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O "jus sanguinis" como critério de determinação da nacionalidade da pessoa natural segundo o direito internacional

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3 A NACIONALIDADE ORIGINÁRIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A nacionalidade na legislação constitucional brasileira tem sido contemplada desde a Constituição do Império, de 1824, tendo-lhe sido dedicado, na atual Constituição de 1988, o artigo 12 que dispõe sobre o tema.

Convém aqui trazer à baila a evolução constitucional [28] do tema para melhor compreensão.

3.1.1 Constituição de 1824

A Carta Imperial trazia no seu bojo, como regra geral, o critério do jus solis e dispunha em seu art. 6º que "[...] são cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação".

Como já prenunciava a primeira constituição brasileira, o que seria adotado nas subseqüentes, também estava previsto o critério jus sanguinis como determinante da aquisição da nacionalidade da pessoa natural no país. Nesse caso, o critério do direito do sangue estava associado ao jus domicilii. Dessa forma, seriam nacionais do Império os filhos de pai brasileiro e os filhos ilegítimos de mãe brasileira, nascidos no exterior, que viessem a residir no Brasil.

A Constituição outorgada também previa que seriam brasileiros os filhos de pai brasileiro que estivesse em um país estrangeiro, a serviço do Império, embora não viessem a estabelecer domicílio no Brasil.

3.1.2 Constituição de 1891

Dando seguimento ao que se configuraria como tradição na abordagem do tema pelo legislador pátrio, a primeira constituição republicana previa como regra a adoção do critério do jus solis, mas com exceções jus sanguinis.

Em conformidade com a Constituição de 1891, cidadãos brasileiros seriam os nascidos no Brasil, ainda que filhos de pai estrangeiro que não estivesse a serviço do país de origem; os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos no exterior, desde que estabelecem domicílio no território da República; os filhos de pai brasileiro, nascidos no exterior, desde que a serviço do Brasil, embora não viessem a estabelecer domicílio no país.

3.1.3 Constituição de 1934

Nessa Carta, mais uma vez o legislador optou por trazer como regra geral o critério do jus solis, excepcionando-o com hipóteses jus sanguinis. O tema era disciplinado no art. 106, que considerava brasileiros: os nascidos no Brasil, mesmo se filhos de pai estrangeiro, desde que não estivesse ele a serviço do governo de seu país; os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no exterior, desde que os pais estivessem a serviço público, e, afora esta condição, se ao atingirem a maioridade optassem pela nacionalidade brasileira.

3.1.4 Constituição de 1937

A Constituição do Estado Novo disciplinava o tema no art. 115 e, mais uma vez, norteava a determinação da nacionalidade brasileira tendo o jus solis como regra e o jus sanguinis como exceção.

A Carta considerava brasileiros todos os nascidos no Brasil, conquanto filhos de pai estrangeiro, que não estivesse em território brasileiro a serviço de seu país de origem; os filhos de brasileiro ou de brasileira, nascidos no exterior, estando os pais a serviço do Brasil e, afora este caso, se atingida a maioridade optassem pela nacionalidade brasileira.

3.1.5 Constituição de 1946

A Constituição do período mais democrático da República, até então, estabelecia que brasileiros seriam todos os nascidos em território pátrio, ainda que filhos de pais estrangeiros que não estivessem a serviço de seu país; os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no exterior, se os pais estivessem a serviço do Brasil, ou, na hipótese de não estarem em serviço oficial, os filhos viessem a residir no país. Nesse caso, pela primeira vez o legislador constituinte fixava um prazo para a opção, 4 anos após atingida a maioridade, para conservar a nacionalidade brasileira então latente.

3.1.6 Constituição de 1967

A Carta que vigeu durante os governos militares trazia a previsão de que brasileiros natos seriam aqueles nascidos em território brasileiro, embora filhos de pais estrangeiros que não estivessem a serviço de seu país de origem; os nascidos no exterior, de pai ou mãe brasileira, mesmo que não estivessem a serviço do Brasil, desde que registrados em repartição brasileira competente no exterior ou, na hipótese de não se proceder ao registro, viessem a residir em território nacional antes de atingirem a maioridade. Neste caso, uma vez alcançada a maioridade, necessária seria a opção pela nacionalidade brasileira no prazo de 4 anos.

3. 1.7 Constituição de 1988, Emenda de Revisão nº 3/1994 e EC nº54/2007

A nacionalidade potestativa, conforme esclarece Alexandre de Moraes [29], sofreu fundamentais alterações com a vigência da Constituição de 1988 e posteriormente com a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7.6.1994 e Emenda Constitucional nº 54, de 20.9.2008.

Esta Carta alterou um dos requisitos do art. 145 da constituição antecessora, no que se refere à aquisição de nacionalidade aos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no exterior que não estivessem a serviço do Brasil.

O constituinte de 88 deixou de fixar o prazo para a opção. Assim, tal hipótese de aquisição de nacionalidade originária passou a ter os seguintes requisitos: filho de brasileiro ou brasileira; pai ou mãe brasileira que não estivesse a serviço do Brasil; inocorrência do registro na repartição competente; fixação de residência antes da maioridade; realização de opção a qualquer tempo.

A Emenda de Revisão nº 3 alterou, mais uma vez, a referida hipótese de aquisição de nacionalidade, deixando de exigir-se prazo para a fixação de residência no país e do prazo para opção.

A referida emenda também suprimiu a hipótese tradicional de aquisição originária da nacionalidade. No texto original, na alínea "c" do inciso I do art. 12 da Carta Magna, estava prevista a aquisição da nacionalidade originária aos nascidos no exterior, filhos de pai ou mãe brasileira, conquanto fossem registrados em repartição brasileira competente.

Dessa forma, adotava-se o critério jus sanguinis, somando-se ao requisito do registro em repartição brasileira no exterior competente, ou seja, em Embaixada ou Consulado, a despeito de quaisquer outros procedimentos ulteriores confirmativos dessa condição de nacionalidade suspensiva.

Tendo a emenda constitucional suprimido essa hipótese, não há mais como um filho de brasileiro, nascido em país estrangeiro, vir a ser registrado em Consulado ou Embaixada com o fito de aquisição de nacionalidade. O dispositivo constitucional revisado exige agora, para tanto, que ele resida no país e faça a sua opção – é a chamada nacionalidade potestativa.

Observe-se que as inovações trazidas pela Emenda de Revisão nº3/1994 trouxeram consigo ao mundo jurídico um problema combatido pelo Direito Internacional, o qual abordou-se mais detidamente no capítulo anterior. O texto constitucional brasileiro passou a admitir, a partir da aludida alteração pela emenda revisional, a possibilidade de cidadão brasileiro gerar um filho sem pátria. Dessarte, nascido em país estrangeiro que adotasse tão-somente o jus sanguinis puro e cujos pais brasileiros não estivessem a serviço do Brasil, se jamais fixasse residência no Brasil e não optasse pela nacionalidade brasileira, restaria apátrida.

Até 2007, estimava-se que cerca de 200 mil brasileiros nascidos no exterior, a partir de 1994, detinham a condição de apátridas, em face das supressões trazidas ao texto constitucional pelas impropriedades técnicas trazidas com a Emenda de Revisão nº 3/1994.

Num esforço de solucionar essa anomalia jurídica e garantir um direito fundamental aos filhos de brasileiros comuns nascidos em terras estrangeiras, após anos de tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 272/2000 [30], de autoria do então Senador Lúcio Alcântara, do Ceará, com substitutivo do Senador Cristovam Buarque, do Distrito Federal, foi finalmente aprovada em 20 de setembro de 2007. A PEC visou devolver ao texto constitucional a mesma previsão que havia no texto original de 1988, atinente ao simples registro do filho de brasileiro que não esteja a serviço da Nação, em repartição brasileira competente, para a concessão automática da nacionalidade brasileira.

Nesse contexto, a EC nº 54/2007, alterou o art. 12, I, "c", dispondo que são brasileiros natos "[...]os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira".

Outra alteração relevante no sentido de evitar a apatridia em face da das distorções da emenda revisional de 1994, diz respeito ao acréscimo, pela EC nº 54/2007, do art. 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Consoante tal dispositivo, os desafortunados "brasileirinhos apátridas" – aqueles filhos de pai ou mãe brasileiro, nascidos entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação da emenda (20.9.2008) no exterior, poderão finalmente ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.

3.2 Constituição de 1988

O reconhecimento da nacionalidade originária no Brasil dá-se exclusivamente em nível constitucional, segundo os ditames estabelecidos no art. 12 do Título II do Capítulo III da Constituição Federal.

A atribuição da nacionalidade originária no Brasil pauta-se pela adoção dos dois critérios, jus solis, como regra geral, e exceções jus sanguinis, a partir do fato natural do nascimento.

Consoante o texto da Lei Maior, serão brasileiros natos os indivíduos que preencham os requisitos dispostos no inciso I do referido artigo, verbis:

[...] a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço do seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Nesse sentido, a alínea "a" do inciso I do art. 12 estabelece a regra geral, jus solis. Serão brasileiros os nascidos em qualquer parte do território pátrio. Por outro lado, peremptoriamente exclui a nacionalidade brasileira para os nascidos no país, mas que sejam filhos de estrangeiros a serviço de seu Estado de origem.

O critério jus sanguinis faz-se presente na Constituição do Brasil ao nortear a determinação da nacionalidade originária brasileira na alínea "b". Nesse sentido, o texto constitucional condiciona a atribuição da nacionalidade ao fato de que pelo menos um dos pais seja brasileiro e esteja a serviço do Brasil.

Uma outra hipótese jus sanguinis prevista na Carta Magna atual está incluída na alínea "c". O dispositivo refere-se ao filho de cidadão brasileiro comum, não se tratando aqui de diplomatas ou servidores em missão oficial, como é o caso da alínea "b".

A alínea "c" contempla a hipótese de atribuição da nacionalidade originária para filhos de qualquer cidadão brasileiro, por qualquer razão, que nasça em território estrangeiro, desde que observados os prazos e opções previstas no dispositivo.

3.3 O jus sanguinis na legislação brasileira: princípio da extraterritorialidade

O direito do sangue não foi adotado pela Carta de 1988 em sua forma pura, sendo exigível um outro requisito. Sempre será necessário, porém, conforme salienta Alexandre de Moraes, "[...] estar presente uma relação de contemporaneidade entre a condição jurídica do ascendente e o momento do nascimento, ou seja, aquele deverá ser brasileiro nato ou naturalizado à época do nascimento deste". [31]

No art. 12 da Lei Maior, contempla dois casos em que o brasileiro será nato, mesmo não tendo nascido em nosso território.

O primeiro, é o previsto na alínea "b" do inciso I, qual seja o indivíduo nascido no exterior, em que, ao menos um dos pais seja brasileiro, desde que, ao tempo do nascimento, o pai ou a mãe estiver a serviço do país. [32]

É o caso de determinação na nacionalidade originária pela adoção do jus sanguinis, combinado com a exigência do critério funcional. O critério funcional abarca o serviço diplomático; o serviço consular; o serviço público de outra natureza prestadoa órgãos da Administração centralizada ou descentralizada (autarquias, sociedade de economia mista e empresas públicas) da União, dos estados, dos municípios, do Distrito Federal ou dos territórios brasileiros.

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A segunda hipótese é a contemplada na alínea "c" do inciso I do artigo retrocitado e refere-se à nacionalidade potestativa: indivíduos nascidos em território estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, registrados em repartição competente, e que fixem residência residir no Brasil e optem, em qualquer tempo, após a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Nesse caso, determina-se a condição de brasileiro nato advém da adoção do jus sanguinis somado aos critérios residencial e à opção confirmativa.

Da evolução constitucional apresentada, no que se refere à determinação da nacionalidade originária, interessante observar que da Carta de 1824 até a atual Constituição, a opção do legislador pouco mudou: o jus solis, como regra geral, e duas exceções jus sanguinis – como prevê hoje o art. 12, I, da Constituição de 1988, apenas com ínfimas modificações.


4 JUS SANGUINIS: TENDÊNCIA ATUAL NO DIREITO INTERNACIONAL

A nacionalidade é assunto que durante muito tempo pertenceu à órbita da jurisdição doméstica dos Estados. Entretanto, conforme esclarece Celso D. de Albuquerque Mello, as convenções sobre o tema nacionalidade têm se sucedido a partir da década de 1930 [33]. Esse fato, contudo, não acarretou a internacionalização do instituto, mas tão-somente alguns de seus aspectos passaram a ser regulados pelo Direito Internacional.

Nesse sentido, a nacionalidade é regulada pelo Direito interno de cada país. A ordem jurídica internacional vai, apenas, exercer um controle sobre essas leis de Direito interno quando surgir litígios internacionais.

Esse instituto é do mais alto relevo para o Direito Internacional, visto que a nacionalidade determina que certas normas internacionais sejam ou não aplicadas ao indivíduo. A nacionalidade, assim, vai ser preponderante para que se determine a qual ente estatal cabe a proteção diplomática do indivíduo [34].

Dessa forma, para o Direito interno a nacionalidade também apresenta importância considerável. Somente o nacional é titular de direitos políticos e tem acesso às funções públicas; somente ele é obrigado a prestar serviço militar; apenas o nacional tem a plenitude dos direitos privados e profissionais; o nacional não pode ser extraditado ou expulso [35].

Existem princípios gerais que funcionam como elemento norteador da determinação da nacionalidade pelo Direito interno, conquanto não são eles absolutos. Cita o doutrinador os principais [36]:

[...] a) todo indivíduo deve ter uma nacionalidade e não mais que uma. Foi enunciado pelo Instituto de DI, na sessão de Cambridge, em 1895. Esse, na prática, não é respeitado, constituindo-se em um ideal da sociedade internacional;

b) a nacionalidade é individual. Tem-se abandonado as ‘nacionalizações’ e desnacionalizações coletivas. Ela atinge apenas o indivíduo e não se estende a seus dependentes ou parentes;

c) a nacionalidade não é permanente, tendo o indivíduo, em conseqüência, o direito de mudar de nacionalidade;

d) é assunto, de um modo geral, da competência do Estado, sujeito em certos casos ao ‘controle’ e às normas internacionais.

Aliás, talvez seja este último um dos mais relevantes no que concerne ao próprio Estado, visto que não se pode conceber um Estado governado por estrangeiros.

Merece nota também o princípio da efetividade, com fulcro na aquisição de nacionalidade primária e secundária. Esse princípio estabelece que o vínculo patrial não deve ser fundado em formalidade ou artifício puros e simples, mas no fato de que deve efetivamente existir laços sociais substanciais entre o indivíduo e o seu Estado.

Quanto aos princípios estabelecidos em Declarações, Tratados e Convenções internacionais que orientam o assunto, merecem registro os destacados a seguir, conforme leciona Augusto César Ramos [37]:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 prevê, no seu artigo 15 que "I – Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade; II – Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade".

Estatuído no artigo 4º da Convenção sobre Nacionalidade, de 12 de abril de 1930, o princípio segundo o qual "um Estado não pode exercer proteção diplomática em favor de algum dos seus nacionais, contra outro Estado do qual o mesmo indivíduo seja também nacional".

Some-se a esse o princípio extraído do artigo 1º daquela Convenção que estatui que cabe ao Estado determinar por meio de suas próprias leis os indivíduos que terão direito a sua nacionalidade.

Celso D. de Albuquerque Mello lembra que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, determina, em seu artigo 24, que "toda criança tem direito a adquirir uma nacionalidade" e que a Convenção Interamericana de Direitos do Homem [Convenção de San José da Costa Rica] também trouxe à baila o tema, à luz dos Direitos Humanos:

[...]a) toda pessoa tem direitos a uma nacionalidade;

b) toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território nasceu se não tem direito a outra nacionalidade;

c) ninguém será privado arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la [38].

A Convenção de San José também estabelece que ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual é cidadão, nem ser privado de ingressar nele [39].

A Convenção Européia sobre Nacionalidade, de 1997, prevê, entre outras determinações, que a legislação sobre nacionalidade é da competência estatal; que cada indivíduo tem direito a uma nacionalidade; que o casamento não será modo de aquisição e tampouco de perda de nacionalidade; que o estado deverá dar a sua nacionalidade aos recém-nascidos em seu território de modo a evitar a figura do apátrida [40].

Por último, convém lembrar o que prevê o artigo 1º da Convenção de Haia sobre Nacionalidade, segundo a qual os Estados não podem extrapolar em seu direito, visto que a lei interna de cada ente estatal só é reconhecida pelos demais Estados na hipótese de estarem em consonância com os princípios gerais do direito, o direito consuetudinário e as convenções internacionais.

A propósito, quanto às normas costumeiras que orientam a nacionalidade nas legislações internacionais, merecem destaque dois costumes que, em geral, são largamente observados pelas legislações internas dos países que compõe a comunidade internacional: a vedação do banimento de seus nacionais e o princípio da extraterritorialidade.

A vedação do banimento de seus nacionais é regra do Direito Internacional que se faz presente na maior parte das legislações de Direito interno das nações do mundo, presente, inclusive, na Constituição brasileira, em seu art. 5º, inciso XLVII: "Não haverá penas: [...]d) de banimento".

Já a extraterritorialidade aplicada aos filhos de agentes diplomáticos também se faz efetiva e em geral é observada pelas diversas legislações. Assim, exclui-se da atribuição de nacionalidade o filho de agente diplomático em razão do nascimento em seu território estrangeiro, não devendo ser atribuída a nacionalidade à criança cujos pais gozem de imunidades diplomáticas no país de nascimento.

4.2 O jus sanguinis em países selecionados

Para melhor compreensão do critério jus sanguinis aplicado à determinação da nacionalidade da pessoa natural, propomos uma breve análise do regramento jurídico sobre nacionalidade em três países europeus.

Nesse sentido, elege-se três dos países de grande interesse para o estudo na nacionalidade no Brasil e que adotam majoritariamente o jus sanguinis: Itália, Alemanha e Portugal. Isso porque são Estados com estreitos laços históricos com nosso país e que devido às ondas migratórias, especialmente até a década de 1950, contribuíram intensamente para a formação étnica brasileira.

4.2.1 Itália

Após 80 anos sendo disciplinada pela Lei nº 555 de 1912, a República Italiana promoveu uma reforma em sua legislação sobre nacionalidade por meio da Lei nº 91 de 1992.

No estudo proposto, ficaremos adstritos ao critério do jus sanguinis, tema deste trabalho monográfico.

A atribuição automática da cidadania italiana no momento do nascimento, em virtude do vínculo de sangue, mantém a posição central e caracterizante do sistema italiano, que continua considerando secundário o fato de que o nascimento não se verifique na península, segundo Bruno Barel [41].

Destarte, italiano é o indivíduo desde o nascimento, cujo pai ou a mãe sejam de origem italiana, independentemente do território em que tenha nascido.

Por outro lado, os nascidos na Itália não têm automaticamente a nacionalidade italiana se filhos de pais estrangeiros. Nesse sentido, a legislação italiana prevê excepcionalmente a adoção do jus solis, para atribuir a cidadania italiana aos nascidos na Itália, filhos de cidadãos que não possam seguir a nacionalidade dos pais, desde que haja a comprovação, para a atribuição da cidadania italiana, de que o "filho não segue a cidadania dos pais segundo a lei do próprio Estado" [42]. É uma forma de evitar-se a figura do heimatlos ou apátrida, que o Direito Internacional pretende combater.

Em linhas gerais e segundo as considerações realizadas, poder-se-ia afirmar que a legislação da Itália direciona-se a consentir que a nacionalidade italiana seja perpetuada por gerações. É o que afirma Francisco Leita, ao comentar a atribuição do jus sanguinis e o fenômeno da duplicidade: "E o faz, em primeiro lugar, como resposta à aspiração pessoal dos italianos residentes no exterior, que ratificaram o seu destaque na comunidade territorial com a aquisição da cidadania do país de estabelecimento" [43].

A transmissão automática da cidadania italiana entre gerações dos descendentes de imigrantes não se interrompe. Atualmente, com lei de 1992, mesmo os italianos que se naturalizam conservam a nacionalidade italiana, acumulando-a com aquela adquirida no país em que vivem [44].

4.2.2 Alemanha

A nova legislação sobre nacionalidade em vigor na Alemanha unificada data de 1º de janeiro de 2000, oriunda da reforma que teve lugar no ano anterior. Com a nova lei, o princípio do jus sanguinis, que, historicamente, norteava a determinação da nacionalidade alemã, é mitigado pela adoção do jus solis. Dessa forma, também é possível um indivíduo adquirir a cidadania alemã tendo nascido no território da Alemanha.

O indivíduo torna-se alemão pela lei atual por uma das três possibilidades: pelo nascimento, pela naturalização ou pela etnia alemã do leste europeu e dos estados sucessores soviéticos. No caso em tela, o que nos interessa é o estudo sob a perspectiva do jus sanguinis.

Com o advento da reforma do direito de nacionalidade, as principais mudanças que passaram a vigorar na Alemanha são descritas por Astrid Wallrabenstein [45]:

_ A Lei da Nacionalidade do Império (RuStAG) passa a chamar-se Lei da Nacionalidade (StAG);

_ O parágrafo quarto, alínea 3, da Lei da Nacionalidade dá a possibilidade, às crianças nascidas em território alemão, de adquirir a cidadania através do critério ius soli. O parágrafo 29 da mesma lei impõe o instituto da obrigatoriedade de decisão [46];

_ O parágrafo 40b da Lei da Nacionalidade concede, através de regulamentação transitória, a obtenção da nacionalidade para crianças abaixo de 10 anos;

_O parágrafo quarto, alínea 4, da Lei da Nacionalidade não permite a transmissão via ius sanguinis à segunda geração nascida no exterior [...]"; (grifo nosso)

Das alterações trazidas pela lei de 2000, importante salientar duas: a previsão jus solis e a limitação da transmissão via jus sanguinis à segunda geração nascida no exterior.

A inovação do jus solis como critério de determinação da nacionalidade alemã é um esforço dos legisladores daquele país em combater a apatrídia, visto que cerca de 2% da população da Alemanha é composta por imigrantes turcos e seus descendentes. Entretanto, a lei exige que o descendente turco opte pela nacionalidade alemã, abdicando da turca, o que gera um outro conflito: a Turquia é um país de maioria islâmica, em que Estado e religião se confundem, o que dificulta a integração efetiva desses imigrantes e pode tornar a previsão jus solis menos eficaz como fator de integração.

No que se refere à limitação da transmissão jus sanguinis aos teuto-descendentes nascidos no exterior, a nova lei alemã sobre nacionalidade também dificulta a integração e o reconhecimento da nacionalidade do país. Dessa forma, a partir da lei de 2000, os netos de alemães nascidos no exterior não mais terão direito à nacionalidade alemã pós-unificação. A segunda geração nascida fora da Alemanha adquirirá a nacionalidade somente quando os pais anunciarem o nascimento no respectivo consulado alemão.

4.2.3 Portugal

A determinação da nacionalidade portuguesa é regulada pela Lei nº 37/1981, com alterações introduzidas pela Lei 25/1994.

Os critérios de determinação da nacionalidade portuguesa originária estão disciplinados no artigo 1º da lei de nacionalidade.

Como regra geral adotada nos países europeus, também em Portugal o critério prevalente é o jus sanguinis. No que se refere à atribuição da nacionalidade pelo jus sanguinis, se um filho de um cidadão português originário solicitar a atribuição da nacionalidade portuguesa, os seus filhos podem exercer o mesmo direito e posteriormente os netos e demais sucessores na linha reta. "E isso sem que o Estado se lhes possa opor e sem que tenham que fazer qualquer outra prova para além da filiação. O mesmo não acontece com os filhos dos que adquiriram a nacionalidade por efeito da vontade, seja pelo casamento ou pela naturalização". [47]

Dessa forma, a atribuição da nacionalidade advém pela ascendência. Todavia, uma vez que é interrompida a cadeia, o descendente da segunda geração não pode mais solicitar o reconhecimento da nacionalidade portuguesa. Assim, só a vinculação direta em relação ao português de origem permite a sucessão na nacionalidade originária pelo jus sanguinis.

Interessante notar que, ainda que a legislação portuguesa tenha se esforçado para contribuir com a eliminação da figura do apátrida - como se verifica pela previsão de determinação da nacionalidade portuguesa pelo jus solis (art. 1º, "d", da Lei de Nacionalidade, "São portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português quando não possuam outra nacionalidade"), o próprio aludido artigo, em sua alínea "c", [48] facilita a ocorrência da anomalia jurídica. Nesse caso, filhos de imigrantes estrangeiros, que, apesar de nascidos em solo de Portugal, são obrigados a viver no país como estrangeiros ou clandestinos. Isso porque, esses indivíduos têm que fazer prova que os pais vivem legalmente em Portugal há pelo menos seis anos, se oriundos de países de língua portuguesa, ou dez anos, na hipótese de outros países.

4. 3 O jus sanguinis e o Direito Comunitário

Com a instituição do Tratado de Maastricht, adentrou ao mundo jurídico o fenômeno designado por Federico de Castro [49] como "supranacionalidade ou nacionalidade comum", atinente à concessão de um estatuto jurídico comum, que abarca um conjunto de direitos e deveres a todos os cidadãos que possuam uma das nacionalidades dos Estados que constituem a União Européia.

Até a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, a esfera jurídica do Direito Comunitário não reconhecia aos cidadãos da União mais do que os direitos atinentes à cidadania de mercado, que abrangia a livre circulação de trabalhadores.

Como esclarece Arno Dal Ri Júnior, o Tratado de Maastricht transcendeu às situações apenas econômico-comerciais:

Procurou-se incorporar no sistema jurídico comunitário a necessidade de incrementar a tutela dos direitos e interesses dos cidadãos dos Estados-membros. Para este fim, foram instituídas situações objetivas e, com estas, direitos que garantissem uma dimensão política, cessando de identificar-se exclusivamente com o mercado comum [50].

Com a superveniência da integração comunitária, todos os cidadãos europeus da Comunidade são detentores, no mínimo, de dupla nacionalidade: a de seu Estado originário – que, aliás, também pode ser dupla, dependendo do respectivo regime constitucional de atribuição da nacionalidade -, e a cidadania européia ou comunitária.

Convém observar, entretanto, que a cidadania da União Européia é subsidiária, complementar à cidadania dos países-membros, e não substitui esta. Destarte, considera-se cidadão comunitário o indivíduo que é reconhecido como nacional pela legislação do Direito interno do Estado integrante da União.

O vínculo da supranacionalidade resulta, pois, da ligação do cidadão com país-membro, fazendo dele um sujeito de um conjunto de direitos que se somam aos de seu estatuto nacional, segundo Rui Moura Ramos [51]:

A condição nacional transforma-se assim na fonte de um estatuto especial, cujos titulares o podem exercer no interior dos Estados membros da entidade jurídico-política assim formada, e que ultrapassa o quadro estadual – a União Européia. Cria-se desta forma uma condição de estrangeiro privilegiado, que goza nos Estados membros de direitos em princípio reservados aos nacionais respectivos e que os exercerá em condições idênticas às destes. E que resulta da assimilação desse estrangeiro privilegiado ao nacional, independentemente de qualquer alteração do seu estatuto de nacionalidade, e que lhe permite, sem aquisição da nacionalidade de um dado Estado, ser nele titular de direitos que são em princípio conseqüência deste vínculo e por isso são em geral reservados aos seus nacionais." [sic]

A União, pois, respeita a identidade nacional de seus Estados-membros. Contudo, as nações comunitárias "[...]Não podem restringir os direitos e deveres dos cidadãos da União, previstos nos Tratados de Maastricht e Amsterdã, pois se o fizessem não seriam Estados Democráticos de Direito e tampouco poderiam continuar a ser membros da UE". [52]

Dessa forma, pode-se afirmar que todo cidadão comunitário é titular de duas nacionalidades, sendo uma – a da União, de caráter subsidiário. E o conflito positivo de nacionalidade pode, ainda, ser mais intenso, se consideramos que, tendo em vista que a tradição européia na atribuição da nacionalidade dá-se, em geral, pela filiaçãojus sanguinis –, a polipatridia dos cidadãos nascidos nos 25 Estados-membros da União Européia é fenômeno jurídico inerente ao cidadão comunitário.

4.4 O fator econômico: o jus sanguinis e o endurecimento das legislações dos países do Norte

O interesse e a necessidade de um Estado em um período histórico específico podem determinar - e efetivamente determina – a variação de relevância no conceito e alcance jurídico do instituto do jus sanguinis.

Nesse sentido, o critério jus sanguinis foi um importante fator de preservação das populações de países tradicionalmente emigrantes. Nos países retro mencionados e, de resto, em toda a Europa, em geral, assim como no Japão, os laços consangüíneos sempre tiveram grande importância na atribuição da nacionalidade dos súditos desses Estados.

Isso porque, tendo em vista a tradição emigratória de seus povos, a adoção do critério do jus sanguinis visava a conservar os laços de nacionalidade pela consangüinidade, em qualquer local do planeta em que se encontrasse o nacional emigrado.

Não fosse a adoção do direito do sangue, grande seria a probabilidade, por exemplo, de que, nos dias atuais, um país como Portugal - pioneiro das expansões marítimas no século XV, que ocupa uma área territorial cinco vezes mais reduzida [53] que a do estado de Minas Gerais e que abriga em seus limites uma população quase duas vezes mais diminuta que a do estado brasileiro – não chegasse ao século XXI tendo sobrevivido culturalmente ao próprio fenômeno expansionista do qual foi protagonista, há séculos, e que hoje tem lugar no que se chama de globalização [54].

A tradição jus solis dos países-destino de migrantes, especialmente verificada nos Estados americanos é tendente a integrar o imigrante a quem acolhe no seu próprio processo civilizatório, quer facilitando as naturalizações, quer impingido-lhe a nacionalidade por benefício legal, quer criando mecanismos atrativos para o imigrante estrangeiro fixar raízes e contribuir com a construção das nações do Novo Mundo. Nesse sentido, o Brasil foi, no século XIX, um expoente, com a naturalização compulsória determinada pela Constituição de 1891 e com as políticas públicas que incentivaram a substituição do trabalho escravo pelo trabalho do imigrante, em meados daquele século, fator esse que provocou intenso fluxo migratório para o Brasil imperial a partir de 1870 [55].

Daí porque indivíduos oriundos de países nômades, como Portugal, mereceram de seus legisladores a preocupação com a preservação do direito à nacionalidade, ainda que seus descendentes tenham nascido em terra estrangeira.

O fenômeno da migração dos povos sempre existiu. Entretanto, nas últimas décadas, os movimentos migratórios se intensificaram, especialmente em razão da globalização da economia e dos conflitos localizados. Some-se a isso o fato notório de que a desigualdade social que ocorre nas diversas regiões do mundo tem aumentado em progressão geométrica [56].

A Organização das Nações Unidas estima que entre 1990 e 2000 o número de imigrantes no âmbito internacional tenha superado a marca de 21 milhões. A ONU também estima que atualmente mais de 175 milhões de indivíduos vivam fora dos domínios dos países em que nasceram, o que representa 2,7% da população mundial. Amaior parte dos emigrados, 60% do total, residem nos países do Norte. Estima-se, ainda, que nos próximos 50 anos o fluxo migratório tende a se intensificar [57].

Do quadro apresentado, verifica-se que a globalização econômica tem sido a maior responsável pela mitigação da adoção do jus sanguinis, sobretudo, nos países europeus. Nesse sentido, dois são os fatores mais contundentes para dificultar o reconhecimento da nacionalidade originária dos descendentes e, inclusive, para promover a integração de imigrantes, pela via da naturalização.

Em primeiro lugar, a mudança nos fluxos emigratórios verificada nos últimos anos. Estados como Itália, Portugal, Espanha e Grécia, tradicionalmente fornecedores de mão-de-obra imigrante, passaram a receber estrangeiros oriundos de países do Sul, especialmente da África, da América Latina, do Leste Europeu e dos países árabes, que oferecem, em geral, mão-de-obra menos qualificada e ainda trazem consigo o choque cultural e étnico.

Em segundo lugar, o desenvolvimento e a integração intensa de blocos econômicos. No caso União Européia, a possibilidade de usufruto dos direitos civis, nos diversos países da União, tem sido, sem dúvida, o principal fator que tem provocado a avalanche de pedidos de reconhecimento de nacionalidade originária dos descendentes de europeus nascidos nos países do Sul, como o Brasil.

As mudanças recentes nas legislações sobre nacionalidade de países como Portugal e Alemanha sinalizam para o fato de que o pragmatismo econômico típico da globalização superou o aspecto afetivo da tradição e do interesse em preservar o sentido de pertinência a uma Nação pela herança consangüínea.

No caso de Portugal, país com milhões de descendentes nascidos no Brasil e na África, o regime da nacionalidade portuguesa sofreu no último meio século profundas alterações, marcadas numa primeira fase por uma concepção expansionista, ligada à idéia do Império e à necessidade de crescimento da população e nas últimas duas décadas por uma concepção restritiva, conexa com a idéia de país pequeno que Portugal agora assume no contexto da União Européia e comprometida com a própria política européia, cada vez mais marcada por restrições ao acesso de cidadãos de outros espaços [58].

Na Alemanha, a reforma na legislação de nacionalidade de 1999 dificultou o reconhecimento da nacionalidade primária de descendentes nascidos no exterior a partir da segunda geração, o que tem um impacto considerável na perda do direito ao reconhecimento da nacionalidade de brasileiros netos e bisnetos de alemães nascidos no país.

Já a Itália tem dificultado pedidos de reconhecimento de nacionalidade originária de ítalo-brasileiros, conforme esclarece Luís Fernando Sgarbossa, para quem a omissão do governo italiano intenta, em verdade, evitar uma suposta onda de imigração, com a repatriação dos descendentes dos expatriados.

A situação chegou a atingir pontos críticos, como na Circunscrição Consular do Paraná e Santa Catarina, quando, em janeiro de 2005, o então Cônsul-Geral em Curitiba sustou, por prazo indefinido, o recebimento dos pedidos de reconhecimento, sob a alegação de carência de pessoal e estrutura, bem como alegando que a demora prevista para os processos em trâmite seria de 15 a 20 anos.

A postura do Governo Italiano, no particular, é violadora de direitos humanos fundamentais, tanto inscritos em convenções e acordos internacionais de direitos humanos de que faz parte a República Italiana, quanto inscritos na própria Constituição Italiana de 1948 [59].

Nesse sentido, assinala o autor que a Itália é signatária da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que conceitua o significado da expressão discriminação racial para o Sistema Global de Direitos Humanos (ONU), em seu art. 1º, verbis:

Artigo 1º - 1. Para os fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação racial’ significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública (grifos do autor).

Dessa forma, a denegação do reconhecimento da nacionalidade originária de indivíduos que preenchem os requisitos para tê-la reconhecida parece fundar-se na origem do italiano-descendente, ainda que isso não seja expressamente declarado, o que contraria o ordenamento jurídico e assinala para a configuração da prática de discriminação racial.

Conforme esclarece Cristovam Buarque [60], o processo atual de globalização se diferencia do iniciado há centenas de milhares de anos porque o mundo se tornou um só e instantâneo, de modo que o conhecimento das informações, o acesso às coisas e a influência do poder ficaram internacionais e chegam ao mesmo tempo em todas as partes do planeta. Globalização é, pois, essa simultaneidade totalizante, que se instalou sem uma integração entre os homens. Para surpresa de todos que observam o mundo, a globalização torna iguais os seres, não importando o grupo a que pertençam, mas faz com que dentro de cada grupo as pessoas sejam mais diferentes entre elas do que no passado.

Nesse sentido, o fator econômico da globalização contamina todas as relações humanas, inclusive no que tange ao ordenamento jurídico. E essa parece ser a razão fundamental que tem provocado o recrudescimento das legislações sobre nacionalidade de países tradicionalmente emigrantes, para promoverem reformas que mitigaram a atribuição de nacionalidade originária pelo jus sanguinis a seus súditos nascidos em terras estrangeiras.

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Sobre o autor
Márcio José Coutinho dos Santos

Assistente de Desembargador - TRT 10ª Região; Especialista em Direito Público; Bacharel em Direito e Jornalismo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Márcio José Coutinho. O "jus sanguinis" como critério de determinação da nacionalidade da pessoa natural segundo o direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2046, 6 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12298. Acesso em: 17 abr. 2024.

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