Artigo Destaque dos editores

O Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários

Exibindo página 3 de 4
31/01/2009 às 00:00
Leia nesta página:

4 CONTRATOS BANCÁRIOS E SUA SUJEIÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Não se tem certeza da data do surgimento da atividade bancária, contudo, afirma Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum [62] que "não se estaria exagerando ao afirmar que, desde o surgimento do dinheiro, isto é, remontado à Antiguidade, já estariam presentes na sociedade algumas práticas tidas – atualmente – como bancárias".

Sobre a evolução dos bancos enfatiza o mesmo autor [63]:

No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, restou consolidado o capitalismo como sistema dominante, atingindo, então, os Bancos um desenvolvimento, fazendo com que os mesmos, em pouco tempo alcançassem o status de empresas internacionais, indispensáveis à economia de qualquer nação. Vindo o século XX, os Bancos diversificaram suas atividades, oferecendo aos clientes (e não clientes) uma vasta gama de produtos e serviços (contas, aplicações, empréstimos, consórcios, previdências, seguros etc.) que, como falado, já fazem parte do cotidiano dos cidadãos urbanos/modernos.

A massificação das relações consumeristas, por sua magnitude, atingiu também os produtos e serviços ofertados pelos bancos ao mercado de consumo de modo geral, aí inseridos os clientes da respectiva instituição financeira e também aqueles que não o são. Surgem assim, as operações bancárias.

Para Arnaldo Rizzardo [64],

A atividade principal dos bancos se desenvolve nas chamadas operações bancárias, consistentes em conceder empréstimos, receber valores em depósito, descontar e redescontar títulos, abrir créditos, enfim, na realização da série de atos próprios para a consecução de sua finalidade econômica. [...] O significado envolve, também, a contabilização de todos os valores que ingressam e saem do banco, com a escrituração, de modo a não permitir margem a dúvidas quanto ao seu montante, ao vencimento, aos encargos inerentes e às amortizações. Abrange a contabilização das relações entre o banco e os clientes.

As operações bancárias podem ser fundamentais e acessórias. Fundamentais quando visam à intermediação do crédito e acessórias quando voltadas à captação de fundos, responsabilidades e obrigações para com os clientes.

Seguindo a doutrina do professor Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum [65], podemos ainda identificar as características das operações bancárias, quais sejam: "o seu conteúdo econômico e, como não poderia deixar de ser, o fato de reunir como partes do negócio um cliente e, de outro lado, o Banco. Verificada a presença de tais características, estar-se-á, inegavelmente, diante de uma relação bancaria (cliente-Banco)".

Os negócios jurídicos realizados entre as instituições financeiras e os consumidores se materializam por meio de contratos, logo o motivo de se falar em contratos bancários, que nas palavras de Arnaldo Rizzardo [66], têm no crédito "o seu objeto e a razão de sua existência".

O crédito, por sua vez, é o "lastro de confiança imprescindível a consecução de qualquer empréstimo", no conceito de J. M. Othon Sidou [67].

Acerca do crédito têm relevância as palavras de Arnaldo Rizzardo [68]:

Os bancos são os mediadores do crédito. Quando realizam uma operação ativa, obrigam-se a uma prestação que consiste em conceder o crédito, Sendo passiva a operação, o cliente é que dá o crédito. [...] O crédito é definido como toda a operação monetária pela qual se realiza uma prestação presente contra a promessa de uma prestação futura. Marca o crédito, por conseguinte, a existência de um intervalo de tempo entre uma prestação e uma contraprestação correspondente. É indispensável a confiança de parte do que fornece o crédito na solvência do devedor. Aliás, a palavra crédito é originária do latim credere, com o significado de confiança.

4.1 As Atividades e Operações Bancárias Entendidas Como Prestação de Serviços

O Código de Defesa do Consumidor dispõe em seu artigo 3º, parágrafo 2º, que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração [...]". À primeira vista, embora se possa imaginar que as atividades e operações bancárias estejam sob a égide do CDC, não se poderia afirmar isso categoricamente.

No entanto, o próprio Código complementa o alcance de suas disposições esclarecendo que configura serviço "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Quanto ao fato de serem remuneradas as atividades bancárias, preleciona Eduardo Gabriel Saad [69]:

Remunerar, no caso, tem significação muito ampla. Não se reduz, apenas, à retribuição paga pelo serviço recebido; é, em verdade, a vantagem pecuniária obtida pelo fornecedor e representada por taxas, lucros, juros etc. Na edição anterior, chegamos a pensar que serviço, no caso, era restrito a umas tantas operações que tinham, como contraprestação, a remuneração paga pelo consumidor. Depois de meditar sobre o assunto, concluímos que, na hipótese do § 2º do art. 3º deste Código, serviço é mais abrangente, pois reúne todas as atividades que visem ao lucro e desenvolvidas nas áreas que menciona.

Conclui-se, assim, que são consideradas serviços aquelas atividades prestadas pelos fornecedores de forma aparentemente gratuita, mas que, se observadas mais a fundo, são remuneradas de forma indireta pelo consumidor individual, ou têm seu custo distribuído entre a coletividade de consumidores.

Sobre a mesma matéria também têm relevo os dizeres de Cláudia Lima Marques [70]:

A expressão utilizada pelo art. 3º do CDC para incluir todos os serviços de consumo é ‘mediante remuneração’. O que significa esta troca entre a tradicional classificação dos negócios como ‘onerosos’ e gratuitos por remunerados e não-remunerados? Parece-me que a opção pela expressão ‘remunerado’ significa uma importante abertura para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, ma a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quanto ele paga indiretamente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo. A expressão ‘remuneração’ permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo. Aqueles contratos considerados ‘unilaterais’, como o mútuo, assim como na poupança popular, possuem um sinalagma escondido e são remunerados.

É certo que só se excluíram do rol de serviços abarcados pelo CDC, e logo da condição de serem consideradas serviços bancários, aquelas atividades que, embora remuneradas, por força de regulamentação própria, decorrem das relações de caráter trabalhista e, portanto, estão sujeitas à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

José Geraldo Brito Filomeno [71] bem discorre sobre o tema:

E, efetivamente, fala o § 2º do art. 3º do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor em ‘serviço’ como sendo ‘qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’. [...] Resta evidenciado, por outro lado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo, cobrança de contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de extratos etc.), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços. Aliás, o Código fala expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde etc.

Houve manifestação de parte da doutrina em sentido contrário, afirmando que as operações e atividades bancárias não integrariam o rol dos serviços elencados no CDC, o que inclusive, será objeto de estudo apartado, mais adiante. No entanto, fez-se calar toda voz dissonante da boa interpretação da lei, merecendo transcrição os ensinamentos de Cláudia Lima Marques [72]:

O sistema do CDC não distingue entre ‘operações’ e ‘serviços’, distinção existente apenas na legislação especial bancária. No sistema do CDC, por sua natureza, as operações bancárias são espécie do gênero serviços, atividades operativas, de administração, organização, captação e de banco de natureza comercial e profissional inconteste na doutrina e na legislação. No sistema do CDC, por sua ratio legis de inclusão de relações jurídicas desequilibradas e com a presença de um vulnerável a necessitar proteção especial, não se distingue entre consumidores e usuários, nem entre serviços materializados e vinculados a produtos e fazeres totalmente imateriais, nem entre produtos materiais e imateriais, economicamente destrutíveis ou não, mas sim entre serviços e produtos, incluindo todos os produtos juridicamente consumíveis, úteis e economicamente valorados, mesmo que imateriais, incluindo todos os serviços, fazeres juridicamente consumíveis, úteis e economicamente valorados, mesmo que o simples uso, a simples organização, a simples intermediação, a simples informação, a simples conduta anexa a uma finalidade valorada no atual mercado. [...] Os complexos serviços bancários encontram-se incluídos dentre os serviços valorados no mercado de consumo, são serviços auxiliares ao consumo e per se oferecidos aos consumidores leigos, a eles aplicando a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), especialmente às relações massificadas, de adesão e essenciais ao homo economicus atual.

Realmente, não há dúvida sobre a natureza consumerista dos serviços bancários, atraindo para as relações jurídicas firmadas entre as instituições financeiras e os consumidores a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, mormente por expressa disposição do artigo 3º, parágrafo segundo da lei.

José Geraldo Brito Filomeno [72], citando Nelson Nery Junior, acrescenta:

Diante dessas ponderações, por conseguinte, e conforme a síntese elaborada por Nelson Nery Jr., caracterizam-se os serviços bancários como relações de consumo em decorrência de quatro circunstâncias, a saber: a) por serem remunerados; b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; c) por serrem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC; d) pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Há ainda aqueles [73] que consideram o crédito ofertado pelos bancos como ao mercado de consumo como um produto, materialmente consubstanciado no dinheiro, senão vejamos:

[...] afora serem as atividades bancárias previstas, expressamente, pelo Código do Consumidor como atividades econômicas e de relações de consumo, constituem-se em basicamente duas operações principais: concessão de crédito, cujo produto é o ‘dinheiro’, e assim é tratado além de apregoado pelos responsáveis pelas instituições financeiras; e prestação de serviços aos consumidores, quer no recolhimento de tributos ou outros pagamentos a crédito de terceiros, quer no próprio exercício de sua atividade precípua.

Trazem importante contribuição para este tópico as palavras de Cláudia Lima Marques:

O dinheiro não é um produto-fim, mas sim um instrumento para o atendimento das necessidades do consumidor, um produto-meio, como muitos outros que não se destroem no momento de sua utilização, e é considerado bem juridicamente consumível. Neste sentido, tanto o dinheiro, como o crédito é um produto economicamente relevante na sociedade pós-moderna, como considera parte da jurisprudência.

Pelo conteúdo acima, conclui-se, sem margem a outra interpretação, que as atividades e operações bancarias se subsumem, sim, ao conceito de serviços trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, atraindo para as relações firmadas entre os bancos e os consumidores todos os princípios relativos à proteção deste último.

4.2 A Classificação dos Bancos e Demais Instituições Financeiras Como Fornecedores

Uma vez entendidas as operações e atividades bancárias como serviços, à luz do Código de Defesa do Consumidor, não há dúvida quanto ao papel de fornecedor ocupado pelas instituições financeiras, já que o artigo 3º do CDC considera fornecedor todo aquele que desenvolva atividades de comercialização de produtos ou prestação de serviços.

As dúvidas que poderiam surgir sobre o tema foram elucidadas por Cláudia Lima Marques [74], que bem discorreu acerca do assunto:

A caracterização do banco ou instituição financeira como fornecedor, sob a incidência do CDC, parece-nos, pois, confirmada e inegável. [...] Efetivamente, para efeitos da defesa do consumidor, os bancos e as outras instituições financeiras são considerados fornecedores de fazeres economicamente relevantes para o destinatário final (consumidor), estando incluídos no real conceito de fornecedor do CDC.

Não há fundamento legal, doutrinário ou jurisprudencial que afaste a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações mantidas entre as instituições financeiras e os consumidores, pois a lei é clara. Tanto é verdade que os artigos 52 e 53 do CDC do fornecimento de produtos e serviços que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, alienações fiduciárias em garantia e os consórcios de produtos duráveis, atividades precípuas das instituições financeiras e bancos em geral.

Este entendimento é corroborado por Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva [75]:

As instituições financeiras prestadoras de serviço ao público são fornecedoras, devendo ser aplicado o CDC às relações jurídicas decorrentes de suas atividades. Tanto assim é que o art. 52 estabelece que, nos contratos envolvendo outorga de crédito ou financiamento, os fornecedores, prévia e adequadamente, devem prestar aos consumidores as informações contidas nos seus respectivos incisos.

Analisando e interpretando o caput do art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, a única conclusão plausível a que se pode chegar é que as instituições financeiras são, sem qualquer vacilo, fornecedores. Observe-se que geralmente são pessoas jurídicas, públicas (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc.) ou privadas (Bradesco, Itaú, Unibanco etc.), nacionais ou estrangeiras e, desenvolvem, com toda certeza, atividades de comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Confirmando a consideração acima, enuncia Nelson Nery Junior [76]:

Analisado o problema da classificação do banco como empresa e de sua atividade negocial, tem-se que é considerado pelo art. 3º, caput, do CDC, como fornecedor, vale dizer, um dos sujeitos da relação de consumo. O produto da atividade negocial do banco é o crédito; agem os bancos, ainda, na qualidade de prestadores de serviço, quanto recebem tributos mesmo de não cliente, fornecem extratos de contas bancárias por meio de computador etc. Podem os bancos, ainda, celebrar contrato de aluguel de cofre, para a guarda de valores, igualmente enquadrável no conceito de relação de consumo. Suas atividades envolvem, pois, os dois objetos das relações de consumo: os produtos e os serviços.

Por fim, atualmente pode-se afirmar, com razão, que as instituições financeiras se enquadram no conceito de fornecedor, estando sujeitas ao regime do CDC.

4.3 O Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.591 pelo Supremo Tribunal Federal

Como ressaltado desde o início, vozes se levantaram a fim de afastar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, sob a alegação de que sua regulamentação caberia ao Conselho Monetário Nacional. Nesse sentido, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF – ajuizou (patrocinada, dentre outros, por Ives Gandra da Silva Martins), a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2591.

Após infindáveis discussões jurisprudenciais e doutrinárias, além de muita especulação política, a mencionada ADI foi julgada improcedente pelo STF, por maioria de votos, vencidos parcialmente o Ministro Carlos Velloso (relator) e o Ministro Nelson Jobim.

A ementa do julgado, que representa um marco na proteção dos direitos do consumidor no Brasil, devidamente assegurada pelo Supremo Tribunal Federal [77], assim restou consubstanciada:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

Verdadeiramente, o Supremo Tribunal Federal pôs uma pá de cal sobre as divergências que se avolumavam nos Tribunais Regionais e Estaduais e fez calar as vozes que soavam em dissonância aos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal de 1988, assegurando a incidência das normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários firmados com as instituições financeiras. Para estas, ecoou o contido no início da ementa do julgado [78], que merece transcrição, dada sua importância na efetivação da defesa e proteção dos interesses dos consumidores:

[...] 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. [...].

4.4 O Projeto de Lei n.º 143/06 – Taxa de Juros e Incidência do Código de Defesa do Consumidor

Após a tentativa de excluir os contratos bancários da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que restou frustrada graças à improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2591 pelo Supremo Tribunal Federal, as instituições financeiras buscam agora, por intermédio do Poder Legislativo, excetuar da incidência do CDC as taxas de juros incidentes em empréstimos e em aplicações financeiras.

Para tanto, se valem do Projeto de Lei n.º 143/06, de autoria do Senador Valdir Raupp, do PMDB de Rondônia, que visa a incluir um parágrafo no artigo 3º do CDC, com a seguinte redação: "O disposto no presente Código não se aplica em relação ao custo das operações ativas ou à remuneração das ações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro, que obedecerá a legislação específica".

O referido Projeto de Lei recebeu parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado, cuja relatoria incumbiu ao Senador Expedito Junior, do PR, também de Rondônia.

Não há dúvida de que tal iniciativa vai de encontro aos princípios elencados no Código de Defesa do Consumidor, dentre eles: o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo; a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, além de desrespeitar o equilíbrio contratual garantido pelo CDC.

Ao que parece, está longe de ser assegurada, definitivamente, a eficácia dos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal. O movimento de defesa dos direitos do consumidor, ajudado pelo Ministério Público e demais órgãos do Poder Público em geral ainda terá muitas batalhas a ser travadas em defesa da Constituição e do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à sua aplicabilidade contra o que se poderia chamar de "o braço mais forte do empresariado brasileiro": os bancos.

Resta esperar que, no final, se mantenha vivo o interesse do legislador constituinte, consubstanciado no art. 5º, XXXII, da Carta Política de 1988, que dispõe: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexsandro Gomes de Oliveira

Bacharel em Direito pela PUC/PR. Advogado. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexsandro Gomes. O Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2040, 31 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12283. Acesso em: 18 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos