6. Conclusão
Em síntese, a aventada impenhorabilidade do bem gravado com
alienação fiduciária tem por fundamento principal a constatação de que, por
força de lei, o devedor fiduciante não tem a propriedade do bem, mas apenas a
sua posse direta, assumindo a condição de depositário, e, por isso, na
hipótese de inadimplemento, o bem deverá ser alienado pelo credor fiduciário
para satisfazer o crédito e as despesas com cobrança.
Porém, como visto, não há como aceitar sempre esse
posicionamento, esmagadoramente majoritário nos tribunais e em expressiva
doutrina, notadamente quando se trata de execução de crédito trabalhista,
tendo em conta a existência de direitos do fiduciante sobre o bem, passíveis
de penhora, além da possibilidade de expropriação judicial do mesmo, desde
que os direitos do credor fiduciário sejam mantidos intactos.
Com efeito, mesmo sustentando a tese da penhorabilidade do
bem nessa condição, ainda que de forma limitada, pelos motivos antes
apontados, parece fora de dúvida que os atos judiciais de apreensão, para
satisfazer créditos trabalhistas, não podem prejudicar os direitos do credor
fiduciário.
A constrição deve se limitar aos direitos incidentes sobre
o bem de posse direta do devedor fiduciante, e apenas se cumpridas por este
todas as obrigações cujo adimplemento é assegurado pelo bem, pode-se falar em
sua expropriação pela Justiça do Trabalho, transferindo-o a um terceiro
(arrematante) ou ao próprio exeqüente trabalhista (adjudicação).
É possível, ainda, admitir-se a expropriação do próprio
bem em questão em hasta pública, pela Justiça do Trabalho, desde que sejam
transferidas ao adquirente do mesmo as obrigações que eram do devedor
fiduciante, que acompanham o bem, sub-rogando-se aquele nos direitos e
obrigações originariamente deste último.
Portanto, é razoável entender que o próprio bem seja
alienado judicialmente em execução trabalhista, desde que os direitos do
credor fiduciário sejam preservados, de modo que o adquirente se sub-rogue nos
direitos e obrigações do devedor fiduciante.
Outra hipótese é a da expropriação judicial do bem, no
âmbito trabalhista, entregando-se ao credor fiduciário o produto do leilão,
fazendo-se a retenção unicamente da quantia remanescente, depois de satisfeito
o crédito fiduciário e as despesas correspondentes, como diz a lei, que seria
aproveitada para satisfazer o credor trabalhista, pois, cuida-se de saldo que no
caso de inadimplemento das obrigações assumidas pelo fiduciante junto ao
fiduciário a ele seria restituído.
O que se pretende demonstrar é que não existe a chamada
impenhorabilidade do bem gravado com alienação fiduciária. O que existe é a
impossibilidade da pura e simples expropriação em execução trabalhista como
se fosse um bem qualquer, livre e desembaraçado.
Tanto os direitos incidentes sobre o bem (uso, gozo, posse
etc.), como as parcelas já pagas pelo devedor fiduciante (que serão
restituídas a este, no que sobejar), se houver alienação judicial ou
extrajudicial, pelo credor fiduciário, podem ser objeto de penhora trabalhista.
Nada impede que, nesse caso, a expropriação seja promovida pela Justiça do
Trabalho, em execução de crédito trabalhista, desde que ao credor fiduciário
seja entregue o que lhe é de direito.
Saliente-se que em caso de dívida vencida e não paga pelo
devedor fiduciante, o art. 1.368, do CC, independentemente da vontade do credor
fiduciário, permite que um terceiro pague a dívida, caso em que sub-rogará
de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.
Resumindo todo o exposto:
1. Prevalece em doutrina e nos tribunais o entendimento de
que o bem gravado com alienação fiduciária é impenhorável;
2. Não existe confronto entre crédito trabalhista e
crédito de outra natureza, de modo que se mostra inadequada a invocação do
princípio da preferência do primeiro;
3. O bem com esse gravame não consta de norma legal como
absolutamente impenhorável;
4. Os bens futuros do devedor (em semelhança à penhora de
créditos futuros), ainda que gravados com alienação fiduciária, mesmo que
inexistente a propriedade plena no momento da constrição judicial, mas em
estado de potência, podem ser objeto de penhora, que somente será completada e
produzirá todos os efeitos que lhe são próprios (efetivação) se cumpridas
as obrigações do devedor em relação ao credor fiduciário;
5. Não há impossibilidade de penhora, mas sim, de
expropriação judicial imediata do bem, portanto, momentânea;
6. A constrição pode recair sobre o bem, desde que
postergada a alienação judicial (atos expropriatórios) para depois de
adimplida as obrigações do devedor fiduciante;
7. É possível, em tese, a constrição e a expropriação
judicial do bem, assumindo o adquirente as obrigações e passando a ser titular
dos mesmos direitos que o devedor fiduciante originário (sub-rogação);
8. É possível a expropriação do bem, pela Justiça do
Trabalho, desde que primeiro seja satisfeito o fiduciário até o limite do seu
crédito (obrigações principais e despesas sob responsabilidade do
fiduciante), ficando a quantia remanescente (saldo) à disposição do crédito
trabalhista em execução;
9. É possível a penhora dos direitos sobre o bem, a exemplo
da posse, uso e gozo (situação talvez inócua, pois, dificilmente alguém se
interessaria por esses direitos, e, ainda, seria motivo para o inadimplemento
das obrigações do devedor fiduciante);
10. É possível a penhora do saldo positivo (diferença
entre o valor pago, se maior, e o débito existente, se menor) que remanescer ao
devedor fiduciante, em caso de alienação do bem pelo credor fiduciário;
11. Os direitos do credor fiduciário (que detém a
propriedade resolúvel e a posse indireta do bem) devem ser preservados, porque
garantidos pela lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Janeiro: Forense universitária, 2006.
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civil. V. IV. São Paulo: Saraiva.
Notas
, n.1, pp. 1-2, apud Dinamarco, in Fundamentos
do..., v. II, p. 1274.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 8ª Ed. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 836.
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DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno.
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de urgência, v. II, 40ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
COUCE DE MENEZES, Cláudio Armando. Teoria geral do processo e a
execução trabalhista. São Paulo: LTr, 2003, p. 171-172.
COQUEIJO COSTA, Carlos T. Direito processual do trabalho. 3ª
Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
Leciona Marcelo Abelha: Tem-se que a penhora é um ato executivo
instrumental (preparatório) da execução por expropriação, e, por meio
dela, apreende (m)-se bem (ns) do executado, com ou contra a sua vontade,
guardando-o (s) para a expropriação final que irá satisfazer o crédito
exeqüendo. A penhora é, na execução por expropriação, o ato executivo
que torna concreta a responsabilidade executiva, na medida em que
individualiza o (s) bem (ns) que será (ão) expropriado (s) para a
satisfação do crédito (Manual de execução civil. Rio de
Janeiro: Forense universitária, 2006, p. 309.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual
civil. V. 3. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 292.
LIEBMAN, apud SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 292.
Afirma Theodoro Júnior: A penhora é um ato de afetação,
porque sua imediata conseqüência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar
os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à
disposição do órgão judicial para, ‘à custa e mediante sacrifício
desses bens, realizar o objetivo da execução’, que é a função pública
de ‘dar satisfação ao credor’ (Curso de direito processual civil.
Processo de execução e cumprimento da sentença. Processo cautelar e tutela
de urgência. V. II. 40ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 272.
Assim, igualmente, dessume-se dos arts. 298 e 312, do Código Civil
de 2002.
Dispõe o art. 121, do CC de 2002: Considera-se condição a
cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o
efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. O art. 127, diz: Se
for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o
negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por
ele estabelecido. O art. 125, por sua vez: Subordinando-se a eficácia
do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não
verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
ALMEIDA, Ísis de. Manual de direito processual do trabalho.
2º v. São Paulo: LTr, 1985, p. 291.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual
Civil. V. IV. São Paulo: Malheiros editores, 2004, p. 329.
Merecem reprodução os dispositivos desses diplomas legais, que
têm relação direta com o tema objeto de estudo: Art. 8º, par. único, da
CLT: Parágrafo único: O direito comum será fonte subsidiária do direito
do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios
fundamentais deste. Art. 889, da CLT: Aos trâmites e incidentes do
processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao
presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais
para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal (ou
seja, Lei 6830/80). Art. 1º, da Lei 6.830/80: A execução judicial para
cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e,
subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Art. 4º, § 4º, da Lei
6.830/1980: § 4º: Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza
não tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário
Nacional. Art. 30, da Lei 6.830/80: Sem prejuízo dos privilégios especiais
sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento
da Divida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de
qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive
os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou
impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da
cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara
absolutamente impenhoráveis. Art. 186, do Código Tributário Nacional: O
crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o
tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da
legislação do trabalho ou do acidente de trabalho (redação dada pela
LCP nº 118, de 2005). (Destaquei). Art. 649, do Código de Processo Civil: São
absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados,
por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e
utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de
elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um
médio padrão de vida (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); III - os
vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de
elevado valor (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); IV - os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família,
os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
observado o disposto no § 3º deste artigo (redação dada pela Lei nº
11.382, de 2006); V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios,
os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de
qualquer profissão (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); VI - o
seguro de vida (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); VII - os
materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem
penhoradas (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006); VIII - a pequena
propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família
(redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006);IX - os recursos públicos
recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em
educação, saúde ou assistência social (redação dada pela Lei nº 11.382,
de 2006); X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia
depositada em caderneta de poupança (redação dada pela Lei nº 11.382, de
2006); § 1º A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito
concedido para a aquisição do próprio bem (incluído pela Lei nº 11.382,
de 2006). § 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica
no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia (incluído pela
Lei nº 11.382, de 2006). § 3º (VETADO). (incluído pela Lei nº 11.382, de
2006).
Op. cit., p. 187-188.
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. A execução na Justiça do
Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 220-221.
Manual de Penhora: Enfoques trabalhistas e jurisprudência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 112.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual
civil. V. IV. São Paulo: Malheiros editores, 2004.
Disponível em: www.conjur.com.br.
Acesso em: 11 maio.2005.
Recurso Especial 910207. Disponível em http://www.stj.gov.br.
Acesso em: 07 maio.2008.