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A multa do caput do artigo 475-J do CPC e a sua repercussão no âmbito do processo civil e a sua aplicabilidade no processo do trabalho

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10/02/2009 às 00:00
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O texto analisa o impacto da instituição da multa de 10% prevista no caput do artigo 475-J do CPC, tanto no âmbito do processo civil como na esfera do processo do trabalho.

Introdução

A reforma pontual imprimida pela Lei nº 11.232/05 teve por escopo principal dar maior agilidade à entrega da prestação jurisdicional ante a identificação de pontos de estrangulamento procedimentais que, numa inversão de valores, prestigiavam o devedor em detrimento do credor, destarte, robustecendo o jargão popular do ganha mas não leva.

Como alerta Teresa Arruda Wambier [01], a reforma sob enfoque veio mitigar os princípios tradicionais que alicerçaram o CPC de 1973 (autonomia, nulla executio sine titulo e tipicidade das medidas executivas), ou seja, "hoje, o princípio do sincretismo entre cognição e execução predomina sobre o princípio da autonomia, e a incidência deste princípio tende a ficar restrita à execução fundada em título extrajudicial" [02].

Portanto, mostra-se inegável que o objetivo atual do direito processual é o de ser pragmático no sentido de se amoldar ao fim a ser alcançado, não ficando condicionado à observância de proposições teóricas de pouca ou nenhuma relevância prática [03].

Ernane Fidélis dos Santos ressalta que "na reforma de 2005 do Código de Processo Civil objetivou-se, sobretudo, dar novo sentido à execução, atribuindo a característica da auto-executividade a qualquer sentença de condenação" [04]

É dentro deste contexto que o novo artigo 475-J do CPC elimina a separação entre processo de conhecimento e execução, eis que os atos se realizam na mesma relação jurídico-processual e, portanto, revelando-se despiciendo nova citação do réu/executado bem como a cobrança de custas para a execução da sentença [05].

Misael Montenegro Filho [06] afirma como muita propriedade que "O fim de todo e qualquer processo é exatamente esse, ou seja, conferir ao autor o mesmo nível de satisfação que seria observado na hipótese de o devedor não se mostrar recalcitrante, dando ensejo ao estabelecimento do conflito de interesses, que, no seu turno, gera o exercício do direito de ação, desdobrando a forma do processo judicial, qualificado como o instrumento utilizado pelo Estado para a solução conflito."

Portanto, tem-se a "... positivação do processo sincrético, onde, em um mesmo processo, se faz possível observar o desenvolvimento da fase de conhecimento e de execução; esta última regida pelos dispositivos do cumprimento de sentença." [07]

É dentro deste contexto que a presente monografia objetiva especificamente analisar o impacto proporcionado pela instituição da multa de dez por cento por meio do caput do artigo 475-J do CPC, tanto no âmbito do processo civil como na esfera do processo do trabalho.

Em assim sendo, iniciamos o capítulo 1 discutindo a motivação que levou à Reforma preconizada pela Lei nº 11.232/05 para, logo em seguida, no capítulo 2, analisar qual a natureza jurídica da multa.

No capítulo 3 avançamos com a discussão atinente ao início da contagem do prazo de quinze dias para pagamento da referida multa, ante a diversidade de opiniões doutrinárias a respeito do tema, já que o texto legal não é claro. Desta forma, apontamos as três correntes doutrinárias principais e os seus fundamentos, encerrando o capítulo com as nossas considerações.

No capítulo 4 procuramos discutir outro ponto importante envolvendo a incidência da multa de dez por cento, qual seja, a execução provisória, onde mais uma vez encontraremos posicionamentos doutrinários díspares.

Em seguida, no capítulo 5, passamos a enfrentar a sistemática legal envolvendo a execução do processo laboral e, no capítulo 6, destacamos as teses doutrinárias favoráveis e contrárias à recepção do artigo 475-J do CPC no âmbito do processo do trabalho.

No capítulo 7 discorremos sobre a execução provisória e definitiva na justiça do trabalho e, no capítulo 8, procuramos destacar o enfoque dos tribunais trabalhistas com ementas favoráveis e desfavoráveis, concluindo com o entendimento exarado pelo Tribunal Superior do Trabalho.

No capítulo 9 apresentamos a nossa conclusão a respeito do tema, enfatizando a importância de o legislador buscar formas de imprimir maior celeridade à prestação jurisdicional na órbita do processo civil, porém, censurando a atuação dos juízes trabalhistas que, de forma enviesada e ilegal, buscam otimizar a prestação jurisdicional a qualquer custo sem respeitar a legislação em vigor.

Por derradeiro, no capítulo 10, apresentamos a bibliografia utilizada, cumprindo esclarecer que foram relacionados somente os artigos e obras efetivamente utilizadas no corpo do trabalho e constantes das notas de rodapé.


1.Reforma pontual. Motivação

Desde meados da década de 90, o Código de Processo Civil vem sofrendo reformas pontuais com a finalidade de aperfeiçoar as regras processuais em consonância com os princípios da efetividade, da celeridade, da informalidade [08], destacando-se a Lei Federal nº 11.232, de 22/12/2005, que estabeleceu a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, destarte, pondo fim à antiga dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução e por conseqüência gerando aquilo que a doutrina denomina de processo sincrético, com a integração das atividades cognitivas e executivas [09].

Efetivamente a idéia de eliminar-se o processo de execução e transformá-lo em fase do processo de conhecimento objetivou, antes de tudo, agilizar concretamente a satisfação do credor sem entraves tecnicistas, conforme sugerido na Exposição de Motivos [10] que acompanhou o anteprojeto de lei elaborado pelo Instituto de Direito Processual, do qual foram signatários o sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro, Vice- Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, o sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o sr. Petrônio Calmon Filho, e a sr.ª Ministra Fátima Nancy Andrighi, in verbis:

É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o ''calcanhar de Aquiles'' do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.

Com efeito: após o longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora (quando menos o ''damno marginale in senso stretto'' de que nos fala Ítalo Andolina), o demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa.

Recebe então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o ''bem da vida'' a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo, mas não se reveste de preponderante eficácia executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante ''embargos'', com sentença e a possibilidade de novos e sucessivos recursos.

Tudo superado, só então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos.

Interessante observar que os argumentos de fundo a justificar as reformas pontuais, em essência, identificam-se com aqueles constantes da Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil, feita pelo Ministro de Justiça Alfredo Buzaid, destacando-se as seguintes passagens:

O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observara BETTI, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos.

O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda sociedade. [11]

E mais adiante na conclusão:

Na reforma das leis processuais, cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional, cuida-se, por isso, de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação do direito. Cogita-se, pois, de racionalizar o procedimento, assim na ordem civil como na penal, simplificando-lhe os termos de tal sorte que os trâmites processuais levem à prestação da sentença com economia de tempo e despesas para os litigantes. Evitar-se-á, assim, o retardamento na decisão das causas ou na execução dos direitos já reconhecidos em juízo. [12]

Ressalta-se, por oportuno, que processualistas de renome vêem com desconfiança dita reforma, eis que as anteriores tropeçaram na pretensa efetividade e agilidade deixando de atender ao fim colimado.

Clito Fornaciari Júnior assevera que:

Algumas dezenas de leis foram editadas e, hoje, com certeza, a atividade jurisdicional está pior, nada se vendo de efetivo, em termos de redução dos conflitos, longe está a almejada rapidez, e a informalidade às vezes vale e, noutras, não, pois se criou um clima de incerteza, que põe em confronto os novos textos legais com a filosofia que dizem professar.

A prova de que as coisas não melhoraram cada um tem na sua atividade diária. Basta saber que, há cerca de doze anos, a demora média de um processo, no mais congestionado Tribunal de São Paulo, o então Primeiro Alçada Civil, era de pouco menos de um ano e, hoje, encontrar um processo aguardando julgamento há mais de seis anos não é inusitado. [13]

José Inácio Botelho de Mesquita [14] de forma contundente registra que:

Todos já sabemos que o Código de Processo Civil está sendo convertido em um monstrengo invertebrado e fotofóbico, avesso às luzes da ciência, surdo às exigências da experiência concreta e aos reclamos do futuro, de modo que não é necessário ficar repisando nesta tecla. É necessário, no entanto, saber o que, nesta criatura, é resto do que já havia e o que é novo de fato, para podermos calcular mais ou menos o que se deve esperar destas novas formas.

Como se vê, a iniciativa de reformas pontuais do Código de Processo Civil assentada em opiniões doutrinárias abalizadas tem também provocado fortes críticas [15] [16] pela sua incapacidade de efetivamente propiciar a tão almejada celeridade na prestação jurisdicional, bem como descaracterizar o Código de Processo Civil como sistema orgânico de regras processuais.

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De qualquer modo, Pierpaolo Cruz Bottini, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, e Sérgio Renault, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, ao escreverem sobre Os caminhos da reforma [17] identificam diversas causas que contribuem sobremaneira para a morosidade do sistema judicial como a excessiva litigiosidade, a pouca racionalidade de algumas normas processuais e o atraso na gestão administrativa dos tribunais. Destacam ainda "uma litigância excessiva de órgãos públicos e privados que, muitas vezes, utilizam do Poder Judiciário para postergar litígios já decididos ou pacificados nos tribunais, beneficiando-se da morosidade, e avolumando o número de processos repetitivos, que tratam das mesmas questões de direito ..." [18] e "... a cultura do litígio, que envolve a atividade jurídica nacional" [19].

Diante do exposto, não nos parece impertinente relembrar o advento da Constituição Federal de 1988, reflexo marcante de mudança de nossa sociedade que rompe com 20 anos de ditadura militar para restabelecer o regime democrático de direito e como conseqüência natural incentivar os cidadãos a concretamente exercerem plenamente os seus direitos, mormente quando os sentirem violados.

Portanto, o caminho natural parece ser o Poder Judiciário e se este não consegue equacionar o conflito em tempo razoável, parece-nos claro que uma das causas é a falta de investimento na estrutura, quer por parte dos governos estaduais, quer pelo governo federal, destarte, deixando a estrutura obsoleta sem condição de atender ao maior número de demandas provocado pelo crescente grau de conscientização e maturidade cívica da população brasileira.

Outro aspecto relevante que contribui para as mazelas da prestação jurisdicional serôdia se encontra em nossa cultura [20] no que se refere à índole do brasileiro em não cumprir a lei, quiçá, diante dos maus exemplos de nossos poderes constituídos, exceções à parte.

Dentro deste contexto, a título de reflexão, quanto às verdadeiras causas que impulsionam o aumento constante do número de ações perante o Poder Judiciário e a resistência pelo vencido em obedecer aos comandos judiciais, mormente na fase de satisfação do crédito do autor, invocamos passagem sobre análise [21] do romance Macunaíma de Mário de Andrade, a qual esmiúça os motivos que inspiraram referido autor na consecução de seu famoso romance, in verbis:

O herói sem nenhum caráter

Foi, portanto, na obra do etnólogo alemão que Mário de Andrade, paradoxal e muito antropofagicamente, encontrou a essência do brasileiro. O próprio autor de Macunaíma, em prefácio que nunca chegou a publicar com o livro, nos conta como ocorreu a descoberta:

O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora depois de pelejar muito verifiquei uma coisa que me parece certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é uma novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.

Os franceses têm caráter e assim os jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria, perigo iminente, ou consciência de séculos tenham auxiliado, o certo é que esses uns têm caráter. Brasileiro não. Está que nem o rapaz de vinte anos: a gente mais ou menos pode perceber tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa nenhuma. […] Pois quando matutava nessas coisas topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grünberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter. (Gozei)’

As metamorfoses pelas quais passa a personagem, de sabor surrealista, podem muito bem ser associadas à sua ‘falta de caráter’, assim como o fascínio que revela pela ‘língua de Camões’, na Carta pras Icamiabas. (Grifamos)

Como se vê, Mário de Andrade já na década de 20 buscava descobrir a índole do brasileiro e, por conseqüência, nos dias atuais, indubitável se mostra a necessidade de se fazer profunda análise quanto ao papel a ser desempenhado por todos que, na qualidade de cidadãos conscientes, convivem no Estado Democrático de Direito, mormente aqueles que ocupam cargos de destaque nos três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), enquanto referência de um comportamento social digno, sério e respeitoso para os demais cidadãos, tendo como diretriz a convivência harmônica em sociedade lastreada no princípio do efetivo cumprimento da legislação em vigor.


2.natureza JURÍDICA da multa

O artigo 475-J do CPC estabeleceu que, na hipótese do devedor não pagar quantia certa ou já fixada em liqüidação, no prazo de quinze dias, sujeitar-se-á ope legis ao acréscimo da multa de dez por cento e, a critério do credor, à expedição de mandado de penhora e avaliação.

Especificamente quanto à imposição do acréscimo de dez por cento diante de eventual inércia do devedor em cumprir espontaneamente com a sua obrigação, a doutrina de forma majoritária entende tratar-se de penalidade, ou seja, tem um caráter punitivo para o devedor recalcitrante. De outro lado, há alguns doutrinadores que visualizam a imposição de referido acréscimo à condenação como astreintes [22], eis que o objetivo seria o de pressionar psicologicamente a vontade interior do devedor no sentido de honrar a sua obrigação.

Daniel Amorim Assumpção Neves [23] com muita propriedade afirma que "a determinação da natureza punitiva [24] da multa prevista pelo artigo ora comentado tem importância prática, conforme bem apontado por Sérgio Shimura, ainda comentando o projeto que veio a se tornar na Lei 11.232/2005: ‘Esta multa tem caráter punitivo, não meramente coercitivo ou inibitória, como sucede na multa diária, prevista nos arts. 461 e 461-A do CPC. Por conseguinte, a proposta dá a entender que descabe multa diária quando envolver cumprimento de sentença que tenha por objeto prestação de pagar quantia certa’."

Ronaldo Frigini [25] de igual modo defende que "a multa de que trata o art. 475-J do CPC é pena [26], tal como aquela fixada pelas partes em avença, nos termos do art. 409 do CC."

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery [27] também compartilham do entendimento de que a penalidade [28] trazida no caput do artigo 475-J do CPC tem natureza de multa ao comentarem referido artigo, in verbis:

Intimado o devedor, na pessoa de seu advogado, pode cumprir (pagar) ou não cumprir o julgado (não pagar). O descumprimento desse dever de cumprir voluntariamente o julgado acarreta ao devedor faltoso a pena prevista no caput do CPC 475-J: acresce-se ao valor do título 10% (dez por cento), sob a rubrica de multa. O percentual incide sobre o valor total e atual da condenação, isto é, o valor que consta da sentença (...)

Como alerta José Carlos Barbosa Moreira [29] "a cominação tem o intuitivo escopo de incentivar o executado a pagar desde logo. Se isso acontecer, haverá ainda a vantagem de poupar ao órgão judicial o trabalho de fazer prosseguir a execução, e ao exeqüente as despesas necessárias a esse prosseguimento."

Há também autores que defendem o entendimento de que a multa preconizada no caput do artigo 475-J tem natureza jurídica de astreintes na forma dos artigos 461 e 461-A do CPC, pois "... a lógica do legislador foi a mesma, tendo em mira que as duas objetivam o cumprimento espontâneo do julgamento, como maneira de evitar os percalços dos atos executivos e/ou da expropriação, além de atenuar, é claro, o tempo do processo, concretizando-se de imediato a tutela jurisdicional – elo entre o direito material e processual, via satisfação do credor." [30]

Asdrubal Franco Nascimbeni [31] corrobora esse entendimento ao afirmar que "com a criação do art. 475-J, o nosso ordenamento passa a ter prevista medida que já vinha sendo aceita pela doutrina francesa, onde, como dito anteriormente, as astreintes (ou seja, as multas de natureza coercitiva) têm aplicação irrestrita – o que quer dizer, não apenas para as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, mas também para as de pagamento de soma em dinheiro."

Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina [32] também defendem a natureza jurídica de sanção coercitiva e não punitiva ao assim se manifestarem:

Na hipótese do art. 475-J do CPC, estabeleceu-se não só que a multa incidirá automaticamente, independentemente de decisão judicial, mas também que o valor da multa será de 10% sobre o valor da condenação. Conseqüentemente, não poderá o juiz, por exemplo, em razão da natureza do ilícito praticado, afastar a incidência da multa, diminuir o seu valor ou, ao contrário, aumentá-lo. Aqui, as coisas se passam de modo diverso do que ocorre no caso do art. 461, §§ 5º e 6º, em que o juiz pode impor a multa ex officio, em periodicidade e valor a serem por ele arbitrados, valor este que poderá ser alterado, se se entender que a multa é insuficiente ou excessiva. Neste caso, opera o princípio da atipicidade das medidas executivas.

A multa referida no artigo 475-J do CPC, segundo pensamos, atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Assim, nada impede que à multa do artigo 475-J do CPC cumule-se a do artigo 14, inciso V, e parágrafo único, do mesmo Código...

De outro lado, Cassio Scarpinella Bueno [33] até admite um quê de "coerção psicológica" do mesmo modo como ocorre com o artigo 461 do CPC e, conforme a hipótese, havendo a necessidade de se tomar providências "executivas" ou "mandamentais" para o cumprimento da sentença, entende necessária a "mescla de atividades jurisdicionais típicas (assim a multa do caput art. 475-J) e atípicas (assim outras multas ou medidas coercitivas ou, até mesmo, sancionatórias pelo não-acatamento da determinação judicial." [34]

Portanto, entendemos que o escopo do legislador ao estabelecer a multa de dez por cento foi o de penalizar o devedor recalcitrante, aquele que resiste injustificadamente ao cumprimento da sentença, destarte, não se tratando de uma medida coercitiva pura nos moldes da figura jurídica das astreintes.

Entretanto, nada obsta que o juiz, diante da resistência imotivada ofertada pelo devedor, decida cumulativamente com fundamento no artigo 14, inciso V [35], do CPC, pela imposição da penalidade prevista em seu parágrafo único que assim dispõe:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

.......................................................................................................................................

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. [36]

Além disto, o devedor também poderá sujeitar-se cumulativamente [37] a outras penalidades processuais de caráter punitivo (multa por litigância de má-fé, artigos 17 e 18 do CPC) e por ato atentatório à dignidade da justiça [38] (artigos 600 e 601 do CPC) mormente tendo como esteio a razoável duração do processo como preconizado pelo artigo 5º, inciso LXXVIII da Carta Magna, pois como bem pontua Robson Carlos de Oliveira "cabe a eles, especialmente aos juízes, dobrar as ‘rígidas muralhas’ erguidas como verdadeiros mitos ao redor da tutela jurisdicional executiva, encontrando soluções conformadoras de princípios, que culminem com uma prestação jurisdicional qualificada, especialmente pela tempestividade" [39].

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Príncipe

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado, em nível de Especialização Lato sensu, em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho. Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado e consultor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRÍNCIPE, Carlos Eduardo. A multa do caput do artigo 475-J do CPC e a sua repercussão no âmbito do processo civil e a sua aplicabilidade no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2050, 10 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12319. Acesso em: 27 abr. 2024.

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