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A justificativa da idéia de Estado no materialismo dialético de Karl Marx

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02/01/2009 às 00:00
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A justificativa da idéia de Estado é, portanto, o bem público. Entretanto, o conteúdo da fórmula "bem público" é variável. Assim, num viés material, cada Estado escolhe o que é bem público.

Resumo: Este artigo tem por objetivo abordar, de forma breve e didática, a justificativa da Idéia de Estado no Materialismo Dialético de Marx. Inicia-se, tecendo algumas considerações sobre o conceito de justificativa do Estado. Passa pela compreensão dos elementos fundamentais do marxismo e conclui, abordando uma possível justificativa para a existência do Estado na visão de Marx.

Palavras-chave: Filosofia Política. Materialismo Dialético de Marx. Justificativa do Estado.


1 INTRODUÇÃO

Os termos justificação, legitimidade, legitimação, fundamentação e justificativa não são unívocos [01] na doutrina jurídica. Pelo contrário, muitas vezes são usados de forma equívoca e não se tem aqui a pretensão de torná-los unívocos. O que se propõe é a adoção de conceitos operacionais [02] validados pela lógica jurídica.

O verbete justificação [03]traduz a ação de provar que tal e tal procedimento, feito ou obra é justa, que não feriu nenhuma lei ou dispositivo legal. [04] Assim é que justificar seria o ato de tornar justo, legal. Daqui, do plano da justificação, surge o interesse em saber o que torna justo o Estado. A resposta para essa inquirição se revela a partir da compreensão da origem, da validade, da eficácia e da própria razão de ser – necessidade, numa perspectiva provisoriamente ampla, do Estado. Assim é que o processo de justificação do Estado jamais terá fim: ele dura enquanto a reflexão sobre ele permanece. [05]

A visão histórica da doutrina jurídica, de uma maneira geral, sempre enxergou a justificação do Estado de forma tridimensional, na trilogia fundamentação, legitimidade e legitimação. Todavia, na compreensão da justificação do Estado, há um quarto elemento: a justificativa. Esta vem do latim justificatus, que significa que significa justificado, ou, mais largamente, provado, demonstrado, isto é, a comprobação da justiça. [06] A justificativa está alocada na própria razão de ser – necessidade – do Estado.

A justificativa não se confunde com as competências do Estado. A atividade do estado, no que diz respeito aos assuntos e às pessoas sobre os quais ele exerce o poder, é a competência do Estado. O fim do Estado é o objetivo que ele visa atingir quando exerce o poder. Esse objetivo, podemos antecipar, é invariável, é o bem público. [07]

A justificativa da idéia de Estado é, portanto, o bem público. É pela e para a consecução do bem público que o Estado existe. Como salientado por Azambuja na citação anterior, a noção de bem público possui um viés formal, sendo invariável, razão pela qual é e será sempre o bem público a justificativa da idéia de Estado. Entretanto, o conteúdo da fórmula bem público é variável. Assim, num viés material, cada Estado escolhe o que é bem público.

A tarefa de refletir sobre um tema inserido em parte da teoria de um autor certamente se constitui tarefa mais árdua do que compreender toda a obra. A ciência, entretanto, caminha sob as contingências de tempo e espaço, razão pela qual somente os aspectos mais pertinentes sobre a obra de Karl Marx serão considerados para se compreender qual é a justificativa da idéia de Estado no materialismo dialético desse filósofo.


2 CONTEXTO HISTÓRICO

Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, aos 5 de maio de 1818. [08] De origem judia, a família de Marx converteu-se ao protestantismo, fato que talvez tenha dado origem à sua relação conflitual para com o judaísmo (em sua obra A questão judaica, de 1842), muito embora a acusação de anti-semitismo que lhe é atribuída por alguns leitores seja pesada e duvidosa, considerando que o pensamento marxista segue a tradição assimiladora herdada do iluminismo, que considera em cada homem a humanidade e não parte dela. [09]

Morto em 14 de março de 1883, em Londres, Marx escreveu monumentais obras, sendo as principais: Crítica da filosofia hegeliana do direito público (1843), Manuscritos econômico-filosóficos (1844), Teses sobre Feuerbach (1845), Miséria da filosofia (1847) e O capital, sendo os dois últimos dos três volumes da obra publicados postumamente por Engels. Com a colaboração deste, publicou O Manifesto Comunista (1848), A sagrada família (1845) e A ideologia alemã (1846). [10]

Todo pensador deve ser compreendido a partir do espaço que sua vida ocupou no tempo, considerando as características de sua época. O contato com o pensamento de Marx implica, portanto, em retomar os acontecimentos políticos, sociais e econômicos dos séculos XVIII e XIX. A primeira revolução industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, com o aparecimento das máquinas, modificou a paisagem social. Surgia o capitalismo, em substituição ao feudalismo, atraindo a migração dos camponeses para as cidades, onde se tornariam proletários. As cidades cresciam, o capital se concentrava nas mãos de poucos e, ao proletariado, restavam a pobreza, o alcoolismo, os nascimentos ilegítimos, a violência e a promiscuidade, como observa Quitaneiro: [11]

A aglomeração, conjugada a outros fatores, como as condições sanitárias, tinha outras conseqüências deletérias sobre a população urbana, especialmente sobre os mais miseráveis. A fome, a falta de esgotos e de água corrente nas casas, o lixo acumulado e as precárias regras de higiene contribuíam para a proliferação de doenças e a intensificação de epidemias que elevavam as taxas de mortalidade da população, em geral, e dos pobres, das crianças e parturientes, em particular. A gente decente banhava-se somente por ordem médica (o banho diário era coisa de nobres e libertinos) e muitos não tinham idéia se o sabão era ou não comestível.

Entre 1800 e 1850, o crescimento populacional na Europa foi de 43%. Na França, no início do século XIX, a expectativa de vida era de trinta e oito anos, sendo que 44% da população não passavam dos vinte anos de idade e somente 7% chegavam aos sessenta. [12] As péssimas condições de trabalho talvez fossem as principais responsáveis por essas taxas assustadoras. Naquela época, os turnos diários foram ampliados de 12 para 18 horas, por força da iluminação a gás. Apenas em 1833, as fábricas têxteis inglesas sofreram limites na exploração do trabalho infantil: crianças entre 9 e 13 anos foram proibidas de trabalhar em jornadas de mais de 9 horas, e as que tinham entre 13 e 16 anos, por mais de 12 horas, sendo o turno da noite reservado para que freqüentassem a escola. [13]

Foi nesse e para esse contexto social e político que Marx pensou.


3 O MATERIALISMO DIALÉTICO

Para se compreender a justificativa da idéia de Estado na filosofia de Marx, é preciso, de logo, se entender que seu ponto de partida é a filosofia de hegeliana. A morte de Hegel dividiu os filósofos entre aqueles que o liam com os olhos da ortodoxia protestante (direita hegeliana) e outros tantos que o reliam sem as crenças religiosas (esquerda hegeliana). Marx, entretanto, foi além da esquerda hegeliana, concebendo uma teoria radical contra a alienação.

Em Hegel, a alienação tem duplo sentido: Entäusserung e Entfremdung. [14] Ora o espírito é alienado em relação à natureza, porque esta constitui algo diverso daquele. Ora o espírito é alienado em relação a si mesmo, necessitando da natureza para se tornar absoluto.É a alienação Entfremdung, a do espírito em relação a si mesmo, que interessa à filosofia marxista. Comumente, quando se ouve dizer que alguém é alienado, entende-se que esse alguém não está inteiramente de posse de suas faculdades mentais. Entretanto, para Marx, a alienação se refere à necessidade que o homem tem de recorrer à natureza para se tornar um ser social. A esta altura, um exemplo bastante corrente entre os estudiosos de Marx parece elucidar bem o sentido marxista da alienação. No início do filme 2001: uma odisséia no espaço [15], duas tribos de macacos disputam a posse de um reservatório de água. Encurralada, a tribo de macacos mais fracos recorre a ossos de animais que estavam no local, utilizando-os como instrumentos de lutas. Um dos macacos ergue o osso e o arremessa. O osso vaga lentamente até se transformar em uma nave espacial.

O que diferencia o homem dos demais animais não é a idéia, mas é a capacidade que o ele possui de modificar a natureza, criando novas formas de realidade: da pedra ao punhal; da árvore à cadeira; da radiação ao submarino.

Abandonando o idealismo de Hegel, Marx se volta para o real, dando início ao materialismo, como escreveu em A ideologia alemã: [16]

A produção das idéias, das representações, da consciência, está em primeiro lugar diretamente entrelaçada com a atividade material e com as relações materiais dos homens, linguagem da vida real. As representações, os pensamentos e o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material. (...) São os próprios homens que produzem as suas representações, idéias etc., mas os homens reais, que agem, da forma pela qual são condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e pelas relações que a elas correspondem até nas suas formações mais extensas. A consciência não pode mais ser algo diferente do ser consciente, e o ser dos homens é o processo real da vida deles. (...)

Também as imagens nebulosas que se formam no cérebro do homem são necessariamente sublimações do processo material da vida de cada um, empiricamente constatável e ligado a pressuposto materiais. Consequentemente a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, e as formas de consciência que a elas correspondem não têm senão a aparência de autonomia. Elas não têm história, nem desenvolvimento, mas os homens que desenvolvem a sua produção material e as suas relações materiais transformam, junto com esta sua realidade, também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento.

Na teoria de Marx, as idéias (elementos de superestrutura) estão condicionadas à realidade, ou matéria (elementos de estrutura), possuindo apenas uma pseudo-autonomia. No fundo, a religião, a filosofia, a economia e a política são apenas idéias, incapazes de modificar a realidade por elas mesmas. Pelo contrário, é o mundo material independente o ideal. A partir dessa concepção, Marx promove a passagem do idealismo para o materialismo.

No materialismo, a alienação é a perda, pelo homem, daquilo que lhe é próprio. E o que é próprio ao homem é a natureza, na sua forma real, material. As idéias, por serem por si mesmas incapazes de modificar a realidade, nada mais são que alienações responsáveis por todos os absurdos sociais existentes nos séculos XVIII e XIX. Assim é que a religião, a filosofia, a economia e a política constituem elementos de superestrutura destinados a alienar os homens, a fim de justificar e manter a desigualdade entre eles. E com eles se vai a liberdade que, como elemento de superestrutura, somente serviu até então como justificativa para um Estado ideal, voltado a garantir o poder de uma minoria abastada e abusada, fiel à crença na desigualdade social como fator de garantia de seus privilégios. Toda essa lógica excludente é introjetada no proletariado, de modo que a realidade passa a condicionar o seu modo de pensar, aprisionando-o em uma superestrutura criada a serviço do capital: [17]

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O resultado geral ao qual cheguei e que, uma vez adquirido, serviu-me de fio condutor nos meus estudos, pode ser resumido assim: na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, em relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas da consciência social. O modo de produção da vida material condiciona, em geral, o processo social, político e espiritual da vida. Não é a vida dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência.

As críticas de Marx se voltam para os quatro elementos de superestrutura responsáveis, cada qual, pela alienação: a filosofia, a religião, a economia e a política.

No que tange à filosofia, Marx caminha em sentido contrário aos filósofos antigos e modernos, principalmente em relação a Hegel, [18] para quem a filosofia tem um papel de contemplação da realidade. Marx ridiculariza toda a filosofia de gabinete, ao dizer que o modo de pensar do homem é condicionado pela situação concreta, [19] e não o contrário, o que seria pretender que o mundo caminhasse sobre a cabeça e não sobre os pés. Para combater a filosofia de gabinete, Marx atribui à filosofia uma função prática. A práxis, como denominou o filósofo, mais do que simplesmente prática, consiste na teoria útil, possível e objetiva. Ela depende da ação consciente do sujeito e, por isso, une a interpretação da realidade (teoria) à transformação do mundo (prática, trabalho, criatividade etc.).

Marx identifica a religião como um elemento de superestrutura provisório, tendente a desaparecer, vez que sua função é a de oferecer uma ilusão capaz de ajudar a suportar a crueldade da vida material, substituindo a verdade científica por uma explicação fantástica. [20] Para Marx: [21]

O fundamento da crítica religiosa é: o homem faz a religião, e não: a religião faz o homem. De fato, a religião é a consciência do homem que ainda não adquiriu ou que perdeu de novo a si mesmo. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade produzem a religião, uma consciência do mundo de cabeça para baixo, porque eles também são um mundo de cabeça para baixo. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu compêndio enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d’honneur ("ponto de honra") espiritual, ou seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu completamento solene, a sua fundamental razão de consolação e de justificação. Ela é a realização fantasista da essência humana, já que a essência humana não tem uma verdadeira realidade. A luta contra a religião é, pois, indiretamente, a luta contra aquele mundo do qual a religião é o aroma espiritual.

O antídoto para a alienação religiosa, no marxismo, é o fim da religião.

O fim do feudalismo criou um novo elemento de superestrutura econômico: o capitalismo. Segundo Marx (O capital), o capitalismo implica, necessariamente, na exploração do trabalhador, vez que, entre o capital empregado pelo capitalista num empreendimento e o lucro que ele obtém com a venda do produto, há sempre uma diferença de valor: O capitalista tira do produto mais do que investiu para produzi-lo. [22] Esse ganho anormal, ou superior ao justo, revela a existência de uma mais-valia, como explica Mondin: [23]

Obviamente, o capitalista ganhará tanto mais quanto mais conseguir fazer o trabalhador trabalhar além do tempo correspondente ao salário. Todo o segredo da produção capitalista consiste em tornar maximamente produtivo o trabalho do operário e em manter o mais baixo possível a retribuição do salário.

No capitalismo, o trabalho é alienado, vez que pertence ao capitalista, que subjuga o trabalhador. A solução para essa alienação é o fim do capitalismo.

Por fim, Marx identifica a política (em sentido amplo, abrigando o Estado) como quarto elemento de superestrutura. A classe operária é submissa ao Estado burguês, que legisla, governa e julga conforme o interesse da minoria rica. A proposta marxista para solucionar essa alienação é o fim do Estado, conforme será compreendido no tópico seguinte.


4 COMUNISMO, IGUALDADE E JUSTIFICATIVA DA IDÉIA DE ESTADO

O projeto inicial de O capital incluía um livro dedicado ao Estado. [24] Mas, como se sabe, a obra ficou inacabada, de maneira que muitos, tal qual Umberto Cerroni, chegaram a afirmar que ao marxismo falta uma teoria política própria. [25] Assim é que a teoria do Estado de Marx é apenas uma reconstrução a partir de textos políticos muitas vezes ditados pelas circunstâncias. [26] De toda sorte, é possível extrair dos textos de Marx alguns elementos para uma teoria do Estado.

Partindo-se do pressuposto de que o Estado burguês, capitalista, é um elemento de superestrutura, chega-se à inevitável conclusão de que sua existência é provisória e se justifica tão somente para manter as desigualdades entre as classes sociais. Assim é que toda teoria política pré-marxista, fundada na idéia de bem-comum como segurança jurídica ou liberdade, nada mais contém do que a justificativa para a desigualdade, porque, nas palavras de Collin, o político é o reino da ilusão, um teatro de sombra em que os interesses das classes em luta se exprimem disfarçados atrás dos falsos universais. [27]É, pois, em nome da igualdade entre as classes que a teoria marxista direciona o Estado para o fim, vez que este Estado nada mais é do que a versão organizada do estado de natureza combatido pelos contratualistas: [28]

Ao passo que a filosofia da história dos escritores anteriores a Hegel (e com particular força no próprio Hegel) caminha para um aperfeiçoamento sempre maior do Estado, a filosofia da história de Marx caminha, ao contrário, para a extinção do Estado. O que para os escritores precedentes é a sociedade pré-estatal, ou seja, o reino da força irregular e ilegítima – seja este o bellum omnium contra omnes de Hobbes, ou o estado de guerra ou de anarquia que, segundo Locke, uma vez iniciado não pode ser abolido senão mediante um saldo para a sociedade civil ou política, ou a société civile de Rousseau, na qual vigora o pretenso direito do mais forte, direito que na realidade não é direito, mas mera coação, ou o estado de natureza de Kant, como estado "sem nenhuma garantia jurídica" e, portanto, provisório -, é para Marx, ao contrário, ainda o Estado, que como reino da força ou, conforme a conhecida definição que ele dá em O capital, como "violência concentrada e organizada da sociedade".

Para Marx, portanto, o Estado não se justifica, senão provisoriamente, para restabelecer a igualdade que o precedia, num momento onde havia uma situação social de comunhão ou, melhor dizendo, no comunismo.

A proposta de Marx é substituir o Estado pelo comunismo. Para tanto, Marx pensa um Estado de transição, que sirva de ligação entre o Estado burguês e o comunismo, chamado por ele de Estado Socialista, fundado no socialismo científico. Como tal, o socialismo se estabelece por método, diferentemente do comunismo utópico, de Saint Simon. Para isso, Marx faz uso de um método materialista histórico-dialético: materialista-dialético, porque é de forma dialética que pensamos as contradições da realidade. Diferentemente de Hegel, onde a antítese (essência) se une à tese (natureza) para formar uma síntese (idéia), a dialética de Marx tem como síntese a realidade, fruto da vitória da antítese (estruturas) sobre a tese (superestruturas), o que só é possível por meio de uma revolução histórico-materialista, porque somente a revolução é capaz de mudar a história, o que demanda tempo, com um passo de cada vez.

O bem-comum do Estado socialista é a igualdade e sua concretização só é possível mediante uma revolução. Se o Estado burguês se estruturou por séculos na ditadura da burguesia, o Estado socialista, para igualar as classes, deve se estabelecer pela ditadura do proletariado. [29] Segundo Bobbio, Marx sugere o governo da classe operária: [30][31]

a supressão do exército permanente e da polícia assalariada, que seriam substituídos pelo povo armado; funcionários eletivos ou postos sob controle popular e, portanto, responsáveis e revogáveis; juízes eletivos e revogáveis; sufrágio universal para a eleição dos delegados com mandato imperativo e, portanto, revogáveis; abolição da tão celebrada mas fictícia separação dos poderes ("A Comuna devia ser não um organismo parlamentar, mas de trabalho, executivo e legislativo ao mesmo tempo"); e, enfim, descentralização suficientemente ampla para permitir a redução a poucas e essenciais funções do governo central ("As poucas mas importantes funções que ainda permaneceriam com o governo central ... seriam executadas por funcionários comunais e, portanto, rigorosamente responsáveis)".

Com o socialismo, Marx acena para o desaparecimento do Estado, como escreveu em Miséria da filosofia: [32]

A classe trabalhadora substituirá, no curso de seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo, e então não existirá mais poder político propriamente dito.

Em O manifesto do partido comunista, Marx continua: [33]

Se na luta contra a burguesia o proletariado é forçado a se organizar como classe, se mediante uma revolução se transforma em classe dominante e como classe dominante suprime violentamente as antigas relações de produção, então suprime também, juntamente com essas relações de produção, as condições de existência dos antagonismos de classes, as classes em geral e, com isso, seu próprio domínio de classe.

Como adverte Bobbio, a teoria marxista difere das teorias anarquista e social-democrática: [34]

O Estado de transição, em suma, caracteriza-se por dois elementos distintos que não podem ser confundidos: apesar de destruir o Estado burguês anterior, não destrói o Estado como tal; todavia, ao construir um Estado novo, já lança as bases da sociedade sem Estado.

Estas duas características servem para distinguir a teoria de Marx, de um lado, da teoria social-democrática e, de outro, da teoria anárquica. A primeira sustenta que a tarefa do movimento operário é a de conquista o Estado (burguês) a partir de seu interior, não a de "despedaçá-lo"; a segunda sustenta que é possível destruir o Estado como tal, sem passar pelo Estado de transição.

A igualdade está no centro da teoria de Marx, pelo que passa a ser a justificativa da idéia do Estado Socialista. Essa concepção materialista da igualdade influenciou diretamente a Revolução Russa e se refletiu nos países do capitalismo central, que se viram obrigados a criar o Estado de Bem-Estar social [35], como contra-reforma. Assim é que, a partir de Marx, o bem-comum capaz de justificar a idéia de Estado passou a ser a igualdade.

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Sobre o autor
Leonardo Tibo Barbosa Lima

Servidor Público Federal e Professor da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM. Mestre em Direito do Trabalho pela PUCMinas e especialista em Direito Público pela UGF/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Leonardo Tibo Barbosa. A justificativa da idéia de Estado no materialismo dialético de Karl Marx. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2011, 2 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12144. Acesso em: 5 nov. 2024.

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