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Repensando a Justiça do Trabalho

01/09/1998 às 00:00
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Em muitos países não há uma Justiça do Trabalho como órgão específico e independente, mas apenas juízes pertencentes à Justiça ordinária, com atribuições de julgar litígios trabalhistas. Noutros, como a França e o México, as demandas dos trabalhadores são resolvidas por entidades administrativas, sem vínculo algum com o Judiciário.

Porém, em qualquer nação, todos, geralmente em caráter de subordinação, trabalham - ou deveriam fazê-lo -, apesar dos efeitos nocivos da propagada globalização. Assim, raro é o cidadão não relacionado numa prestação de serviços. Por essa razão, Wagner Giglio, grande mestre em Direito do Trabalho, entende ser este a rigor que deveria chamar-se de direito comum, reservando-se a qualificação de especial a outros ramos da ciência jurídica, destinados a segmentos minoritários da sociedade.

Em sede de doutrina, não há porque se discordar da autonomia da Justiça do Trabalho. Ao contrário, muitos até advogam a amplitude de suas prerrogativas, dotando-lhe também de competência para apreciar lides relacionadas a funcionários públicos, acidentes do trabalho e amparo previdenciário, já que todas estas matérias estão ligadas ao laço comum do emprego, sem importar ser de índole pública ou privada.

Todavia, sem qualquer sentido é a permanência de juízes classistas, os chamados vogais, na organização funcional da Justiça do Trabalho. Esse tipo de composição paritária, inspirada no Direito Italiano da época do fascismo, desde há muito se apresenta obsoleta para minimizar os conflitos oriundos do capital e do trabalho. No após-guerra, lá e em outros nações, tal modelo foi abolido; no Brasil, porém, se manteve, alimentando os afilhados do peleguismo sindical e do coronelismo político.

Contudo, tramita no Congresso Nacional, embora que tardiamente e a passos de tartaruga, obstado pelo contumaz lobismo, proposta de emenda constitucional extinguindo os cargos de juízes classistas de todas as instâncias trabalhistas, espalhadas por este país afora. (Pela política do "dou para que dês", em Pernambuco, por exemplo, criou-se questionáveis Juntas para um irrisório número de causas, sendo talvez a expressão financeira destas inferior ao pagamento anual de um só vogal). Segundo o relatório do Conselho da Reforma do Judiciário, a categoria dos juízes classistas é tida como um corporativismo pernicioso para o país e para as atuais relações de trabalho.

Excluir os vogais dos quadros da Justiça laborista se insere como uma das medidas de combate ao nepotismo. É preciso proibir o ingresso de parentes a cargos comissionados ou assemelhados no serviço público, em todos os entes e poderes da federação. Pela Constituição (inc. V, art. 37), até as funções de confiança devem ser exercidas, exclusivamente, pelo pessoal de carreira. Mas de que vale os dispositivos constitucionais quando o próprio presidente da República com suas malsinadas medidas provisórias, derruba direitos individuais insuscetíveis de emendas na Carta Política, quando não, ataca, por via oblíqua, decisões da mais alta corte de Justiça do País?

A propósito, é digno de elogio a recente pesquisa realizada pelo eminente sociólogo Túlio Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, na qual se demonstra a inutilidade das funções dos juízes classistas e a série de vícios norteadores na escolha dos mesmos, geralmente tutelada pelo apadrinhamento político, sem que os contemplados pertençam de fato ou de direito a qualquer sindicato representativo dos trabalhadores.

No Tribunal Superior do Trabalho há apenas um juiz de carreira a mais do que os classistas. Nos Tribunais Regionais (no mínimo, há um por Estado), um terço de seus juízes são classistas. Nas Juntas de Conciliação e Julgamento, órgãos de 1ª instância, a cada juiz togado, dois são vogais, com mandato de três anos e direito a uma recondução.

Também inadequadamente, certas vagas do TST e dos TRTs são ocupadas por membros da OAB e do Ministério Público do Trabalho, que nunca serviu ao controle do Judiciário, ante as mazelas da indicação e a caducidade do instituto do quinto constitucional, brecha para os detentores do poder colocar as suas alcunhas eleitorais.

Em verdade, os classistas quando não escolhidos por parentes de alguns juízes togados do TST ou dos TRTs, são sorteados pelos caciques da política de diversas colorações ideológicas ou partidárias. No TRT de Pernambuco há um informal acordo concedendo para cada juiz do tribunal, de carreira ou não, o direito de alojar dois vogais nas Juntas. Na prática, parentes fazem indicações de outros parentes, num enlace intricado de cunho familiar e político.

Todo mês, a União gasta cerca de 30 milhões de reais para manter uns quatro mil classistas, até bem pouco aposentados com apenas cinco anos de exercício. De um classista não se exige qualquer curso superior. Só trabalha meio expediente, pode exercer outras atividades, e ganha mais do que um magistrado da Justiça Estadual. Em geral, pela quantidade, o custeio com os vogais, embora dispensáveis à prestação jurisdicional, é bastante superior ao dos juízes de carreira, estes submetidos a exigentes concursos e dedicação exclusiva à função judicante, por vezes bastante árdua, sobretudo quando contraria privilégios dos poderosos.

Mesmo que os classistas, a pretexto de representar empresários e trabalhadores, fossem escolhidos por procedimento ético, tal corporação encontra-se sem respaldo ante a realidade econômica dos novos tempos. Hoje, no mundo inteiro, a luta significativa é pelo emprego, e não em função do conflito por ele gerado. E se dele resulta controvérsia, esta deve ser julgada por um juiz de carreira, de quem se exige conhecimento jurídico e competência funcional.

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Não há mais lugar para os vogais sequer no tocante à prestação de auxílio aos hipossuficientes, pois estes têm suas causas patrocinadas pela Defensoria Pública. E se a demanda evidenciar interesse público social, direito indisponível ou qualquer incapacidade da parte, aquela deverá ser assistida pelo Ministério Público do Trabalho, como previsto na Magna Carta e nas leis infraconstitucionais.

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Sobre o autor
Miguel Sales

promotor de Justiça em Pernambuco, professor de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Miguel. Repensando a Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1219. Acesso em: 24 abr. 2024.

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