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A Justiça do Trabalho do ano 2000:

as Leis 9756/98, 9957 e 9958/00 e a EC 24/99

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01/02/2000 às 01:00
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SÚMULAS VINCULANTES

O TST, como também o STF e o STJ, têm quebrado, a cada ano, seus próprios recordes em matéria de número de julgamentos realizados. Em 1999, o TST julgou mais de 121.000 processos, numa média de 3.270 processos julgados por ministro (considerando-se 17 ministros togados, 10 ministros classistas e 10 juízes convocados).

O art. 106, § 1º, da LOMAN permite a proposta de majoração do número de membros de um tribunal quando o número total de processos distribuídos e julgados, durante o ano anterior, superar o índice de 300 feitos por juiz. Ora, o TST já ultrapassou mais de 10 vezes esse limite, o que mostra a carga sobre-humana de processos que pesa sobre seus integrantes.

A prática tem demonstrado que a simples elevação do número de julgadores (com a convocação permanente de 10 juizes de TRTs) não tem servido para debelar a massa de recursos que chegam diariamente ao TST. Não obstante todo o esforço realizado no ano de 1999, o Tribunal terminou o ano com um saldo de mais de 105.000 processos aguardando distribuição, além dos quase 5.000 processos aguardando autuação.

A verificação de que quase 90% das questões são repetitivas, com recursos discutindo matérias já pacificadas, conduz à conclusão de que a solução para o problema da sobrecarga de processos nos Tribunais Superiores não é a de elevar o número de seus membros, mas a de restringir a subida de recursos, através da adoção da súmula vinculante, a ser observada pelas instâncias inferiores, sob pena de aplicação de medidas correicionais aos juizes renitentes.

Sem a súmula vinculante, a realidade vivenciada na prática pelos tribunais superiores é a da inobservância de dois pilares básicos sobre os quais se fundamenta o duplo grau de jurisdição:

Princípio da indelegabilidade da jurisdição – O sistema confere apenas ao juiz o exercício da jurisdição, devendo examinar com cuidado e consciência todas as questões que lhe são trazidas. Ora, levando-se em conta o número de processos julgados pelo TST em 1999, em 40 semanas úteis de trabalho (descontadas as férias e recesso forense), temos uma média de mais de 80 processos examinados por ministro como relator por semana, além de mais de 40 como revisor, num total de mais de 120 processos semanais (24 processos a serem examinados por dia útil, além de 3 dias de sessão por semana). É humanamente impossível para um único juiz dar vazão a essa carga de processos. Assim, a assessoria de cada gabinete prepara as minutas de votos e despachos, mas a revisão final deve ser do ministro, o que é difícil diante desse volume de processos. Verifica-se, então, que o exame efetivo de muitos processos acaba sendo da assessoria e não do ministro: pessoas, em muitos casos, recém-formadas e que não têm a experiência necessária para decidir em última instância sobre as questões que chegam até o TST.

Princípio da colegialidade – A revisão da decisão monocrática ou colegiada da instância inferior se dá por um colegiado, o que, em tese, propiciaria maior probabilidade de acerto. No entanto, a prática tem sido bem distinta: os 121.000 processos julgados num total de 361 sessões do TST resulta numa média de 335 processos julgados por sessão; durando em média 4 horas cada sessão, temos a média de 42 segundos por processo, o que mostra que há um arremedo de julgamento. Assim, para determinados tipos de processos (agravos de instrumento e embargos declaratórios) ou para matérias repetitivas (planos econômicos), os processos são julgados por lote: o secretário da seção ou turma enumera os processos e o relator limita-se a dizer que, em relação a todos eles, está, ou não, conhecendo do recurso e negando ou dando provimento. E, no final, o presidente da seção ou turma pergunta aos membros do órgão: "Há divergência?". Ora, como se pode divergir do que não se conhece o teor? O julgamento acaba sendo, efetivamente, monocrático.

Nesse sentido, o volume extraordinário de recursos nos tribunais superiores acaba gerando a necessidade de que seus membros tenham que confiar inteiramente em suas assessorias e nos seus colegas, pois não conseguirão examinar com rigor todos os processos, nem terão ciência efetiva das questões que estão sendo esgrimidas em todos os processos que se incluem nas pautas de julgamento.

Assim, sem a atribuição de efeito vinculante às súmulas, estas serão fruto da análise da questão escoteira que vem ao Tribunal, sendo depois aplicada essa jurisprudência aos demais casos semelhantes, mas com o perigo de, na pressa, se enquadrar equivocadamente um determinado caso em hipótese padrão para a qual ele não se amolda perfeitamente. Com isso, o julgamento dos casos seguintes será uma verdadeira loteria, sem a certeza do que se está julgando, pois o enquadramento da hipótese em matérias repetitivas acaba sendo feito pelas assessorias dos ministros, sem que este possa verificar, efetivamente, com acurada análise dos autos, se a hipótese era aquela.

Esse sistema massacrante da atividade judicante tem levado, também em relação aos processos pioneiros, que mereceriam análise e debate mais acurado, a que o órgão judicante, no afã de dar vazão ao volume crescente de recursos, se apresse em decidir sem maiores delongas: o importante são as estatísticas e não o produto final de soluções mais justas para as questões.

Ora, o defeito que leva a essa realidade está na necessidade de que os tribunais superiores tenham que rever uma série de decisões nas quais se insiste em julgar em desacordo com a jurisprudência pacificada das Cortes Superiores. A súmula vinculante, ao exigir que as instâncias inferiores apliquem as soluções que se tornaram jurisprudência pacifica nas instâncias superiores, traz duplo benefício para o jurisdicionado:

Democratização do acesso à Justiça – uma vez que estende, de forma imediata, a todos os cidadãos que tenham casos judiciais semelhantes, a solução adotada pela Corte Superior, desonerando-os de terem que enfrentar os custos e delongas de recursos intermináveis para obter o que já sabem que será a decisão final para suas demandas;

Maior perfeição técnica das decisões – uma vez que os tribunais superiores, tendo menor número de processos para julgar, poderão fazê-lo com maior consciência, enfrentando e debatendo de forma mais efetiva as questões novas com as quais vão se deparar.

Nesse sentido, a adoção da súmula vinculante, especialmente em matéria trabalhista, é de suma importância para que tanto empregados como patrões possam contar com maior estabilidade, segurança e celeridade na solução dos conflitos que têm entre si, diminuindo também o custo das demandas judiciais nas quais se envolvam.


CRITÉRIO DE RELEVÂNCIA NO RECURSO DE REVISTA

A par da súmula vinculante, outra técnica a ser adotada para o desafogamento dos Tribunais Superiores, simplificação dos recursos e caracterização dessas Cortes como instâncias extraordinárias é a da demonstração da relevância federal ou transcendência política, social, econômica ou jurídica das causas que merecerão a apreciação pelos Tribunais Superiores.

A Suprema Corte Americana adota tal técnica, ao escolher os processos que irá julgar, conforme sua relevância. Uma vez decidida a questão, com a formação do precedente, a jurisprudência formada passa a ser aplicada pelos juizes e cortes inferiores, podendo ser revista apenas se a Suprema Corte considerar que surgiram novos argumentos que justifiquem uma revisão de sua decisão originária.

Sob o império da Carta Política de 1967/1969, o Supremo Tribunal Federal, como instância uniformizadora da jurisprudência em torno da interpretação da Constituição e da lei federal, funcionou com técnica semelhante, consistente na argüição de relevância da questão federal, que deveria ser demonstrada no recurso extraordinário, para que este pudesse transitar pelo STF (CF 67/69, art. 119, III e § 1º).

O insucesso do sistema da argüição de relevância no Supremo Tribunal Federal deveu-se à necessidade do STF justificar motivadamente a não apreciação meritória de todos os processos que deixassem de ser julgados. Assim, não havia efetiva diminuição de processos, continuando o STF com a sobrecarga inviabilizadora de uma apreciação mais acurada dos processos que efetivamente fossem julgados, pela sua relevância.

O parecer da relatora da Reforma do Judiciário, Dep. ZULAIÊ COBRA, contempla um certo retorno do sistema, pela inclusão de pressuposto de admissibilidade para o recurso extraordinário, recurso especial e recurso de revista, consistente na necessidade de se demonstrar a repercussão geral das questões tratadas, para que mereçam ser apreciadas. A novidade ficou por conta da extensão do requisito para os recursos especial e de revista, que nunca contaram com tal orientação. Assim consta do relatório:

"Art. 102. (...)

§ 4º No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros".

"Art. 105. (...)

§ 2º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões federais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal examine o seu cabimento, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros".

"Art. 112. (...)

§ 3º No recurso de revista, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões federais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal examine o seu cabimento, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros" (grifos nossos).

A inserção de tal requisito para a admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária é de suma importância para não vulgarizar os tribunais superiores. Se todos os processos acabarem desembocando nas Cortes Superiores, o que era extraordinário passa a ser o ordinário, com a desenganada intenção das partes de rediscutir indefinidamente as questões nas quais litigam.

No entanto, a proposta do parecer da relatora peca por incidir no mesmo defeito do sistema anterior, agravando-o inclusive. Prevê que o STF, STJ e TST somente possam recusar a apreciação de recurso, por ausência de demonstração da repercussão geral das questões, quando o façam por maioria de 2/3 de seus membros. Ou seja, é mais fácil julgar o processo do que deixar de apreciá-lo. E mais. Os recursos em tela são de competência originária das turmas, órgãos fracionários do tribunal, e a não apreciação do apelo teria que ser discutida no plenário das Cortes Superiores, o que é completamente descabido. Assim, se permanecer o quorum qualificado, apenas se terá criado mais um elemento sobre o qual as partes deverão gastar seu tempo sustentando a importância da questão, quando o Tribunal não gastará o seu em refutá-lo, preferindo julgar logo o feito.

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Nesse sentido, caso venha a ser adotada essa nova fórmula de argüição de relevância, deve ser expungida a parte final dos dispositivos, relativa ao quorum mínimo para recusa de julgamento. Teríamos, então, a possibilidade de se utilizar o novo critério de relevância como elemento de discricionariedade para que os tribunais superiores possam escolher as causas que vão julgar, em face da repercussão geral que teriam na sociedade e na economia, sem necessidade de justificar o motivo pelo qual não apreciarão as demais causas.

Consideramos, no entanto, que uma fórmula mais coerente de se atribuir poder discricionário para os tribunais superiores escolherem as causas que julgarão seria a de lhes permitir estabelecer critérios de transcendência política, social, econômica ou jurídica para a apreciação das causas que lhes subam para análise.

E por quê "critérios de transcendência"? Porque, em nosso sistema jurídico, o duplo grau de jurisdição já assegura às partes a revisão, por um colegiado, da decisão proferida pelo juiz singular, obtendo-se rejulgamento integral da causa, com reexame de fatos e provas e do direito aplicável à hipótese. Os tribunais superiores não têm a missão de fazer justiça, no sentido de reexaminar a causa, mas de garantir a aplicação uniforme do direito federal em todo o território nacional. Assim, sua missão transcende o interesse das partes, ligando-se à defesa dos interesses do Estado Federado, de que suas normas não sejam inobservadas por alguma das unidades que compõem a Federação.

Daí que apenas as questões que transcenderem o interesse das partes, para afetar o próprio interesse da sociedade organizada em Estado Federal, é que merecerão ser julgadas pelas Cortes Superiores. E caberá a essas Cortes, com seu poder discricionário, estabelecer esses critérios de transcendência e aplicá-los aos casos concretos. Do contrário, continuarão os tribunais superiores a funcionar como 3ª ou 4ª instância ordinária, julgando de forma sumária os processos que lhes chegam, em sistema que apresenta maior discricionariedade do que o que se adotaria explicitamente.

Uma sugestão que fazemos, em termos de redação de dispositivo para a Emenda Constitucional veiculadora da Reforma do Judiciário seria a seguinte:

"Art. 96. (da Constituição Federal)

§ 1o A lei estabelecerá, em relação ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores:

a) os pressupostos de admissibilidade dos recursos de sua competência, admitindo-se seleção das causas a serem decididas, segundo critério de transcendência social, econômica, política ou jurídica;

b) os casos de edição de súmulas vinculantes e o procedimento a ser observado para sua edição, revisão e cancelamento.

§ 2o Ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores é facultada a iniciativa de lei de que trata o parágrafo anterior".

"Art. 76. (do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) Enquanto não editada a lei a que se refere o § 1º do art. 96, caberá aos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores a regulamentação dos requisitos e procedimento para a edição, revisão e cancelamento das súmulas com efeito vinculante, bem como o estabelecimento dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de suas respectivas competências".

Com a adoção do critério de relevância ou de transcendência das questões federais, poderão os tribunais superiores ter condições de apreciar com tranqüilidade, segurança, consciência e precisão as causas que lhes forem dirigidas, dedicando seu escasso tempo àquelas que, efetivamente, terão repercussão tal na comunidade, que exigem detida análise de todos os aspectos que a envolvam, de modo a que a solução seja a que melhor atenda aos interesses da sociedade.


CONCLUSÃO

A Justiça do Trabalho entra no ano 2000 com nova cara, mais técnica, célere e barata, com o que sai ganhando o jurisdicionado. A extinção da representação classista constitui marco histórico do aperfeiçoamento deste ramo especializado do Judiciário brasileiro. As novas leis que instituíram o rito sumaríssimo, as comissões de conciliação prévia e o provimento de recurso por despacho vieram a dinamizar e dar rapidez à solução dos conflitos individuais de trabalho.

No entanto, essa modernização ainda não é suficiente. A adoção das súmulas vinculantes e dos critérios de transcendência para apreciação do recurso de revista, a limitação do poder normativo em dissídios coletivos de natureza econômica e a valorização das ações civis públicas no âmbito trabalhista são medidas que merecem imediata concretização, através de sua inclusão entre os tópicos a serem aprovados na Reforma do Judiciário. Só assim poderemos adentrar no Terceiro Milênio com uma Justiça do Trabalho capaz de atender aos reclamos de pacificação dos conflitos laborais numa sociedade globalizada.

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Sobre o autor
Ives Gandra da Silva Martins

advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, presidente do Centro de Extensão Universitária, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Ives Gandra Silva. A Justiça do Trabalho do ano 2000:: as Leis 9756/98, 9957 e 9958/00 e a EC 24/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1223. Acesso em: 5 mai. 2024.

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Texto também publicado na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto, edição de janeiro de 2000

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