treinamento específico direcionado para as questões práticas da atividade profissional.

Outro ponto enfatizado pela ABA na estruturação dos serviços de Defensoria Pública é a responsabilidade do Governo no sentido de que sejam alocados recursos financeiros suficientes para o custeio de serviços de qualidade para todas as pessoas elegíveis para o "benefício" da assistência jurídica gratuita. Destaca que "o sistema de Justiça é um reflexo de nosso desenvolvimento social e que o fornecimento de serviços de defesa adequados é uma medida de julgamento do sistema de Justiça que adotamos" [53]. Embora o documento sob análise, expedido pela "American Bar Association", não tome partido acerca da conveniência de que tais recursos provenham dos governos locais ou dos governos estaduais, menciona a recomendação feita pela "National Legal Aid and Defender Association - NLADA" no sentido de que são preferíveis os modelos em que o financiamento seja de responsabilidade dos Estados e não dos Condados. Somente assim ficará menos vulnerável a pressões e hostilidades que podem surgir nas comunidades menores, que naturalmente seriam mais suscetíveis de negar provisão de fundos necessários para representação de pessoas acusadas de crimes que tenham tido grande impacto na vida local. Neste aspecto o modelo norte-americano assemelha-se ao brasileiro, ao pugnar pela estruturação dos serviços em nível estadual e não municipal, considerando-se divisão em Condados mais ou menos como equivalente à divisão municipal no Brasil. Eis o que diz o referido documento:

"Other standards recommend that representation programs be financed at the State level because the State is best able to bear the bill and because funding is not made a function of the sometimes-volatile local hostility to the provision of public funds for the representation of persons accused of serious crimes against local citizens" [54].

Dentre os Standards propostos pela "American Bar Association" para estruturação dos serviços de Defensoria Pública nos Estados Unidos, consideramos que os três mais importantes são os de números 5-4.1.; 5-4.2. e 5-4.3., especialmente em razão dos propósitos deste estudo, que pretende analisar o modelo brasileiro de assistência jurídica gratuita em confronto com os modelos vigentes na França e nos Estados Unidos. Seguem abaixo transcritos, na redação original, os referidos Standards estabelecidos pela ABA:

"Standard 5-4.1. CHIEF DEFENDER AND STAFF

Selection of chief defender and staff should be made on the basis of merit. Recruitment of attorneys should include special efforts to employ women and members of minority groups. The chief defender and staff should be compensated at the rate commensurate with their experience and skill sufficient to attract career personnel and comparable to that provided for their counterparts in prosecutorial offices. The chief defender should be appointed for a fixed term of years and be subject to renewal. Neither the chief defender nor staff should be removed except upon a showing of good cause. Selection of the chief defender and staff by judges should be prohibited."

"Standard 5-4.2. RESTRICTIONS ON PRIVATE PRACTICE

Defense organizations should be staffed with full-time attorneys. All such attorneys should be prohibited from engaging in the private practice of law."

"Standard 5-4.3. FACILITIES; LIBRARY

Every defender office should be located in a place convenient to the courts and be furnished in a manner appropriate to the dignity of the legal profession. A library of sufficient size, considering the needs of the office and the accessibility of other libraries, and other necessary facilities and equipment should be provided." [55]

Da leitura dessas diretrizes, parece importante destacar alguns traços elementares – que, coincidentemente, são estabelecidos também na legislação brasileira dentre as balizas norteadoras da Defensoria Pública - referentes aos seguintes aspectos:

a) Critérios meritocráticos para seleção do Defensor-Público-Chefe [56] e dos Defensores Assistentes [57]. Nos Estados Unidos, como se sabe, não é praxe a realização de concursos para preenchimento de cargos e funções nos órgãos que compõem o serviço público civil. Isso não significa dizer que o provimento dos cargos públicos seja feito necessariamente por critérios ideológicos ou decorra de mera afinidade subjetiva e arbitrária (apadrinhamento) entre o responsável pela admissão e o candidato à vaga. A praxe costuma ser a de buscar mecanismos objetivos de seleção, que levem em conta a qualificação e experiência do candidato, embora sem os rigores formais do concurso público. Assim, por exemplo, durante as visitas de observação que tivemos oportunidade de realizar junto à Defensoria Pública do Estado de Maryland, verificamos que o preenchimento de vagas para a função de Defensor Público Assistente é feito mediante processo seletivo, que tem ampla divulgação entre possíveis interessados, com análise de currículo e entrevistas para verificação do perfil do candidato e de sua aptidão para o exercício da função [58]. Há, inclusive, preocupação de se aferir se o candidato realmente pretende se engajar no serviço da Defensoria Pública ou se pretende apenas "fazer currículo" para se qualificar melhor a fim de futuramente sair em busca de empregos mais rentáveis.

b) Isonomia de tratamento salarial com os membros do Ministério Público (ou com o Judiciário, nos casos em que o Ministério Público tenha remuneração considerada "inadequada"). A remuneração do Defensor-Público-Chefe e dos Defensores Assistentes deve ser compatível com as habilidades e experiência profissional deles exigidas [59], e suficientemente atrativa para reter na carreira profissionais devidamente qualificados, guardando sempre isonomia de tratamento com os seus ex-adversos que atuam na acusação [60]. Mas se por alguma circunstância os salários pagos aos "District Attorneys" (equivalentes aos Promotores de Justiça) forem muito baixos, aquém da média de mercado dos salários dos advogados particulares, o paradigma da Defensoria Pública deve ser o salário dos Juízes [61].

c) Estabilidade mínima para exercício das funções [62]. Primeiramente recomenda-se que o Defensor-Público-Chefe seja nomeado sempre para cumprir mandato de tempo fixo. Tanto o Defensor-Público-Chefe quanto os Defensores Assistentes não podem estar sujeitos a demissão ad nutum. É preciso que haja justa causa para sua dispensa, observando-se o devido processo para apuração cabível; deste modo se evita a indesejável "politização" da Defensoria [63]. Mas não há consenso nacional a respeito da conveniência ou de se conferir vitaliciedade ("tenure of office") aos integrantes da Defensoria Pública, pois alguns entendem que se deve deixar margem de autonomia para o Defensor-Chefe, quando ascende ao cargo, compor sua equipe com os melhores Defensores-Assistentes que lhe seja possível reunir. Não parece ser esse o entendimento da National Legal Aid and Defender Association – NLADA, no seu Standard de nº 2.12, ao propor que, independentemente de qualquer mudança na Chefia da Defensoria Pública, a dispensa dos Defensores Assistentes somente seja feita por justa causa, exceto durante um período probatório fixo que se pode estabelecer para a avaliação dos novos contratados.

d) Não interferência do Judiciário na seleção do Defensor-Público-Chefe e de seus assistentes [64]. Como já mencionado anteriormente, segundo entendimento da ABA, deve ser evitada qualquer interferência dos Juízes na escolha dos profissionais que assumirão a defesa criminal, especialmente dos integrantes da Defensoria Pública.

e) Os membros da Defensoria Pública não devem exercer a Advocacia Privada [65]. Como expressamente indicado nos comentários a esse standard, o trabalho dos defensores é muito intenso, e normalmente requer que eles dediquem todo empenho que o tempo permitir aos seus casos. Por outro lado, os programas que admitem defensores assistentes atuando em tempo parcial seriam passíveis de crítica sob o argumento de que nestes casos eles ficam tentados a aumentar sua renda dedicando suas energias para o exercício privado da advocacia, às custas dos clientes da assistência jurídica gratuita. Outro argumento é de que a proibição da prática da advocacia privada contribui para evitar qualquer tendência de manter uma estrutura de baixos salários na Defensoria Pública, em razão do fato de que teriam possibilidade de suplementar renda através do exercício particular da profissão.

f) Instalação da Defensoria Pública nas proximidades do lugar de funcionamento dos órgãos judiciais [66]. Isto para otimizar o aproveitamento do tempo, evitando-se a inconveniência de freqüentes deslocamentos para exercício da função. Um ponto a respeito do qual cabe chamar a atenção refere-se à recomendação de que, quando a Defensoria estiver instalada no mesmo prédio do Judiciário, seja assegurada com clareza identificação visual para assinalar que se trata de órgão distinto e independente do sistema judicial. [67]

g) Instalações condignas para atendimento ao público e trabalho individual dos defensores, com mobiliário adequado, equipamentos e recursos tecnológicos necessários e acervo bibliográfico mínimo para o bom desempenho das funções. Há inclusive por parte da ABA uma preocupação de que a eventual precariedade das instalações da Defensoria Pública suscite no acusado uma perda de confiabilidade no serviço que lhe está sendo prestado, e também acabe provocando desestímulo nos próprios Defensores-assistentes que se sentem desprestigiados e desmotivados a permanecer no serviço [68].

Tal como ocorre no Brasil, os programas de Defensoria Pública nos Estados Unidos, sobretudo os de âmbito estadual, normalmente apresentam uma elevada demanda de casos para serem assistidos que ultrapassa a capacidade ideal de atendimento dos Defensores Públicos. Esse quadro torna praticamente impossível o cumprimento de um preceito deontológico clássico da atividade da advocacia no sentido de que o advogado não pode jamais assumir uma quantidade de casos tal que não tenha a possibilidade real e efetiva de dedicar a cada cliente o tempo necessário para prestar a assistência devida. Com o intuito de resguardar esse princípio da ética profissional e, sobretudo, de assegurar condições mínimas de qualidade em prol dos cidadãos destinatários dos serviços de assistência jurídica estatal na área criminal, a American Bar Association estabeleceu num de seus standards que quando houver de sobrecarga de trabalho dos programas de Defensoria Pública estes devem recusar a aceitação de novos casos [69]. Exatamente nessas hipóteses é que a ABA vislumbra como imprescindível à atuação dos advogados privados, paralelamente ao serviço oficial de Defensoria Pública, pois nos casos de sobrecarga eventual e momentânea dos Defensores Públicos, poder-se-ia recorrer aos advogados para atuação na base do "caso-a-caso", aliviando a sobrecarga existente, até que seja possível ampliar a estrutura, especialmente de recursos humanos, da Defensoria Pública para atender de modo permanente esse aumento da demanda. Se for uma sobrecarga de caráter eventual não haverá razão para ampliar os quadros da Defensoria Pública, sob pena de futura ociosidade dos Defensores o que seria oneroso para os cofres públicos.

Um episódio relativamente recente, ocorrido no Estado de Louisiana, ilustra de modo bastante expressivo a aplicação prática desse Standard da ABA. Um jovem Defensor Público chamado Rick Teissier, diante das deficiências apresentadas pelo programa de assistência jurídica criminal mantido pelo governo estadual, resolveu ingressar com uma ação perante a Suprema Corte do Estado alegando que o programa violava a norma constitucional que garante efetivo direito de defesa aos acusados em processos-crime. O Tribunal reconheceu que o volume de casos era efetivamente excessivo e que os recursos disponíveis para as investigações necessárias à apresentação das defesas eram tão limitados que os clientes estavam realmente sofrendo violação no seu direito constitucional de ampla e efetiva defesa. Diante desse quadro, numa decisão inusitada, o Tribunal determinou que se realizassem audiências prévias aos julgamentos para verificar se o Defensor encarregado de cada caso dispunha ou não de condições efetivas para desempenhar seu mister. Nos casos em que, durante a audiência prévia, fosse constatado que os Defensores estivessem impedidos de prestar efetiva assistência por falta de recursos ou sobrecarga de trabalho, o Tribunal determinou que os Promotores ficariam proibidos de dar prosseguimento na acusação, ficando as causas paralisadas até que os Defensores pudessem prestar os serviços de modo razoável [70]. Mesmo passados mais de dez anos, parece que a situação ainda está muito aquém da ideal. Em artigo publicado no ano de 2002 no jornal "The Washington Post", o Presidente da NACDL – National Association of Criminal Defense Lawyers escreveu o seguinte:

"Not only are public defenders fighting a better-funded opposition, they are burdened with huge caseloads and a lack of basic resources. Couple these systemic problems with staff turnover caused by low salaries and high educational debt and even most effective public defender organizations will find it hard to provide quality representation". [71]

A precariedade apontada pelo Presidente da NACDL é maior principalmente nos Estados da parte sul do país, como por exemplo no Texas e na Geórgia. Nestes Estados o sistema de defesa pública é deixado quase que inteiramente sob a responsabilidade dos Condados, com escassos recursos repassados dos cofres estaduais. Nesse modelo em que o serviço é estruturado em âmbito local, a incidência de situações teratológicas é muito freqüente. Numa pesquisa feita no Estado do Texas, mais da metade dos Juízes disseram que conheciam colegas magistrados que faziam designações de advogados para os casos criminais levando em conta, sobretudo, se os advogados lhes davam suporte político ou se tinham contribuído para a campanha eleitoral do próprio Juiz. Um quarto dos Juízes chegou mesmo a admitir que eles próprios (e não os colegas) agiam dessa maneira. Noutra pesquisa, Juízes declararam que levavam em conta para escolher os advogados para o patrocínio dos réus pobres a fama que tinham no sentido de serem "rápidos" no encaminhamento das causas, independentemente da qualidade da defesa prestada [72].

Prescreve, também, a American Bar Association, em seu standard nº 5-6.2., que a representação de uma determinada parte beneficiária da assistência jurídica estatal deveria ser feita de modo contínuo pelo mesmo profissional em todas as fases do processo, pelo menos até a fase de apelação, de modo a preservar o vínculo de confiança na relação entre o defensor e o assistido [73]. Trata-se do que se convencional chamar de "representação vertical".

No que se refere ao critério de elegibilidade para o serviço, o Standard nº 5-7.1. estabelece que a assistência de um advogado deve ser prestada a todas as pessoas que, a não ser com substancial dificuldade, sejam incapazes de arcar com as despesas para obter adequada representação. Nas edições anteriores dessa publicação da ABA constava textualmente como condição para usufruir do benefício a verificação de substancial dificuldade "para si ou para sua família", bem similar ao que prescreve a legislação brasileira a esse respeito. Embora a expressão "para si ou para sua família" não tenha aparecido novamente na última edição dos standards, é considerada como implícita.

Há, segundo a ABA, uma tendência de fixação de parâmetros objetivos, por escrito, sobre os critérios formais de elegibilidade para fruição do direito de assistência judiciária gratuita em causas criminais. Entretanto subsiste uma enorme diversidade de um Estado para outro, mesmo naqueles que dispõem de normatização explícita para disciplinar a matéria [74]. Não se admite, a atuação da Defensoria Pública nos casos em que o acusado tenha poder aquisitivo suficiente para arcar com despesas de contratação de advogados. Nesses casos, se o acusado ainda assim se recusar a contratar um profissional para sua defesa será dele mesmo o ônus de se autodefender perante o Tribunal, visto que nos Estados Unidos não há obrigatoriedade de representação por advogado em Juízo [75].

Uma outra questão que deve ser posta diz respeito à definição de qual seria a autoridade competente para aferir no caso concreto a elegibilidade ou não de um pretendente ao "benefício" da assistência jurídica gratuita. No caso da Defensoria Pública do Estado de Maryland, que tivemos oportunidade de estudar mais de perto, esta atribuição é do encargo da própria Defensoria. No caso da Defensoria Federal, devido à vinculação do órgão ao Poder Judiciário, cabe aos Juízes deferir ou não a possibilidade de utilização dos serviços dos Defensores. Estes, em princípio, não podem prestar nenhuma assistência sem que previamente um Juiz tenha apreciado o pedido embora, na prática, conforme informações colhidas informalmente durante visita ao Escritório da Defensoria Federal em Baltimore, seja freqüente que isto ocorra, sobretudo em casos de urgência no atendimento. Segundo nos foi explicado por um dos Defensores-Assistentes, é comum também que os Juízes, quando entendem que os réus poderiam dispor de algum recurso para pagar parte das despesas com o processo, concedam o direito de patrocínio pela Defensoria Pública, mas fixam valores a serem recolhidos pelo acusado (normalmente em parcelas) aos cofres públicos. Seria, na prática, uma modalidade de Assistência Jurídica Parcial, embora sem expressa previsão legal.

Por trás dessa questão dos critérios de elegibilidade para o "benefício" da assistência jurídica na área criminal há um sério problema de isonomia e justiça social entre as classes sociais. Com efeito, especialmente na Defensoria Federal, onde o padrão dos serviços é excelente, muitas vezes as pessoas pobres recebem gratuitamente um atendimento de qualidade muito superior àquele prestado à grande maioria da população que são pessoas de classe média. Estes – embora tenham recursos para contratar advogados – não podem dispor de valores elevados, que seriam necessários para lhes garantir serviços no mesmo patamar de excelência daqueles prestados aos mais pobres patrocinados pela Defensoria Federal [76].

Em alguns Estados existem normas prevendo a obrigação de pagamento de uma taxa administrativa [77] pela utilização dos serviços de Defensoria Pública, ou até mesmo o ressarcimento futuro, pelo menos parcial, do custo dos serviços disponibilizados pelo Estado em favor do acusado, embora haja um Standard proposto pela ABA recomendando expressamente que não seja exigida nenhuma espécie de pagamento a título de reembolso de despesas ao programa oficial de Defensoria Pública. A ABA não menciona qualquer oposição à cobrança dessa taxa administrativa que, naturalmente, quando for cobrada deve ser compatível com a situação econômica do réu [78].

Finalmente, para garantir assistência efetiva e rápida no caso de prisão de acusados elegíveis para obter a assistência judiciária prestada pelo serviço oficial de Defensoria Pública, a ABA propõe que deve haver um plantão permanente, para o pronto atendimento em caso de necessidade, especialmente para assistir os acusados imediatamente após sua prisão. Além disso, recomenda-se que sejam elaborados folhetos informativos, cartazes a serem afixados nas unidades policiais, e até mesmo cartões com informações para contato (endereço e telefone) a serem disponibilizados aos acusados quando de sua prisão [79].

Apesar da existência desses importantes paradigmas (standards) de estruturação e funcionamento dos programas de Defensoria Pública nos Estados Unidos, não se pode perder de vista as dificuldades existentes na uniformização do sistema. Com efeito, na prática pode-se apontar três grandes variáveis que provocam significativas diferenças entre os diversos programas existentes. A primeira variável diz respeito à origem dos recursos para o funcionamento dos serviços. A maioria das Defensorias subsiste com recursos provenientes do orçamento dos Estados, embora um bom número dependa majoritariamente/exclusivamente de recursos dos governos locais (que são os Condados ou Cidades). Outra variável diz respeito ao modelo de administração do programa. Majoritariamente adotam-se sistemas centralizados de administração, embora haja algumas Defensorias que funcionem de modo totalmente descentralizado, mediante agência instituída em âmbito local. Por fim, a última variável se refere à área de abrangência e atuação das Defensorias Públicas. Em sua maioria elas atuam em toda a área do respectivo Estado, mas algumas têm atuação restrita ao âmbito local, atuando apenas em um determinado Condado.

É importante consignar que além da assistência jurídica nas causas criminais, existem algumas outras situações em que o poder público assume o encargo de designar advogado para representar em Juízo pessoas sem recursos para contratar um profissional habilitado a fazer sua defesa. No caso da Defensoria Pública do Estado de Maryland, esses casos abrangem a representação de portadores de doenças mentais que sejam colocados pela autoridade pública ou pelas famílias, contra a vontade do paciente, em instituições de tratamento onde sofram limitação em sua liberdade de ir-e-vir. Também em casos especiais na justiça de família, como procedimentos de destituição do pátrio poder, há obrigatoriedade de designação de advogado para as pessoas que não possam arcar com tais despesas, cabendo à Defensoria Pública atuar nessas causas.

Também é reconhecida, por óbvio, a obrigação do Estado de prover advogado para a defesa de crianças e adolescentes acusados de cometer infrações legais, encargo esse que normalmente cabe à Defensoria Pública ou órgão similar mantido pelos governos estaduais.

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Sobre o autor
Cleber Francisco Alves

Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, Professor Universitário, Doutor em Direito pela PUC-RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Cleber Francisco. A assistência jurídica gratuita aos pobres nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 2007, 29 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12139. Acesso em: 20 abr. 2024.

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