Artigo Destaque dos editores

A situação jurídica dos agentes comunitários de saúde, agentes de combate a endemias e outros.

Inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da EC nº 51/2006, e do art. 2º, caput e §§ 1º e 2º, Emenda nº 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

3. Do vício do § 2º do art. 2º da Emenda n. 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal: a ofensa aos princípios constitucionais do concurso público e da igualdade

Maculado pelos mesmos vícios do art. 2º, par. único, ampliando ainda mais a disposição federal para incluir outros beneficiários da norma inconstitucional da União, foi editado o § 2º do art. 2º da Emenda n. 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal, capitulando:

Art. 2º Os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelo Distrito Federal na forma do art. 205, § 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.

§ 1º Os profissionais que, na data da promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o art. 205, § 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, desde que tenham sido contratados a partir de processo de seleção pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta e indireta do Distrito Federal ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta.

§ 2º Aplica-se o disposto neste artigo aos profissionais que, na data da promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de médico, cirurgião-dentista, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, farmacêutico, terapeuta-ocupacional, fisioterapeuta, assistente social, técnico em enfermagem, técnico em higiene dental, técnico em prótese dental, auxiliar de enfermagem, auxiliar de consultório dentário, auxiliar de prótese dentária e auxiliar de laboratório, na forma da lei, ficando dispensados de se submeterem ao processo seletivo público a que se refere o art. 205, § 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, desde que tenham sido contratados a partir do processo de seleção pública efetuado por órgão ou ente da administração direta e indireta do Distrito Federal ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta, resguardados os direitos dos atuais aprovados em concursos públicos.

Nota-se que, não bastasse a repetição da malsinada e inconstitucional regra do art. 2º, par. único, da Emenda 51/2006 à Constituição Federal, a Emenda 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal ainda resolveu presentear com um cargo ou emprego público permanente (não uma mera função de contrato temporário – que já seria inaceitável de per si) médicos, cirurgiões-dentistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, terapeutas-ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos em enfermagem, técnicos em higiene dental, técnicos em prótese dental, auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário, auxiliares de prótese dentária e auxiliares de laboratório, gerando uma fila imensa de agraciados pela sorte de receber um brinde, às custas do dinheiro público e da moralidade administrativa, da isonomia e de malferimento à cláusula republicana.

O fato de alguém ser contratado temporário do Estado, pior ainda no caso dos meros empregados de Organizações Sociais ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (meras entidades privadas), não tem o condão de legitimar seu ingresso em cargo ou emprego público permanente, de provimento restrito aos sagrados em certame concursal público, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade, da república e da moralidade administrativa.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já capitulou:

É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido (Súmula 685).

Calha, nesse particular, a lição de Alexandre de Moraes:

Importante, também, ressaltar que, a partir da Constituição de 1988, a absoluta imprescindibilidade do concurso público não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas estatais como regra geral de observância compulsória, inclusive as hipóteses de transformação de cargos e transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas das iniciais, que, quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, constituem formas inconstitucionais de provimento no serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Dessa forma, claro o desrespeito constitucional para investiduras derivadas de prova e títulos e da realização de concurso interno por óbvia ofensa ao princípio isonômico.

Em conclusão, a investidura em cargos ou empregos públicos depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, não havendo possibilidade de edição de lei que, mediante agrupamento de carreiras, opere transformações em cargos, permitindo que os ocupantes dos cargos originários fossem investidos nos cargos emergentes, de carreira diversa daquela para a qual ingressaram no serviço público, sem concurso público. [08]

José dos Santos Carvalho Filho também doutrina:

Em outras ocasiões, a Administração cria nova carreira com novos cargos e simplesmente pretende preenchê-los com servidores trabalhistas ou mesmo com estatutários de carreiras diversas. Clara está, nessa hipótese, a intenção de burlar a regra constitucional. O STF, inclusive, já declarou inconstitucional lei do Estado do Mato Grosso, que, tendo criado Grupo Especial de Advogados do Estado, carreira nova, permitia a investidura automática nos cargos por advogados da administração pública direta, autárquica e fundacional. Para ser legítima a investidura, tornar-se-á imprescindível a prévia aprovação no respectivo concurso. [09]

Não existe possibilidade de alguém que não foi aprovado em concurso público específico, seja assim proclamado quando da homologação administrativa do resultado final do certame ou quando do desate de processo judicial, possa ingressar ou permanecer como ocupante de cargo de provimento efetivo ou emprego público permanente, sob pena de improbidade administrativa por parte da autoridade nomeante, violação do princípio da impessoalidade, da moralidade e do preceito republicano do amplo acesso aos cargos públicos a todos os habilitados, laureados pela sagração no procedimento concursal seletivo pertinente.

Ninguém pode permancer em cargo de provimento efetivo ou emprego público permanente sem gozar do respaldo de aprovação válida em concurso público específico para preenchimento do posto, sob pena de violação ao capitulado no art. 37, II, da Carta de Direitos de 1988. Vale transcrever a cátedra de Odete Medauar: "A exigência de concurso público para ascender a postos de trabalho no serviço público atende, principalmente, ao princípio da igualdade e ao princípio da moralidade administrativa". [10]

Lembra, nessa toada, Hely Lopes Meirelles:

O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo. [11]

Em virtude do princípio da isonomia, no sentido de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, Constituição Federal de 1988), não pode a Administração Pública prover cargo público ou emprego público permanente ou neles manter quem não tenha sido completa e regularmente aprovado em todas as etapas e provas de concurso público específico, sob pena de violação não só da própria Carta Magna como ainda dos ditames das Leis de Crimes de Responsabilidade (art. 4º, V, Lei federal n. 1.079/1950 [12]; art. 101, V, Lei Orgânica do Distrito Federal) e de Improbidade Administrativa (art. 11, V, Lei federal n. 8.429/1992: "frustrar a licitude de concurso público"). A esse respeito, pontificam Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz [13]:

O ato atentatório ao concurso público, em face de sua natureza de princípio constitucional especial, foi corretamente enquadrado como espécie da categoria "atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública". Com efeito, o art. 11, V, da Lei n. 8.429/92 estabelece como ato de improbidade administrativa conduta do agente público que "frustrar a licitude do concurso público". [...] Se o agente público frustrar a licitude de concurso público, ainda que tal conduta não cause lesão ao erário ou não importe enriquecimento ilícito, será enquadrado como ímprobo.

Não é desconhecido que muitos cidadãos anelam pelo sonho de lograr êxito em certame público concursal para fins de gozar dos benefícios da titularidade de cargo de provimento efetivo ou emprego público permanente e da estabilidade no serviço público, ainda mais em se cuidando de postos mais bem remunerados do que os da iniciativa privada em regra.

Na verdade, milhares de jovens e adultos debruçam-se penosamente nos estudos, por conta própria, ou arcam com os vultosos custos de preparação de cursinhos para concursos, disseminados às centenas em todo o país, por causa do sonho de pertencer às carreiras efetivas do funcionalismo estatal e de desfrutar de boa remuneração e da proteção da estabilidade contra a perda do cargo público ou a maior segurança do emprego público permanente, inexistente no âmbito da atividade privada.

Sendo assim, seria violar o tratamento igualitário que a Administração Pública deve dispensar a todos os cidadãos, sem dúvida, permitir que pessoas não aprovadas em todas as provas e etapas de concurso público pudessem ingressar ou permanecer no quadro do funcionalismo estatal.

São pertinentes os escritos de Edmir Netto de Araújo a esse propósito:

O direito dos cidadãos de acesso aos cargos públicos (CF, art. 37, I) decorre do princípio fundamental dos regimes democráticos, que é o da igualdade (art. 5º) de todos perante a lei, nas mesmas condições. Se todos são iguais perante a lei, também o são perante a Administração, e por isso, nas mesmas condições, o que abrange o atendimento aos requisitos legais, todos os brasileiros possuem o direito de acesso aos cargos públicos. [14]

Outros cidadãos também almejariam desfrutar da condição de servidor público, ocupante de posto de provimento efetivo ou emprego permanente e com estabilidade no serviço público, sem sujeição aos requisitos de aprovação válida em concurso. Por que favorecer uns e não outros e como assim proceder em face dos ditames dos princípios da impessoalidade e da isonomia?

Calham as lições de Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz:

O Estado, ao mesmo tempo em que impõe deveres, limitações administrativas, sacrifícios a direitos subjetivos e prescrição de sanções em desfavor dos membros do corpo social, também concede prerrogativas aos administrados, outorgando-lhes um benefício econômico, social ou profissional. Em face dos postulados fundamentais da indisponibilidade do interesse público, da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e diante da circunstância de que o número de administrados interessados em obter determinadas prerrogativas públicas é invariavelmente maior do que a sua oferta social, o Estado deverá abrir mão de um procedimento concorrencial, em ordem a compatibilizar o princípio da isonomia com a necessidade de se estabelecer um padrão mínimo e razoável de exigências, a fim de se cumprir excelentemente o interesse público. [...] O concurso público constitui uma das forma de concreção do princípio da igualdade. [15]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Sob a ótica do administrador público, é de se enfatizar, a nomeação, como ato administrativo, pressupõe um motivo de fato e de direito existente: a aprovação ainda válida em concurso público. Incidiria, no caso, o prescrito na Lei de Ação Popular:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

.....................................................................

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

.................................................................

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

.......................................................................

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

A matéria de fato (aprovação válida em concurso pública ainda com prazo de validade vigente) não existe na hipótese vertente e impossibilita, em conseqüência, a nomeação em cargo ou emprego público permanente. Sob outro prisma, ter-se-ia ilegalidade do objeto porque a investidura em cargo de provimento efetivo de pessoa que não dispõe de aprovação válida no certame concursal configuraria ofensa ao próprio texto constitucional e ao da Lei de Improbidade Administrativa (art. 11, V, Lei federal n. 8.429/1992).

Em se cuidando de conditio sine qua non para a investidura permanente no serviço público, a exigência de aprovação em todas as provas e etapas de concurso específico de provimento do cargo administrativo não pode ser relevada em hipótese alguma, por se cuidar de exigência constitucional.

Cuida-se de hipótese em que preponderam os princípios da igualdade, isonomia e da moralidade: os cidadãos ocupantes de cargo efetivo ou emprego permanente na Administração dos três Poderes estatais adquiriram o benefício de serem contratados como pessoal pelo Estado porque, diferindo das demais pessoas igualmente interessadas em serem admitidas ou contratadas pelo Poder Público, se sagraram aprovadas em certame concursal específico.

Certo número de advogados poderia, quiçá, desempenhar as funções inerentes ao cargo de Procurador do Estado, auditor tributário, promotor de justiça, juiz de direito, se porventura o Estado os nomeasse, sem prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, para os postos públicos em comento, alguns até poderiam concluir com êxito o estágio probatório inicial para confirmação na carreira. Não obstante, o administrador público não poderia (ainda que tivesse deixado de observar o mandamento constitucional de realizar certame concursal, para contratar profissionais do direito com maior celeridade, sem os entraves e morosidade decorrentes do procedimento administrativo público seletivo) investir nem menos ainda efetivar no cargo quem não foi laureado pela chancela concursal constitucional. Talvez até conviesse ao Estado – e muitas pessoas poderiam se revelar aptas ao exercício dos postos – contratar diretamente pessoal, todavia a Constituição Federal, em atenção às cláusulas da democracia, da República, da igualdade, da moralidade administrativa, ordenou que a única forma de provimento de cargos efetivos na Administração é a sagração em concurso público.

Trata-se, como demonstrado quantum satis neste articulado, de inexorável exigência constitucional acerca da contratação de pessoal no serviço público para investidura em cargos de provimento efetivo ou em empregos públicos permanentes: os candidatos deverão ter sido aprovados em concurso público, sob pena de inconstitucionalidade.

Ainda que alguém ousasse defender a pretensa constitucionalidade do art. 2º, par. único, da Emenda 51 à Constituição Federal, a despeito da indisfarçada agressão por ela cometida, nesse particular, aos princípios republicano, da igualdade, da moralidade administrativa, mesmo assim ter-se-ia que a dispensa de aprovação em concurso público ou processo seletivo público (cujas balizas mais adiante se fincará), como norma excepecional, deve ser interpretada estritamente, não de forma ampliativa, modo por que a Emenda 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal, ao ampliar o rol dos presenteados com um emprego público permanente, não só para os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias (aquinhoados pela malsinada norma reformadora constitucional federal), mas ainda para médicos, cirurgiões-dentistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, terapeutas-ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos em enfermagem, técnicos em higiene dental, técnicos em prótese dental, auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário, auxiliares de prótese dentária e auxiliares de laboratório, até os contratadados por organizações sociais, não pelo Estado diretamente, incorreu em manifesto atentado ao princípio do art. 37, II, da Constituição Federal de 1988, não podendo ser aplicado pela Administração Pública do Distrito Federal, sob pena de acolhimento da regra teratológica, constitutiva de ato de improbidade administrativa, por frustração à licitude de concurso público (art. 11, V, Lei federal n. 8.429/1992).

Daí que é recomendável aos legitimados pela Carta Magna o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, não somente contra o disposto no art. 2º, par. único, da Emenda Constitucional n. 51/2006, pelas inconstitucionalidades apontadas anteriormente, como também contra o capitulado nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Emenda n. 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal, dentre outras agressões ao Texto Fundamental Brasileiro, por causa da violência cometida contra o art. 37, II, da Constituição Federal de 1988.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A situação jurídica dos agentes comunitários de saúde, agentes de combate a endemias e outros.: Inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da EC nº 51/2006, e do art. 2º, caput e §§ 1º e 2º, Emenda nº 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2084, 16 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12468. Acesso em: 25 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos