CAPÍTULO V
Sumário. 5.1. Direito Comparado. 5.2. A boa fé. 5.3. Incapacidade absoluta e atos jurídicos efetivos. 5.4. Menores absolutamente incapazes e autonomia privada. 5.5. Atos dos menores absolutamente incapazes e seus reflexos.
5.1. Direito comparado
Ao se fazer uma conceituação analítica dos direitos de outras civilizações, podemos constatar que, em várias legislações os atos dos menores absolutamente incapazes são nulos em regra.
O Código Civil italiano, no Titulo XII, artigo 427 e seguintes, adverte que o negócio jurídico praticado pelo incapaz de entender ou de querer será anulado a não ser que tenha ocasionado ou possa ocasionar prejuízo à pessoa daquele. Aduz também, expressamente no artigo 1306 que, os absolutamente incapazes, embora em regra não possam praticar atos jurídicos patrimoniais entre vivos, podem entretanto realizar outros como ocupação, tomada de posse, invenção de tesouro etc. (Código Civil Italiano. Tradução de Souza Diniz. Rio de Janeiro; Distribuidora Record Editora, 1961).
No direito português a incapacidade, como pondera Alves Moreira, se divide em natural e legal. Todas as pessoas que não têm discernimento são destituídas de capacidade legal. São os menores de sete anos, os interditos em virtude de alienação mental, os pródigos. A incapacidade natural é reservada aos alienados de todo o gênero (MOREIRA, Guilherme Alves, Instituições de Direito Português, Lisboa, Garnier, v. I, 1908, p.397).
Na Suíça, o Código Civil, no seu artigo 16 decreta a incapacidade absoluta para aqueles reconhecidamente incapazes de discernimento e aos menores, desde que não possam agir razoavelmente. O legislador suíço define a incapacidade de discernimento no artigo 16 e dispõe no artigo 17 que o ato do incapaz de discernimento não produz efeitos jurídicos. (Código Suíço, Tradução de Souza Diniz, Rio de janeiro; Distribuidora Récord Editora, 1961: "Quem for incapaz de discernimento não pode, com observância de exceções legais, estabelecer, pelos seus atos, efeitos jurídicos").
O Código Civil Alemão, no artigo 105, dispõe que a declaração de vontade de um incapaz é nula (Código Civil Alemão, Tradução de Souza Diniz, Rio de janeiro, Distribuidora Récord Editora, 1960).
Prossegue o direito positivo germânico asseverando taxativamente, em seu parágrafo 104 que, é incapaz de negócio aquele que não completou sete anos de idade e, também, aquele que se encontra em estado de perturbação mental, com exclusão da determinação da vontade e, ainda, aquele que foi interditado.
Portanto, de acordo com o Direito Alemão, se o ato foi praticdo por pessoa capaz ele não se invalida, como também não se invalida aquele ato perpetrado pelo incapaz quando não lhe cause prejuízo, desde que na conduta desse incapaz, como visto, haja a vontade provida de seus elementos - o querer e a consciência de ação - pois inexistindo o primeiro não há ação e do juizo de valor sobre o segundo depende a formação da vontade negocial (a autonomia privada).
5.2. A boa fé
São dois os aspectos sob os quais a boa fé deve ser estudada: o psicológico e o ético ou moral. Psicologicamente é o pensamento de quem acredita estar agindo de acordo com as normas de conduta. Esse elemento subjetivo faz com que o agente acredite estar pautando a sua conduta corretamente. É o animus correctus daquele que crê em sua consciência.
Do ponto de vista ético ou moral, objetivamente, ela se constitui na lealdade, franqueza, honestidade. É a conformidade entre o pensar e o agir, ou seja, a lealdada da conduta refletida nos efeitos.
A boa fé tem fundamentos sociais que se traduzem no direito que lhe dá suporte. Tanto é que os romanos já definiam o direito como: honestae vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu). O viver honestamente que pregavam os romanos estava inserido no conceito de boa fé, consubstanciada pelos elementos subjetivos e objetivos.
Sob a ótica jurídica, a boa fé pode ser vista por duas faces: uma subjetiva e outra objetiva. Quando dizemos que o possuidor está de boa fé, queremos afirmar a boa fé subjetiva, mas, senos pronunciamos a respeito do contractus bonae fidei, estamos nos referindo à boa fé no âmbito objetivo, em virtude do encontro de vontades.
Quando a honradez se apresenta na formação os negócios jurídicos, suprem-se, sanam-se os vícios até mesmo de certos atos nulos que passam a convalidar, como no casamento (artigo 221 do Código Civil - artigo 1561 do Novo Estatuto), com direito à indenização, no caso do artigo 547 (artigo 1255 do Código Civil de 2002).
A boa fé apaga a existência do dolo, que nada mais é do que o querer praticar um ilícito.
Por isso, existindo a boa fé, inexistente é o dolo. Se, porém, analisarmos o dolo ao lado da doutrina finalista da ação, evidentemente concluiremos que a boa fé, ao invés de excluir o dolo, tornará inexistente o conhecimento potencial da ilicitude do fato. Ela afeta o elemento discernimento e não o querer, propriamente dito. Na realidade é ela causa extintiva da culpabilidade face ao conhecimento falso, ou falta de conhecimento do caráter ilícito da ação.
Nelson Hungria, no Direito Penal, invocando lições de Manzini, ensina que, qualquer que seja o motivo levado pelo agente, em determinados casos, é ele salvo pela boa fé, que se opõe ao dolo e se traduz pela razoável crença na legitimidade do evento voluntariamente causado. (HUNGRIA Nelson, Comentários ao Código Penal, 3ª ed.Rio de Janeiro, Forense, 1955).
Na mesma proporção, no Direito Civil a boa fé está delineada em torno do querer e do discernimento. Ela exclui o querer ilícito, motivo pelo qual o sujeito, quando assim age, crê na normalidade de seu comportamento. A boa fé é o bálsamo do sujeito honrado, diante dos textos frios da lei.
A boa fé é a lealdade do sujeito no arquitetamento de seus planos; é a manutenção dessa mesma lealdade e lisura na dinamização dos negócios jurídicos em geral.
O Direito Civil italiano também informa que o contrato deve ser feito de boa fé e obriga, não só o que nele está expresso, mas, também, a todas as conseqüências que, segundo a equidade, o uso, ou a lei consagram. (LODOVICO BARASSI, op. cit. p.156: "I contratti debbono essere seguiti di buona fede, ed obligano non solo a quanto medesimi espresso, ma anche a tutte le consequence che secondo l''equità, l''uso o la legge derivano" ).
Da mesma forma o Código suíço anota, no artigo 3º, que a boa fé se presume na prática do ato (CÓDIGO Suíço, op. cit. artigo 3º).
No direito brasileiro, a boa fé, antes acenada apenas de maneira sutil e implícita, agora já surge de maneira expressa e como verdadeiro sustentáculo de negócios jurídicos praticados com eventuais falhas quer no conteúdo quer formais. Vejam-se a propósito os artigos 113, do Novo Código Civil e 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor.
Aliás, a respeito do novo Código Civil, acentua Silvio de Salvo Venosa que o diploma orienta o legislador para, ao procurar o sentido de uma manifestação de vontade, ter sempre em mira os princípios de boa fé, regra geral dos contratos bem como a orientação dos costumes que cerca ma realização do negócio. (VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, Parte Geral, ed. Atlas, S.Paulo, 2002, p.403).
Portanto, duas situações importantes pode-se pronunciar a respeito do assunto: o princípio geral da boa fé e sua definição técnico-jurídica. Enquanto a primeira se traduz no direito abstrato, a outra é aferida em relação aos tipos normativos adequados.
A boa fé muitas vezes não só protege o direito de cada um que dela é portador, mas, em vários casos, é fonte criadora de direitos. Ela é forma de viver do homem civilizado, daquele a quem repugna o prejuízo alheio. É um dos índices de que, mais e mais, o homem se afasta de sua origem imperfeita. Sua origem é tão remota quanto o homem o é. Basta considerar as leis antigas, tais como o Código de Hamurabi e de Manu que dela já se ocupavam.
A boa fé se acha lastreada na eqüidade, motivo pelo qual ela embasa um direito justo. É ela uma ética jurídica. Na acepção ética tem ela alcance maior do que na concepção psicológica. Por isso, sob todos os prismas como o normativo, psicológico, o do princípio geral da boa fé, ou pelo lado ético, o negócio jurídico praticado pelo menor absolutamente incapaz mas que tem discernimento geral, deve adquirir validade se nele imperou a boa fé.
5.3 Incapacidade absoluta e atos jurídicos efetivos
O Código Civil Brasileiro, no artigo 145, I, define que o ato jurídico praticado por pessoa absolutamente incapaz é nulo, no que é seguido pelo Novo Código (de 2002, artigo 166, caput).
Daí decorrer que, segundo a própria norma, o negócio jurídico praticado por menor absolutamente incapaz tem existência embora os seus efeitos sejam fulminados pela lei, portanto não se trata de um inexistente jurídico.
E se tal manifestação de vontade não é ato inexistente, não criando um vácuo jurídico, mas ao contrário solidifica e preenche uma existência factual de que decorrem e se sustentam múltiplas outras relações de direito, surge daí a oportunidade de se aferir a intrigante possibilidade de que surta efeitos, ao contrário do raciocínio a ser aplicado ao ato inexistente, cuja falta total de estrutura jamais deixaria sequer chegar ao tal ponto analítico (análise de seus efeitos).
Como diz Pontes de Miranda, existem vontades concordantes que entram no mundo jurídico, nulamente ou ineficazmente, mas entram. (Tratado de Direito Privado, Parte Geral, 1ª ed. 200, Bookseller, Campinas, Tomo 3, p.70) Não se trata, absolutamente, de se querer dar ao trabalho a pretensão de conferir efeitos jurídicos, indistintamente, a determinadas ações humanas em procedimento literalmente contra legem.
Acontece que se procura abordar tema de suma importância ligado ao fenômeno que traduz a celebração, socialmente aceita, de atos jurídicos por menores absolutamente incapazes na vida corrente, uma verdade que campeia nos segmentos sociais na atualidade, inclusive com acentuado crescimento no setor econômico notadamente das relações de consumo.
De lege lata realmente não se concebe a prática de negócios jurídicos por quem não está investido da respectiva capacidade, até porque diz o artigo 84 do Código Civil que, a celebração de atos jurídicos por menores será feita mediante a representação (pelos pais, tutores ou curadores) em se tratando de incapacidade absoluta; e mediante assistência (pelas pessoas designadas pela lei) se for caso de incapacidade relativa.
De acordo com o artigo 82, verifica-se que um dos requisitos para a validade do ato jurídico é a capacidade do agente, daí inferindo que, faltando a capacidade de exercício, o praticante do ato deverá estar devidamente representado ou assistido.
A mens legis decorre do escopo de não se emprestar validade à vontade do menor pois lhe falta total ou parcialmente o discernimento necessário para contratar de acordo com a sua conveniência. A norma, verifica-se, é de proteção social em especial do próprio incapaz contra a sua falta de maturidade.
5.4 Menores absolutamente incapazese autonomia privada
O sentido da lei, conforme verificado, fez defeso ao menor absolutamente incapaz que exerça pessoalmente a autonomia privada por intermédio de negócios jurídicos. Para a definição do que vem a ser autonomia privada, postulado de inspiração eminentemente liberal em face do capitalismo, lançamos mão de textos de autores a seguir:
A autonomia privada ou liberdade negocial traduz-se no poder reconhecido pela ordem jurídica ao homem, prévia e necessariamente qualificado como sujeito jurídico, de juridicizar a sua actividade (designadamente, a sua actividade económica), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos. (Ana Prata, "A tutela constitucional da autonomia privada", Coimbra/Portugal: Livraria Almedina, p.11)
Com la expressión <<autonomia privada>> he designado el poder atribuido por la ley a los idividuos de crear normas jurídicas en determinados campos a ellos reservados. (Luigi Ferri, "La autonomia privada", traduzido para o espanhol por Luis Sancho Mendizabal,in Editora Revista de Derecho Privado, Madrid: 1969).
Nem é por acaso que a Constituição Federal expressa no artigo 1º, IV, segunda parte, a tutela da livre iniciativa, aí podendo ser compreendidos, resquícios da consagração do princípio da autonomia da vontade humana e, em decorrência, da vontade privada. A propósito, inclusive, o jurista Wolgran Junqueira Ferreira comenta o dispositivo com muita propriedade. (FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Contituição de 1988. 1. ed. Campinas-SP: Julex Livros, 1989, p. 86. "Um dos fundamentos da sociedade aberta, justa e solidária que a Constituição em seu primeiro artigo pretende que se construa no Brasil, tem como um dos alicerces a livre iniciativa. Esta decorre da própria liberdade do ser humano, partindo-se do princípio onde uma tarefa pode ser satisfatoriamente preenchida pela iniciativa do indivíduo ou de pequenas unidades sociais, a realização desta tarefa deve ser deixada à iniciativa do indivíduo ou das pequenas unidades socais")
Na opinião do doutrinador italiano Luigi Ferri, o negócio jurídico é fonte de norma jurídica (p.ex. o contrato faz lei entre as partes) e a autonomia privada seria, então, verdadeiro poder normativo. O exercício da autonomia privada pressupõe a autonomia da vontade. Para Silvio Rodrigues (Direito Civil, vol. 3, 20ª edição, S.Paulo, Saraiva, 1991, p.15) a autonomia da vontade consiste "na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam".
De tudo decorre, então, que para que o homem possa praticar negócios jurídicos e fazer atuar sua vontade autônoma nos diversos setores da vida em sociedade, necessário que a lei confira efeitos à expressão dessa vontade, o que não ocorre com os menores absolutamente incapazes. Se assim, encerra-se a questão por vontade do legislador, ao verificar-se que reina e eiva da nulidade absoluta no ato jurídico praticado por menor impúbere (artigo 145, I, do Código Civil de 1916 e 166, I, do novo Estatuto).
Como visto, manifesta-se a doutrina tradicional no sentido de que se o ato jurídico é nulo, não produz efeitos na órbita jurídica e não pode ser ratificado, inclusive sendo certo que a nulidade é imprescritível e sua declaração produz efeitos ex tunc. Esse portanto o tratamento legal dispensado ao ato - nulo - praticado por menores absolutamente incapazes e contra o qual os doutrinadores pouco opõem óbices.
Mas não obstante a meridiana clareza que a solução legal - simplista demais - empresta ao tema, cabe analisar se ela realmente se adequa ao cotidiano da vida dos incapazes, o que não parece uma solução acolhida pela realidade social, por isso que a exigir reavaliações que o trabalho está se propondo a operar.
Como já se fez escrever, não se abordaram os negócios jurídicos celebrados pelos menores relativamente incapazes por já existir disposição normativa a respeito (artigos 154 e seguintes do Código Civil e o instituto da ratificação dos artigos 148 e seguintes do Código Civil, respectivamente artigos 180 e 172 do Código Civil de 2002).
5.5 Atos dos menores absolutamente incapazes e sua validade
Volvendo ao tema, tem-se que numa rápida mas verdadeira e álgida observação da vida em sociedade daqueles menores absolutamente incapazes, logo se perceberia que a pretensão de que todos os negócios jurídicos por eles praticados fossem anulados, obviamente esbarraria no provocar de um caos nas relações jurídicas mais simples, para não falar em verdadeira pane de setores econômicos das atividades sociais, notadamente no comércio, onde o menor figura com certa freqüência num dos polos das respectivas relações jurídicas. Até porque a própria Constituição Federal em seu artigo 227 previu e assegurou aos menores, quaisquer que seja a sua idade, o direito à convivência comunitária, aí compreendida, obviamente, a prática dos atos de sua vida civil, desde que não lhes acarrete prejuízo moral ou material.
Medite-se na simplicidade que reflete a situação de um menor absolutamente incapaz sozinho, independentemente de representação, tomar um ônibus, ir ao cinema, adquirir bens de pequeno valor em bares, lanchonetes, comprar roupas, calçados, livros, eletroeletrônicos... E os comerciantes ou prestadores de pequenos serviços, como pessoas livres para negociar, no outro lado daquelas relações jurídicas, jamais tiveram a preocupação de exigir o que a lei determina, ou seja, que o menor esteja, nesses casos, sempre acompanhado de seu representante para poder concluir o ato. Não há nos repertórios e precedentes judiciais causas ajuizadas por comerciantes, empresas de transporte, outros prestadores de pequenos serviços etc, cujo objeto seja anular atos que praticaram com menores.
Por que a lei não teria emprestado validade a tais atos ? Pretende que, tão simples, sejam sempre anulados ? A falta de discernimento do menor é tão grave a esse ponto ? Entende o legislador que a sociedade repudia esses atos e o terceiro de boa fé, no íntimo, jamais o aceitaria ? Os bons costumes são violados ? Evidente que as respostas são todas no sentido negativo.
Impossível, por outro lado, comentar tão importante assunto sem fazê-lo em cotejo com o instituto da representação (art.116, do Código Civil ).
De modo que, dir-se-ia, então, que são válidos aqueles negócios jurídicos praticados pelos menores absolutamente incapazes porque, não obstante então desacompanhados dos pais ou representantes legais, estariam eles na verdade representados implícita ou tacitamente por estes, de quem, assim, seriam meros longa manus. Vale dizer, os pais é quem na verdade praticariam tais atos jurídicos entretanto se servindo dos filhos menores que atuariam como autômatos em prol dos referidos ascendentes.
Mas aí caberia uma pergunta: como ficaria a situação nas hipóteses em que os menores, ao praticar atos jurídicos estivessem, por qualquer motivo (falecimento, ausência, declaração judicial) sem representante legal, ainda que momentaneamente ? Obviamente que a tese - longa manus - se esvaziaria, inclusive porque, repise-se, o menor não atua como autômato, pois ele age com discernimento, adquirindo o que quer e precisa, quando quer, por preço compatível, enfim numa relação jurídica amplamente informada pela vontade das partes e dominada pela autonomia privada.
Pelos mesmos motivos nem se diga que o menor, em situações tais, se equipararia à figura do Núncio, cuja tarefa, para Silvio de Salvo Venosa, pode consistir no simples ato de entrega de documento ou na reprodução, de viva voz, da declaração de alguém. Em ambos os casos o mensageiro coopera na conclusão do negócio jurídico, mas não atua em nome e por conta do verdadeiro titular.(VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, Parte Geral. 2. ed. São Paulo, Atlas, 2002, p.375)
O Código Civil Português adotou expressamente, em seu artigo 127, um sistema de excepções à incapacidade dos menores, conferindo validade aos atos praticados pelos maiores de dezesseis anos em determinados casos, próprios da vida corrente, àqueles concernentes às despesas e disposições de pequena importância e àqueles relativos à profissão, arte ou ofício do incapaz.
Para uma adequada discussão do problema e encaminhamento de solução em nível hipotético, seria necessária a adoção de uma - ou todas - dentre três vertentes temáticas: incapacidade, nulidade e contratos, certo que no plano destes últimos, em regra, se situam aqueles negócios jurídicos de que se fala.
Também porque não é absurdo dizer que há fatos jurídicos que são fruto da vontade do homem, produzem efeitos na orla do Direito mas para os quais no entanto é despicienda a capacidade de gozo ou exercício (descoberta de tesouro, a edificação, a plantação); bem assim igualmente há nulidades que, ao contrário da regra ditada pela doutrina, podem ser sanadas (artigos 208, do Código Civil, 1554 do Código Civil de 2002, 245, CPC e 572, CPP). Em outras palavras, a falta de capacidade legal não é óbice intransponível para as relações de direito, do mesmo modo que há atos nulos que produzem efeitos.
Por isso que mais atraente o estudo da questão pelo flanco das relações contratuais. Nelas melhor se concentra a discussão na medida em que neste campo se pode aferir se tais atos jurídicos são realmente fruto da vontade do menor contraente, se trazem comutatividade proporcionando-lhe a prévia e correta observação acerca da equivalência das prestações, se inexiste ilicitude de objeto, se deixam de infringir normas com relação à forma, se tem função social e se, notadamente, deixam de atentar contra os interesses sociais e do próprio menor. Enfim se o menor quis e efetivamente conseguiu contratar como outra pessoa qualquer. Afastada porém fica a idéia, obviamente, naqueles casos em que o negócio jurídico é formal ou solene, assim se tornando imprescindível a figura do representante legal quando num dos polos se posiciona o menor absolutamente incapaz (outorga de uma escritura pública de transferência de propriedade p.ex.)
Mas as respostas com pertinência à discussão sobre a formação válida do contrato como anteriormente mencionado, evidentemente são todas no sentido positivo. Por isso que não há como negar eficácia aos negócios jurídicos celebrados pelos menores absolutamente incapazes.
Até porque, novamente levando-se em conta a teoria da vontade, não há como negar que os impúberes efetivamente têm vontade, agem orientados por ela e pautam os atos jurídicos que praticam pelo discernimento e a orientação que sem dúvida a mesma lhes proporciona, certo ainda que, esporadicamente, o próprio direito positivo a considera. Veja-se, a propósito, o artigo 28, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar da colocação em família substituta, em que se expressa que... sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.
Com efeito, o menor absolutamente incapaz, ao implementar seu desejo de adquirir algum bem ou serviço colocado à sua disposição no mercado de consumo em geral, efetivamente o faz sob uma orientação psíquica somente sua em que se norteia livre e espontaneamente sobre o que quer, quando quer, porque quer, onde encontrar e a que custo alcançará o seu desígnio, este de coerência moral, de seu regular interesse (vontade privada) e sem o destempero da má fé de qualquer das partes. Não pode, absolutamente, sob esse prisma, ser comparado a pessoas cuja incapacidade total seja relacionada com problemas de ordem psico-somática. Daí presente sem dúvida o elemento volitivo essencial e constitutivo do negócio jurídico então praticado e com relação ao qual, assim, inexistirão restrições sociais, de costumes e conseqüentemente jurídicas.
O importante, repita-se, segundo o já citado SILVIO DE SALVO VENOSA, é que, superada a questão do elemento volitivo no polo em que se situa o incapaz no ato negocial, se tenha sempre em mira os princípios de boa fé, regra geral dos negócios jurídicos enquanto contratos, bem como a orientação dos costumes que cercam a realização do ato. (Direito Civil, Parte Geral, ed. Atlas, São Paulo, 2002, p.403).
E como diz CLAUDIA LIMA MARQUES, a idéia de contrato vem sendo moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a moral e o modelo econômico da época. O contrato, por assim dizer, nasceu da realidade social. Efetivamente, sem os contratos de troca econômica, especialmente os contrato de compra e venda, de empréstimo e de permuta, a sociedade atual de consumo não existiria como a conhecemos. O valor decisivo do contrato está portanto, em ser o instrumento jurídico que possibilita e regulamenta o movimento de riquezas dentro da sociedade. (CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 3ª edição, ed. Revista dos Tribunais,, São Paulo, p.35).
Bem se vê, portanto, que ocorre a movimentação maior da economia no seio social, notadamente pelos pequenos e informais contratos, pois estes exercem maior influência na geração dos negócios nas relações de consumo, especialmente as comerciais.
Se assim, forçoso reconhecer a influência que os atos jurídicos contratuais praticados por menores absolutamente incapazes exercem em tudo aquilo praticamente que gira envolvendo coisas de pequeno valor.
Praticamente quase tudo que é de pequeno valor econômico individualmente considerado e produzido para vender em grande escala é voltado para o consumo de crianças e adolescentes.