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O Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários

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31/01/2009 às 00:00
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3 A PROTEÇÃO CONTRATUAL DO CONSUMIDOR

Para Friedrich Karl von Savigny [28], "contrato é a união de mais de um indivíduo para uma declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes".

Merece transcrição também o conceito de contrato de J. M. Othon Sidou [29], que o qualifica como o "ajuste entre duas ou mais partes, no sentido da transferência de algum direito e ou sujeição a alguma obrigação".

Para Tupinambá Miguel Castro do Nascimento [30]:

Contrato é espécie de convenção mantida entre duas ou mais pessoas, desde que em pólos de interesses contrapostos e, por isso, relação jurídica, e que tem por fim a constituição, alteração, conservação ou extinção de direitos e obrigações pessoais, com adequação, ou não, a uma das modalidades contratuais previstas e estruturadas em lei.

As relações negociais empreendidas pela sociedade de consumo, ainda que muitas das vezes, de forma informal, se configuram verdadeiros contratos, pois, como defendido por Cláudia Lima Marques [31], contém em si todos os objetos formadores desse fenômeno jurídico, a saber: a vontade; o indivíduo; a liberdade de contratar, e, por fim; a definição, criação, transformação ou extinção de direitos e obrigações.

No entanto, fundamentado no princípio básico da vulnerabilidade do consumidor, o CDC traz consigo normas imperativas visando à proteção da parte hipossuficiente nas relações de consumo. Nesse sentido, o legislador deu ao art. 46 do CDC a seguinte redação:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Não obstante o quanto já foi dito sobre as relações de consumo, é mister consignar sua conceituação por Nelson Nery Junior [32], que assim as define:

As relações jurídicas que se encontram sob o regime do CDC são as denominadas relações jurídicas de consumo, vale dizer, aquelas que se formam entre fornecedores e consumidores, tendo como objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços pelo consumidor. Os elementos da relação jurídica de consumo são três: a) os sujeitos; b) o objeto; c) o elemento teleológico. São sujeitos da relação de consumo o fornecedor e o consumidor; são objeto da relação de consumo os produtos e serviços. O elemento teleológico da relação de consumo é a finalidade com que o consumidor adquire o produto ou se utiliza do serviço, isto é, como destinatário final.

Ainda visando à proteção contratual do consumidor, dispõe o art. 47 do CDC:

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Portanto, podemos retirar dos artigos transcritos alguns direitos básicos do consumidor, no que tange à sua proteção contratual, tendo em vista sua condição de hipossuficiência nessa relação jurídica. Exsurge, assim, o direito ao conhecimento prévio do consumidor do conteúdo do contrato, o direito a que seu respectivo instrumento seja redigido de forma clara e compreensível e que a interpretação das cláusulas contratuais será sempre mais favorável ao consumidor.

3.1 Conhecimento Prévio do Conteúdo do Contrato

Em seu art. 6º, inciso III, o CDC já previa como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, nem como sobre os riscos que estes apresentem. Logo, a disposição do art. 46 é um desdobramento do referido dispositivo, e busca garantir ao consumidor o direito ter pleno conhecimento do que e como irá contratar. Todavia, essa informação que lhe é assegurada pela lei deve se dar da forma mais extensa e ampla possível, sob pena de afronta ao CDC.

Sobre a matéria, preleciona Nelson Nery Junior [33]:

Dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão (art. 54, § 4º, CDC).

Também em comentário ao art. 46, do CDC, esclarece Cláudia Lima Marques [34]:

O art. 46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor descumprir este seu novo dever de dar oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento do conteúdo do contrato, sua sanção será: ver desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação deste, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso formalizado.

3.2 Redação Clara e Compreensível

Para ser válido, o contrato de consumo precisa, por força de lei, ser redigido de forma clara e compreensível, a fim de que a parte vulnerável nessa avença tenha plena noção das obrigações que estão sendo contraídas. Logo, se o consumidor não pôde compreender os termos do contrato celebrado com o fornecedor, este último não poderá exigir daquele o cumprimento dos deveres contratados.

Para Nelson Nery Junior [35]: "O Código exige que a redação das cláusulas contratuais seja feita de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor para que a obrigação por ele assumida para com o fornecedor possa ser exigível".

É óbvio, conseqüentemente, como menciona Nascimento [36], que "o contrato ser redigido de forma compreensível ou sem dificuldade de entendimento deve levar em consideração o grau de cultura do consumidor". De certo, um consumidor que tenha cursado apenas o ensino fundamental não terá a mesma compreensão de um instrumento contratual que uma pessoa com nível superior. "Por isso, o exame deve ser feito casa o caso", como explica Tupinambá Miguel Castro do Nascimento [37].

3.3 Interpretação Mais Favorável ao Consumidor

Partindo da afirmação de que o consumidor é ó pólo mais fraco da relação de consumo, tem-se que os contratos consumeristas serão interpretados sempre em seu favor. Esta norma não está somente impressa no art. 47 do CDC, mas em todo o Código, amoldando-se inclusive aos preceitos constitucionais que regem a matéria.

Segundo Cláudia Lima Marques [38]:

O intérprete do mercado de consumo deve necessariamente observar não só a regra do art. 47 do CDC, mas todas as normas do Código que dispõem (incluem) novos direitos e deveres para o consumidor e para o fornecedor. Em outras palavras, o conteúdo do contrato a interpretar não é somente aquele ‘posto’ em cláusulas pré-redigidas unilateralmente pelo fornecedor, mas também todo o contexto anterior que constitui a oferta, isto é, a publicidade veiculada, os prospectos distribuídos, as informações prestadas ao consumidor, as práticas comerciais exercidas, tais como a venda casada, a oferta de prêmios ou brindes especiais para incitar a manifestação de vontade positiva do consumidor etc.

De acordo com Nelson Nery Junior [39], "o Código criou novas regras de interpretação dos contratos de consumo, determinando que se faça sempre de modo mais favorável ao consumidor". Ainda segundo o mesmo jurista [40]:

Com medida de notável avanço, a norma determinada que a interpretação do contrato como um todo se faça de modo mais favorável ao consumidor. Não apenas das cláusulas obscuras ou ambíguas, como sugerido pelo art. 423, do Código Civil (Lei nº 10406/2002), que, aliás, limita essa prerrogativa ao aderente, nos contratos de adesão. Os princípios da teoria da interpretação contratual se aplicam aos contratos de consumo, com a ressalva do maior favor ao consumidor, por ser a parte débil da relação de consumo.

Pela análise da doutrina citada e transcrita, percebe-se que a interpretação mais favorável ao consumidor residirá não somente nas normas imprecisas, obscuras e ambíguas dos contratos de consumo, mas sim em todo o conteúdo do contrato, harmonizando-o com os princípios básicos do CDC, por sua vez, fundamentados na Carta Política de 1988.

3.4 Proteção Contra Cláusulas Abusivas

Para que se compreenda a amplitude da expressão "cláusulas abusivas", é mister trazer à baila o significado dos vocábulos "cláusula" e "abuso". No dizer de Sidou [41], cláusula é "a disposição de um instrumento obrigacional, definidor de seu objeto, condições e preceitos". Para o mesmo autor [42], abuso quer dizer a "condição de fato exorbitante ao direito e capaz de gerar ato ilícito".

O Código de Defesa do Consumidor, ainda no capítulo VI, que trata da proteção contratual, elenca, no artigo 51 e seguintes, as cláusulas abusivas, que para o caput do referido artigo, "são nulas de pleno direito".

Para Nelson Nery Junior [43], "cláusula abusiva é aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º, n.º I, do CDC".

Ainda segundo o referido doutrinador [44]:

A existência de cláusula abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verifica nos contratos de adesão, nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do aderente, de quem são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados do contrato. As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas cabem a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer em qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual.

Tendo em vista ser o CDC uma norma de ordem pública, cogente, e por serem as cláusulas abusivas, nulas de pleno direito, a declaração de sua nulidade pode (e deve) se dar a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdição, inclusive por iniciativa própria do Poder Judiciário (ex officio), ainda que não instado a fazê-lo pelas partes. Esta medida se coaduna com as raízes constitucionais fundamentais da defesa do consumidor, e encontra previsão já no art. 1º do Código de Defesa do Consumidor.

É a posição defendida por Cláudia Lima Marques [45]:

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O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.

Ressalte-se que, diferentemente do Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor não faz diferenciação entre nulidade relativa e nulidade absoluta, pois o direito contratual voltado às relações de consumo está acima da vontade dos contratantes, e seu conteúdo é de inarredável aplicação. Nesse sentido, presente abusividade no conteúdo de qualquer cláusula contratual, sua nulidade será absoluta. E sendo nula de pleno direito, de acordo com o texto legal, a declaração de sua nulidade produzirá efeitos ex tunc (retroativos), pois torna inexistente e sem qualquer eficácia a declaração de vontade do consumidor.

Tem relevância, neste momento, o fenômeno da relativização da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda), tendo o direito consumerista erigido uma nova ordem contratual, diferenciada daquela preconizada pelo Direito Civil, de caráter eminentemente privatista. Nas palavras de Cláudia Lima Marques [46], "esta nova concepção de contrato trouxe como reflexo a possibilidade do poder estatal, seja através do legislador, seja através do controle judicial ou administrativo, proibir determinadas cláusulas abusivas nos contratos de massa [...]". Estamos diante, assim, de um novo dirigismo contratual, em que o papel interventor do Estado se mostra sempre voltado para a proteção da parte mais fraca nas relações de consumo: o consumidor.

A vontade das partes, até então o único fator propulsor das relações contratuais, perde espaço para o império da lei, que dita as regras a serem seguidas pelos contratantes, prevendo, desde já, a sanção para as hipóteses de sua inobservância.

De acordo com o princípio consumerista básico, de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, as cláusulas que privilegiarem a posição do fornecedor, obrigatoriamente, serão declaradas nulas, importando não na nulidade do contrato como um todo (art. 51, § 2º, do CDC), em atendimento ao princípio da preservação do contrato, mas em sua revisão, a favor do consumidor.

Não por acaso, segundo Cláudia Lima Marques [47], "o postulado da força obrigatória dos contratos encontra-se muito modificado pelas novas tendências sociais da noção de contrato. O papel dominante agora é o da lei, a qual com seu intervencionismo restringe cada vez mais o espaço para a autonomia da vontade".

O art. 51 do CDC e seus dezesseis incisos, por sua ótima clareza didática, deixa nítido que o objetivo do legislador é a proteção do consumidor, elencando diversas modalidades de cláusulas abusivas. O referido rol, contudo, não é exaustivo, mas exemplificativo, observada a expressão "entre outras", constante do caput do referido dispositivo. No mesmo sentido se posiciona Nelson Nery Junior [48]:

Atendendo aos reclamos da doutrina, o CDC enunciou hipóteses de cláusulas abusivas em elenco exemplificativo. [...] Sempre que verificar a existência de desequilíbrio na posição das partes no contrato de consumo, o juiz poderá reconhecer e declarar abusiva determinada cláusula, atendidos os princípios da boa-fé e da compatibilidade com o sistema de proteção do consumidor. [...] Como a cláusula abusiva é nula de pleno direito (CDC, art. 51), deve ser reconhecida essa nulidade de ofício pelo juiz, independentemente de requerimento da parte ou interessado.

Tal como ocorre com o caput e incisos do art. 51 do CDC, seu parágrafo primeiro traz consigo uma relação de situações, se verificadas nos contratos de consumo, assegurarão vantagens exageradas ao fornecedor, em detrimento do consumidor. O mencionado rol, contudo, é apenas exemplificativo, pois haverá vantagens verificadas em casos concretos que certamente não estarão elencadas ali. Dentre essas vantagens, citamos: a ofensa aos princípios fundamentais do sistema; a ameaça do objeto ou equilíbrio do contrato, e; a onerosidade excessiva para o consumidor.

No primeiro caso, o intérprete do contrato deverá ter em mente o conteúdo dos arts. 4º e 6º do Código, bem como o fundamento constitucional que lhes dá plena eficácia. Quanto ao equilíbrio e objeto do contrato, não é necessário que sejam efetivamente desrespeitados, mas somente ameaçados. Neste caso, por força do art. 51, § 1º, II, do CDC, presumir-se-á exagerada a vantagem auferida pelo fornecedor. Já em relação à onerosidade excessiva para o consumidor, sua presença no contrato poderá ensejar sua revisão ou modificação por parte do Poder Judiciário. Mostrando-se inócuas tais medidas, será imperiosa a declaração de nulidade da cláusula, ainda que isto resulte na invalidade do contrato. Em respeito ao princípio da conservação do contrato, prestigiado pelo próprio Código, este traz consigo alguns critérios a serem observados nos casos de suposta onerosidade excessiva, a saber: a natureza e o conteúdo do contrato; o interesse das partes, sempre observado o caráter de ordem pública e interesse social do CDC e; as circunstâncias peculiares ao caso.

Quanto à revisão das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais às partes ou que imponham aos contratantes onerosidade excessiva, em razão de fatores supervenientes, sua possibilidade já estava prevista no art. 6º, V, do CDC. No entanto, não somente por fatos futuros e incertos, que gerem desequilíbrio entre fornecedor e consumidor, poderá ser modificado o contrato. É o que preleciona Cláudia Lima Marques [49]:

Efetivamente, o caráter de abusividade da cláusula é concomitante com a formação do contrato, logo, nenhuma ligação tem com as chamadas causas de revisão do contrato por fatores supervenientes (regime diferenciado no CDC, por força do art. 6º, V). A identificação dessa abusividade, exercício de aplicação/subsunção da lei e de interpretação do contrato como um todo e das práticas comerciais, é que pode ser posterior à formação do contrato, como a fotografia atual de um fato já existente. Em sem segundo lugar, a abusividade da cláusula não depende da boa ou má-fé subjetiva do fornecedor que a impôs ao consumidor. Talvez o fornecedor nem saiba que tal cláusula é contrária ao espírito do CDC ou mesmo expressamente proibida na lista do art. 51, talvez nem tenha ele redigido o contrato, cujo conteúdo pode até ser determinado por outra norma de hierarquia inferior (portaria, medida provisória etc.), mas mesmo assim permanece o caráter abusivo da cláusula.

Logo, para que uma cláusula seja considerada nula e tenha sua eficácia sustada, não importa o momento em que a nulidade tenha sido incluída no conteúdo ou se manifestado na execução do contrato. Se a cláusula era preexistente e de sua aplicação resulta disparidade entre consumidor e fornecedor, a declaração de sua nulidade, inclusive com efeitos ex tunc, é medida que se impõe. Por outro lado, se o desequilíbrio entre as partes se exteriora no curso do cumprimento do contrato, ainda que a respectiva cláusula tenha sido inserida no respectivo instrumento por vontade de ambos os contratantes, o reconhecimento e declaração de sua nulidade é inafastável, e deve ser levado a termo pelo seu intérprete. Nesse caso, ressalte-se, não é a nulidade que é superveniente. Ela já estava presente na formação do contrato. Apenas seus efeitos é que decorrerão de acontecimentos futuros, ensejando o desequilíbrio contratual que deverá ser combatido a requerimento de uma das partes ou ainda de ofício pelo Poder Judiciário. Por isso o efeito retroativo da declaração da nulidade da cláusula abusiva, pois tal característica lhe era inerente, desde o nascimento do contrato e não poderia vincular as partes.

Para fundamentar tal entendimento, volta-se ao Norte regulador das relações de consumo (vulnerabilidade do consumidor e sua efetiva proteção pelo ordenamento jurídico) e à natureza cogente do CDC. Conforme Cláudia Lima Marques [50], "estas cláusulas eram e são combatidas por ferirem a ordem pública, os bons costumes, por privarem de todo efeito o ato ou por sujeitá-lo ao arbítrio de uma das partes".

3.5 Contratos de Adesão

Dado o crescimento da sociedade de consumo, tornou-se necessário elaborar contratos que pudessem ser celebrados de forma massificada, contendo formulários com cláusulas estabelecidas previamente, imprimindo maior celeridade ao comércio e às relações de forma geral.

Vale transcrever a lição de Cláudia Lima Marques [51]:

A revolução industrial trouxe consigo a revolução do consumo. Com isso, as relações privadas assumiram uma conotação massificada, substituindo-se a contratação individual pela coletiva. Os contratos passaram a ser assinados sem qualquer negociação prévia, sendo que, mais e mais, as empresas passaram a uniformizar seus contratos, apresento-os aos seus consumidores como documentos pré-impressos, verdadeiros formulários.

A origem do termo "contrato de adesão", é narrada por Alinne Arquette Leite Novaes [52]: "O contrato de adesão, assim denominado pelo doutrinador francês Raymond Saleilles, em 1901, para designar um fenômeno que j[a vinha ocorrendo desde o final do século passado, foi a máxima repercussão, no mundo jurídico, da chamada massificação das relações contratuais."

Seguindo a tradição já referida em tópicos anteriores, o Código de Defesa do Consumidor trouxe consigo, em seu art. 54, também a definição legal de contrato de adesão, a saber:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

O conceito trazido por Cláudia Lima Marques [53] também merece destaque:

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pro parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. [...] Realmente, no contrato de adesão não há liberdade contratual de definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o consumidor somente aceitá-lo ou recusá-lo.

3.5.1 Supressão da Fase de Negociações Pré-Contratuais

Observadas as características acima expostas, resta claro, portanto, que o contrato de adesão é aquele que tem seu conteúdo ditado exclusivamente pelo fornecedor (proponente), e cabe ao consumidor tão somente decidir por aceitá-lo, contratando, ou rejeitá-lo, exercendo sua faculdade de não contratar. Esse modelo contratual elimina a negociação inter partes do negócio jurídico, pois já não lhes não era permitido interferir no conteúdo do contrato, alterando, acrescentando ou suprimindo cláusulas. Cabe ao aderente tão somente a faculdade de contratar ou não, aceitando as condições impostas pelo proponente.

Para J. M. Othon Sidou [54],

O que caracteriza portanto o contrato de adesão, segundo De Page, é a ausência de negociações prévias com vista ao acordo de vontades. Porque, como acentua Martinho Garcez Neto, ao contratante que adere não resta outra alternativa, além de aceitar as condições ditadas ou perder o contrato.

Sobre a matéria têm ímpar relevância os ensinamentos de Orlando Gomes [55]:

A figura jurídica nomeada contrato de adesão apresenta-se sob duplo aspecto, conforme o ângulo de que seja focalizada. Considerada na perspectiva da formulação das cláusulas por uma das partes, de modo uniforme e abstrato, recebe a denominação de condições gerais dos contratos e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quanto toma corpo no mundo da eficácia jurídica, é chamada contrato de adesão e examinada no prisma do modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais. A bem dizer, a cumulação dos dois aspectos significa que se apresentam como dois momentos lógica e cronologicamente diversos do mesmo fenômeno No primeiro momento, o empresário formula o esquema contratual abstrato, redigindo as cláusulas do conteúdo das relações contratuais que pretende concluir uniformemente com pessoas indeterminadas. No segundo momento, o eventual cliente da empresa adere a esse esquema, travando-se entre os dois uma relação jurídica de caráter negocial, com direitos e obrigações correlatas, sem qualquer conexão jurídica com os outros vínculos que, do mesmo modo e com igual conteúdo, se formam com distintos sujeitos.

Embora o contrato de adesão, devido à sua natureza e por suprimir a fase de negociação pré-contratual, tenha inovado na forma de contratar, este não se configura nova modalidade de contrato, como preleciona Cláudia Lima Marques [56]:

O contrato de adesão não é uma espécie nova e independente de contrato, trata-se de contratos de compra e venda, contratos de transporte, contratos de locação e outros mais variados tipos de contratos, em que se usa, sim, um método comum de contratação, o de oferecer o instrumento contratual já impresso, prévia e unilateralmente elaborado, para a aceitação do outro parceiro contratual, o qual simplesmente ‘adere’ à vontade manifestada no instrumento contratual.

3.5.2 Eliminação da Autonomia da Vontade

Percebe-se com razoável facilidade que o contrato de adesão pôs termo à autonomia da vontade, muitas vezes deixando o consumidor ao alvedrio do fornecedor, que detinha em suas mãos os bens objeto dos desejos daquele e impunha as condições para contratar.

Esta afirmação é confirmada por Humberto Theodoro Júnior [57]:

Um dos fatos que comprometeram o prestígio da autonomia de vontade foi a proliferação, nos últimos tempos, dos chamados ‘contratos de adesão’, ou seja, daqueles em que a notória superioridade econômica e jurídica de uma das partes leva à imposição de todas as cláusulas do negócio sem qualquer possibilidade de discussão pela parte mais fraca. A esta cabe somente aderir ou não aderir ao contrato, como um todo. Às vezes nem mesmo a abstenção do contratante mais fraco é possível, pela essencialidade dos serviços e bens ou pelo monopólio detido em mãos do outro contratante.

No mesmo diapasão, Orlando Gomes [58] deixa claro que "o regulamento ditado unilateralmente pelo predisponente pode ser desvantajoso para o aderente. A lesão ao interesse de não ser sacrificado está em relação direta com a posição de inferioridade econômica em que este se encontra ao aceitá-lo".

3.5.3 A Busca pela Preservação do Equilíbrio Contratual

Ao legislador e à jurisprudência coube, portanto, com fulcro no princípio de que o consumidor é vulnerável no mercado de consumo, buscar o equilíbrio entre as partes do contrato, visando à plena proteção da parte mais fraca: o consumidor. Nesse objetivo, foram redigidos os parágrafos primeiro a quarto do art. 54 do CDC, segundo os quais: a) a inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; b) nos contratos de adesão, admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor; c) os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor, e; d) as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Comentando os referidos dispositivos, enuncia Nelson Nery Júnior [59]:

A doutrina, de há muito, vem preconizando a idéia de que a mera inserção de cláusula no formulário nem por isso deixa de caracterizar o contrato como sendo de adesão. [...] O principal objetivo da norma é fazer com que não sejam desfigurados os contratos de adesão dos quais constem uma ou algumas cláusulas manuscritas ou datilografadas, acrescentadas ao formulário já impresso. [...] O Código permite a cláusula resolutória nos contratos de adesão, mas restringe sua aplicação, pois só está permitida a cláusula resolutória alternativa. [...] A resolução do contrato de consumo, prevista por cláusula constante do formulário de adesão, não poderá ficar na esfera de decisão do fornecedor. [...] Tanto os contratos concluídos por escrito como também os celebrados verbalmente podem ser contratos de adesão se verificados os requisitos da lei. [...] As ‘letras miúdas’, quase sempre ilegíveis por pessoa com razoável nível de visão, não são mais admitidas pelo sistema do Código, pois os formulários deverão ser impressos com caracteres legíveis.

O Ministro do STJ, Carlos Alberto Menezes Direito [60], em decisão que prestigiou a defesa do consumidor diante de cláusula constante de contrato de adesão de notória nulidade e desrespeito aos ditames do CDC, consignou em seu voto o seguinte:

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO – COMPETÊNCIA – CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO – SFH – ASSOCIAÇÃO DE EMPRÉSTIMO – 1. A jurisprudência desta Corte já está consolidada no sentido de que, tratando-se de contrato de adesão, submetido às regras do Código de Defesa do Consumidor, e importando a cláusula de eleição de foro prejuízo à defesa do aderente, pode o Juiz declinar de ofício da competência, visando a proteção do consumidor. O posicionamento também se aplica ao contrato submetido às regras do Sistema Financeiro da Habitação e firmado por Associação de Poupança e Empréstimo. 2. Agravo regimental desprovido.

A doutrina também tem se esmerado no sentido de proclamar e defender a interpretação dos contratos de adesão de forma mais favorável ao consumidor, por exemplo, nas palavras de Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva [61], segundo o qual "as cláusulas dos contratos de adesão devem ser interpretadas sempre de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47). Trata-se de interpretação contra proferentem, feita contra quem redigiu o contrato".

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Sobre o autor
Alexsandro Gomes de Oliveira

Bacharel em Direito pela PUC/PR. Advogado. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexsandro Gomes. O Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2040, 31 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12283. Acesso em: 24 abr. 2024.

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