6 EVENTUAL OPOSIÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA À AJV PODERIA SER VISTA COMO CORPORATIVISMO?
Alguns podem entender que eventual posicionamento contrário dos Defensores Públicos à Resolução 62/2009-CNJ constituiria simples corporativismo por parte dos mesmos, argumento que, consoante se demonstrou, não prospera, posto que tal ato normativo não usurpa apenas as funções da Defensoria Pública, mas do próprio Poder Legislativo.
O que não se pode aceitar é que a culpa pela situação calamitosa da assistência jurídica no país, bem como pelo caótico sistema carcerário brasileiro, que é apresentado como justificativa para a edição da malsinada resolução, seja atribuída, ainda que à sorrelfa, exclusivamente à Defensoria Pública, a qual possui um orçamento anão se comparado ao do Poder Judiciário ou ao do Ministério Público.
Notório que esta conjuntura se deve muito mais ao número insuficiente de juízes, o que torna o processo penal quase interminável, levando muitas vezes presos provisórios a praticamente cumprirem toda a pena a que seriam condenados, ou boa parte da mesma, antes mesmo de qualquer condenação em definitivo.
Além disso, a própria legislação processual penal brasileira colabora para que um elevado número de presos provisórios se amontoe nas cadeias e penitenciários do país, visto não estabelecer tempo máximo para cumprimento da prisão preventiva, por exemplo, de modo que a segregação do acusado, que deveria ter natureza cautelar e efêmera, somente para instrumentalizar a persecução criminal, acaba se tornando definitiva, enquanto o processo se estende por longos anos sem solução definitiva, contrariando o direito do acusado de ser julgado num tempo razoável, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição.
O pior é que o ônus pela demora do processo, de responsabilidade do Estado, é carreado ao próprio acusado, que permanece preso provisoriamente, sem prazo para ser libertado e sem saber quando seu processo chegará ao final.
Ainda, e neste ponto o CNJ não tocou ao editar a resolução apreciada, não se pode olvidar da existência dos "juízes ativistas". São aqueles que, frustrados pela ineficácia do sistema penal como um todo, assolados pela sensação de impunidade, assumem para si a tarefa de afastar do meio social, a qualquer custo, ainda que sem fundamentos concretos nos autos, os acusados que, ao seu exclusivo alvedrio, e antes de condenação definitiva, não podem permanecer livres.
Prisões cautelares desnecessárias, que somente são desfeitas pelas cortes superiores, após anos de tramitação de recursos e habeas corpus por todas as instâncias judiciais - pelo menos para os cidadãos que não são banqueiros.
Disso o CNJ não tratou. Significaria interferir na atividade jurisdicional dos magistrados, que têm independência funcional garantida pela Constituição.
CONCLUSÕES
Do que acima se expôs, algumas conclusões devem ser realçadas:
1.O CNJ, importante órgão de fiscalização, controle administrativo e funcional dos juízes, transbordou dos limites constitucionalmente impostos à sua atuação, vulnerando o princípio da harmonia e separação dos poderes (art. 2º da CF/88), assim como o disposto nos artigos 5º, LXXIV e 134 da CF/88, no que se refere à atribuição constitucional à Defensoria Pública para a prestação de assistência jurídica integral aos necessitados;
2.Não fosse a inconstitucionalidade da resolução acima demonstrada, a operacionalização da AJV se mostra de duvidosa qualidade e apresenta problemas no que pertine à efetiva fiscalização da atividade dos profissionais e estudantes que efetivamente a prestarão à população carente e à preservação dos direitos dos assistidos;
3.É lamentável que a Defensoria Pública, seja por seus órgãos de cúpula, ou pelas associações de âmbito nacional que representam os defensores públicos, em todos os níveis, estadual/distrital e federal, não tenha se oposto formalmente, até o momento, à maneira como fora instituída a AJV, perdendo mais uma vez a chance de exigir do Estado, ainda que jurisdicionalmente (art. 103, inciso IX da CF) - não de suplicar - o reconhecimento de suas prerrogativas constitucionais e de honrar o papel que a Constituição lhe reservou com exclusividade, qual seja, curar pela observância dos direitos dos cidadãos necessitados, os maiores prejudicados pela implantação de um modelo híbrido e, portanto, inconstitucional de prestação de assistência judiciária gratuita, visto que o modelo engendrado pelo Constituinte Originário fora o de staff, a ser operacionalizado exclusivamente por defensores públicos concursados;
4.Resta saber se o Ministério Público, responsável pela defesa da ordem jurídica e que tem como uma de suas funções institucionais promover a ação de inconstitucionalidade, nos termos da Constituição (arts. 127 caput e 129, inciso IV), manterá a tradição que vem sendo observada no cenário jurídico nacional, de ser independente e firme no cumprimento de sua missão institucional, propondo a medida judicial necessária, junto ao STF para expurgar do ordenamento jurídico a inconstitucional Resolução 62/2009 do CNJ.
BIBLIOGRAFIA
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