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Por uma nova cultura dialógica no processo.

O princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa

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27/02/2009 às 00:00
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9.ALTERNATIVAS À DOGMÁTICA PROCESSUAL TRADICIONAL: A PSICANÁLISE

Não faz muito tempo que novos temas foram lançados de forma a fornecer elementos alternativos à dogmática tradicional. Assim, o processo vem sofrendo transformações, ainda que de ordem não muito expressiva, mas aos poucos novos temas e olhares são lançados para que forneçam alternativas e modos diferentes de condução do julgamento dos processos.

Muitos autores do discurso pós-positivista, percebendo as inúmeras aporias do processo, lutam por um novo paradigma, que se afaste do discurso da ciência e se aproxime mais da sensibilidade e da alteridade humana.

Alguns doutrinadores sugerem o diálogo intercultural para oferecer novos olhares sobre o direito e o processo. Paulo Roney, lembra que "o Oriente traz a meditação, a contribuição do taoísmo de Ghandi para que se possa gerir os conflitos humanos". Ainda segundo o autor, a psicanálise pode oferecer novos rumos para o processo, pois o discurso do analista é flexível e quer que o analisado seja o centro. Com relação às teorias científicas, estas não dão conta da complexidade dos problemas modernos (FAGUNDEZ, 2007, p. 248).

Esta tendência de analisar o direito à luz da psicanálise tem sido desenvolvida no Brasil em diversas Universidades e Centros de Ensino. Porém, tal atividade se mostra eficaz, no momento, apenas no campo na mediação. É que, em âmbito processual, as formas ainda são observadas com rigor e com mais atenção do que o conflito em si, bem como seus desdobramentos. A preocupação tradicional do processo é com o conflito, a da mediação é com os afetos, com a convivência humana, ao menos em sua versão Waratiana [12]. A mediação sempre oferece a possibilidade de crescimento, do exercício de aceitar o diferente e de tirar lições. Já o processo tradicional sempre tem um vencedor, trabalha com outra ótica; a mediação, diferentemente, só pode tem um vencedor: a convivência humana.

Nos dizeres de Paulo Roney:

a psicanálise contribui, assim, com a capacidade do analista que tem de ouvir as pessoas envolvidas num litígio. O processo se tornaria menos formal. Não deve ter preocupação com verdades. As partes devem encontrar uma solução, mesmo provisória. As verdades são trazidas pelas partes e são sempre relativas a um sujeito com a sua subjetividade. (FAGUNDEZ, 2007, p.249).

Assim, para o autor, o processo deixaria de ser um instrumento de controle social que contém o objetivo de impor uma verdade estatal e o processo passaria a ser o local do diálogo. (FAGUNDEZ, 2007, p.249).

Para Paulo Roney não só a psicanálise pode contribuir, bem como a argumentação pode fazer a sua parte colaborando para um amplo diálogo. Pode ser peça chave, pois ela é fruto da linguagem, e a linguagem possui limitações. Sempre temos algo que não pode ser dito e a vida possui uma incompletude natural. Recorda o autor que os Hindus, quando constroem seus templos, deixam uma parte inacabada. Nestes termos, a psicanálise pode contribuir para que as teorias da argumentação resolvam intricados problemas jurídicos. Assim, propõe uma nova democracia participativa, afim de que todos possam contribuir para a solução do litígio. Cada cultura dá sua contribuição. (FAGUNDEZ, 2007, p.254)

Para o autor, as teorias da argumentação aliadas ao processo são uma iniciativa ética. É saber ouvir o outro e acolher o seu ponto de vista. Ouvir para somar, visando formar a teia dos argumentos. O autor vê na persuasão uma violência simbólica, perdendo-se o diálogo. E o diálogo, caracteriza-se pela espontaneidade, pela livre manifestação dos participantes. (FAGUNDEZ, 2007, p.255)

Neste sentido, em nosso entendimento, urge a necessidade que repensemos o processo, abandonando a questão metodológica, para que sobrevenha uma nova sonoridade processual: repensar o método transformando-o em processo de aprendizagem. Para o juiz, para as partes e para a sociedade, pois sabemos que o processo tem formalmente um fim, mas o problema geralmente persiste, ganhando novos contornos.


10.CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, percebemos que temos muito ainda que refletir sobre as questões discutidas neste trabalho. E as respostas estão longe de serem respondidas. O mundo se transforma em ritmo acelerado enquanto se desenrolam os dramas humanos. O que queremos mesmo é ser ouvidos, saber para quem desabafar nossa irresignação, já que vivemos em uma democracia e queremos que ela seja verdadeiramente participativa.

A cultura dogmática do processo pisa nos nossos calcanhares. Melhor parar para ouvirmos os ruídos, os pedidos de socorro, as lutas pela cidadania, por reconhecimento. Mais do que julgados, queremos ser escutados. Nesse caminho mais e mais vozes se juntarão a nossa. Basta pararmos para ouví-las e percebê-las.

Conjugar oralidade e escuta é exercitar a democracia participativa. Porém, a cultura dialógica nos exige esforço e dedicação. Em busca da superação do racionalismo, invocamos todos os sentidos para libertar as nossas pretensões de verdades eternas, a fim de que o homem possa encontrar no Direito um potencial emancipador.

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O processo pensado em uma perspectiva dialógica nos fará soltar a voz e preparará nossos ouvidos para a conjugação de uma tarefa criativa, apta a construir uma nova cidadania, que volte o olhar para a sensibilidade humana.

Assim, o processo deixará de ser uma teia tecida por figuras retóricas que utilizam a fragilidade das leis para apreender suas vítimas, para tornar-se um espaço polifônico de possibilidades democráticas. Caímos muitos de nós, ainda, desavisados, nas teias dos dogmáticos. Porém, é preciso escapar desta trama que impede o acesso à justiça.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Este termo é utilizado em sala de aula e em palestras pelo professor Luis Alberto Warat.
  2. O autor mostra sua visão sobre o processo a partir de sua experiência como Advogado. Para saber mais sobre o assunto, ver: CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes vistos por nós os advogados. Tradução: Marcos Zani. São Paulo: JG Editor. [200_?], página 16.
  3. Segundo Luis Alberto Warat, o conflito tem antes de tudo uma função pedagógica. O conceito jurídico de conflito, como litígio representa uma visão negativa sobre o mesmo. Os juristas pensam que o conflito é algo que tem que ser evitado. Porém, segundo o referido autor, falta no direito uma teoria do conflito que nos mostre que o conflito pode ser entendido como uma forma de produzir, com o outro, a diferença, ou seja, inscrever a diferença no tempo como produção do novo. Vide WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador: Surfando na Pororoca. Florianópolis: Fudação Boiteux, 2004. página 61.
  4. Leciona Foucault que "em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa." In: FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 15ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 9.
  5. Utilizamos a mesma abordagem da autora Carolina de Martins Pinheiro, que ganhou o primeiro prêmio de monografias do STF, com a monografia: Escuta Criativa, que deu inspiração e origem a trabalho desenvolvido pela mesma autora intitulado Escuta Criativa: Micropolítica e democratização do sistema de Justiça. Disponível em: http://www.pensamentosocial.com.br/arquivos/escuta_criativa.pdf.
  6. Para ler o artigo do referido autor: o comportamento das partes na sala de audiência, acessar: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/mlobatopaiva/ocomportamento.htm.
  7. Para saber mais sobre o caso acessar: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1706531-EI8139,00.html.
  8. Segundo Joaquin Herrera Flores: "tudo que se apresenta a priori ou "solidificado" potenciará paixões tristes. Que fazemos com algo que já vem pronto e que não permite qualquer ação para mudá-lo? Pelo contrário, tudo que invoque nossa ação e nossa capacidade de fazer e desfazer os espaços em que vivemos potenciará paixões alegres". Para saber mais sobre o que diz o autor sobre as paixões tristes e alegres, ver: FLORES, Joaquín Herrera Flores. O nome do riso, tradução: Nilo Kaway Junior. Porto Alegre: movimento; Florianópolis:CESUSC; Florianópolis:bernúncia, 2007. p. 13.
  9. Para saber mais sobre a Escola Judicial e de Administração, bem como sobre o trabalho desenvolvido pelo TRT/SC, acessar: http://www.trt12.gov.br/portal/areas/ascom/extranet/invigilando/301107.jsp
  10. Para saber mais sobre a notícia, acessar: http://www.exjure.com.br/portal/?pg=materia.php&id=1648.
  11. Amicus curiae significa amigo da corte. É alguém que intervém no processo para ajudar o juiz fornecendo subterfúgios técnicos, teóricos e práticos que auxiliem o juiz na hora da decisão. Não é perito, este ajuda a investigar os fatos; o amicus curiae ajuda o juiz a decidir, porém ele não vai ser obrigado a concordar. Surgiu nos Estados Unidos e, no Brasil, pela primeira vez, na lei de CVM – Comissão de Valores Mobiliários – Lei n° 6.385/1976. Porém, no Brasil, ainda é restrita a utilização do amicus curiae, apesar de ser um instituto democrático, por privilegiar a escuta e o diálogo, auxiliando os juízes e desembargadores em questões relevantes, mesmo sem previsão legislativa.
  12. A mediação Waratiana é muito peculiar. Para Warat, a mediação nos moldes tradicionais não passa de mero acordo ou transação, pois não se permite que as partes encontrem uma solução por elas mesmas. Segundo a lição de Warat, o mediador não é aquele que sugere uma decisão, uma medida, um consenso. Ao contrário, é aquele que, de forma sensível, conduz as partes para elas próprias cheguem a uma decisão, garantido o amparo e o cuidado com a convivência humana.
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Sobre a autora
Juliana Ribeiro Goulart

Advogada. Graduada em Direito pela PUC/RS. Pós-graduada em Direito Processual pelo CESUSC. Graduanda em Filosofia pela UFSC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, Juliana Ribeiro. Por uma nova cultura dialógica no processo.: O princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2067, 27 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12351. Acesso em: 18 abr. 2024.

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