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A multa do caput do artigo 475-J do CPC e a sua repercussão no âmbito do processo civil e a sua aplicabilidade no processo do trabalho

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10/02/2009 às 00:00
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4.A EXECUÇÃO PROVISÓRIA E A INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10%

Indagação que também merece análise se refere à hipótese de incidência da multa na execução provisória.

Não há dúvida que a multa incidirá na execução definitiva, eis que o seu pressuposto natural é o trânsito em julgado do decisum, não havendo qualquer outro recurso a ser interposto.

Entretanto, a execução provisória, constitui-se em exceção e em faculdade atribuída à parte vencedora que aguarda eventual reforma da sentença diante do inconformismo do réu concretizado pela interposição de recurso, in casu, recebido somente no efeito devolutivo.

Portanto, com fulcro nos artigos 521 e 475-O, ambos do CPC, o vencedor poderá iniciar a execução provisória, porém, à frente terá que garanti-la mediante caução idônea (art. 475-O, III), além de se responsabilizar por eventuais danos causados ao vencido (art. 475-O, I) em havendo reforma do julgado.

Uma vez que a execução não é definitiva, passível de reversão, a nosso ver, não há se falar na incidência da multa de dez por cento contida no caput do artigo 475-J do CPC pois o seu escopo é o de "constranger economicamente" o devedor para que pague a dívida reconhecida judicialmente e já transitada em julgado, evitando-se a protelação do feito com medidas procrastinatórias. Entretanto, se o devedor decide recorrer, exercendo uma faculdade legal, não há porque forçá-lo, neste momento, a espontaneamente garantir o pagamento sob pena do acréscimo da multa em comento.

Como lembra Cândido Rangel Dinamarco [66], "a execução e o cumprimento da sentença são atividades de cunho contencioso, onde a ambas as partes se permite usar das armas legítimas postas pela lei ao seu dispor, desde que não abuse (tal é a parità nelle armi, de que fala a doutrina italiana). Confinar um dos litigantes em um canto da quadra onde esta disputa se trava, minimizando-lhe as possibilidades de defesa, importaria ultraje às garantias do contraditório e da ampla defesa."

Como se vê, a tentativa de impor a multa durante eventual execução provisória, permissa venia, fere o direito de ampla defesa do executado e contraria a própria redação do caput do artigo 475-J do CPC que objetiva, frise-se, penalizar o executado quando a sentença já tiver transitado em julgado e não na hipótese de se encontrar pendente de revisão pela instância superior [67].

Por fim, interessante observar o posicionamento de Fredie Didier Jr. [68] que analisando a matéria suscita dúvida quanto à incidência da multa na execução provisória argumentando que o cumprimento espontâneo da decisão poderá significar a aceitação da decisão e, por conseqüência, eventual recurso do devedor ser considerado inadmissível pela prática de ato incompatível com o desejo de recorrer a teor do artigo 503 do CPC [69].

Pondera ainda que o executado para livrar-se da multa poderia depositar judicialmente a quantia estabelecida em sentença, a qual seria levantada somente na hipótese do artigo 475-O, III, do CPC, entretanto, seria forçar o executado a antecipar o valor em juízo, mesmo tendo recorrido.

Por fim, referido autor indaga: "(...) se a multa tem caráter punitivo pelo descumprimento de uma obrigação, como exigi-la se a obrigação ainda não é certa, pendente que está de confirmação no julgamento do recurso?"

Neste sentido, Sidney Palharini Júnior [70] pondera que se o devedor tem a opção entre pagar ou não o valor pretendido, uma vez que inadmissível o depósito judicial como forma de garantir o juízo, o pagamento se revela em ato incompatível com a impugnação apresentada, retirando do recurso o seu objeto. Dentro desta linha de raciocínio conclui que o devedor não poderá ser penalizado pela opção que fez, sob pena de infração ao devido processo legal.

Em conclusão, temos que referida multa será imposta pelo juiz diante da eventual inércia do vencido para pagamento no tempus iudicati de quinze dias, o que inocorre na execução provisória [71] que se constitui, frise-se, em mera faculdade do credor, portanto, dependente de seu expresso requerimento (art. 475-O, I) pois como alerta Alexandre Freitas Câmara "Isto se deve ao fato de que a responsabilidade civil do exeqüente pelos danos injustos que o executado eventualmente suporte independe de culpa (afinal, a execução provisória tramita ‘por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido’ (art. 475-O, I parte final)." [72]


5.O ARTIGO 475-j, CAPUT, E A PERTINÊNCIA DE SUA APLICAÇÃO NO PROCESSO do trabalho

Tradicionalmente o direito processual do trabalho sempre se distinguiu pela sua arraigada oralidade e dinamicidade na consecução de um efetivo resultado ante a natureza alimentar [73] dos créditos trabalhistas reivindicados.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de forma objetiva e clara admite a utilização do direito processual comum, porém, somente na ocorrência de eventual omissão e desde que não seja incompatível com o seu procedimento [74].

Especificamente quanto à execução, o Estatuto Consolidado regulamenta a matéria no título X (Do Processo Judiciário do Trabalho), capítulo V (Da execução) com 5 seções, cumprindo destacar que o artigo 889 faz referência expressa à Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, a qual trata da cobrança judicial da dívida ativa da Fazendo Pública. Ou seja, o legislador ao regulamentar a execução no âmbito do processo laboral optou por secundariamente socorrer-se da referida lei e esta por sua vez permite em seu artigo 1º a utilização subsidiária do Código de Processo Civil (CPC) [75].

Portanto, a execução trabalhista se inicia pela CLT, complementarmente pela Lei nº 6.830/80 e subsidiariamente, se o caso, pelo CPC.

Em assim sendo, dispõe o artigo 880 do Estatuto Celetista que o executado, uma vez citado, terá a prerrogativa de cumprir a decisão judicial ou acordo no prazo de 48 horas ou garantir a execução observada a ordem preferencial do artigo 655 do CPC.

Como se vê, o eventual descumprimento do comando sentencial sujeitará o executado à penhora de tantos bens quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, na forma do artigo 883 da CLT [76].

E neste ponto se impõe registrar que, se antes a execução se arrastava diante da dificuldade de se bloquear numerário do devedor e, muitas vezes, ser garantida com bem de difícil aceitação em hasta pública, atualmente, mostra-se indubitável que, após o convênio celebrado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central, denominado sistema Bacen jud [77], a execução trabalhista se tornou muito mais rápida e célere.

Em verdade, numa sociedade cada vez mais informatizada, na qual a economia e os negócios necessariamente são movimentados por meio de contas correntes, investimentos de toda ordem, ligados intrinsecamente pela informatização, o sistema Bacen Jud [78] facilitou em muito a efetividade da prestação jurisdicional mormente no seu último e principal estágio, qual seja, o recebimento de valores estabelecidos em sentença pelo exeqüente, em detrimento da resistência, muitas vezes injustificada, ofertada pelo executado.

Ora, nos dias atuais, não há mais como o executado se furtar com manobras evasivas e procrastinatórias ao pagamento da condenação judicial, exceção, por óbvio, àqueles que não possuem numerário ou aplicações financeiras.

Feitas estas considerações preliminares, passemos a analisar a aplicabilidade do artigo 475-J do CPC (introduzido pela Lei nº 11.232 de 22/12/2005, com o objetivo de otimizar a efetivação do resultado para aquele que vem ao Poder Judiciário buscar a satisfação de seu alegado direito), no âmbito do processo laboral.

Tendo em vista as mais diversas posições assumidas por doutrinadores de escol concernente à recepção ou não do mencionado artigo pelo processo trabalhista, selecionamos teses favoráveis e desfavoráveis à aplicabilidade do mencionado artigo 475-J da lei adjetiva, como se demonstra a seguir:


6.a recepção do artigo 475-j do cpc pela clt

Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de São José dos Pinhais assim se posiciona:

7.3. A incidência da multa de 10%

A multa pecuniária já mencionada é corolário desta nova sistemática para efetividade da decisão proferida e não se sustenta sozinha.

Trata-se de sanção imposta ao devedor que não cumpre a obrigação de pagar quantia certa contida na sentença, aquela que não extingue o processo, mas que reclama efetividade plena.

7.4. A adequação à CLT

Considerando o atual conceito da sentença trabalhista e a previsão do art. 832, § 1º da CLT, não há motivos para não se aplicar inteiramente os dispositivos da Lei nº 11.232/2005 até onde exigem o cumprimento das obrigações contidas na decisão que resolve o mérito da lide, ou seja, determinar-se a intimação do devedor para cumprir a sentença em 15 dias sob pena de multa de 10% e penhora de bens. [80]

Obviamente, superada esta fase processual ou havendo constrição, as regras para expropriação do bem ou análise de eventual embargos à execução, estão contidas de modo claro na CLT e, neste tópico, o próprio CPC não sofreu mudanças substanciais.

Observo que a novel figura da impugnação, conforme art. 475-J, § 1º do CPC, contém a mesma natureza dos embargos à execução do art. 884 da CLT.

Quando (sic) à liquidação de sentença, da mesma forma, a CLT tem regras claras e específicas, não se cogitando de outro meio para sua realização.

6.1.2Júlio César Bebber [81]

Juiz do trabalho titular da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande se manifesta nos seguintes termos:

6.2.1.2. Cumprimento forçado

Caso o réu não efetue o pagamento no prazo de 8 dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% e, a requerimento do interessado, ou de ofício, expedir-se-á o mandado executivo.

A cabeça do art. 475-J, então, tem plena aplicação no processo do trabalho [82], salvo quanto:

a) ao prazo de 15 dias, diante do exposto anteriormente.

b) a necessidade de requerimento do credor para expedição de mandado de penhora e avaliação, uma vez que a execução, no processo do trabalho, tem início por requerimento de qualquer interessado ou ex officio (CLT, art. 878).

c) a necessidade de juntada de demonstrativo do débito pelo credor (CPC, art. 614, II), uma vez que o processo do trabalho possui fase apropriada para a liquidação por cálculos (CLT, art. 879).

Não tendo o juiz feito valer a faculdade legal que lhe é concedida pelo art. 878 da CLT, os autos serão arquivados, sem prejuízo de posterior desarquivamente, caso o exeqüente não requeira a execução no prazo de 6 meses (CPC, art. 475-J, § 5º.).

Ao requerer a execução o exeqüente poderá, desde logo, indicar os bens a serem penhorados (CPC, art. 475-J, § 3º.).

Efetuado o pagamento parcial no prazo legal, a multa de 10% incidirá apenas sobre o saldo devedor (CPC, art. 475-J, § 4º)

6.1.3Marco Aurélio Marsiglia Treviso [83]

Juiz auxiliar da Vara do Trabalho de Araguari/MG tem o seguinte entendimento:

Assim, a multa inscrita no artigo 475-J do CPC é aplicável ao sistema processual trabalhista, mesmo após publicação da Lei 11.457/2007, sob pena de rejeição das reformas processuais adotadas pelo legislador ordinário, que foram criadas, justamente, no intuito de sepultar a principal mazela do processo, qual seja, a injustificada demora do credor em receber os valores reconhecidos pelo Poder Judiciário; e, para fundamentar a aplicação desta penalidade, utilizamos as lições do Desembargador do TRT da 3ª Região Luiz Ronan Neves Koury, in verbis:

‘O objetivo deste estudo é demonstrar a aplicabilidade da multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC, introduzida pela Lei 11.232 de 22.12.2005, ao processo do trabalho.

A multa tem aplicação na hipótese de o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetuar o respectivo pagamento no prazo de 15 dias. Tal fato acarreta um agravamento de sua situação e, ao mesmo tempo, representa um incentivo àqueles que, voluntariamente e no prazo legal, cumprem as suas obrigações reconhecidas judicialmente.

A principal objeção à sua aplicação no processo do trabalho refere-se a uma suposta incompatibilidade dos sistemas processuais, da qual decorreria a impossibilidade de utilização subsidiária de normas do processo civil ao processo do trabalho, que conta, no caso, com procedimento específico e regras próprias.

Embora reconhecendo a especificidade do processo do trabalho, tal fato não é suficiente para afastar a inovação introduzida no ordenamento processual civil [84], considerando o objetivo do processo do trabalho de tornar efetivo o direito material, representado pela satisfação do crédito trabalhista, de natureza alimentar.

(...)

Fixada essa premissa, não se justifica o entendimento de que a multa prevista no artigo 475-J do CPC, que visa atender aos reclamos de efetividade e celeridade consagrados na Constituição Federal, artigo 5º, XXXV e LXXXVIII (sic) [85], não se aplica ao processo do trabalho, sob o argumento de que tem sistema próprio, não sendo omisso quanto ao procedimento na execução.’

Está incorreta a interpretação que alguns pretendem conceder ao art. 769 da CLT, no sentido de que há vedação à incidência dessa penalidade, data venia. Com efeito, a referida disposição legal foi criada com o único propósito de se evitar a aplicação de normas processuais comuns que se mostrem contrárias à rápida satisfação do crédito trabalhista, de natureza eminentemente alimentar.

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6.1.4Mauro Schiavi [86]

Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região assim se posiciona:

A teoria geral do processo e também a moderna teoria geral do processo do trabalho vêm defendendo um processo do trabalho mais ágil que tenha resultados. Por isso, vive-se hoje um processo do trabalho de resultados que seja capaz de garantir não só o cumprimento da legislação social, mas, sobretudo, da expansão do Direito Material do Trabalho. Como bem adverte Dinamarco: não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações felizes pela obtenção da coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber (Chiovenda).

Diante das ponderações acima, para nós, o art. 475-J, do CPC se encaixa perfeitamente ao Processo do Trabalho [87], pois compatível com os princípios que regem a execução trabalhista, quais sejam:

a) ausência de autonomia da execução em face do processo de conhecimento; b) lacuna de efetividade da legislação trabalhista; c) celeridade, efetividade e acesso real do trabalhador à Justiça do Trabalho; d) Interpretação sistemática dos arts. 841 e 880, da CLT.

Estamos convencidos de que o Juiz do Trabalho não deve se apegar à interpretação literal da CLT e bloquear os avanços da Legislação Processual Civil na Execução [88][89]. O credor trabalhista, na quase totalidade das vezes, tem um crédito alimentar cuja satisfação não pode esperar, sob conseqüência de ineficácia de todo o esforço judicial para se fazer justiça na fase de conhecimento.

Desse modo, pensamos ser perfeitamente compatível o art. 475-J com o Direito Processual do Trabalho, com algumas adaptações:

a)prazo de 15 dias para pagamento, sob conseqüência da multa de 10%, se mostra razoável e compatível, não sendo aplicável o prazo de 48 horas previsto no art. 880, da CLT ou dos recursos trabalhista de 8 dias;

b)Se o executado não pagar, o Juiz do Trabalho pode iniciar a execução de ofício (art. 878, da CLT), expedindo-se mandado de penhora a avaliação.

6.1.5Ney Stany Morais Maranhão [90]

Juiz Federal do Trabalho substituto do TRT da 8ª Região argumenta em síntese que:

Deveras, é de conhecimento geral que nos últimos anos o Código de Processo Civil tem sofrido constante reformulação legal, e principiológica, no desiderato de modelar suas regras em consonância com os anseios constitucionais de efetividade da jurisdição.

Por outro lado, tem se percebido, também, no legislador celetista, infelizmente, uma terrível lentidão em atualizar suas normas, de tal modo que, hodiernamente, resta patente o profundo descompasso normativo entre ambos os sistemas, a ponto de se poder afirmar que algumas disposições do CPC, hoje, são mais compatíveis com os princípios do processo do trabalho que muitas disposições da própria CLT.

Então, o que fazer?

Como resposta, ouso afirmar, de pronto, que para a solução desse problema não há que se esperar uma possível atuação legislativa (de lege ferenda), que ninguém sabe quando e de que forma ocorrerá.

A solução, de fato, no meu sentir, está em uma inteligente atuação judicial, à luz dos princípios constitucionais e de uma postura criativa, manuseando com responsabilidade, à evidência, as ferramentas que o ordenamento jurídico hoje nos coloca à disposição (de lege lata).

Penso mais: urge suplantar, ainda, os aparentes obstáculos legais (lex) que possivelmente venham a atrapalhar esse intento, avançando-se para uma aplicação pró-ativa do direito, considerado como um todo (jus), medida que se concretizaria através de uma harmoniosa comunicação das diferentes fontes normativas em prol do alcance do modelo constitucional de processo célere e eficaz.

Trata-se, creio – e não canso de repetir –, de enxergar mais do que simplesmente o texto, mas sim o contexto da lei, partindo-se, sempre, de uma visão necessariamente comprometida com a Carta Constitucional.

Logo e na esteira de todo o exposto, conferindo interpretação teleológica ao artigos em destaque, bem como partindo de uma ótica baseada no princípio da duração razoável do processo (CF, art. 5º inciso LXXVIII), e convencido, ainda, da força normativa que subjaz na Constituição Federal, penso que se afigura plenamente aplicável, no âmbito do processo laboral, o disposto no art. 475-J, do CPC (Lei nº 11.232/2005).

6.2Teses contrárias

6.2.1Adhemar Prisco da Cunha Neto [91]

Juiz do Trabalho substituto da 15ª Região esclarece que:

A existência de lacunas no direito processual não indica peremptoriamente que os arts. 769 e 889, da CLT apresentem mecanismos de integração. É perfeitamente válido trabalhar com o conceito de que processo comum e processo do trabalho não constituem ordenamentos jurídicos independentes, mas integram o mesmo sistema normativo. Nessa concepção, a CLT é meramente lacônica ao disciplinar os pontos especiais do processo do trabalho e deixar a cargo do processo comum a disposição dos aspectos gerais. Assim, tais artigos servem tanto para demonstrar esse propósito, quanto para ditar critérios de solução das antinomias.

Como se viu, isso indica uma forma diferente de investigar a relação entre leis processuais trabalhistas e leis processuais comuns. Dessa análise decorre a conclusão sobre a incompatibilidade do art. 475-J, do CPC com o processo do trabalho, sem que isso revele eventual contradição com outros casos em que a jurisprudência aceitou a aplicação de normas nascidas no âmbito do processo comum. Métodos interpretativos, como o resgate histórico de determinados institutos e a interpretação extensiva dão conta de justificar tais conclusões. Isso sem considerar os casos em que o vício existe, mas a própria lei processual se encarrega de convalidá-lo a partir de princípios que orientam a teoria das nulidades.

Para encerrar, desejo registrar que meu objetivo maior não é convencer o leitor de que as respostas indicadas são as corretas, mas alertar para a importância de se legitimar a solução alcançada. Se a segurança jurídica é fator de desenvolvimento de uma nação e ela é obtida pela atuação de um juiz consciente dos propósitos de um processo bem estruturado na lei, espero ter colaborado para que isso aconteça, tornando mais claro o caminho para aplicação de lege lata da lei processual na área trabalhista. Sem prejuízo, que meus argumentos também sirvam de subsídios para mostrar ao legislador que algumas alterações legislativas são necessárias.

6.2.2Estevão Mallet [92]

Livre-Docente e Professor de Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tem o seguinte entendimento:

A previsão de ônus adicional de 10%, no caso de inadimplemento da condenação no pagamento de quantia certa, na forma do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, busca tornar menos interessante, do ponto de vista econômico a mora do devedor. Afinal, caso se execute, pouco mais ou menos, o mesmo valor que deveria ser pago voluntariamente, é desprezível a vantagem decorrente do pronto cumprimento do julgado. Como nota Gordon Tullock, em termos gerais, ‘the payment whict Will be extracted by the court proceedings may be sufficient to deter violation of the contract’. no processo do trabalho ante a natureza geralmente alimentar do crédito exeqüendo sua rápida satisfação é ainda mais importante, ficaria facilitado pela aplicação da sanção agora inserida no texto do Código do Processo Civil. O artigo 880, caput, Consolidação das Leis do Trabalho, não se refere, porém, a nenhum acréscimo para a hipótese de não satisfação do crédito exeqüendo, o que leva a afastar-se a aplicação subsidiária, in malam partem, da regra do artigo 475-J, do Código do Processo Civil, tanto mais diante de seu caráter sancionatório. Solução diversa, ainda que desejável, do ponto de vista teórico, depende de reforma legislativa.

6.2.3Jorge Pinheiro Castelo [93]

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, se posiciona no seguinte sentido:

No processo do trabalho é questão controvertida tendo em vista o disposto nos artigos 880 e 882 da CLT, que determinam que o devedor seja citado, para que, em 48 horas, pague ou garanta a execução, mediante nomeação de bens à penhora na ordem do artigo 655 do CPC.

Ocorre que os artigos 880 e 882 da Consolidação foram fixados sob a ótica de dois processos distintos, o processo de conhecimento findo e o processo de execução, iniciado com nova citação do devedor para a execução autônoma ex intervalo, tanto é que se exigia a citação do devedor para cumprir a obrigação voluntariamente, ou para se opor à execução.

Não existindo mais a ação executiva autônoma do ponto de vista processual, haja vista que a sentença do processo de conhecimento não mais põe fim ao processo de conhecimento e nem ao ofício do Juízo, perde sentido a própria base processual sobre a qual se apoiaram os artigos 880 e 882 da CLT, de forma que a garantia do Juízo poderá se dar com a indicação apresentada pelo credor no momento dos cálculos, tal como previsto pelo § 3° do artigo 475-J do CPC.

1) Entretanto, a aplicação de penalidade (multa de 10%) deve estar disciplinada no procedimento legal como garantia do Estado Democrático contra o arbítrio que poderia ocorrer sobre aquele que se encontra no estado de sujeição.

No caso do processo do trabalho não se trata de omissão, mas de falta de previsão específica para esse acréscimo de poder ao Juiz.

O aumento de poder na atividade jurisdicional não se trata de questão acessória ou de regra menor e meramente instrumental de procedimento, mas que impacta na configuração do processo democrático ou na geração do processo autoritário.

Trata-se da questão metodológica e técnica, da qual depende a coerência no tratamento dos institutos processuais e a solução dos diversos problemas processuais. A indefinição com relação à diretriz básica do sistema jurídico produziria inevitáveis contrastes lógicos, que comprometeriam a compreensão do sistema processual do trabalho de modo científico.

Daí, a aplicação da multa de 10% para o processo do trabalho encontra óbice no fato de que a penalidade, por envolver aumento de poder, depende sempre de previsão legal específica [94], que, no caso, não existe na disciplina própria da execução trabalhista para a qual a conseqüência do não-pagamento é, apenas, a execução forçada com a constrição legal.

6.2.4Manoel Antonio Teixeira Filho [95]

Juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, jurista, assim expõe o seu pensamento:

É conveniente advertir que leis de processo civil não revogam leis do processo do trabalho; e vice-versa. Sob este aspecto, pode-se cogitar não só de autonomia, mas de ‘soberania’ dos sistemas próprios de cada um.

Quanto à multa de dez por cento, julgamos ser também inaplicável ao processo do trabalho. Ocorre que esta penalidade pecuniária está intimamente ligada ao sistema instituído pelo art. 475-J, consistente em deslocar o procedimento da execução para o processo de conhecimento. Como este dispositivo do CPC não incide no processo do trabalho, em virtude de a execução trabalhista ser regida por normas (sistema) próprias (arts. 786 e 892), inaplicável será a multa, nele prevista.

Não ignoramos, todavia, a possibilidade de certos setores da doutrina e da jurisprudência virem a sustentar ponto de vista divergente do nosso.

Afinal, a idiossincrasia da mente e do espírito humanos é um fato inegável e, talvez, nisso residam a força criadora e a riqueza da espécie.

6.2.5Salvador Franco de Lima Laurino [96]

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região afirma com muita propriedade que:

Mas as mudanças mais significativas da recente reforma do Código de Processo Civil estão no regime do cumprimento da sentença. De acordo com o novo regime, à definição do valor da obrigação segue-se a intimação do devedor para pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de uma multa correspondente a 10% do valor da dívida (CPC, art. 475-J). Não se efetuando o pagamento, expede-se o mandado de penhora e avaliação, sendo que a intimação da penhora poderá ser feita na pessoa do advogado do devedor (CPC, art. 475-J, § 1º). Garantido o juízo, o devedor tem o prazo de 15 dias para oferecer sua impugnação, que, a princípio, não tem efeito suspensivo (CPC, art. 475-M). Fica ao prudente critério do juiz conceder o efeito suspensivo, conforme compareça o risco de dano irreparável ou de difícil reparação com o prosseguimento dos atos executivos. Tratando-se de crédito de natureza alimentar ou derivado de ato ilícito, desde a Lei nº. 10.444, de 07-V-2002, permite-se a execução provisória até o limite de 60 salários mínimos se o credor estiver em estado de necessidade (CPC, art. 475-O, § 2º, inciso II).

Embora simplifiquem e acelerem o caminho destinado à satisfação do direito, essas inovações não se aplicam integralmente ao processo do trabalho [97]. De acordo com o regime da Consolidação, o devedor continua com o direito à nomeação de bens, o que não existe mais no regime do Código de Processo Civil (CLT, art. 882). Os embargos à execução sempre suspendem o cumprimento da sentença, visto que o regime da Consolidação não permite que a execução importe a liberação do depósito ou atos de alienação da propriedade antes do julgamento definitivo pela Justiça do Trabalho (CLT, art. 899, caput, e 893, § 2º), exceção feita ao depósito recursal, que pode ser liberado com o trânsito em julgado da condenação (CLT, art. 899, § 1º). E a multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil não se aplica ao processo do trabalho porque a Consolidação tem em seu artigo 882 disposição específica sobre os efeitos do descumprimento da ordem de pagamento.

Em comparação com o atual regime de execução do Código de Processo Civil, o ponto negativo do regime da Consolidação diz respeito à execução provisória. Quanto à forma de comunicação da ordem de pagamento ao devedor, há certa paridade entre os regimes do Código de Processo Civil e da Consolidação. Chamemos de citação ou de intimação o ato que se segue à fixação do valor da obrigação, o certo é que, tanto na Consolidação, como no Código de Processo Civil, a ordem de pagamento é pessoal, seja ela cumprida por oficial de justiça, seja por via postal com aviso de recebimento. Ainda que a intimação da penhora ao advogado do devedor seja compatível com o processo do trabalho, convém não alimentar ilusões em relação à eficácia dessa providência para o aceleramento da execução. A penhora é um ato complexo que se aperfeiçoa com o depósito; sem depositário não há penhora. Afora situações excepcionais, como a penhora "on-line", em que o dinheiro penhorado fica sob a custódia da instituição financeira, o depósito do bem é um encargo que normalmente é assumido pelo executado e que exige um ato pessoal dele, que, na praxe da Justiça do Trabalho, normalmente coincide com a intimação da penhora. Por isso, em relação à forma de comunicação da ordem de pagamento e da penhora avançamos pouco em relação ao que já temos na Consolidação.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Príncipe

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado, em nível de Especialização Lato sensu, em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho. Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado e consultor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRÍNCIPE, Carlos Eduardo. A multa do caput do artigo 475-J do CPC e a sua repercussão no âmbito do processo civil e a sua aplicabilidade no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2050, 10 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12319. Acesso em: 25 abr. 2024.

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