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A Constituição e o meio-ambiente.

Limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente

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4 RELAÇÕES ENTRE AS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA E AMBIENTAL. PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS PARA O USO DE NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO SOBRE O MEIO AMBIENTE.

Como visto anteriormente, em matéria de meio ambiente, a Constituição discrimina aos entes federados competência material comum (artigo 23) e competência legislativa concorrente (art. 24), cabendo a União editar "normas gerais" de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios.

Já a competência tributária, entendida como "uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos [32]" vem definida no Título VI da Constituição Federal. Não é demasiado lembrar que nossa Constituição foi exaustiva no trato da matéria tributária, sendo, nos dizeres de Roque CARRAZZA "a lei tributária fundamental, por conter diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos [33]".

Luis Eduardo SCHOUERI opina que o "limite do emprego de normas tributárias em matéria ambiental: apenas será possível, em nosso sistema constitucional, uma vez confirmada a confluência da competência tributária (arts. 153 a 156 da Constituição Federal) e da competência material (de regra, concorrente, observadas algumas competências privativas) [34]".

Uma vez verificada tal confluência, forçoso concluir que se aplicarão às normas instituidoras de tributos ambientalmente orientados, tal como em relação aos demais tributos, as limitações constitucionais ao exercício da competência tributária [35], sob o influxo, no entanto, dos princípios de Direito Ambiental.

De igual modo sinaliza Silvio Alexandre FAZOLLI, o qual acrescenta que, além dos "princípios tradicionais do direito tributário (legalidade; anterioridade; capacidade contributiva; proibição de confisco; irretroatividade; isonomia; uniformidade geográfica; e outros), para o completo atendimento aos interesses ambientais, devem ser conjugados a outras bases teóricas, afetas ao campo da extrafiscalidade e do direito ambiental, entre as quais se pode citar: função socioambiental da propriedade; seletividade e essencialidade; progressividade e princípio do poluidor-pagador [36]".

No entanto, mister evitar raciocínios redutores ou fórmulas simplistas, pois, embora a interação dos sistemas ambiental e tributário seja um imperativo para o atendimento ao fim constitucionalmente posto - defesa e preservação do meio ambiente [37] - não se pode negar a complexidade de nosso sistema tributário e, portanto, a preponderância dos limites constitucionais [38] que se impõem ao Estado na formulação de leis que possam implicar a criação de tributos (ainda que a título de preservação ambiental), evitando-se que sob tal rubrica sejam criados (mais) tributos com mera finalidade arrecadatória.

Neste sentido, impõe-se ter presentes as palavras de Roberto FERRAZ, o qual, em matéria de tributação ambientalmente orientada diagnostica que há "(...) quem confunda tributo com punição, quem propugne tributos orientados que esbarrariam em impeditivos constitucionais e, até mesmo, quem apresente tributos, lançados com finalidade puramente arrecadatória e sem qualquer orientação ambiental efetiva, como um grande esforço e exemplo na preservação do meio ambiente. [39]"

Assim, nos dizeres de Heleno Taveira TÔRRES "a competência tributária, como o poder de legislar em matéria tributária, somente pode ser exercida com observância de todos os seus contornos constitucionais, a partir das limitações e princípios ali constantes [40]."

Em outras palavras, as competências tributárias serão exercidas dentro dos próprios contornos para legislar em matéria ambiental, ou seja, somente é permissível incluir na esfera da chamada "tributação ambientalmente orientada" as normas que sobressaiam da interação de ambas as modalidades de competência, excluída a possibilidade da utilização de tributos como sanção para atividades poluidoras (ou que os mesmos elejam ditas atividades como hipótese de incidência [41]) dado que "tributo não é pena", na lição de Roberto FERRAZ [42].

Heleno Taveira TÔRRES identifica no "núcleo ambiental" o elemento que qualifica a espécie tributária, afirmando ser imprescindível a presença do "reflexo do motivo constitucional na estrutura da regra-matriz do tributo [43]".

Destarte, o referido autor apresenta uma proposta que visa demarcar o objeto de estudo possível do Tributário Ambiental, visando identificar e separar o objeto de tentativas espúrias de tributação pretensamente ambientais, definindo-o como "o ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia, promoção ou preservação de bens ambientais [44]".

Nos ensinamentos de Heleno Taveiro TÔRRES destacamos dois pontos importantes: a) no domínio ambiental há espaço propício para o emprego das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, como garantia da "VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, redação dada pela EC 42/2003)", pois o "motivo constitucional" que justifica a edição do tributo deve ser mantido na regra matriz de incidência e com aplicação limitada ao grupo de sujeitos relacionados com os danos causados mesmo que potenciais, o que se compagina com a espécie tributária em foco e; b) a "a competência tributária não poderá tomar atividades do homem em relação ao seu meio ambiente como hipótese de incidência de norma tributária, porque isso não caracteriza manifestação de capacidade contributiva, para os fins de instituição ou majoração de ´impostos´ [45].


6 CONCLUSÕES:

A tributação ambientalmente orientada é tema que atualmente ganha relevância na sociedade moderna, inserindo-se como um - entre outros - instrumentos disponibilizados pelo legislador constituinte para que o legislador ordinário possa implementar uma política eficaz de defesa e preservação ao meio ambiente, nos termos traçados pela Constituição Federal.

Nossa Constituição Federal - pródiga (senão exaustiva) - em disciplinar a matéria tributária, encerrou dispositivos constitucionais suficientes para a adequada interação entre os sistemas jurídico tributário e ambiental, devendo o jurista buscar os limites para a almejada tributação ambientalmente orientada no próprio texto magno.

Em outras palavras, não há necessidade da inserção de novas normas para a instituição de uma tributação ambientalmente orientada, tampouco se extrai da interação entre o Direito Tributário e Ambiental uma nova espécie ou modalidade tributárias, que, por isto, venham a ensejar incremento na arrecadação.

No que toca à repartição de competências entre as unidades da federação, a Constituição adotou a regra geral para as entidades federativas, segundo as quais as mesmas possuem competência material comum e competência legislativa concorrente (competindo à União editar "normas gerais", de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios). Assim, incumbe ao legislador ordinário, na esfera de suas atribuições, adotar as políticas públicas e instrumentos técnicos para cumprir o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente, entre elas inserida a tributação ambientalmente orientada.

O estudo das relações entre valores e princípios constitucionais vinculados a valores ganha utilidade em matéria de tributação ambientalmente orientada na medida que faz interagir logicamente princípios e valores postos própria Constituição, eliminando equívocos frequentes nesta área e fornecendo um arcabouço interpretativo seguro, que permite ao intérprete identificar os valores e extrair os respectivos princípios diretamente da Constituição Federal.

No que concerne às relações entre as competências tributária e ambiental, importa esclarecer que a análise não deve ser reduzida a esquemas formais que consideram a mera enumeração de competências tributária e ambiental constitucionalmente previstas, pois, em que pese a tributação ambientalmente orientada ter por traço distintivo o "motivo constitucional" (de natureza ambiental) inserido na própria regra matriz de incidência do tributo, esta é, sobretudo, tributação e, por conseguinte, não escapa às limitações constitucionais impostas a toda e quaisquer espécies tributárias.

No entanto, enfatize-se, até mesmo para reforçar a intenção constitucional de obstruir o estabelecimento de tributos alcunhados de "ambientais" mas com fins meramente arrecadatórios, que deve ser excluída a possibilidade da criação de tributos que sancionem a atividades realizadas pelo contribuinte e relativas ao meio ambiente, pois, nos termos do art. 3º do CTN, tributo não é - nem pode ser - pena, na citada lição de Roberto FERRAZ, não sendo a tributação o meio adequado para tornar ilícita - indiretamente - a conduta do contribuinte.

Ou seja, na interpretação dos possíveis empregos da tributação para a persecução dos propósitos ambientais deve ser evitado o erro (bastante comum) de creditar à tributação ambiental um uso punitivo ou proibitivo da conduta ambientalmente incorreta ou indesejada.

Outra barreira a ser levantada, também com o fim de bloquear a tributação meramente arrecadatória - disfarçada de ambiental - é a impossibilidade da eleição de hipóteses de incidência que descrevam a realização de condutas ambientalmente poluidoras, já que as mesmas não são fatos-signos presuntivos de riqueza e não revelam índices de capacidade contributiva, gerando distorção na aplicação do princípio do "poluidor-pagador".

Saliente-se que a confluência entre as competências tributária e ambiental sofre o influxo dos princípios de Direito Ambiental (daí porque a importância científica no estudo das relações entre valores e princípios constitucionais, como mencionado anteriormente), e, em consequência, particularizam a forma da tributação, tornando as contribuições de intervenção sobre o domínio econômico instrumentos preferenciais (não únicos, saliente-se) na política de tributação ambientalmente orientada.

Em conclusão, portanto, a importância da tributação ambiental não cria novas modalidades tributárias, tampouco serve de justificativa para o abandono das regras constitucionais já estabelecidas para a instituição de quaisquer tributos, devendo ser respeitados os limites postos em nosso sistema tributário constitucional, os quais são suficientes para se evitar o uso abusivo, senão distorcido da tributação "pretensamente" ambiental.


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Sobre a autora
Cláudia Maria Borges Costa Pinto

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Curitiba e MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Cláudia Maria Borges Costa. A Constituição e o meio-ambiente.: Limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2032, 23 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12229. Acesso em: 29 mar. 2024.

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