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Princípio da insignificância e Justiça Militar

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18/03/2009 às 00:00
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6. O Princípio da Insignificância e o Superior Tribunal de Justiça

Em um cotejo desta Corte com a anteriormente verificada, mormente quanto ao Princípio ora estudado e especificamente com relação à conduta de porte de entorpecente no interior de quartel e de peculato, nota-se que para aquela o fundamento da afastabilidade da causa supra-legal de excludente de tipicidade é o mesmo; porém com relação ao peculato houve certa divergência.

Para o porte de entorpecente, caminha este Tribunal pela seara de que independe da quantidade de substância para configurar o tipo, uma vez se trata de crime de perigo, não sendo aceita, portanto, a idéia de que seja uma conduta insignificante para o Direito Penal. (HC 81.734/PR - Relator: Mininstro Sydney Sanches, 26/03/2002)

De outra forma, não houve o mesmo entendimento no que concerne ao fundamento da negação do pedido de reconhecimento do aludido Princípio com relação ao crime de peculato. No RESP 69.6985, de 07/04/2005, de Relatoria do Min. Hamilton Carvalhido, uma justificativa para se afastar a incidência do Princípio da Insignificância foi o fato de que esta conduta ataca "o interesse do Estado, a moralidade, a probidade administrativa, sendo de menor relevância o valor do bem desviado". Observe que no acórdão proferido pelo STM, estudado acima, o fundamento da aceitação foi justamente o valor da res furtiva, o que não aconteceu aqui, ou seja, o STJ permeou pela necessidade de se avaliar a lesão verificada não sob o ponto de vista patrimonial, mas ligada aos valores ético-morais inerentes à Administração Pública.


7. O Princípio da Insignificância e o Supremo Tribunal Federal

O STF já acenou para a aceitação deste Princípio da Insignificância em situações que não aquelas expressas no Código Penal Militar. Assim o fez no recente HC 92.961/SP (11/12/2007), cujo relator foi o Ministro Eros Grau, decidindo-se pela admissão da incidência do Princípio da Insignificância no caso em que um militar do Exército fora flagrado, dentro do quartel, fumando um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. Os fundamentos da aplicação deste Princípio permearam no sentido de que o militar atendia aos quesitos de natureza objetiva autorizadores da aplicação deste instituto (i. a mínima ofensividade da conduta, ii. a ausência de periculosidade social da ação, iii. o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e iv. a inexpressividade da lesão jurídica), bem como em virtude da dignidade da pessoa humana. Assim, no caso concreto, o eminente Ministro fez um cotejo com a atual legislação de entorpecentes (Lei nº 11.343/2006) no sentido de que esta trata o usuário de forma diferenciada em relação ao traficante e é merecedor de tratamento e não de pena; entendeu não haver justificativas para tratar de outra forma o militar que não chegou a lesar os valores da caserna, mas que deve ser recuperado do vício das drogas e, por fim, que a citada lei é mais benéfica e que o a dignidade da pessoa humana está acima dos valores militares in tese afrontados (Disciplina e Hierarquia). Norteou-se este Tribunal pela negação de que somente a adequação (subsunção) da conduta à letra da lei seria suficiente para a caracterização do crime, ou seja, "a tipicidade penal não pode ser compreendida como mera adequação do fato concreto à norma abstrata".

Outra decisão interessante e que chama a atenção foi a proferida por ocasião do HC 92.910/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello (20/11/2007), em que foi deferido habeas corpus em favor de um Cabo da Marinha que teria cometido o crime de abandono de posto (art. 195, CPM) ao se afastar por algumas horas de seu posto de serviço (vigiava uma bomba de gasolina trancada com cadeado) para socorrer seu filho que fora internado, em caráter de urgência, para retirada de um rim. Em uma primeira leitura, identifica-se uma excludente de ilicitude, qual seja o estado de necessidade; porém, além desta fundamentação, também o Ministro da Suprema Corte brasileira admitiu a existência do Princípio da Insignificância "ante o reduzido grau de reprovabilidade da conduta e considerando seus motivos determinantes". Interessante observar que além de não existir expressa previsão para a aplicação do instituto bagatelar a este tipo penal, também se trata de um crime propriamente militar, ou seja, que só tem previsão no Código Penal Militar, devendo ser considerada tal decisão como mais uma novidade para a justiça castrense, pois até então não havia sido aplicado este Princípio em crimes desta natureza.

Nota-se uma mudança de postura judicial, em que a Corte Suprema já reconhece a incidência do Princípio em estudo para situações que até então não se aceitava, em um claro sinal de que a visão sobre os acontecimentos mudam conforme o dinamismo da sociedade.


8. Conclusão

A partir das análises aqui realizadas, situamo-nos em que sentido alguns tribunais têm se posicionado com relação ao tema. Naturalmente que a pretensão não foi a de afirmar através dos acórdãos mencionados que se trata da postura de todo o tribunal, mas sim de mostrar os fundamentos da aceitação ou não do Princípio em estudo. E serão exatamente estes fundamentos que fortalecerão uma ou outra tese quando se estiver diante de uma circunstância desta natureza.

Verifica-se o quão complexo é o assunto e não existe um padrão de juízo. Cabe sim, mais uma vez, realizar uma averiguação no caso concreto a partir dos conceitos atinentes e concluir pela viabilidade ou não da incidência desta causa supra-legal de exclusão de tipicidade.

Restou claro que o Código Penal Militar, diploma do final da década de 60, demonstrou-se bastante avançado ao prever a possibilidade da aplicação do Princípio da Insignificância em algumas situações já naquela época, possibilidade esta que somente nos dias de hoje tem ganhado considerável espaço na discussão acadêmica, doutrinária e jurisprudencial relativamente aos crimes comuns. Por outro lado, o âmbito de aplicação deste instituto na justiça castrense parece estar limitado, o que não se coaduna com os fundamentos de sua aceitação, quais sejam os Princípios Gerais de Direito.

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Desta forma, o Direito Penal é um todo, tendo suas divisões apenas um aspecto "didático" voltado para a organização e otimização da justiça. Aquilo que é aceitável em um ramo do Direito Penal, não pode ser simplesmente ignorado, refutado em outro, sob pena de se ferir diversos princípios reitores e a própria razão de ser do Direito.

Não é demais afirmar que os operadores do Direito Penal Militar não devem se isolar em entendimentos de repulsa deste instituto a partir de argumentos sem uma sólida base diante dos fundamentos que asseguram sua existência. A sociedade é dinâmica. Os fatos são dinâmicos e o entendimento sobre eles também se alteram. Neste passo, o Direito também deve acompanhar este dinamismo e se "modernizar" conforme as necessidades. Se os tribunais superiores têm entendido - a partir de razões, sobretudo, de política criminal – que o Princípio da Insignificância tem aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico, por quais motivos não se deveria reavaliar o juízo de admissibilidade no Direito Penal Militar afora os casos expressamente previstos na lei? Pensar diferente disto seria caminhar na direção contrária ao próprio Direito.

Há que se entender que a mínima aplicação do Direito Penal visa justamente a sua efetiva aplicação, ou seja, ao se reservar este ramo do Direito para questões mais sérias (para as quais outro ramo não foi o bastante), tem se promovido a sua preservação e, consequentemente, garantido sua credibilidade perante a sociedade, não devendo ser diferente no âmbito da Justiça Militar, sendo, aqui, oportuna a lição de Ronaldo João Roth "(....) esse procedimento indicado trará um aperfeiçoamento ao serviço de Polícia Judiciária Militar e levará a autoridade militar a não deixar de aplicar o Regulamento Disciplinar, quando for o caso, deixando a aplicação do Direito Penal Militar somente quando as medidas previstas no Diploma Administrativo Disciplinar não forem suficientes para reprimir o fato com proporcionalidade da sanção adequada". [16]

Se o receio da não aplicabilidade deste instituto é que se deixaria de tutelar a Disciplina e a Hierarquia, cumpre ressaltar que os valores militares não serão afrontados, pois não se fala em impunidade, pelo contrário, nas instituições militares há uma ferramenta bastante eficaz que é o Regulamento Disciplinar capaz de dar cabo a qualquer conduta que venha a afrontar os princípios castrenses, culminando na demissão ou na expulsão daquele que por ventura destoar do que se espera de um verdadeiro militar. Neste sentido, o Ministro Eros Grau justificou a aplicação do Princípio da Insignificância no HC 92.961/SP (estudado acima) com o argumento de que "... o paciente foi punido com a exclusão das fileiras do Exército, o que já é suficiente para que restem preservadas a disciplina e a hierarquia militares, o que se há de ter como indispensável ao regular funcionamento de qualquer instituição militar".

Conclusivamente, o que se buscou neste trabalho foi uma reflexão sobre o tema a partir do apresentado, escrito e decidido hodiernamente no mundo jurídico pelos mais ilustres operadores do direito, fato este que desautoriza o distanciamento e o isolamento do Direito Penal Militar relativamente aos demais ramos, em uma espécie de mundo próprio.


BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Jorge César de, Comentários ao Código Penal Militar (Parte Geral). 3. ed. Curitiba: Juruá, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto e MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria do delito. São Paulo: Saraiva, 2000.

GOMES, Luiz Flávio, O princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

HULSMAN, Louk e CELIS, Jacqueline Bernat de, Penas perdidas. O sistema penal em questão. Trad. Maria Lúcia Karan. Niterói: Luam Editora, 1993.

NEVES, Cícero Robson Coimbra e STREIFINGER, Marcelo, Apontamentos de direito penal militar. Volume 1 (Parte Geral). São Paulo: Saraiva, 2005.

QUEIROZ, Paulo de Souza, Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

REALE, Miguel, Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes, ABC do direito penal. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunas, 2001.

ROTH, Ronaldo João, Temas de direito militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004.

ROXIN, Claus, Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

TOLEDO, Francisco de Assis, Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994 (13ª Tiragem, 2007).


Notas

  1. O Movimento Abolicionista tem como expoente maior o professor holandês Louk Hulsman.
  2. Cf. Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis, Penas Perdidas, p. 65.
  3. Cf.: Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos de direito penal, p. 133.
  4. Cf. Cezar Roberto Bitencourt e Francisco Muñoz Conde, Teoria Geral do Delito, p.163.
  5. Cf. Luiz Flávio Gomes, Princípio da Ofensividade no Direito Penal, p. 60. O autor destaca que "(...) Nisso se esgotava o juízo de tipicidade. Mas esta construção é incompleta e exageradamente formalista. Só se preocupa com a subsunção formal da conduta à letra da lei (...)".
  6. "(...) cada hora de labor da Polícia, do Ministério Público, Tribunal e das Autoridades Penitenciárias afastada dos domínios marginais do direito criminal é uma hora retirada à prevenção da criminalidade séria". Cf. Paulo de Souza Queiroz, Do Caráter Subsidiário do Direito Pena. p. 100.
  7. Idem.
  8. Cf.: Cícero Coimbra Neves e Marcelo Streifinger, Apontamentos de Direito Penal Militar, p. 43.
  9. Cf. Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 319.
  10. "A autoridade militar, valorando que o fato constitui-se de um delito de bagatela ou insignificante, considerando os fatores já comentados, e antevendo que aquele mesmo fato analisado poderá ser objeto de desclassificação pelo juiz, reconhecendo-o como infração disciplinar, por ser o mesmo uma ninharia ou não representar qualquer lesividade, poderá, ao invés de instaurar o IPM, adotar de pronto o procedimento administrativo mais adequado e chegar à repressão do ocorrido, se for o caso, em sede disciplinar". Cf.: Ronaldo João Roth, op. cit., p. 117.
  11. Ao se fazer um estudo dos tipos penais previstos no Código Penal Militar, pode ser verificado que outros artigos permitem a aplicação do mesmo dispositivo dos §1º e 2º do art. 240, ou seja, existem algumas condutas que o legislador permite a mitigação da pena, chegando ao ponto de a infração poder ser desclassificada de penal para administrativa. É o caso dos artigos 240, §4º (furto qualificado por ser praticado durante a noite) e §5º (coisa furtada pertencente à Fazenda Pública); 248 e 249 (apropriação indébita simples e de coisa havida acidentalmente); 251 (estelionato) e 252 (abuso de pessoa); 254 (receptação); 260 (dano atenuado); 313 (cheque sem fundo). Teria também para estas situações o legislador autorizado a aplicação do Princípio da Insignificância? Parece não existir dúvida no sentido afirmativo.
  12. Cf.: Ronaldo João Roth, op. cit., p. 117.
  13. Cf.: Art. 42, CF: "Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina..."
  14. Assim, são princípios que tem ligação com o da Proporcionalidade: a) Princípio da Reserva Legal, art. 5º II, b) Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, art. 5º, XXXV, c) Princípio da Cidadania, art. 1º, II, d) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, art 1º, III, dentre outros.
  15. Cf.: Acórdão Num: 2000.01.006701-4 UF: AM, Relator: José Sampaio Maia, in www.stm.gov.br, acesso em 22/09/2007.
  16. Cf.: Ronaldo João Roth, op. cit., p. 118.
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Sobre o autor
Valdinei Arcanjo da Silva

1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Valdinei Arcanjo. Princípio da insignificância e Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2086, 18 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12488. Acesso em: 22 nov. 2024.

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