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Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade

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02/03/2009 às 00:00
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CAPÍTULO TERCEIRO

SUMÁRIO. 3.1. Noções Gerais. 3.2. A vontade no ato jurídico. 3.3. A vontade no ato jurídico stricto sensu. 3.4. Ato jurídico e negócio jurídico. 3.5. A autonomia da vontade. 3.6. Teorias da vontade e da declaração. 3.7. Incapazes de praticar ato jurídico válido.

3.1 Noções gerais

Nosso Código Civil define ato jurídico como todo ato lícito que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. É um ato emanado da vontade do homem e, por isso, ao produzir efeitos queridos pelo agente, se denomina ato jurídico. O novo Código a entrar em vigor não definiu expressamente o ato jurídico preferindo incluí-lo na estrutura do negócio jurídico ao qual o equipara, desde que lícito, e cujos elementos constitutivos são os mesmos definidos no estatuto ainda em vigor.

Clóvis Bevilaqua, remontando ensinamentos de Savigny, assevera que a idéia de conservar direitos foi substituída pela de resguardar, a qual, no entanto, não tem a mesma extensão. Segundo ele, tal supressão justifica-se, segundo a autoridade de Savigny (n.104, nota, letra b); porém é bem de ver que, entre o nascimento e a extinção e direito, está, forçosamente, a sua existência, e esta vivência do direito exige, em certas situações, para o fim de ser mantida, atos que a visem conservar, como sói acontecer, com o protesto, a ressalva, a retenção, o seqüestro e a interrupção da prescrição (BEVILAQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 4ª ed. Rio de Janeiro; Paulo de Azevedo Ltda., 1931, p.328).

O ato jurídico deriva, necessariamente, da ação do homem, ou seja, da declaração de vontade, e produz resultados reconhecidos pelo direito. O mesmo ocorre, também, com o ato ilícito, que se origina da ação humana, causando danos a outrem, produzindo, entretanto, efeitos desejados pelo autor, embora não querida a sanção legal.

Dessa forma, o ato jurídico poderá ser ou não conforme o direito positivo. Se se apresenta em conformidade com a lei é um ato lícito, pois o ordenamento permite a atuação do agente para a efetivação da conduta. Se é contrário ao direito posto, isto é, se o autor não pauta sua conduta de acordo com a norma, nasce um ato ilícito, reprovado pela estrutura legal.

Os atos jurídicos, consoante classificação feita pela doutrina, se subdividem em: a) atos materiais; b) participações.

Exigem os primeiros, para a perfectibilização, além da emanação da vontade, uma atuação material. Dois portanto, são seus elementos: um de ordem interna, representado pela vontade e o outro consubstanciado por um ato material. Indispensáveis são, portanto, à constituição desses atos, os dois requisitos, um de natureza subjetiva e outro de constituição objetiva.

As participações se originam pela declaração e, segundo Orlando Gomes, para a ciência de intenção ou de fatos. Nessa classificação, entretanto, que poderíamos apontá-la como pertencente aos atos jurídicos em sentido estrito, o referido doutrinador menciona a "destinação", sob a lição de que o autor do ato, em casos tais, dá conhecimento a outrem - o destinatário - de que tem certo propósito ou ocorreu determinado fato. O objetivo é, pois, dar ciência a alguém a respeito de certo acontecimento ou de um desejo. (GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 6ª ed. Rio de Janeiro; Forense, 1979, p.287).

Todavia, ao se assinalar ato jurídico em sentido estrito, demonstra-se que se adentra à teoria dualista e, assim sendo, deixaremos essa análise para ser feita no momento em que for tratado da vontade no ato jurídico, bem como da diferenciação entre ato jurídico e negócio jurídico.

3.2 A vontade no ato jurídico

Integrante do ato jurídico, denominado vontade, o elemento volitivo se caracteriza pelos requisitos: a) vontade propriamente dita (elemento interno); b) declaração da vontade (elemento externo).

Assim, essa vontade negocial se dirige aos efeitos práticos, tutelados pelo ordenamento jurídico, tendo o sujeito a intenção de que referidos efeitos se concretizem.

A escolha, portanto, dos resultados pretendidos é da própria vontade do agente e não da vontade implícita da lei.

Em contrapartida, quando o querer do agente não pode fazer a escolha, isto é, quando ela fica adstrita ao ordenamento jurídico, dizemos que o sujeito não pratica um ato jurídico, mas tão somente um fato jurídico em sentido estrito, ou um ato jurídico stricto sensu, caso estejamos, neste último caso, filiados à corrente dualista.

De maneira que, na formação do ato jurídico, a vontade prepondera. Por isso, então, afirmamos que, no ato jurídico o sujeito, através de sua vontade, faz a escolha dos efeitos pretendidos, enquanto que, nos fatos jurídicos em sentido estrito predomina a vontade da norma, sem direito ao agente dessa escolha.

Por tudo isso podemos asseverar que a vontade desempenha o papel mais relevante no estudo dos atos jurídicos, quer se trate dos atos lícitos, que dos ilícitos.

A vontade, além de constituir um elemento estrutural do ato, dando-lhe vida, concretiza seus efeitos, motivo pelo qual se destaca, nitidamente, da vontade formadora do fato jurídico em sentido estrito, onde ela não tem força preponderante para que o sujeito possa alcançar os resultados queridos, porque a ele não é permitida a escolha desse querer, por sujeitar-se à vontade da norma.

Dessa forma pode-se afirmar que a estrutura do ato jurídico se perfaz em três vértices, em um verdadeiro actum trium, consubstanciados pelo ato de vontade, para os efeitos queridos e, finalmente, pela aprovação da lei.

Faltando um desses três requisitos, não mais poderemos apontar a existência do ato, ou do negócio jurídico. Aqui, a posição do analista é mais filosófica e matemática do que, propriamente, jurídica e isto porque dos enunciados decorrem os resultados matematicamente na medida daqueles.

Portanto, com relação ao elemento volitivo, conclui-se que, no ato jurídico, ou no negócio jurídico, a vontade ditada pelo sujeito escolhe os efeitos queridos, enquanto que nos fatos jurídicos, ou nos atos jurídicos stricto sensu ela adere à vontade consubstanciada na norma.

Daí decorrer que a vontade é, pois, a alavanca que sustenta a formação dos atos jurídicos. Por isso, razão assistia aos juristas que afirmavam que a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; porém, ao mesmo tempo, é a fonte de todos os sofrimentos.

Diante disso, quando se refere à vontade, pretende-se aduzir que, além do querer - elemento volitivo - necessário é convir que imprescindível se faz a presença, também, do requisito discernimento, marcado pelo entendimento ou elemento inteligente. Sem essa formação não nos é possível conceber a idéia do princípio volitivo. Poderemos, até mesmo, conciliar ao lado do entendimento o mecanismo da intuição, os quais caminham lado a lado, cuja simbiose desencadeia o aperfeiçoamento intelectivo.

De fato pode-se afirmar que a vontade que integra os atos jurídicos deverá ser originária, em regra, de pessoa dotada de capacidade, a fim de que possa comandar e dar validade às pretensões do agente.

Diante disso preleciona Ramón Domingues Aguia que a vontade, quando objetivada a um efeito jurídico, não pode ser manifestada por alguém que não esteja em perfeito juízo, como ocorre com o alienado, ou com a criança de pouca idade. Dessarte, caso isso ocorra, o ato jurídico carecerá de vontade negocial.(AGUILA, Ramón Domingues. Teoria General del Negócio Jurídico. Chile, Editora Jurídica de Chile, 1977, p.12)

A conduta humana pode se comportar ou não com o direito e, em qualquer dessas situações, ela é a força criadora do ato jurídico, quer seja ele lícito ou ilícito. Quando afirmamos que o ato é voluntário, evidentemente estamos a nos expressar no sentido de que a vontade deu propulsão ao ato, fazendo-o nascer. Se a vontade é dirigida aos efeitos queridos pelo autor, ou, por outro lado, se ela está afeta aos resultados preordenados na norma, ou ainda se ela não aceita a sanção imposta na lei, tudo isso são conclusões que mais levam a admitir a integração da vontade em todos os atos jurídicos.

Assim, todas as vezes que temos em mente um ato jurídico, a primeira pesquisa que fazemos é no sentido de sabermos se o agente obrou com vontade ou não. Em caso positivo, concluímos que o ato foi voluntário e, em caso contrário, se inexistente a voluntariedade, asseveramos tratar-se de um fato natural ou jurídico e não de um ato jurídico.

Porém, ao deparar frente a um ilícito, nota-se que a vontade foi a sua fonte de origem e, conseqüentemente, a viga mestra da causa do resultado. Não importa se o sujeito desejava ou não a pena cominada na lei, pois o certo é que a vontade deu nascedouro ao ato, o qual causou reflexos no mundo do direito, motivo pelo qual passou a ser ato voluntário, ou ato jurídico.

Disso conclui-se que o conteúdo da vontade é o marco discriminante para aferição entre o fato e o fato jurídico, bem como entre este e o ato jurídico, ou entre os atos negociais e os não negociais.

Na mesma ordem de idéias acena Vicente Ráo, que as distinções entre atos negociais e atos não negociais, segundo a doutrina germânica, são: " a) as declarações de vontade que constituem negócio jurídico (willenserklaerrung), mediante as quais o agente quer e visa a determinação do resultado, ordenando a lei que esses resultados se produzam exatamente por serem queridos pelo agente; b) as exteriorizações de vontade que não constituem negócio jurídico, mas também produzem efeitos ou resultados jurídicos, não por força da vontade do agente (que os pode ou não querer), mas por força da lei; c) a exteriorizações de idéias ou representações, cuja vontade, de que resultam, não se dirige à consecução de um resultado jurídico, mas se destina a exteriorizar uma idéia, a representação mental do agente sobre determinado fato (in Buergerliches Recht). (RÁO, Vicente, Ato jurídico, op. cit. p.38).

Diante dessa colocação quer-se afirmar que os atos jurídicos se aperfeiçoam, portanto, pela dinamização da vontade no mundo exterior e essa manifestação voluntária se concretiza através da ação, a qual, entretanto, poderá se compor de um ou de vários atos. De modo que, mais correto seria o emprego da expressão - ação - e não ato, porque esse é elemento daquela, sendo certo que o requisito "vontade" constitui o elemento essencial da ação, da qual o ato é a concretização.

Os atos jurídicos poderão ser positivos sou negativos. Os primeiros se formam pela dinâmica voluntária, enquanto que os segundos pela omissão (o fazer e o deixar de fazer). Portanto, mesmo nos casos omissos existe a vontade de não fazer e, presente o requisito voluntário, não deixa a omissão de ser uma ação, porém negativa.

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A vontade revela-se como o ponto marcante e de sustentação do ato jurídico. Tanto é verdade que, quando ocorre a coação física, ou seja, a vis absoluta, denominada, também, por coação material, inexistente é a ação, por falta do elemento volitivo do sujeito. O coagido, em casos assim apresentados, se torna um autômato nas mãos do coator e, por isso, não pratica ação, pois é apenas o instrumento pelo qual este, por intermédio do princípio da teoria mediata, se torna o verdadeiro agente.

Por outra parte, não constituem ato de vontade, de acordo com lições de José Frederico Marques, os pensamentos da vida espiritual interna, porque não exteriorizados no mundo; nem a situação inconsciente, nem a conduta forçada por coação irresistível, consubstanciada pela vis corporalis. Citando Haus, termina o autor afirmando que somente a Deus cabe auscultar os pensamentos e, por outro ângulo, lastreando-se na doutrina italiana, acrescenta: pensiero non paga gabella. (MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 2ª ed. São Paulo; Saraiva, v.II, 1961, p.158).

Os fatos, portanto, conforme já tivemos oportunidade de relatar, ou carecem de importância jurídica, como por exemplo, um passeio, um convite, um cumprimento, ou produzem determinados efeitos que causam repercussão no mundo do direito. Estes, ou são produzidos pelo sujeito para satisfação de sua vontade, buscando os efeitos práticos, tutelados pela norma, ou o agente aceita aqueles preordenados na lei e, ainda há aqueles, denominados ilícitos, quando, então, a vontade do sujeito produz resultados contrários à norma.

Em verdade estes últimos, conforme já alertamos no presente trabalho, são atos jurídicos também porque, na realidade, o ato antijurídico é jurídico por pertencer ao mundo do direito. Tais atos não estão fora do campo jurídico, pois, admitindo o contrário, chegaríamos à conclusão no sentido de que seriam fatos naturais ou sociais e não jurídicos. Se são contrários ao direito é porque se encontram dentro desse campo e se submetem à comparação: o antijurídico e o jurídico.

3.3 A vontade no ato jurídico stricto sensu

Conforme já tivemos a oportunidade de afirmar, de um lado estão as declarações de vontade que buscam os efeitos queridos, tutelados pela lei, e de outro estão as declarações voluntárias que somente atuam de acordo com a vontade da norma, isto é, aceitam os resultados impostos pela lei. A essas declarações que determinam conseqüências jurídicas ex lege, independentemente de escolha, damos o nome de fatos jurídicos em sentido estrito. Essa última concepção, entretanto, tem por seguidores aqueles que cursam as linhas da doutrina unitarista da ação, enquanto os que fazem opção pela doutrina dualista preferem a classificação da seguinte forma: fato jurídico, ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico.

Tais atos jurídicos stricto sensu ou também denominados no direito alemão como atos de direito, são atos lícitos, cujos efeitos queridos não são determinados pelo conteúdo da vontade do agente, mas sim diretamente pelo comando da norma. A vontade humana, nesses casos, não te mo condão de dar direcionamento ao ato para a busca de efeitos pretendidos ou queridos, mas simplesmente adere aos resultados emanados da lei.

Obviamente não se quer afirmar que o sujeito, nesses casos, está destituído de vontade de praticar o ato, mas, o que ocorre é que essa vontade é direcionada aos resultados impostos pela norma.

Os atos jurídicos em sentido estrito, se dividem em atos semelhantes aos atos jurídicos e em atos reais. São semelhantes aos atos jurídicos os que contêm exteriorizações de um acontecimento subjetivo ou do pensamento, ou seja, uma vontade e uma representação. Assim, o efeito se produz ex lege e não em face da vontade propriamente dita. É o que acontece, por exemplo, na constituição de domicílio e na gestão de negócios sem mandato.

Tais exteriorizações da vontade são diversas, como ocorre com as reclamações, a fixação de prazo a fim de que haja pronunciamento; a reclamação para retificação a fim de que seja realizada eleição; as comunicações etc.

Referidos atos, chamados reais, se qualificam como de resultados técnicos, mas produzem, segundo imposições legais, um efeito jurídico. Assim, a especificação, que requer unicamente a constituição de fato de nova coisa, mas dela deriva o ordenamento jurídico; a aquisição da posse; o descobrimento de tesouro; a composição científica ou artística, originando direito do autor.

3.4 Ato jurídico e negócio jurídico

De acordo com o que já foi exposto, os fatos podem se apresentar como materiais, não causando qualquer efeito no mundo do direito, ou como jurídicos, isto é, quando produzem resultados que afetam o campo jurídico. Interessa-nos, evidentemente, o estudo destes últimos, máxime daqueles decorrentes da vontade humana.

Mercê disso trazemos à discussão ensinamentos de Santoro Passarelli, o qual informa que os fatos voluntários se subdividem em fatos stricto sensu e em atos jurídicos, pois são os primeiros todo acontecimento da natureza, com repercussão na lei, como a morte, o nascimento, as inundações ou anda aqueles para cujo nascimento há a participação do homem, embora a causa seja originária do fortuito, como ocorre com a descoberta de tesouro.

Os atos jurídicos, por outro lado, afirma o mesmo autor, são ações resultantes da vontade do homem, dirigidas aos resultados pretendidos, embora tais resultados possam ser ou não preordenados na lei. Por isso os atos jurídicos se subdividem em atos jurídicos stricto sensu e em negócios jurídicos. (PASSARELLI, Santoro. Op. cit. p.30)

Não obstante o Código Italiano seja adepto da teoria unitarista, Passarelli faz a distinção de conceitos para colocar, de um lado, o ato jurídico e, de outro, o negócio jurídico.

No direito alemão é clara a distinção entre ato jurídico e negócio jurídico. Os autores alemães se preocupam com a classificação esses atos, diferenciando os negociais dos não negociais.

Nas declarações de vontade, portanto, ou atos de efeitos queridos, o agente dirige sua vontade aos resultados pretendidos. Já nos atos semelhantes aos negócios, ou atos de direito, a exteriorização da vontade produz efeitos ex lege e não ex voluntate.

Há ainda os atos reais, que nos levam unicamente a um resultado de fato, porém produzem um efeito jurídico, como ocorre com a especificação, a aquisição de uma obra científica, da qual deriva o direito do autor.

Finalmente, os atos poderão ser classificados como contrários ao direito, dos quais deriva, ex lege, uma conseqüência desvantajosa para o autor.

Entretanto, conforme prepondera Orlando Gomes, a doutrina e a jurisprudência brasileiras não distinguem ato jurídico do negócio jurídico e nem mesmo, às vezes, dão a diferença entre ato jurídico e ato jurídico stricto sensu, e afirma ser difícil estabelecer uma separação entre eles. (GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 8ª ed. Rio de Janeiro; Forense; 1986, p.337. Expõe o autor as principais espécies de atos jurídicos em sentido estrito: "A ocupação, a derelição, a gestão de negócios, o pagamento em débito, a fixação de transferência de domicílio, o reconhecimento de filho ilegítimo, os esponsais, a descoberta de tesouro, a comissão, a confusão... as manifestações de sentimentos, as denúncias, os atos devidos").

Há autores que classificam a especificação, a comissão, a confusão como atos jurídicos em sentido estrito, sob a afirmação de que a vontade é irrelevante. Outros já se orientam no sentido de que tais institutos são atos jurídicos e outros há, ainda, que admitem como atos jurídicos as notificações, as oposições, as quais são declarações de vontade e, portanto, nada mais são do que um ato jurídico, ou um negócio jurídico. (GOMES, op. cit. p.229).

O Código Civil em vigor não faz distinção entre ato jurídico e negócio jurídico, pois a este último não se refere. Por outro lado, como tivemos oportunidade de analisar com Orlando Gomes, na doutrina e na jurisprudência há divergências sérias a respeito da colocação do problema no campo diferencial.

Na Itália, igualmente, o Código Civil não contempla o negócio jurídico, motivo pelo qual várias críticas foram feitas àquela legislação por Stolfi, afirmando ele que o negócio jurídico é estranho à lei italiana, a qual emprega a expressão atos jurídicos, ao invés de adotar o vocábulo mais adequado, o negócio jurídico (STOLFI, Giuseppe, Teoria del Negozio Giuridico. Padova; Cedam, 1947, p.13).

Na mesma trilha discorre Santoro Passarelli a respeito da impropriedade do Código Italiano, asseverando que o termo negócio jurídico é mais apropriado do que ato jurídico (PASSARELI, Santoro, op.cit.p.101).

A lição de Vicente Ráo, com pertinência, expõe que a escola alemã e outros que a seguiram nos deram poderosa contribuição a respeito da diferenciação do conceitos, assinalando, com muita propriedade, que os pandectistas germânicos denominam de negócio jurídico o que chamamos de ato jurídico (RÁO, Vicente. Ato Jurídico. Op. cit. p.34. Explica o autor que "devemos aos pandectistas germânicos e aos autores que se seguiram uma poderosa contribuição à doutrina do que nós chamamos de ato jurídico e negócio jurídico que eles dominam").

Como outros códigos, o direito objetivo francês não distingue entre ato jurídico e negócio jurídico, situando-os dentro da mesma definição, conforme ensinam Planiol et Ripert, sob a orientação de que o ato jurídico unilateral é a manifestação da vontade de um só pessoa, que produz efeito jurídico, como o testamento. O ato bilateral ou plurilateral tem, por exemplo, a convenção. Por isso anotamos que os referidos juristas limitam o negócio e o ato jurídicos dentro de um só conceito (PLANIOL, Marcel et RIPERT, Georges Traité Pratique de Droit Civil Français. Paris; Librairie Générale de Droit et Jurisprudence. v. I. 1952, p.358: "L''acte juridique unilateral est la manifestation de volonté d''une seule persone qui produit un effet juridique; par exemple, un testament. L''acte bilateral ou plurilateral - la convention".

Como se pode concluir, mesmo nos países onde a norma jurídica objetiva não se presta à distinção mencionada, a doutrina e a jurisprudência não deixam de se ajustar aos dois conceitos, reconhecendo, a cada qual, sua independência no mundo do direito. Aliás, como já tivemos oportunidade de esclarecer, o novo Código Civil de 2002 contempla o negócio jurídico nos artigos 104 e seguintes, distinguindo-os dos atos jurídicos.

De outra parte pretendemos afirmar que mais adequada à literatura jurídica é a dualidade de conceitos, ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico, e tanto isso é real que juristas estrangeiros ensinam que o negócio jurídico é uma situação de fato que contém uma ou várias declarações de vontade e que a lei reconhece como base para produzir o efeito jurídico qualificado de efeito querido. A vontade negocial é dirigida à obtenção de determinado resultado juridicamente protegido.

3.5 A autonomia da vontade

O Código Civil, ao definir ato jurídico se expressa no sentido de que o agente deve ser capaz. Assim, para a formação dos atos negociais é fundamental a demonstração da validade da vontade, isto porque, sendo o negócio produto da liberdade humana, deve brotar da vontade perfeita.

Nessa ordem de idéias não bate somente o direito brasileiro, porque conforme podemos conferir, no Direito Italiano, ensina Emilio Betti que a vontade é fonte geradora dos negócios jurídicos, pois essa dita fonte nada mais é do que aquilo que denominamos de autonomia da vontade privada. Assim, concluímos com Betti que o negócio jurídico está subordinado a um preceito obrigatório, dentro do plano social, antes do jurídico, delimitado pela vontade válida. Essa autonomia privada, por outro lado, é fonte reveladora de que a capacidade é o alicerce do ato válido. (BETTI, Emilio, Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução de Fernando de Miranda. Coimbra: Revista de Direito e Estudos Sociais, 1969, t. 1, p.80).

Luigi Ferri, contrariando a doutrina de Betti, acrescenta que a autonomia se delimita dentro de determinados pontos, isto porque as normas jurídicas marcam as linhas de vida e a movimentação da vontade. Segundo ele, antes mesmo da análise dessa vontade, no plano social, ela passaria por aferição nos limites normativos, motivo pelo qual a autonomia da vontade fica adstrita à análise prévia da lei.

Além disso, anota, haverá de ser estudada essa autonomia de vontade em relação às incapacidades natural e legal. É por isso que, quando a lei delimita a capacidade do sujeito, de acordo com as imposições legais, não há pesquisa a respeito dos elementos componentes da vontade: querer e conhecer. (FERRI, Luigi. La Autonomia Privada. Tradução de Luis Sanches, Madrid; Revista de Derecho Privado, 1969, p.5).

A autonomia privada da vontade, a princípio, não chega a ser uma autonomia propriamente dita, isto porque ela perde parte de seu comando para o direito. Conforme é sabido, o livre arbítrio está delimitado pelo determinismo social.

Se assim, observa Orlando Gomes, seguindo ensinamento de Windscheid, a pessoa comanda e o direito se vale de parte desse comando, reservando para si a causa cognitio (GOMES, Orlando, Transformações Gerais do Direito das Obrigações. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1967. p.65).

Por isso é óbvio, o negócio jurídico visado pelo prisma da autonomia privada se mescla com a vontade social, consubstanciada no direito público. Então essa autonomia abandona a vontade privada para dar passagem à vontade estatal no interesse da coletividade.

O conceito de negócio jurídico é a emanação da vontade destinada a produzir efeitos jurídicos correspondentes ao querer do agente, que age com discernimento, desde que previstos em lei. Para tanto, ensina Benedito Motta que o ser é social porque o fato jurídico é fato social, embora a recíproca não seja verdadeira. Dessarte, o ser jurídico como espelho da sociedade, em sua grandeza global e em suas partículas constitutivas da seiva humana, revela vontades que se entrelaçam por vínculos de direito e obrigações, entre homens e homens, homens e grupos, grupos e grupos e, por isso, por ser social, o ser jurídico é humanístico (MOTTA, Benedicto. O homem, a sociedade, o direito, em Marx. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1978, p.109-110).

A autonomia privada é o poder de autodeterminação para a realização daquilo que o sujeito tem em mente e, por outro lado, o negócio jurídico é o instrumento ou a parte material, pela qual essa autonomia da vontade possa se concretizar. No entanto, ela sofre restrições, transformando o livre arbítrio em determinismo imposto pela norma social.

Assim sendo, analisado sob esse aspecto, é de se concluir que, na realidade, não existe vontade autônoma porque, no entrelaçamento do homem em sociedade, sua vontade está sempre a sofrer delimitações pelas imposições, tanto estatais quanto particulares, pois o homem que vive em sociedade terá constantemente que se ater às regras do direito, a fim de que não cometa abusos e não ultrapasse a linha de espaço de juridicidade, dentro de cujos limites pode se manter e não prejudicar direitos de terceiros.

3.6 Teorias da vontade e da declaração

São duas as teorias que disputam o conceito de vontade na formação do ato jurídico: a) teoria da vontade; b) teoria da declaração. Para os voluntaristas o que importa é a intenção dirigida às conseqüências jurídicas, isto é, a intenção do resultado. Se essa vontade não é objetivada ao resultado, não cria obrigação alguma ao agente.

De acordo com a teoria da declaração, entretanto, o que tem valor é o que está declarado, isto é, o que está contido na exposição, não importando o que o sujeito tem em mente. Assim, de acordo com essa teoria, há divergência de tratamento a respeito dos vícios de consentimento na interpretação do negócio jurídico, isto porque, antes de ser analisada a vontade interna do agente, far-se-á a pesquisa em torno dos termos declarados.

A teoria da vontade foi esboçada pelo nosso direito a exemplo da escola alemã, onde, dentre outros autores Savigny, Windscheid, Mommsen, Unger, Enneccerus e Oertmann foram seguidores.

No Brasil essa teoria se enraizou na literatura jurídica com a ressalva, evidentemente, de que a vontade necessita de um sinal para se definir. É que, uma não pode ter vida própria sem o auxílio da outra, isto é, a vontade não poderá ser interpretada se não for declarada e esta não terá acolhida se não foi alicerçada pela pesquisa interna do agente.

Bem de ver que a vontade se exterioriza por intermédio da declaração e esta tem vida porque, implícita em sua roupagem habita a vontade a lhe dar valor. Por tal motivo que se diz que a vontade se faz refletir por meio da declaração, que deve se manifestar de forma induvidosa, a respeito da pretensão do sujeito.

Portanto a declaração deve ser clara e precisa, porém, interiormente, necessita ela de vir acompanhada de vontade válida, porque, caso falhe o seu requisito essencial interno, aí então estará destituida de valor.

Tal elemento volitivo, válido, será preceito obrigatório do negócio jurídico, porquanto, antes mesmo de se refletir no mundo do direito, deve ele servir de molde legítimo dentro do plano social.

3.7 Incapazes de praticar ato jurídico válido

O artigo 82 do Código Civil (artigo 104 do Novo Código) dispõe que o ato jurídico será válido se o agente for capaz; se o objeto for lícito e se a forma for prescrita ou não defesa em lei. O artigo 5º do mesmo Estatuto (artigo 3º do Novo Código Civil) aponta os absolutamente incapazes para os atos da vida civil, sendo certo que seus interesses são cuidados por seus representantes legais.

Os relativamente incapazes somente podem praticar atos da vida civil quando assistidos por seus respectivos representantes.

Dessa forma, os menores de dezesseis anos, os loucos de todo o gênero, os surdos-mudos que não puderem exprimir a sua vontade e os ausentes não dispõem de vontade negocial, sendo nulos os negócios por eles praticados. Da mesma forma, não podem praticar ato jurídico em sentido estrito, cujos efeitos estão preordenados na lei, com as exceções referentes àqueles, evidentemente, que não lhes causem prejuízos como acontece em relação aos atos em geral.

As legislações brasileira, italiana, francesa, suiça, espanhola e portuguesa impõem a nulidade do ato jurídico produzido por um interdito, isto porque sua vontade está desprovida de capacidade para o querer ou para o discernimento.

O Código Civil alemão é taxativo em seu parágrafo 104 (CODE Civil Allemand. 18.10.1896. Executoire à partir de 1º janvier 1900. 3. ed. Paris; A.Pedone Editeur. Tradução de Raone de La Grasserie. "L''acte juridique qui viole uns proibition légale est nul, à moine de disposition contraire de la loi"), dispondo ser incapaz de negócio aquele que não completou sete anos de idade e, também, aquele que se encontra em estado de perturbação mental, com exclusão da determinação da vontade e, ainda, aquele que foi interditado.

A capacidade, portanto, é pressuposto dos atos jurídicos válidos. Se o ato foi praticado por pessoa capaz, ele não se invalida, mesmo se, posteriormente, esse sujeito se torne incapaz devido a uma perturbação mental qualquer. Ponto importante, todavia, se faz sentir a respeito do ato perpetrado pelo incapaz, quando não lhe cause prejuízo. Em casos tais, a nulidade não será declarada, em face da inexistência de gravames ao agente. Porém, como se verá mais à frente, esses atos são nulos, mas, por medida de política jurídica, permanecerão válidos.

Em tais hipóteses, então, os negócios jurídicos do doente mental, embora desprovido este de alicerce do discernimento, são considerados válidos em atendimento aos fins sociais da lei.

De outra parte, válidos são os negócios efetivados pelo ausente, declarado tal pelo juiz, porquanto, se ele pratica qualquer ato, durante o período dito de ausência, deixa de ser ausente, por estar presente àquele ato.

Portanto, a capacidade para a prática de negócio jurídico válido requer a presença da vontade provida de seus elementos - o querer e a consciência da ação: Inexistindo o primeiro não há ação; do juízo de valor sobre o segundo depende a formação da vontade negocial.

Na realidade, o sujeito que não age com discernimento ao praticar a ação material, não colima os fins visados pela vontade, por lhe faltar raciocínio para tanto. Pode ocorrer, entretanto, de estar presente a vontade do louco integrada por seu elemento querer, mas, por outro lado, lhe faltar o conhecimento - elemento intelectivo da vontade - ficando esta desestruturada, da mesma forma e, portanto, tornando nulo o ato.

Embora limitada a ação do incapaz, face à debilidade de sua vontade, o certo é que ele, também, é detentor de direito natural e, como tal, deve receber proteção da lei, quando ferido em seus direitos. Assim, em determinados casos, o ato do considerado anormal é válido em face dos princípios do direito natural, que lhe é inerente.

De sorte que, ensina Dourado de Gusmão que, enquanto o direito natural independe da vontade, por refletir exigências sociais da natureza humana em relação a todos os homens da sociedade, o direito positivo seria histórico e válido em espaços geográficos determinados, ou determináveis, de acordo com o espaço e o tempo. (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 12. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p.81).

Por ser detentor de direito natural é que, em certos casos, o ato nulo praticado pelo agente produz efeitos, por falar mais alto esse seu direito. Dessarte, não lhe advindo prejuízos, a responsabilidade do negócio fica adstrita à pessoa que com ele contrata.

Cunha Gonçalves, com precisão, ensina que o direito objetivo tem por origem o direito natural, do qual é manancial e, para alicerce, menciona o artigo 16 do Código Civil português, que a esse direito se refere.

Alerta o mestre português que os princípios do direito natural são as máximas clássicas do direito romano: honestae vivere, neminem laedere, suun cuique tribuere, especialmente esta última, pois dar a cada um o que é seu é a súmula de toda a teoria dos direitos subjetivos, ou seja, de quase todo o direito civil. Esse direito natural, nas palavras do professor, é afirmado por notáveis filósofos do direito, como Cathrein e Gény, pois ele resume os princípios de justiça e eqüidade, que devem orientar toda a atividade judicial e administrativa do Estado. (CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Op. cit. 1951, p.13).

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Sobre o autor
Reinaldo Lucas de Melo

promotor de Justiça titular em Ribeirão Preto, professor de Direito Civil da UNIP – Ribeirão Preto, especialista "lato sensu" em Direito Público pela UNIP – Ribeirão Preto, mestrando em Constituição e Processo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Reinaldo Lucas. Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12362. Acesso em: 22 nov. 2024.

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