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Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade

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02/03/2009 às 00:00
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CAPÍTULO SEGUNDO

Sumário. 2.1. Noções gerais. 2.2. Fatos que independem da vontade. 2.3. Fatos que dependem da vontade. 2.4. Fatos jurídicos em sentido estrito. 2.5. Fatos voluntários ilícitos. 2.6. Direito subjetivo.

2.1. Noções gerais

Todo acontecimento que, dependente ou não da vontade humana, produz efeitos jurídicos, é denominado fato jurídico. Portanto, na ampla variedade de resultados, uns são juridicamente relevantes e outros não o são. Por isso, estes últimos são denominados, simplesmente, fatos ou fatos não jurídicos, pois não afetam o mundo do direito, enquanto outros despertam interesses jurídicos.

No entanto, determinados efeitos naturais, que não causam repercussão no campo do direito, poderão se transformar em fatos jurídicos. Assim, por exemplo, certos fenômenos da natureza, quando não interferem na esfera jurídica, são conhecidos, tão somente, como fatos naturais, ou atos não jurídicos. Mas, por outro lado, se esses mesmos fenômenos afetarem o mundo do direito, passarão a pertencer à categoria dos fatos jurídicos, pois deixaram os domínios dos naturais, ao atingirem objetos tutelados pela lei, e passaram à denominação de fatos jurídicos.

Por isso, definimos fato jurídico como todo acontecimento, natural ou emanado do homem, capaz de produzir resultados na órbita jurídica, isto é, determinados resultados que causem o nascimento, a modificação ou a extinção de um direito.

Na verdade, conforme expõe Washington de Barros Monteiro, todos os direitos procedem de algum fato, - ex facto ius oritur - positivo ou negativo, e se extinguem quando ocorre alguma circunstância prevista na lei acarretando-lhe o perecimento. A esses acontecimentos, diz ele, denominamos fatos jurídicos (lato sensu). Alguns desses fatos independem da vontade humana, ou a vontade a eles concorre de modo indireto, como ocorre com o nascimento, a morte e a maioridade, o decurso do tempo, o caso fortuito, a força maior, etc. Outros produzem efeitos de acordo com a vontade do homem e, assim, são denominados atos jurídicos e outros, ainda, produzem efeitos jurídicos, porém sem qualquer atenção ao elemento psíquico interno e, por isso, denominados são de atos ilícitos. (Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil: Parte Geral, I. v., 18. ed. São Paulo, Saraiva, 1979, p.164).

Para Orlando Gomes, fato jurídico é todo acontecimento, dependente, ou não, da vontade humana, a que o Direito atribui eficácia. No sentido restrito, a manifestação de vontade que provoca efeitos jurídicos, denominando-se então ato jurídico. Na acepção lata, o fato jurídico engloba o ato jurídico; na estrita, a ele se opõe. (Gomes, Orlando, Introdução ao Direito Civil, v. I, ed. Rio de Janeiro, Forense, 1987, p.209).

Entretanto, no decorrer da exposição, demonstrar-se-á que o ato ilícito produz efeitos jurídicos e, evidentemente, em sua pesquisa não poderá ser abandonada a atenção ao elemento psíquico interno.

O fato de não pretender, o sujeito, a sanção imposta na lei não significa falta do requisito voluntário da formação do ato ilícito.

Diante do que foi exposto, conforme prepondera a melhor teoria, ato ilícito é ato jurídico e, portanto, mister se faz a admissão da inclusão do elemento voluntário em sua formação.

Dessa maneira, pelo que foi enfocado, não distingue o doutrinador os fatos jurídicos voluntários dos atos jurídicos, pois se limita a expor que os atos jurídicos são as ações humanas.

Deixa anotado também que outras ações produzem efeitos jurídicos, porém sem qualquer atenção à vontade: são os atos ilícitos.

Porém somos do entender que há certos acontecimentos que dependem da vontade humana mas que, entretanto, se classificam como fatos jurídicos. Em contrapartida há resultados emanados da vontade que constituem atos ilícitos e, na realidade, são atos jurídicos como oportunamente se analisará.

Parafraseando Teixeira de Freitas, o doutrinador Vicente Ráo ensina que os fatos jurídicos se dividem em fatos (voluntários e involuntários), sendo os voluntários classificados em lícitos e ilícitos e, quando os lícitos têm por finalidade a aquisição, a modificação, ou a extinção de direitos, são designados atos jurídicos.(Teixeira de Freitas, Augusto, Esboço, "In" Vicente Ráo, Ato Jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p.12).

Poder-se-ia então questionar, aqui, a respeito dos atos praticados por aqueles que não desfrutam do querer e, portanto, não praticam ação, face à inexistência do elemento volitivo. São eles agentes de atos jurídicos, mesmo constatada a ausência dos requisitos formadores da vontade ? Essa questão, de certa complexidade, será analisada no capítulo referente à vontade na formação do ato jurídico.

Pela lição de Serpa Lopes afere-se que os fatos em geral têm sentido muito amplo, compreendendo todos os fatos da natureza ou os humanos relacionados com o homem na sociedade. Esses fatos poderão ser simples, como o nascimento, a morte, ou complexos, como ocorre com a posse ad usucapionem. Em seguida expõe que, no conceito de Savigny, reproduzido por Clóvis Bevilaqua, fatos jurídicos são determinados acontecimentos, em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem. Classifica-os, com H.Capitant, em: a) independentes da vontade; b) - voluntários. Explica que estes últimos se dirigem à aquisição ou à perda de um direito (relações contratuais) ou, embora tenha a vontade atuado, há impossibilidade de afirmação a respeito da intenção na reprodução de efeitos jurídicos, em relação aos atos ilícitos. (SERPA LOPES, José Maria de. Curso de Direito Civil. I. v., 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p.385).

O magistério de Pontes de Miranda expõe que os fatos não jurídicos são os denominados materiais, ou energéticos, econômicos, políticos, de costumes, morais, artísticos, religiosos, científicos. Na medida em que entram no mundo jurídico passam a denominar-se de fato jurídico. Por assim ser, são jurídicos quaisquer fatos (suporte fáticos) que entrem no mundo jurídico, sem exclusão. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. Tomo II. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p.183).

Realmente jurídico é qualquer fato que cause repercussão no mundo do direito. E ainda, depois de se encerrar a definição de fato jurídico, seguindo a lição de Savigny, Limongi França preleciona que esses fatos são de ordem natural, nos quais não há a intervenção da vontade humana, como acontece com o nascimento, a morte, o caso fortuito. Outros nascem por arbítrio do sujeito, como ocorre com os atos jurídicos, os quais denomina de atos jurídicos em sentido estrito, para diferenciá-los dos fatos jurídicos em geral e, por fim, trata dos fatos que independem da vontade do sujeito, e que se definem como atos ilícitos, cujos efeitos estão preordenados na lei, como pode ser verificado com a reparação prevista para o caso de dano. Por fim, menciona o autor uma terceira classe, onde se encontra um fato natural (residência), ligado a um fato de vontade (ânimo definitivo), como se infere com aquisição de domicílio (artigo 31 do Código Civil e artigo 70 do Novo Estatuto). (França, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.252).

O doutrinador Cunha Conçalves define que há fatos jurídicos de efeitos indiretos, ficando o autor sujeito a obrigações não queridas, como os verificados nos delitos, nos quase-delitos e até nos quase-contratos. Nos primeiros não há manifestação da vontade, mas sim um desfalecimento dela, como os oriundos da negligência, da imprudência e da imperícia (CUNHA CONÇALVES, Luiz da. Princípios de Direito Civil Luso-Brasileiro. v. I. São Paulo: Max Limonad, 1931, p.190).

Obviamente que seria desvirtuar a culpabilidade subjetiva afirmar que não há manifestação de vontade nos casos de negligência, imprudência ou imperícia, pois sabe-se que em tais procedimentos, embora a vontade não vise diretamente o resultado, ela existe, pois está voltada à conduta perigosa causadora do dano.

2.2 Fatos que independem da vontade

Segundo Carvalho Santos, em análise ampla, fato é todo acontecimento que independe da vontade humana e se opõe a ato, que gera resultado voluntário. (CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil Brasileiro Interpretado. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. II, 1958, p.213).

Dessa forma, os fenômenos naturais poderão ser chamados de fatos, pois, para sua produção, não há envolvimento da vontade humana.

Para Vicente Rao, o conceito de fato jurídico compreende três categorias: a) fatos exteriores que independem da vontade; b) fatos voluntários cuja disciplina e cujos efeitos são determinados exclusivamente por lei; c) fatos voluntários (declarações de vontade) dirigidas à consecução dos efeitos práticos que, de conformidade com a lei, deles decorrem. Os fatos voluntários são, também, denominados fatos jurídicos em sentido estrito. (RAO, Vicente. Ato Jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, p.20).

2.3 Fatos que dependem da vontade

Tais fatos, também chamados de fatos conforme a vontade humana, ou voluntários, se subdividem, segundo Santoro Passarelli, em fatos jurídicos em sentido estrito e nos denominados atos jurídicos.

Para o jurista italiano, esses fatos, classificados como de sentido estrito, ou fatos jurídicos stricto sensu, seriam os acontecimentos resultantes de fenômenos naturais, ou aqueles que, embora dependentes da participação do homem, são obras do acaso, como ocorre com a descoberta de tesouro.(PASSARELLI, Francesco Santoro. Teoria Geral do Direito Civil. Tradução de Manuel de Alarcão. Coimbra: Atlântica, 1967, p.12).

Aduz ainda que os atos jurídicos são aqueles dependentes da vontade humana, voltados para os resultados pretendidos, pois, embora declarem a vontade, essa é tutelada pelos ordenamentos legais, por cujas conseqüências o usuário eventualmente arcará.

Porém quanto aos atos negociais a vontade é dirigida aos efeitos práticos pretendidos pelo homem, porquanto essa vontade delimita o conteúdo da relação jurídica em face da autonomia privada.

2.4 Fatos jurídicos em sentido estrito.

Ainda Passarelli justifica a inclusão que faz nos fatos jurídicos em sentido estrito, ou simplesmente nos fatos jurídicos, de certos acontecimentos por atos do homem, tais como: edificação, plantação, descoberta de tesouro etc., acrescentando que o fato humano, em casos tais, não tem indagação a respeito da capacidade de agir do sujeito, ou seja, do elemento psíquico: consciência da ação.

Na opinião de alguns autores, todavia, os fatos voluntários podem se caracterizar como fatos jurídicos stricto sensu quando os efeitos a serem atingidos já estão preordenados na lei, motivo pelo qual se denominam fatos voluntários lícitos. Por isso que, na opinião deles, os fatos voluntários seriam, então, aqueles para os quais a vontade do agente não se dirige aos fins queridos, mas tão somente ao comando regulado pelo ordenamento legal.

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Conclui-se então que nesses casos o sujeito não endereça sua vontade aos fins colimados por seu interesse e sim à finalidade prescrita na lei. Nesses fatos não se pesquisa a capacidade de agir do sujeito, mas tão somente a sua capacidade de querer. O agente quer praticar a ação, mas não pretende a imposição do princípio sancionador regulado pela norma, porém, é óbvio, a ele se sujeita, pois a vontade da lei é que impera. Por imperar essa vontade legal e não a vontade do agente é que se está diante de um acontecimento denominado de fato jurídico em sentido estrito.

No que se refere aos fatos jurídicos em sentido estrito, ou de efeitos indiretos, aparece a gestão de negócios, vista, obviamente, pelo lado do gestor e, com relação aos fatos jurídicos voluntários ilícitos, surgem os delitos e os quase-delitos. Essa denominação de fato jurídico stricto sensu é adotada por aqueles que propugnam pela teoria unitária.

Em contrapartida os adeptos da teoria dualista preferem a designação de ato jurídico stricto sensu e a de negócio jurídico.

Não obstante, em sentido amplo, fato jurídico é qualquer acontecimento, ao qual a lei reconhece certa repercussão no mundo jurídico, ao contrário de fato simples, que não atinge o campo do direito. Estes não produzem qualquer fenômeno no direito, pois as normas que os regulam são simplesmente morais; mas, conforme já colacionado, se algum desses fatos normais produzir resultado a demandar análise no mundo do direito, ele se definirá como jurídico.

Sob esse prisma Barassi ensina a diferença entre fato e ato jurídico, digredindo que, em sentido amplo, fato jurídico é qualquer acontecimento, ao qual a norma prevê uma modificação no mundo jurídico.

No sentido menos genérico e mais próprio, fato jurídico é todo acontecimento que não seja ato jurídico ou negócio jurídico. Este é uma declaração apta a produzir efeitos jurídicos. São fatos jurídicos em sentido estrito uma notificação, ou declaração de ciência, o nascimento, a morte, o decurso do tempo, o perecimento de frutos. (BARASSI, Lodovico. Instituzioni di Diritto Civile. 4. ed., Milano: Dott, A. Giuffré Editore, 1948, p.113: "In sensu ampio, fatto giuridico é quelqunque evento a cui la norma ricollega la formazione o la modificazione, oppure lëscuzione della formazione cc. Di un rapporto giuridico. In senso meno generale e pi proprio "fatto giuridico"o "negozio giuridico". Questultimo é una dichirazione intesa a produrre effetto giuridico. Sono dunque fatti giuridici in senso stretto una notificazione o una dichirazione di scienza (n.51 in fine); oppure la náscita, la morte, il decorso del tempo, la perezione dei frutti".

2.5 Fatos voluntários lícitos

De absoluta normalidade assinalar que fatos jurídicos voluntários há que se definem como lícitos e outros, entretanto, como ilícitos. Essa classificação é aceita por aqueles que entendem estar o ilícito integrado como fato jurídico e não como ato jurídico.

Vários doutrinadores prelecionam que o ato ilícito não é ato jurídico, pois o próprio termo "ilícito" já está a demonstrar que não o é, porque ilícito é o antijurídico e, portanto, deixa de ser jurídico.

Tais pensadores, como se sabe, enfrentam a questão pelo lado do direcionamento da vontade, sob a argumentação de que a voluntariedade, no ato ilícito, não se objetiva aos interesses do autor, pois ele nem mesmo aceita os efeitos previamente determinados pelo ordenamento jurídico, por não pretender a respectiva penalidade. Por isso é a conclusão: não se classificando como ato jurídico, o ilícito integra, simplesmente, a categoria dos fatos jurídicos, por não serem os seus efeitos buscados pela vontade do agente.

Evidentemente, pela posição exposta, tais resultados seriam definidos como fatos jurídicos em sentido estrito, porque a vontade estaria preordenada na lei e, dessa forma, o autor seria obrigado a pautar sua vontade àquela tutelada pela norma.

Entretanto o entendimento que aqui se adota é o de que, se o ilícito provém da vontade humana, causando determinados efeitos no mundo jurídico, é normal e lógico que não deixa de ser um ato jurídico. Negar ao ilícito a qualidade de ato jurídico, sob alegação de que o sujeito não pretende a sanção imposta pela lei, seria desvirtuar o conceito de ato jurídico, que nada mais é do que a dinamização da vontade no mundo exterior, produzindo efeitos jurídicos. O ilícito é, também, manifestação voluntária e produz modificação no mundo do direito, motivo por que não deixa de ser um ato jurídico.

O professor Francisco Ovidio, ao enfocar o assunto, o fez com o título: Os atos ilícitos são atos jurídicos ? no qual ele esclarece com precisão que as posições doutrinárias favoráveis à inclusão dos atos ilícitos na categoria dos atos jurídicos são abundantes. Afirma haver Hans Kelsen mostrado que a tendência de excluir do campo do direito o ilícito (não direito) representa pensamento ingênuo e pré-científico e, por isso, arremata que o Projeto de Lei nº 634-B, de 1975, referente ao Novo Código Civil Brasileiro, então já aprovado pela Câmara dos Deputados, colocara a questão enfocada de maneira coerente com a melhor doutrina. (OVÍDIO, Francisco. Os atos ilícitos são atos jurídicos ? O Estado de S.Paulo, São Paulo: Tribunais, 21/2/1985. p.28).

Finalmente deve-se deixar claro que o Projeto do Código Civil dispunha - e acabou sendo integralmente acolhido - no Livro III, títulos I, II e III sobre os fatos jurídicos, distingüindo três espécies: os negócios jurídicos (art. 104 e seguintes), os atos jurídicos lícitos (art.185) e os atos ilícitos (art.186 e seguintes), superando-se aquilo que Miguel Reale considera uma sinonímia rigorosa e cabível entre ato ilícito e ato jurídico. (REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 1995, p.202).

Na visão de Pontes de Miranda, com a precisão de sempre, este pondera com grande propriedade que, o ato ilícito entra no mundo jurídico como situação que a regra jurídica previu, como se verifica com os fatos lícitos, pois o direito tanto se preocupa com os atos lícitos, que acolhe e regula, quanto com os atos contrários a ele, que ele tem de colocar no seu mundo (que é o mundo jurídico), em vez de previamente o repelir e os deixar fora do mundo (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, op.cit., p.202).

Eduardo Espínola, abordando a teoria da vontade, deixa entender que sendo ela a fonte geradora dos direitos e das obrigações, orienta a ação humana, seja ao objetivo do ato lícito, seja em relação ao ilícito, porquanto a vontade é o escopo final de todo direito, pois o direito é substância dessa vontade, já que a integram as capacidades de querer e de discernir, porque é através delas que os atos se concretizam e se tornam atos jurídicos (ESPÍNOLA, Eduardo, Tratado de Direito Civil Brasileiro, São Paulo; Freitas Bastos, 1941, p.203).

Logicamente ao se acolher a expressão negócio jurídico, estar-se-á admitindo que o ilícito é ato jurídico porque, embora a vontade do agente esteja preordenada na lei, no momento da ação, é certo que ele a endereçou ao objetivo visado, ou seja, à prática do ilícito.

Deixar de conceituar o ato ilícito como ato jurídico seria desvirtuar o papel da vontade na formação do ato, sob a fundamentação de que o autor não pretendia a sanção imposta na regra.

A circunstância de o agente não pretender arcar com os gravames derivados de seu procedimento não significa ausência de vontade à prática desse mesmo procedimento.

Bem de ver que, todo indivíduo com capacidade, medida esta pela média dos homens, homo medius, poderá praticar ato jurídico, seja lícito ou ilícito. Tanto que, conforme é sabido, não dispõe dessa faculdade aquele, ao qual falta, justamente, o elemento volitivo.

Ao se afirmar que o sujeito praticou um ilícito, o que se quer é passar a idéia de que ele produziu um fenômeno no mundo jurídico e esse procedimento, por estar assim conceituado, não poderá deixar de ser denominado de ato jurídico.

Seja o direito o princípio de inspiração divina, ou a adequação do homem à vida social, o certo é que sem ele não poderia o homem viver em sociedade.

De outro lado, analisando o direito sob a ótica objetiva, ou sob a forma de direito natural, a lógica leva a admitir que, sendo o direito natural fonte de onde emana a norma positiva, todo homem poderá agir para defender um direito seu e, também, poderá provocar um ataque a direito alheio, produzindo o que denominamos de ilícito. Em qualquer das hipóteses, todavia, ele criou um resultado, integrante do universo jurídico, e esse evento não poderá ser retirado de seu verdadeiro habitat.

2.6 Direito subjetivo.

A facultas agendi já não mais satisfaz à definição do chamado direito subjetivo, pois, consoante poderá ser aferido, há exemplos de titulares de direito subjetivo que, entretanto, não têm a faculdade para agir. É o caso, por exemplo, do feto, do louco, aos quais falta o discernimento ou a própria vontade, ou ambos. Tais sujeitos, por óbvio, embora titulares de direitos, não apresentam condições para defendê-los.

O artigo 4º do Código Civil (artigo 2º do Novo Código) é taxativo no sentido de que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, demonstrando, dessarte que, embora inexistente da faculdade para a prática da ação garantidora, tem o nascituro o direito subjetivo, traduzido, é evidente, na norma positiva.

Não compreendemos que o direito se confunde com o Estado, isto é, com o sistema de normas ditadas pelo poder público, pois se assim fosse, teríamos que admitir a inexistência de prerrogativas individuais em relação a esse Estado. Sabemos que assim não é. Tanto é certa a negativa, que a própria Constituição Federal dita normas alusivas aos direitos fundamentais, bem como às garantias individuais, até mesmo contra o próprio poder estatal.

Não obstante o direito receba batismo da própria norma, é certo que ele nasce com o homem, no momento em que este se houve em relacionamento com outro indivíduo da mesma espécie.

Enquanto Duguit e Kelsen negam o direito subjetivo, a própria vida do direito mostra que é impossível a separação entre a lei e a individualidade, pois aquela nasce em decorrência dos direitos inerentes a esta. Não poderia ser formulada uma regra, caso não existissem, antes, os direitos subjetivos, a fim de serem por ela amparados. Kelsen vê no direito uma ordem de coação, motivo pelo qual enxerga a força estatal como garantidora do cumprimento da norma (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Batista Machado. 2ª ed.Coimbra; Aménio-Amado, 1962, p.86: "É de rejeitar-se uma definição de direito que o não determine como ordem de coação).

Daí concluir-se, portanto que, o Estado, antes de tudo, é substituto da vontade das partes, na garantia da tutela jurídica.

Para que possamos amparar nossos direitos subjetivos, evidentemente, necessitamos de segurança, não como o fim em si mesma, mas como meio à consecução de uma determinada finalidade. Ela é a trilha que nos conduz ao resultado certo; o foco luminoso que nos leva a palmilhar a vereda até o início do túnel. Sem a segurança não poderíamos caminhar com firmeza sobre o desconhecido e, no mundo jurídico, da mesma forma a segurança determina a rota de nossas metas. No âmbito objetivo é ela o caminho firme para a busca da finalidade. É a bússola de orientação ao navegante; é a estrela que dirige a marcha dos Reis Magos à casa do Nazareno; é o Cruzeiro do Sul que orienta, à noite, o canoeiro, perdido nas grandes águas, ao encontro do rumo para o acampamento.

Porém, nos domínios do subjetivo, ela se entrelaça com a certeza e, portanto, quando sentimos segurança, em nosso mundo interior, passamos a ter certeza de que estamos aptos a conseguir o resultado almejado.

Por isso que, a norma nos dá a segurança e a certeza para garantia de nossos direitos subjetivos. A segurança legal, dentro da segurança jurídica, nos leva à certeza, a qual, também, sofre variações, dentre os povos, por apresentar-se quanto à classificação, entre certeza no sentido objetivo e no subjetivo. Algumas línguas a conceituam por uma só forma. No latim sua definição é certitudo; no italiano certezza; no alemão gewissheit. Outras línguas a definem sob dois prismas, subjetivo e objetivo. Assim, a espanhola a conceitua subjetivamente como certitumbre e certeza no mundo objetivo; a inglesa dispõe do termo certitude para a definição subjetiva e certainity para a objetiva.

No Brasil, a certeza tem conteúdo do subjetivo porque a sentimos em nossa convicção íntima.

Santo Tomás de Aquino dá algumas definições de certeza: a) baseada na causa (a fé é mais certa que o saber); b) certeza baseada no objeto (o que melhor se adere ao conhecimento). Para ele a certeza é virtude do conhecimento. Mas, afirma referido sábio que, para a prática do exercício do conhecimento devem as coisas conhecidas se encontrar no interior de quem realmente as possa conhecer. (MACEDO, Sílvio de. Enciclopédia Saraiva: Direito e certeza. São Paulo; Saraiva, v.5 p.149).

É certo que a justiça, na relação valorativa, se sobrepõe à segurança, mesmo porque o fim último do homem é a busca da verdade. A justiça é verdade e está acima do direito material. O direito nem sempre é o justo, podendo este ser buscado no direito natural, e nem sempre no objetivo. Por esse lado, reconhecemos com Graf Zu Dohna, na teoria do meio justo para um justo fim (princípio de justiça), inspirada na teoria do direito justo de Staimmler, ou das normas de cultura de Mayer, que a certeza, como meio justo, para obtenção do justo fim (a justiça), é o fundamento desta. (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. I, 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1955, p.20).

Para tanto, às vezes o julgador tem de deixar as incertezas da regra e decidir de acordo com a razoabilidade, ou seja, no campo da lógica do razonabe, pois, segundo Siches, a interpretação da norma requer alusões a princípios axiológicos e critérios valorativos que, muitas vezes, não estão inseridos na lei, motivo pelo qual deverá o julgador buscar elementos nas altas dimensões informadoras do razoável. (SICHES, Luis Recaséns, Experiência jurídica. Naturaleza de la cosa y lógica razonable. México; Fondo de Cultura Econômica, 1971, p. 536).

O direito subjetivo é, pois, tão visível que, se atentarmos para os direitos fundamentais, notaremos que, antes mesmo da norma positiva, ele já se estampa aos olhos como amparo à resistência e à opressão. É ele o verdadeiro princípio de justiça, ligado à liberdade e à igualdade. Por isso preleciona Jorge Miranda que ele apresenta a postura abstrata, um indivíduo sem individualidade.(MIRANDA, Jorge, Os direitos fundamentais. Sua dimensão individual e social na Constituição portuguesa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo; Revista dos Tribunais, v. I, n. 1, p.198, out/dez.1992).

Dessa forma, o direito subjetivo é a representação natural de justiça e, portanto, da verdade, lastreado no direito natural que é o conjunto de princípios supremos e necessários, inspiradores do direito positivo, no dizer de Vicente Ráo. (RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. v. I. tomo I. 2ª ed. São Paulo; Resenha Tributária, 1976, p.140).

Sintetizando: o direito subjetivo é anterior ao direito objetivo. Não poderia este existir sem aquele. O subjetivo, fruto do Direito Natural, do princípio de justiça, é o ser do qual o objetivo é retrato.

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Sobre o autor
Reinaldo Lucas de Melo

promotor de Justiça titular em Ribeirão Preto, professor de Direito Civil da UNIP – Ribeirão Preto, especialista "lato sensu" em Direito Público pela UNIP – Ribeirão Preto, mestrando em Constituição e Processo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Reinaldo Lucas. Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12362. Acesso em: 22 nov. 2024.

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