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Tutelas de urgência em sede de ação civil pública.

A busca pela efetividade na jurisdição coletiva

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31/03/2009 às 00:00
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3 TUTELAS DE URGÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É certo e incontroverso que, na proteção da cidadania, a ACP tende a evitar condutas desregradas, nocivas à coletividade, criando um clima favorável à paz entre os homens e na sociedade, gerando a satisfação de interesses transindividuais.

Afigura-se necessário, então, de forma quase intuitiva, que sejam implementados mecanismos eficientes, ágeis e diferenciados para possibilitar a proteção efetiva de tais interesses.

Com esse espírito, buscando disponibilizar instrumentos hábeis para garantir a concessão de provimentos úteis e eficazes, o legislador reconheceu a possibilidade de tutelas de urgência na jurisdição coletiva (arts. 4º e 12, LACP), salvaguardando-a contra os nefastos efeitos que o passar do tempo pode ocasionar no processo e no bem da vida protegido.

É que "já se percebeu ser o tempo um inimigo voraz e implacável do processo, contra o qual se deve lutar de modo obstinado", tal como afirmado por José Rogério Cruz e Tucci (1998, p. 119), com vistas a resguardar a integridade da relação jurídica de direito material (evitando que o bem jurídico tutelado pereça ou deteriore) e o próprio processo (não permitindo que seja questionada a sua credibilidade).

Por isso, incorporando idéias que norteiam os mais avançados ordenamentos – preconizadas até mesmo pela Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), que incluiu dentre as garantias humanas o julgamento de processo em prazo razoável – a ação civil pública conta com mecanismos eficientes para evitar os nocivos efeitos do tempo, dando-lhe feição de instrumento de efetividade processual.

Mas não é só. Além da possibilidade de concessão dos provimentos de urgência contemplados na Lei nº 7.347/85 (arts. 4º e 12, medidas cautelares e liminares), é de se admitir, outrossim, na jurisdição coletiva a concessão do provimento emergencial previsto no CPC, art. 273, medidas antecipatórias dos efeitos da decisão de mérito, cuja aplicação subsidiária se dá em consonância com o que determina o pré-falado art.19, LACP. Nessa esteira, Rodolfo de Camargo Mancuso (2002, p. 94) assevera que a "antecipação dos efeitos da tutela é de ser aplicada à ação civil pública".

Nesta linha de raciocínio, com o escopo de garantir a efetividade, celeridade e a própria instrumentalidade do processo, fazendo com que a decisão a ser concedida possa alcançar os efeitos a que se propõe, é possível na, Ação Civil Pública, três diferentes espécies de provimentos emergenciais: medidas cautelares (art.4º), liminares na ação principal (art.12) e antecipação dos efeitos da tutela de mérito (art.273 do CPC subsidiário).

No mesmo sentido, vale os ensinamentos de Marcelo Buzaglo Dantas (2005, p. 385) no que diz respeito aos provimentos de urgência na lides ambientais, que se aplicam também na tutela jurisdicional de outros interesses coletivos:

"De fato, tem-se, no ordenamento jurídico processual pátrio, o seguinte quadro de medidas urgentes aplicáveis à tutela coletiva-ambiental: a) medida cautelar, que visa a garantir a satisfação da pretensão de direito material que será (ou já está sendo) discutida em outro processo, este chamado de principal, variado-se conforme se trate de cautela preparatória ou requerida ‘incidenter tantum’; b) medida antecipatória do ‘meritum causae’, que consiste na entrega, ao autor, do próprio bem da vida que ele busca com o julgamento definitivamente da causa; c) medida liminar, que corresponde ao adiantamento da prestação jurisdicional postulada, seja qual for a natureza em que ela se apresente (acautelatória ou satisfativa), a qual, em vez de ser concedida com o trânsito em julgado da sentença de procedência, é deferida ‘initio litis’"

Com efeito, a possibilidade de tutela de urgência em ação civil pública apenas serve como efetiva garantia do pleno exercício da cidadania, evitando que a dignidade humana continue violada enquanto tramita o processo coletivo. Até porque, em última análise, atenta a decisão judicial tardia contra as garantias individuais e coletivas traçadas no plano constitucional e infraconstitucional, tornando-as letra morta.

3.1 Tutela cautelar em ação civil pública.

Disponibilizada pela ordem jurídica processual para servir à prevenção, contando, a um só tempo, com as funções do processo cognitivo e de execução, a tutela cautelar, no dizer de Humberto Theodoro Júnior (1998, p. 43), "dirige-se à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e de execução".

Nas palavras de Francesco Carnelutti, trata-se, pois, de:

"(...) processo duplamente instrumental ou instrumental ao quadrado, eis que sua finalidade é assegurar o resultado útil futuro de outro processo (de conhecimento ou de execução), que, por seu turno, tem o fito de assegurar o direito material correspondente." (CARNELUTTI, apud THEODORO JÚNIOR, op. cit. p. 61)

No mesmo sentido, caminha a posição de nossa jurisprudência, como ressalta o seguinte arresto:

"Não têm as medidas cautelares a função de proteger o direito da parte, mas, tão-só, de garantir a eficácia e a utilidade do processo principal ante a iminência de situação de perigo ou risco da parte que venha a sair vitoriosa no julgamento da lide." (STJ, Ac.unân.3ªT., Pet.324-0/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, v.u., DJU 16.11.92, p.21132).

Aliás, vale lembrar, com Victor Alberto Azi Bomfim Marins (2001, p. 95), que:

"as medidas cautelares protegem não só a eficácia da sentença do processo principal, especificamente considerada, mas os vários elementos integrantes do processo, como as partes, o direito afirmado, a produção da prova, os bens, o processo propriamente dito (em caso de perigo por causa de retenção indevida ou extravio de autos)".

Nessa ordem de idéias, a partir do art. 798 do CPC, é mister salientar que a concessão de medidas cautelares está submetida à presença de elementos mínimos, sintetizados no fumus boni iuris e do periculum in mora. Aquele (a fumaça do bom direito) é a tutelabilidade em abstrato do direito alegado, a plausibilidade das alegações vestibulares da parte. Enfim, é a existência provável do direito afirmado. Este (o perigo da demora) consubstancia-se na possibilidade de perda ou privação de um bem jurídico ou interesse por conta do passar do tempo.

Transportando essas idéias gerais para o plano da jurisdição coletiva, tem-se a plena possibilidade de ação cautelar, preparatória ou incidental à ACP, quando houver fundado receio de que, antes do julgamento da lide, possa restar frustrada a efetividade do provimento de fundo, meritório, a ser concedido, ao final. Basta conferir os dispostos no art. 4°, da LACP, e no art. 19, no mesmo dispositivo legal, que faz menção à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Vale dizer, é cabível tutela cautelar em ACP sempre que se apresentar necessário resguardar o objeto útil futuro. Em outras palavras, quando for necessário assegurar o objeto do litígio, impedindo que o tempo desnature ou faça perecer o bem da vida (coletivo) que se resguarda.

Averbe-se, por oportuno, que estão legitimados para a ação cautelar os mesmos co-legitimados (MP, entes públicos e associações) para a principal, como reza o art.5º da LACP.

3.2 Liminar em ação civil pública.

Além de expressamente autorizar o uso das cautelares na tutela coletiva, o legislador autorizou, outrossim, a concessão de mandados liminares tanto na ACP, quanto na cautelar (preparatória ou incidental) da ACP.

Sem dúvida, "trata-se de providência de cunho emergencial, que tem por objetivo salvaguardar a eficácia da decisão definitiva", como esclarece João Batista de Almeida (2001, p. 121).

Registre-se, por oportuno, que a liminar concedida em ação principal tem, induvidosamente, natureza antecipatória, constituindo-se, com efeito, em verdadeira antecipação da tutela jurisdicional a ser concedida na sentença, submetida a requisitos específicos, distintos (mais brandos) do que aqueles previstos no texto processual geral (art. 273, CPC).

A liminar em ACP não se trata, pois, de um provimento próprio, autônomo, senão de um provimento antecipatório concedido no limiar do processo, com requisitos específicos. A expressão medida liminar em ACP apenas significa, portanto, que a providência está sendo concedida de plano, in limite litis, antecipando o provimento meritório.

Com raciocino semelhante, Rodolfo de Camargo Mancuso (2002, p. 179), com total acerto, esclarece que:

"(...) a liminar, em certos casos, pode se apresentar sob color de antecipação de tutela, incidente ao início da lide, como o nome já o indica, podendo apresentar índole executiva, como se dá nas liminares em mandado de segurança e nas possessórias"

Comungando, também, desse posicionamento, José Marcelo Menezes Vigliar (1999, p. 71), com precisão cirúrgica, dispara que a liminar da ACP "constitui uma inequívoca modalidade de antecipação de tutela, com requisitos diversos daqueles exigidos pelo atual art.273 do Código de Processo Civil".

Ou seja, a "liminar" é, na verdade, uma antecipação de tutela específica, prevista em lei, a ser concedida initio litis, no limiar do processo, com ou sem justificação prévia, visando entregar de logo o provimento que só se obteria ao final, por conta da grande probabilidade do autor ser considerado vencedor na sentença.

Tem o fito de evitar grave prejuízo ao autor, por conta do passar do tempo, antecipando-lhe logo o provimento. Trata-se, pelo fio do raciocínio trilhado, de tutela de urgência específica, imaginada na LACP, com a nítida intenção de permitir uma tutela mais segura e firme ao direito material.

É que, antes da introdução do instituto da tutela antecipada no direito brasileiro, em 1994, já se tinha percebido a necessidade de combater os malévolos efeitos do tempo sobre o processo e sobre o próprio bem jurídico tutelado. Assim, diversos dispositivos legais foram autorizando a concessão de liminares, antecipando o provimento que somente se alcançaria no final do processo, como é o exemplo do mandado de segurança, dos alimentos, das possessórias.

Não se confunde com a cautelar (que tem função preventiva, assecuratória), nem tampouco com a própria tutela antecipada genérica (art. 273 do CPC, que se submete a requisitos distintos, mais robustos), muito embora tenha função antecipatória, pois serve para trazer para o presente um provimento que somente seria concedido no futuro, entregando-o à parte.

Por óbvio, nas ACP’s, as liminares assumem feição extremamente relevante, dada a importância e dimensão do bem jurídico protegido.

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Ademais, note-se que não concedido o provimento initio litis, a partir dali já não mais se tratará de liminar, mas, verdadeiramente, da antecipação de tutela genérica, consoante as latitudes do art. 273 do Código Instrumental, submetida à comprovação dos respectivos requisitos. É que perdido o caráter inicial, não mais se justifica a liminar, passando a ser possível a tutela antecipatória genérica da lei processual.

Ainda, Sérgio Ferraz (2005, p. 571 e 572) traz mais uma característica desta tutela de urgência, qual o fato de poder vir acompanhada de astreinte de cunho pecuniário, para forçar o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, deferida initio litis:

"Impende destacar, como peculiaridade da liminar, na ação civil pública, o fato de poder ela vir cumulada com apenação pecuniária constritiva de seu acatamento (art. 12, §2°), pena essa autônoma, relativamente à multa análoga que a sentença poderá vir a impor (art. 11). Mesmo a multa liminar, entretanto, só é exigível a partir do trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, conquanto devida desde o dia do descumprimento".

Por derradeiro, não é despiciendo uma breve referência à flagrante inconstitucionalidade de todo e qualquer dispositivo legal (como se vê nas Leis nº 8.437/92 e 9.494/97) que vede ou dificulte a concessão de provimentos liminar, uma vez que a tutela liminar é estabelecida na Constituição Federal, ex vi do inciso XXXV do art. 5°.

Para Sérgio Ferraz (2005, p. 570), a inconstitucionalidade deriva do fato de não se tratar a liminar de:

"provimento excepcional, a ser restritivamente examinado e concedido. Ou seja, a liminar não é uma exceção do due process of law. Pelo contrário: ela constitui uma etapa naturalmente integrante do devido processo legal da ação civil pública".

3.3 Antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional em ação civil pública.

Como se pode notar, há possibilidade de concessão de cautelares em Ação Civil Pública (art. 4º, LACP) – com fito assecuratório apenas – e de provimentos liminares (art. 12, LACP), initio litis, com nítida feição antecipatória, funcionando como uma antecipação especial da tutela, atendidos requisitos específicos. No entanto, nenhuma das hipóteses afasta o cabimento da antecipação de tutela genérica, contemplada no art. 273 do CPC, aplicável subsidiariamente nas ACP’s, ex vi do disposto no art.19 da LACP.

Ademais, §3º do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, também possibilita o emprego de tal instituto na Ação Civil Pública, vejamos:

"Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

O instituto da tutela antecipada está relacionada com a busca pela efetividade do processo. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni (1995, p. 36) comenta que:

"A busca de uma tutela mais rápida se dá em homenagem à efetividade do direito de ação. Mas se falamos em efetividade do direito de ação para indicar a necessidade de efetividade da tutela dos direitos, queremos também deixar claro que a morosidade do processo é fator potencializador das disparidades entre as partes. (...) A demora do processo coloca em risco importantes mecanismos da democracia participativa".

Obviamente, para a concessão de tutela antecipada em ACP não são suficientes os requisitos necessários para a concessão de provimentos liminares, initio litis. Com efeito, é mister que estejam presentes os robustos requisitos exigidos legais: prova inequívoca, verossimilhança da alegação, inexistência de perigo de irreversibilidade do provimento a ser concedido e, finalmente, um dos requisitos alternativos, receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso do direito de defesa.

Sobre a aplicação da tutela antecipada na ação civil pública, enfatiza Lúcia Valle Figueiredo:

"Deverá o magistrado, pela prova já trazida nos autos, no momento da concessão da tutela, estar convencido de que – ao que tudo indica – o autor tem razão e a procrastinação do feito ou sua delonga normal poderia por em risco o bem da vida pretendido – dano irreparável ou de difícil reparação. A irreparabilidade do dano na ação civil pública é manifesta, na hipótese de procedência da ação. A volta ao ‘statu quo ante’ é praticamente impossível e o ‘fluid recovery’ não será suficiente a elidir o dano. Mister também salientar que os valores envolvidos na ação civil pública têm abrigo constitucional. A lesão a ditos valores será sempre irreparável (danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores histórico, turístico e paisagístico) " (FIGUEIREDO apud MANCUSO, 2002, p. 94)

Lembre-se, ademais, que a tutela antecipada – tal qual, o provimento liminar – dependerá de expresso requerimento da parte interessada, sendo vedada a concessão ex officio, estando vinculada a sua concessão aos limites do pedido formulado.

Ainda, segundo leciona Sérgio Ferraz (2005, p. 572), a tutela antecipada possui uma superioridade, em termos de conveniência para o interesse público, sobre os outros dois provimentos antecipatórios anteriormente analisados, por possuir as seguintes características:

"a) constituindo-se o pronunciamento em antecipação da tutela final, a partir dele podem ser adotadas providências bem mais consistentes do que aquelas ensejadas por uma decisão cautelar ou liminar (desde que não se atinja o nível da irreversibilidade). Pense-se, por exemplo, em ação civil pública voltada à cessação de uma atividade de desmatamento de uma floresta de preservação permanente, na qual se busque, também, a imposição de uma obrigação de replantio. A execução desta, por força da tutela antecipada, gozará de uma feição de utilidade bem mais estável do que a tutela de efeitos idênticos que se obtivesse por liminar (na própria ação civil pública ou em cautelar a ela conectada) ou em medida cautelar; b) a inexigibilidade de caução, que, em certos casos de ação civil pública, pode significar ônus considerável ou até mesmo fator impeditivo da efetivação da tutela antecipada."

De qualquer sorte, não se pode mais olvidar a incidência do §7º do art. 273, CPC, com a redação que lhe foi emprestada pela Lei nº 10.444/02, autorizando o juiz a deferir medida cautelar quando erroneamente pleiteada a título de antecipação de tutela, desde que presentes os pressupostos específicos.

Anote-se, por fim, a possibilidade de sua concessão no todo ou em parte, através de decisão motivada, que resultará em execução provisória.

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Sobre o autor
Marcelo Lima Nunes

Promotor de Justiça no Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Marcelo Lima. Tutelas de urgência em sede de ação civil pública.: A busca pela efetividade na jurisdição coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2099, 31 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12512. Acesso em: 18 abr. 2024.

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