Artigo Destaque dos editores

Penhora de bens gravados com alienação fiduciária em execução trabalhista

Exibindo página 1 de 2
10/01/2009 às 00:00
Leia nesta página:

O texto discute a possibilidade da constrição judicial, nos casos de bens gravados com alienação fiduciária, em execução trabalhista, quando de outros bens não dispõe o executado, alcançando o próprio bem ou direitos sobre ele.

Sumário: 1. Introdução. 2. Propriedade fiduciária. 3. Execução forçada. 4. Penhora. 5. Possibilidade de constrição judicial. 5.1. Penhora de direitos sobre o bem. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução

Nesse modesto ensaio, pretende-se discutir a possibilidade da constrição judicial, nos casos de bens gravados com alienação fiduciária, em execução trabalhista, quando de outros bens não dispõe o executado, alcançando o próprio bem ou direitos sobre ele.

O tema será centrado nos bens adquiridos pelo devedor, com transferência de domínio em favor do credor fiduciário, situação muito comum, por exemplo, na aquisição de veículos, com financiamento bancário, em que o bem é a garantia do pagamento das prestações assumidas pelo fiduciante.

Não serão abordadas, assim, questões pertinentes à propriedade fiduciária de bens imóveis (Lei 9.514/97) e nem das hipóteses de contratos de alienação fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais (Lei 4.728/65), não obstante possa ser mencionada perfunctoriamente a legislação própria sobre essas modalidades contratuais.

A viabilidade da penhora desses bens (oferecidos em garantia em contratos de financiamento bancário), examinada de modo abstrato, não se limita à sua propriedade. Pode se referir a direitos que gravitam em torno deles, inerentes à sua natureza e à sua condição. São direitos de titularidade do possuidor direto e depositário (devedor fiduciante). Exemplifica-se com posse direta, o uso e o gozo, que, em tese, poderiam ser objeto de alienação a terceiros ou transferidos ao credor trabalhista. [01]

Será discutido se a constrição judicial, igualmente, pode ser mantida sobre o próprio bem gravado com alienação fiduciária, postergando-se os atos de sua expropriação para depois de quitada a dívida pelo devedor fiduciante. Ainda, se a apreensão pode ser restringida às quantias já satisfeitas por este ao credor fiduciário.

Finalmente, estuda-se a possibilidade de alienação judicial do bem pela Justiça do Trabalho, porém, preservando os direitos do credor fiduciário, transferindo-se ao adquirente, pela arrematação ou pela adjudicação, a posse direta do bem e todos os demais direitos e obrigações derivados do contrato de financiamento, pelo método da sub-rogação, ou seja, o arrematante ou adjudicante assume frente ao credor fiduciário a mesma condição que o devedor fiduciante originário.


2. Propriedade fiduciária

A fidúcia que caracteriza a propriedade fiduciária tem sua origem no direito romano, "destinada a permitir aos proprietários rurais o acesso ao crédito mediante oferta de bens em garantia, mas sem perda da posse; o objetivo era evitar a privação de bens indispensáveis à sua atividade econômica e sem os quais a própria satisfação do crédito seria mais difícil". [02]

O art. 66, caput e § 1º, da Lei 4.728/65, com a redação dada pelo Decreto-Lei 911/69, prescrevia que:

"Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

§ 1º. A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, será obrigatòriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além de outros dados, os seguintes (...)."

Diniz [03] conceitua propriedade fiduciária, assim:

É a decorrente da alienação fiduciária em garantia, que consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de coisa móvel infungível e de um bem imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 23), como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida.

Para Orlando Gomes [04], a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico pelo qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse indireta, sob a condição resolutiva de saldá-la.

Santos [05], na mesma direção, ensina: Dá-se a alienação fiduciária, quando o devedor, para garantir dívida, transfere ao credor o domínio da coisa móvel, sem, no entanto, lhe transferir a posse.

Dinamarco [06] a compreende do seguinte modo:

A alienação fiduciária em garantia é em si mesma e à primeira vista um negócio jurídico traslativo de domínio, situando-se por isso entre os modos de aquisição deste. Ao lado desse perfil puramente jurídico e aparentemente unitário, ela se caracteriza também como ato de constituição de garantia e é essa expressiva feição econômica que explica sua real destinação e permite visualizá-la em todos os elementos que a compõem. Ela não é mero ato traslativo de domínio, mas um ato traslativo de domínio com o escopo de garantia.

No tempo presente, a propriedade fiduciária é definida pelo art. 1.360, do CC de 2002, como sendo a "propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor".

O § 1º, do precitado artigo, reza que: "Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro."

O § 2º, por sua vez, prevê o desdobramento da posse, e assim, com a direta fica o devedor fiduciante e com a indireta o respectivo credor.

A alienação fiduciária de coisa imóvel é outra modalidade de propriedade fiduciária, sendo definida pelo art. 22, da Lei 9.514/97, como sendo: "o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel." O art. 23, dispõe: "Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título."

Conforme preconiza o art. 22, § 1º, da referida lei, além da propriedade plena do imóvel, podem ser objeto da alienação fiduciária: I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); II - o direito de uso especial para fins de moradia (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); IV – a propriedade superficiária (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007).

Logo, de acordo com as normas citadas, podem constituir objeto da propriedade fiduciária o próprio bem imóvel ou direitos sobre ele, sendo aquela transferida ao credor fiduciário, enquanto pendente de cumprimento as obrigações assumidas contratualmente pelo devedor fiduciante.

Nas situações que interessam ao presente estudo, a propriedade do bem móvel, assim como a posse indireta são transferidas ao credor fiduciário, como garantia de pagamento das prestações do contrato de financiamento, até que estas sejam cumpridas, resolvendo-se a propriedade em favor do devedor fiduciante.

Caso o devedor se torne inadimplente, ocorre o inverso, abrindo-se oportunidade ao credor de alienar o bem judicial ou extrajudicialmente, visando satisfazer seu crédito e cobrir todas as despesas que teve com a cobrança da dívida, restituindo-se àquele o saldo que remanescer (art. 1.364, do CC).

O produto da alienação do bem pode não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, hipótese em que o fiduciante continuará obrigado a satisfazer o restante (art. 1.366, do CC).

A cláusula que confere ao fiduciário o direito de ficar com a coisa, caso não seja paga a dívida, é nula de pleno direito, por expressa disposição do art. 1.365, do CC.

De outro lado, o parágrafo único desse artigo faculta ao fiduciante, desde que haja concordância do fiduciário, transmitir eventual direito ao bem, depois de vencida a dívida, a terceiro, que, então, assume, as respectivas obrigações.


3. Execução forçada

Interessa nesse estudo a chamada execução forçada contra devedor solvente, assim denominada pelo Código de Processo Civil, atualmente substituída pela fase de cumprimento das sentenças condenatórias, em virtude da adoção do processo sincrético, fruto das alterações introduzidas pela Lei n. 11.232/2005.

Nas lições de Theodoro Júnior [06]:

O crédito compreende um dever para o devedor e uma responsabilidade para o seu patrimônio. É da responsabilidade que cuida a execução forçada, ao fazer atuar contra o inadimplente a sanção legal. Sendo, dessa maneira, patrimonial a responsabilidade, não há execução sobre a pessoa do devedor, mas apenas sobre seus bens. No direito moderno, portanto, ‘o objeto da execução são os bens e direitos que se encontram no patrimônio do executado’. A obrigação, como dívida, é objeto do direito material. A responsabilidade, como sujeição dos bens do devedor à sanção, que atua pela submissão à expropriação executiva, é uma noção absolutamente processual. Para o direito formal, por conseguinte, a responsabilidade patrimonial consiste apenas na possibilidade de algum ou de todos os bens de uma pessoa serem submetidos à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante ou estranha ao negócio jurídico substancial.

Dispõe o art. 612, do CPC, que ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realizar-se-á a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Por sua vez, preconiza o art. 620, do CPC, que quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

Na execução civil, a lei presume que o executado se encontra em condição inferior à do exeqüente, sendo geralmente a parte mais fraca, que deverá sofrer os efeitos da execução forçada do título executivo.

Não parece ser esta a mesma condição em que se encontra o devedor de crédito trabalhista, pois, na execução trabalhista a parte mais fraca continua sendo o trabalhador-exeqüente, pela necessidade de haver o mais rápido possível as verbas de natureza alimentar reconhecidas pelo título executivo judicial transitado em julgado.

A regra da execução menos gravosa ao executado não deve ser aplicada, ou melhor, deve ser interpretada em harmonia com os interesses do exeqüente, que têm preeminência sobre os interesses daquele.

Dito em outros termos, primeiro deve-se buscar uma execução rápida e eficaz em favor do exeqüente, e somente depois, num segundo plano, deve-se pensar em execução menos gravosa ao executado, ou seja, dentre os vários meios de execução que possam torná-la mais célere e eficaz, busca-se o menos gravoso ao devedor da obrigação.

Muitos são os estudiosos que rejeitam por completo a incidência do art. 620, do CPC, no processo de execução trabalhista, ao passo que outros pregam a necessidade de se inverter esta lógica do sistema de execuções civis em prol do exeqüente, quando se trata de execução de créditos trabalhistas.

Sobre essa matéria, opina Couce de Menezes [07]:

Todavia, enquanto no processo civil o executado encontra-se em posição assaz desconfortável, no processo do trabalho a coisa se passa diversamente. É o trabalhador, mesmo que exeqüente, quem está em situação de necessidade, pois sua inferioridade econômica não lhe permite aguardar por longos anos o trâmite normal do processo. Assim, não cabe perquirir se a execução pode ser feita de forma menos onerosa ao empregador executado. Mas, sim como fazê-la de maneira a torná-la mais rápida, célere e efetiva, evitando manobras do devedor destinadas a impedir ou protelar a satisfação do crédito obreiro. Portanto, assiste razão àqueles que a afastam a incidência do princípio da execução mais benéfica ao devedor executado, ou mitigam o seu campo de atuação, atentos à realidade da relação material e processual entre o exeqüente hipossuficiente e o empregador, devedor relapso e, não raro, contumaz."

O juiz da execução trabalhista deve refletir quando toma decisões baseadas em normas e princípios pensadas para a execução civil, e que muitas vezes nem a esta mais servem como na época em que foram elaboradas, em vez de simplesmente transportá-las mecanicamente para o processo trabalhista, sem interpretação adequada, e sem a devida adaptação, tendo em vista a posição sócio-econômica do exeqüente e do executado.

Recusando aplicação pura e simples do art. 620 do CPC à execução trabalhista, sustentando sua mitigação, vale a pena conferir opinião colhida de obra publicada há 30 anos e que continua atual, de Coqueijo Costa [08]:

Na execução civil o hipossuficiente é, via de regra, o devedor, ao passo que na execução trabalhista o hipossuficiente é o credor, geralmente desempregado na busca de diferenças salariais em processo judicial que tramita por longos anos. Não é em vão que a execução tem ‘sido comparada ao calcanhar de Aquiles, no processo do trabalho’. É de lembrar que, enquanto o processo de conhecimento se desenvolve num sistema de igualdade entre as partes, segundo o qual, ambos os contendores buscam alcançar uma sentença de mérito, na execução, ao revés, há nítida desigualdade entre ambas as partes. Daí o certo de se dizer que ‘o exeqüente tem posição de preeminência, o executado, estado de sujeição. Graças a essa situação de primado – que deve ser ressaltada no processo de execução trabalhista, acrescentamos – que a lei atribui ao exeqüente, realizam-se atos de execução forçada contra o devedor, que não pode impedi-los, nem subtrair-se a seus efeitos’, ressalvando o contraditório na execução no que couber. Logo, não se devem permitir ‘as manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa ampliar a prestação jurisdicional’, conforme se notícia pela própria exposição de motivos do Código de Processo Civil. Concluímos, assim, que o princípio ora em estudo deve ser aplicado de forma mais amena na execução trabalhista, sendo, inclusive, em determinadas situações, deixado de lado, posto que nunca é demais lembrar que, por trás de todas as figuras abstratas, desenrola-se o drama que é a vida humana. E o direito é feito pelo homem e para o homem. Procrastinar desnecessariamente o processo, sob o falacioso argumento da ampla defesa e dos demais institutos que norteiam a execução trabalhista, é desumanizar o direito, bem como desconhecer-lhe a origem e a finalidade.

O art. 620, do CPC, assim, deve receber interpretação adequada às normas e princípios reitores do processo do trabalho, devendo ser, em alguns casos, abandonado, quando se trate de execuções trabalhistas, pois, não é útil aos seus escopos, afrontando o princípio da proteção do crédito trabalhista, não apenas frente a outras modalidades de crédito, com ou sem garantia, mas servindo como escudo que obste a aplicação impensada de vetustas normas concebidas para a execução civil, e que até para esta se mostram ultrapassadas.

É dentro desse espírito que deve o intérprete e o aplicador da lei atuar, quando se está diante de problemas da execução trabalhista envolvendo constrição de bens do devedor para satisfazer o crédito do trabalhador, reconhecido pelo título executivo, notadamente quando aquele não dispõe de outros bens, mas somente de bens que de algum modo estão gravados com ônus que importem em garantia de pagamento de créditos de outra natureza.


4. Penhora

A penhora é ato de apreensão de bens do executado, vinculando-os à satisfação do crédito exeqüendo, medida pela qual há nomeação de depositário, que fica responsável por sua guarda e conservação, inclusive para defendê-los contra atos de terceiros que possam fazê-los perecer, ou mesmo contra outras situações, que independem da ação ou da vontade humana, que de algum modo podem causar sua destruição, diminuição ou interferir em seu funcionamento, dependendo da sua natureza. [09]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A penhora de bens do devedor-executado, em regra, é ato específico das execuções por quantia certa contra devedor solvente. A penhora é ato de execução, introduzindo modificação jurídica "na condição dos bens sobre os quais incide, e se destina aos fins da execução, qual o de preparar a desapropriação dos mesmos bens para pagamento do credor ou credores." [10]

Predomina na doutrina moderna o entendimento de que a penhora é ato processual, cuja função é fixar a responsabilidade executória sobre os bens por ela abrangidos. A constrição judicial dos bens do devedor, mesmo que retirados do poder deste, não importa em perda da posse e do domínio, "mas apenas vinculam os bens ao processo, sujeitando-os ao poder sancionatório do Estado, para satisfação do credor. [11]

Para Amaral Santos (1989, p. 295), a penhora é o primeiro ato executório da execução por quantia certa contra devedor solvente. É o ato de apreensão e depósito de bens do devedor destinados à segurança da execução, isto é, destinados à satisfação do credor. Assim, objeto da penhora são bens abrangidos no patrimônio do devedor, [...] mesmo que se achem em poder de terceiros.

Em outras palavras, os direitos do devedor sobre os bens objeto da penhora subsistem intactos, embora limitados pela responsabilidade executória que a apreensão judicial origina, pois, a finalidade desse ato é a satisfação do crédito do exeqüente. [12]

Como conseqüência, o devedor-executado pode dispor dos bens penhorados, mas em razão de sua vinculação ao processo executivo, a alienação é reputada ineficaz em relação ao credor-exeqüente. [13]


5. Possibilidade de constrição judicial

No contexto em que a questão é examinada nesse estudo, exsurge tema dos mais instigantes na Justiça do Trabalho concernente à controvertida questão da constrição judicial de bens gravados com alienação fiduciária, na hipótese do devedor trabalhista, já na condição de executado, não dispor de outros bens para satisfazer o crédito exeqüendo.

Quando alguém (devedor fiduciante) adquire um bem e para satisfazer o preço ao vendedor, por exemplo, assume financiamento bancário cujas obrigações serão cumpridas de forma parcelada, como no caso da aquisição de um veículo, conforme dicção do art. 1.361, do Código Civil de 2002, transfere a propriedade do mesmo ao agente financiador (credor fiduciário), tratando-se do que se chama de propriedade resolúvel.

Em relação à posse ocorre desdobramento em direta e indireta. A primeira é de titularidade do devedor fiduciante e a segunda do credor fiduciário. O bem financiado garante o cumprimento das obrigações (pagamento das parcelas do financiamento).

O Código Civil vigente regula a matéria do seguinte modo:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.

§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.

Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial (conforme disposto pela Lei nº 10.931, de 2004).

O pagamento do financiamento consiste em condição resolutiva, que, como sugere, resolve a propriedade do bem em favor do adquirente, ou seja, do devedor fiduciante, produzindo os efeitos que lhe são próprios desde a celebração do negócio jurídico, ao passo que o descumprimento da obrigação (falta de pagamento), a resolve em benefício do credor fiduciário. Opõe-se à condição suspensiva, em que os efeitos ficam suspensos até que a condição pactuada se verifique (isto é, não se adquire o direito visado pelo negócio jurídico enquanto não verificada a condição suspensiva). [14]

O bem financiado, portanto, não é de propriedade do devedor fiduciante, mas sim, do credor fiduciário, enquanto pendente de pagamento o financiamento. Quitado este, resolve-se aquela, para todos os efeitos que lhe são próprios. Disso resulta que a posse direta do bem, em caso de inadimplemento da obrigação, pode ser retomada pelo credor fiduciário, que já tem a propriedade resolúvel.

Este talvez seja o principal argumento para se negar a constrição judicial do bem em outra execução vinculando o devedor fiduciante e outro credor (que não o fiduciário), ou seja, pertinente a outra relação jurídica (geralmente de natureza obrigacional).

Uma rápida consulta ao banco de acórdãos (assumo a responsabilidade por essa expressão) dos tribunais regionais do trabalho revela a predominância do entendimento de que não estão sujeitos à penhora bens que se encontram nessa condição.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, com jurisdição no Estado do Paraná, por exemplo, através de sua Seção Especializada, editou a Orientação Jurisprudencial EX 34, em 14 de maio de 2004, que tem a seguinte redação:

OJ EX SE - 34: PENHORA - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Bem gravado em alienação fiduciária não pode ser penhorado, exceto a que se refere a direitos de créditos decorrentes.

Isis de Almeida ensina: Bem vendido com reserva de domínio ou alienação fiduciária é impenhorável, do momento em que o contrato tenha sido celebrado com a observância das normas legais específicas para esse tipo de ajuste, inclusive registro público próprio para valer contra terceiros. [15]

Orientava a Súmula 242, do TRF: O bem alienado fiduciariamente não pode ser objeto de penhora nas execuções ajuizadas contra o devedor fiduciante.

Também, o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA DE CRÉDITO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMPENHORABILIDADE. DECRETO-LEI 911/69. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. I - Os bens alienados fiduciariamente por não pertencerem ao devedor-executado, mas à instituição financeira que lhe proporcionou as condições necessárias para o financiamento do veículo automotor não adimplido, não pode ser objeto de penhora na execução fiscal. II –(...). III - Recurso Especial a que se dá provimento, para excluir da penhora o bem indevidamente constrito (REsp nº 214.763/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJU de 18.09.00).

Igualmente, o Tribunal Superior do Trabalho:

Penhora efetuada sobre bem alienado fiduciariamente em garantia. Se o devedor da obrigação garantida pela alienação fiduciária não é, por determinação da lei, proprietário do bem alienado (art. sessenta e seis, da Lei quatro mil setecentos e vinte e oito de setenta e cinco), mas apenas seu possuidor direto, este referido bem não poderá ser penhorado em execução cujo título judicial também aponte como devedor aquele primeiro (TST - 2ª T. - RR 58424/92.6 - Rel. Min. Vantuil Abdalla, DJU de 01.04.93).

A despeito de toda consideração devida às decisões judiciais e às posições dos tribunais em matéria polêmica, com o escopo de marcar um entendimento majoritário, que sirva de orientação nos julgamentos das matérias que constituem objeto de súmulas e orientações jurisprudenciais, se bem refletido, não há como concordar com a aventada impossibilidade absoluta, quase sagrada, de constrição judicial de bens gravados com alienação fiduciária.

Adotando-se algumas cautelas e limitando-se a penhora a alguns direitos reconhecidos ao devedor, é possível chegar a outras conclusões.

Convém advertir que não se trata de decidir entre um crédito fiduciário, garantido pelo bem adquirido pelo executado da demanda trabalhista, e um crédito trabalhista, para se saber qual deles deverá ser satisfeito pela alienação do referido bem, como às vezes se vê na doutrina trabalhista, em análise apressada e divorciada da realidade.

Aqui não tem lugar, pelo menos não na forma usual, a aplicação do princípio da preferência do crédito trabalhista, pois, não se está diante de um confronto entre este e um crédito garantido pela propriedade fiduciária. Não há essa disputa nessa hipótese. Houvesse como examinar essa questão por esse prisma, não haveria grande dificuldade em eleger qual dos créditos deveria ser satisfeito. Seria vencedor o crédito trabalhista.

O caso aqui tratado é o da possibilidade da penhora de bem que ainda não integra o patrimônio jurídico do executado na demanda trabalhista, mas sim, de terceiro, no caso, o credor fiduciário, que somente será daquele se adimplidas as obrigações do contrato de financiamento do próprio bem.

A penhora, por evidente, incide sobre bens do devedor, estejam ou não em sua posse, ou seja, mesmo quando se encontram com terceiros.

O art. 591, do CPC, no capítulo que cuida da responsabilidade patrimonial do devedor, reza que: "O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei."

Sendo redigida nesses termos a norma legal, a jurisprudência e a doutrina, ambas quase por unanimidade, entendem que os bens que poderão ser, mas ainda não são do devedor, e assim, não integram seu patrimônio jurídico, não podem ser objeto de constrição judicial, uma vez que os bens futuros a que alude a lei são aqueles que serão adquiridos pelo devedor depois de constituída a obrigação.

A interpretação majoritária dada à norma pelos tribunais é objetiva e prioriza o método meramente gramatical, sem maiores reflexões, levando a um resultado muito restrito, abortando as outras possibilidades oferecidas pela mesma, pois, se bem pensado, abrem-se outras alternativas para a compreensão da matéria, inclusive para a viabilidade da penhora de bens que ainda não integram o patrimônio do devedor, mas que poderão vir a integrá-lo, já que esse é o escopo deste quando se vincula a terceiro (credor fiduciário) por contrato de financiamento, que se mostrou necessário para a aquisição justamente do bem gravado com alienação fiduciária.

O bem é do fiduciário, por força de lei, nessa modalidade de negócio privado, enquanto não forem cumpridas as obrigações pelo fiduciante, mas há a vontade deste de que passe a ser seu, que, por conta disso, é potencialmente seu, pois, a única forma de não vir a ser é o inadimplemento das prestações do financiamento de que é credor o fiduciário a quem a garantia é outorgada.

O argumento da não-integração atual do bem ao patrimônio do devedor, embora razoável, não parece ser o melhor, para sustentar a inviabilidade da penhora, pois, os créditos do devedor junto a terceiros, e que, portanto, com exceção do próprio direito creditício, ainda não integram seu patrimônio, podem ser objeto de constrição judicial, como se dá com a nota promissória e a duplicata.

Nesses casos, os valores representados pelos títulos de crédito ainda não foram pagos ao devedor, mormente porque a obrigação geralmente ainda não está vencida, pelo menos em regra, e sendo assim, enquanto o terceiro (devedor daquele que figura como executado na execução trabalhista) não adimplir a obrigação, não haverá transferência dos numerários ao patrimônio do executado, e, mesmo assim, a penhora é possível, ainda que o terceiro se torne inadimplente (CPC, arts. 671 a 676 e CC, arts. 298 e 312), inviabilizando a efetivação da constrição judicial.

Não parece adequado, então, entender que semelhante solução não possa ser aplicada ao bem gravado com alienação fiduciária, desde que sejam suspensos tão-somente os atos processuais tendentes à sua expropriação, em respeito aos direitos do credor fiduciário, que tem o domínio resolúvel da coisa adquirida pelo devedor.

Em regra, o depositário não pode desfazer do bem penhorado sem conhecimento e autorização do juízo da execução, embora em muitos casos seja possível sua substituição por outro equivalente, notadamente quando se trata de bens fungíveis.

A alienação do bem constrito pelo depositário, sem deixar em seu lugar outros que tenham a mesma aptidão de satisfazer o crédito exeqüendo, pode acarretar sua ineficácia frente ao credor que promoveu a penhora.

Esgotados todos os meios processuais de impugnação da execução da obrigação inadimplida e da própria penhora, passo seguinte é a alienação judicial do bem em hasta pública.

Nesse enfoque, poderia ser concluído que se o bem gravado de alienação fiduciária não pode ser expropriado judicialmente pelo credor penhorante, no processo de execução trabalhista, porque sua propriedade é do credor fiduciário enquanto não adimplidas as obrigações derivadas do contrato de financiamento ao qual está vinculado, como garantia do pagamento deste, de nenhuma valia seria penhorá-lo, já que não se reverteria em benefício da execução trabalhista.

Em outros termos, não teria o condão de garantir a execução trabalhista, e, numa etapa posterior, satisfazê-la.

Nada mais apressado que esta conclusão, o que talvez não tenham dado conta aqueles que cerram fileiras no grupo mais numeroso, que entende pela impossibilidade da penhora de bem com esse gravame.

Com efeito, parecem não ter percebido que a impossibilidade de alienação judicial é momentânea, ou seja, somente existirá enquanto não forem pagas as prestações do financiamento realizado para a aquisição do bem, não sendo razoável presumir a inadimplência do devedor em caso de penhora deste em execução de dívidas de outra natureza.

Havendo pagamento de todas as prestações do referido financiamento, a cláusula resolutiva confere ao devedor fiduciante a posse e a propriedade definitiva do bem, que fica isento de quaisquer causas que pudessem retirá-lo do rol de bens penhoráveis, habilitando sua constrição judicial e conseqüente alienação em hasta pública.

Isso se dá porque o bem gravado com alienação fiduciária será do devedor fiduciante em toda sua plenitude, com todos os atributos próprios da propriedade (usar, gozar e dispor), quando resolvida a relação jurídica com o credor fiduciário satisfeito em seu direito de crédito.

Não é outra coisa que diz o Código de Processo Civil, no capítulo que trata da responsabilidade patrimonial do devedor, em seu art. 591: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Cabe esclarecer que não obstante a imprópria redação dada a esse dispositivo legal, tal não significa que o devedor não possa alienar seus bens, ficando os mesmos congelados até que a obrigação contraída seja satisfeita.

A propósito do tema, Dinamarco [16] bem esclarece essa questão:

Respondem os bens integrantes do patrimônio do obrigado no momento de executar, quer eles já estivessem ali quando a obrigação foi constituída, quer hajam sido incorporados a tal patrimônio depois disso. Na primeira hipótese, são bens presentes quando ao momento da constituição da obrigação e também presentes quando se vai executar; os bens da segunda hipótese são futuros em relação ao momento da constituição do débito, embora presentes no da execução. Em relação a esse último momento, todos eles são bens presentes. Respondem também bens que estivessem no patrimônio do devedor quando a obrigação foi constituída, apesar de já não estarem quando se vai proceder a execução (bens alienados em fraude, ou alienados depois de terem sido oferecidos em garantia real da obrigação). Esses bens são presentes em relação à constituição da obrigação, embora passados no momento de executar (mas, em certas circunstâncias, respondem).

Pertinente a esse tema, o legislador do Código Civil de 2002 foi mais feliz, ao redigir o art. 391 deste: Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

Não há no ordenamento jurídico uma norma explícita que imponha a impenhorabilidade absoluta do bem gravado fiduciariamente, que, por si só, não obsta a constrição judicial, se não do próprio bem, de alguns direitos do fiduciante que dizem respeito a ele.

A execução na Justiça do Trabalho rege-se pelas normas da Consolidação das Leis do trabalho, e no que for omissa, não havendo incompatibilidade, pelas normas da Lei de Execução Fiscal (6.830/80), que, por sua vez, manda aplicar o art. 186, do Código Tributário Nacional.

Aplicam-se, igualmente, de forma subsidiária, as normas reitoras da execução no processo civil, contidas no CPC. Embora não seja esse o caso em exame, como dito alhures, é de bom alvitre que seja lembrado que, como regra, o crédito trabalhista prefere a qualquer outro, revestindo-se do que parte da doutrina denomina de super privilégio. O art. 649, do CPC, incs. I a X, do CPC, não inclui entre os bens absolutamente impenhoráveis aquele gravado com alienação fiduciária. [17]

Couce de Menezes [18] defende a possibilidade de penhora do bem gravado com alienação fiduciária, tanto quanto do bem hipotecado, entre outras razões, porque o crédito trabalhista é superprivilegiado, sobrepondo-se a todos os demais e, assim, não pode ter um tratamento inferior que ao da hipoteca (e daquele garantido pela alienação fiduciária).

Estando o crédito laboral em patamar superior ao tributário, a hipoteca e a alienação fiduciária não podem fazer frente àquele, com amparo nos arts. 10 e 30, da Lei. 6.830/80.

Esse argumento não tem lugar na discussão da matéria, já que não se está diante de confronto dessa natureza, pois, o que se debate é sobre a possibilidade de penhorar bem que ainda não integra o patrimônio do executado na demanda trabalhista. Caso o bem fosse deste, parece induvidoso que o crédito trabalhista teria preferência.

Finalmente, porque os bens alienados fiduciariamente e os sobre arrendamento mercantil não estão no rol dos bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), tampouco entre os tratados no art. 650 do mesmo Diploma.

Manifesta-se na mesma direção Oliveira [19], afirmando que a alienação fiduciária transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada. O devedor é possuidor direto e depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem a lei civil e penal. O superprivilégio do crédito trabalhista não pode perder sua vez frente a uma mera obrigação comercial, em manifesta afronta aos arts. 184 e 186 do CTN.

Reitere-se que o fundamento adotado para apoiar a tese da penhorabilidade do bem está equivocado. O assunto não deve ser abordado sob essa perspectiva, porque as razões para o entendimento majoritário em doutrina e nos tribunais são outras.

O mesmo autor citado por último, em outra obra, reafirma que o bem alienado fiduciariamente não constitui óbice a que seja objeto de penhora:

É notório que o devedor fiduciante, à medida que vai liquidando o seu débito, trafega para o seu patrimônio, de forma parcial o bem gravado. Assim, sobre um débito de R$ 30.000,00 suponha-se que já tenha efetuado o pagamento de R$ 20.000,00. Isto significa que dois terços fiduciários do bem já lhe pertencem. Embora o credor fiduciário tenha o domínio da coisa alienada, independentemente da tradição (art. 66, § 2º, da Lei n. 4.728, de 14.07.65, Mercado de Capitais), o seu direito de crédito está limitado ao saldo devedor (art. 66, § 5º). Vale dizer que o devedor fiduciante poderá ser proprietário de um bem que vale R$ 50.000,00 e dever somente R$ 5.000,00. Na pior das hipóteses, o crédito do credor fiduciário estará garantido pelo bem alienado que será arrematado ou leiloado com o gravame, caso o produto da almoeda não baste para cobrir a dívida fiduciária. [20]

O privilégio do crédito trabalhista não é fundamento suficiente para que se sustente a penhora do bem gravado com alienação fiduciária, em prejuízo do credor fiduciário, pois, o bem em questão ainda não é do devedor fiduciante, e somente passará a ser se este cumprir as obrigações decorrentes do contrato de financiamento.

Como dito, não há, aqui, apenas confronto entre um crédito garantido pelo próprio bem adquirido pela quantia emprestada ao devedor, com outro crédito, de natureza trabalhista, pois, a questão é um pouco mais complexa que isso, já que envolve discussão sobre a propriedade do bem, que, como dito, ainda não integra o patrimônio do devedor.

É oportuno ressaltar que na dicção da lei o objeto da expropriação consiste nos bens do devedor, e não a expectativa do direito de propriedade sobre esses. Mas pode haver alienação judicial de bens que configuram direitos sobre bens do devedor, a exemplo das parcelas já pagas ao credor fiduciário, mas os interesses deste hão que ser preservados, havendo fórmulas que podem conciliar os direitos do credor trabalhista e os do credor fiduciário.

5.1 Penhora de direitos sobre o bem

Afigura-se perfeitamente possível a penhora dos direitos sobre o bem gravado com alienação fiduciária, em princípio de titularidade do devedor fiduciante, a exemplo da posse direta, uso e gozo, e a própria expectativa de domínio definitivo, o que já seria suficiente para jogar por terra a equivocada tese da impenhorabilidade desse bem ou dos direitos dele decorrentes em execução trabalhista.

Isso não significa que não deve haver preocupação com o resguardo da preferência do credor fiduciário, mas somente até o limite do crédito fiduciário. O que exceder dessa garantia legal é suscetível de constrição judicial para satisfazer o crédito trabalhista.

Lembre-se, ainda, da hipótese de ter havido pagamento parcial do valor do bem nessa condição, em que as quantias entregues ao credor fiduciário deverão ser restituídas ao devedor fiduciante, em caso de alienação judicial ou extrajudicial do bem para fazer frente ao crédito fiduciário, naquilo que superar a este. As prestações já satisfeitas, ou parte delas, então, são passíveis de penhora para garantir o pagamento do crédito trabalhista.

Como ensina Dinamarco [21]:

A alienação fiduciária outorga ao credor a condição de dono somente com a ressalva de que seu direito de propriedade é resolúvel pelo pagamento que vier a ser feito pelo alienante-fiduciante (devedor); a alienação fiduciária pode incidir sobre bens móveis ou imóveis (leis nn. 4.728, de 14.7.65 e 9.514, de 20.11.97). Daí a lógica conseqüência de que, enquanto persistir na situação de alienado fiduciariamente, o bem não responde pelas obrigações do alienante-fiduciante (devedor ao banco), que não mais é seu proprietário, não podendo, pois, ser penhorado por suas obrigações; "o bem alienado fiduciariamente não pode ser objeto de penhora nas execuções ajuizadas contra o devedor fiduciário (Súmula 242-TFR); mas estão no patrimônio ativo desse devedor seus eventuais direitos perante o adquirente-fiduciário (instituição financeira), os quais comportam penhora (CPC, art. 655, inc. X). A jurisprudência é pacífica quanto a esses pontos.

Cumpre registrar que algumas Varas do Trabalho no Paraná têm adotado procedimento que, ao mesmo tempo, satisfaz os direitos do credor fiduciário e do credor trabalhista. Geralmente o fiduciário não tem oferecido oposição a esse procedimento, em virtude de que seu interesse se restringe a receber o que lhe é de direito, sendo-lhe indiferente a quem passará a pertencer o bem e a quem será entregue a quantia que sobejar.

Trata-se da penhora e da expropriação do bem gravado fiduciariamente, cujo resultado financeiro do leilão, primeiro satisfaz o credor fiduciário, entregando-lhe o que é de direito (quantias financiadas e ainda não pagas pelo fiduciante e despesas), transferindo a propriedade do bem para o arrematante e disponibilizando para satisfazer o credor trabalhista a quantia remanescente, que, não fossem a penhora e a expropriação, seria restituída ao devedor fiduciante (executado na execução trabalhista).

Essa solução mostra-se apropriada, ainda, na hipótese de inadimplemento das prestações pelo fiduciante, pois, nesse caso, o produto da expropriação do bem pela Justiça do Trabalho, além das parcelas vincendas, igualmente, servirá para quitar as parcelas vencidas, em prol do fiduciário, subsistindo em benefício do crédito trabalhista somente o saldo que inicialmente seria do fiduciante.

São situações factíveis, que em dado caso concreto podem se verificar, autorizando afirmar que inexiste a aventada impossibilidade absoluta da penhora de bem gravado com alienação fiduciária. Tudo irá depender das particularidades de cada caso em que houver a iminência da constrição judicial.

O que não se pode é sustentar que o bem ou os direitos que lhe são inerentes, a priori, não se submetem à satisfação do crédito trabalhista, cujo devedor é o fiduciante, ou seja, que não podem ser atingidos, em hipótese alguma, por eventual constrição promovida pela Justiça do Trabalho.

A impenhorabilidade, nesses casos, até pode ser verdadeira, sob certas condições concretamente avaliadas, mas jamais como regra geral, abstrata e absoluta, aplicável indistintamente a todos os casos em que o credor trabalhista requerer a penhora do bem gravado com alienação fiduciária.

Para ilustrar cita-se decisão proferida pela MM. 4ª VT de Teresina-PI, em 24 de janeiro de 2008, em que é embargante o Banco do Brasil (embargos de terceiro), na condição de credor fiduciário, vazada nos seguintes termos (fundamentação parcial):

EMBARGOS DE TERCEIRO N.º 1783-2007-004-22-00-9

EMBARGANTE: BANCO DO BRASIL S/A. Vistos e etc. Trata-se de embargos de terceiros apresentados por BANCO DO BRASIL S/A alegando, em síntese, a impenhorabilidade do bem alienado fiduciariamente. Atribuiu à causa do valor de R$ 1.0000,00. Embora devidamente notificados, os embargantes deixaram transcorrer in albis o prazo para impugnação aos embargos interpostos. Autos distribuídos para julgamento. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR. DO MÉRITO. Em que pese as alegativas do embargante, entendo possível a penhora sobre bem alienado fiduciariamente. Senão vejamos. De princípio, impende ressaltar que os bens sujeitos à alienação fiduciária não estão enumerados dentre aqueles considerados impenhoráveis, sendo, portanto, penhoráveis. O artigo 30 da Lei nº. 6830/80, subsidiariamente aplicável à execução trabalhista por força do disposto no artigo 889 da CLT, dispõe que responde pela dívida a totalidade dos bens e rendas do devedor, de qualquer origem ou natureza, seu espólio ou sua massa, "inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula". O certo é que não há impedimento à restrição judicial incidente sobre bem alienado fiduciariamente para satisfazer créditos de natureza trabalhista, dada a ampla proteção conferida a estes, em razão do seu caráter alimentar. Lembra-se, contudo, que a dívida fiduciária acompanha o bem, onerando-o, ou seja, em caso de adjudicação ou arrematação, o adquirente possuirá o bem com este ônus, respondendo por ele perante o credor fiduciário. Por tal razão, o referido ônus deverá constar do edital, para o fim de que sejam os licitantes interessados devidamente informados, resguardando-se, ainda, a preferência do credor fiduciário até o limite de seu haver.

Outras decisões entendem que pelo fato do bem não integrar o patrimônio jurídico do devedor fiduciante enquanto não for pago o financiamento que permitiu a aquisição do mesmo, não pode ser objeto de penhora, mas nada impede que possam ser penhorados os direitos sobre ele, como se observa da decisão da 3ª Turma do E. TRT da 2ª Região, em agravo de petição (trechos destacados):

AGRAVO DE PETIÇÃO. Processo TRT/SP Nº 00531.1995.202.02.00-0 (20050076242). ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE BARUERI - EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE DIREITOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E LEASING. Não pode ser objeto de penhora o bem adquirido a prestações pelo executado, mediante alienação fiduciária ou em regime de leasing, já que ainda não incorporado definitivamente ao seu patrimônio, o que, todavia, não impede a constrição sobre os direitos do executado em relação ao contrato, mesmo em se tratando de leasing, que é, na hipótese, forma desvirtuada de locação, uma vez que, antecipado o pagamento do valor residual, eliminam-se as opções de renovação da locação e de devolução do bem, encerrando autêntico contrato de compra e venda a prestações. Não se pode perder de vista que a lei permite a penhora de "créditos e de outros direitos patrimoniais", como se defluiu do disposto nos artigos 671 a 676 do Código de Processo Civil. O certo é que o executado não tem - não ao menos ainda - os direitos de propriedade do veículo, ou seja, o bem não se incorporou ainda ao patrimônio do executado. Logo, o veículo não pode ser objeto de constrição judicial. De outro lado, também não há dúvida de que o executado tem direitos em relação ao seu credor (instituição financeira), em razão dos valores já pagos. Nesse contexto, nada impede a constrição sobre os direitos que o executado já tem em face do seu credor. Num tal contexto, não vejo obstáculo para se permitir a penhora sobre os direitos do executado em relação a esse contrato, que envolve, bem se vê, verdadeira aquisição, ou seja, é contrato de compra e venda a prestação. Claro que também é remota a hipótese de se conseguir interessados nesses direitos em eventual leilão. Até porque o inadimplemento das obrigações pelo executado implicará medidas judiciais pela instituição financeira, para reaver o bem, de sorte que o adquirente desses direitos terá que se envolver nessa disputa judicial, cujo êxito, já se sabe, é incerto. Tudo isso, porém, não impede, insisto, a constrição judicial desses direitos, bastando que fique intimado o credor do executado a não praticar qualquer ato que implique alienação do veículo, senão mediante autorização judicial. Que fique bem destacado o seguinte: não se está interferindo, de forma alguma, na execução do contrato e nem, menos ainda, na esfera patrimonial da instituição financeira, que, afinal, nada tem a ver com a execução trabalhista. Apenas se reservam ao exeqüente eventuais direitos que tem o executado nesse contrato, seja em relação ao veículo, futuramente (com a alienação, quitadas as prestações), seja em relação aos valores já quitados, que têm significado econômico numa eventual rescisão do contrato por inadimplemento. Daí porque, concluindo, dou provimento ao agravo... [22]

Ainda, a seguinte decisão do E. STJ [23]:

O devedor fiduciante possui expectativa do direito à futura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos termos do artigo 11, VIII, da Lei das Execuções Fiscais, que permite a constrição de ''direitos e ações’

.

Portanto, as duas decisões judiciais ora reproduzidas, apenas para ilustrar, bem demonstram que se a garantia de pagamento representada pelo bem cujo domínio foi transferido ao credor fiduciário deve ser prestigiada, com o que não parece haver divergência nos tribunais, não menos certo é que eventuais direitos do devedor fiduciante, que figura no processo do trabalho como executado por dívida trabalhista, podem constituir objeto de penhora e expropriação pela Justiça do Trabalho.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Penhora de bens gravados com alienação fiduciária em execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2019, 10 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12184. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos