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Alemão: o "novo latim" para os juristas brasileiros?

29/03/2009 às 00:00
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A língua alemã há muito consiste em ferramenta de trabalho essencial para acadêmicos e profissionais do direito no Brasil, especialmente nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro que demandam qualificação constante de mão de obra para atuar não só nos escritórios e firmas internacionais, como também nas universidades e centros de pesquisa. Muitas dessas instituições possuem fortes vínculos institucionais com a Alemanha - funcionários e sócios alemães – isto quando não são filiais de grandes multinacionais alemãs no Brasil. São Paulo, por exemplo, é a cidade com maior número de empresas de origem alemã no mundo1, fato que eleva o Brasil a condição de parceiro fundamental da Alemanha no continente, o que foi comprovado pela visita recente da Primeira Ministra alemã, Angela Merkel, ao Brasil.

A compreensão do idioma, portanto, afigura-se não somente como uma forma de se destacar em um meio excessivamente concorrido, como permite àqueles que se submetem a seu árduo aprendizado, acesso a bibliografia vastíssima disponível, muitas vezes, apenas no original, sobretudo na caso específico dos acadêmicos de direito. A doutrina e a jurisprudência alemã possuem forte aceitação no Brasil, e esta tendência deve somente crescer, em virtude do número considerável de estudantes que recorrem aos cursos de pós-graduação na Alemanha. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Gilmar Mendes, é um "produto" dessa forte influência do pensamento tedesco no Brasil. Doutor pela Universidade de Münster, o ministro não se furta de utilizar nos seus acórdãos termos e expressões em alemão, uma tendência que tem se mostrado crescente na literatura jurídica brasileira, por vezes de forma bastante impertinente e inadequada. Esse fato não passou despercebido ao olhos críticos de Virgílio Afonso da Silva que em Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodológico aponta em diversos trechos a atitude daqueles que adaptam, irrefletidamente, teorias estrangeiras a situações pouco ou nada semelhantes aquelas do país aos quais elas são emprestadas. Significativamente, ele afirma que "não se pode querer fazer direito constitucional alemão no Brasil"2. Não surpreendentemente, o próprio Virgílio Afonso freqüentou os bancos de universidades alemãs (realizou doutoramento na Universidade de Kiel, sob a orientação do expoente em direitos fundamentais Robert Alexy).

Frente a essas informações, poderia ser a língua alemã, em certo sentido, considerada o "novo latim" no universo jurídico? Essa questão que a primeira vista, pode parecer tola ou infantil, uma vez que o latim persiste como uma língua essencialmente relacionada ao direito, tem a sua razão de ser, quando se dá conta da importância que as instituições de ensino superior, a exemplo da Universidade de São Paulo, vem atribuindo ao idioma de Goethe e Schiller (ou melhor de Hans Kelsen e Herman Heller) na formação de seus bacharéis. Recentemente, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco estabeleceu curso de alemão jurídico para seus alunos de graduação e pós-graduação, ministrados por professor visitante do Departamento de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD). A Faculdade da Universidade de São Paulo, também, é pioneira no estabelecimento de relações inter-institucionais com a Universidade de Munique, que recebe anualmente estudantes da USP para cursarem durante um ano acadêmico disciplinas jurídicas na capital bávara (uma espécie de antecipação dos créditos referentes ao mestrado na Alemanha).

O alemão pode não ser o "novo latim" para os juristas brasileiros. O latim é indeclinavelmente a língua jurídica por excelência, entranhado que está desde os primórdios romanos do direito. Por outro lado, a importância crescente da língua alemã para as ciências sociais aplicadas, especialmente o direito, é inegável. Nesse sentido, a iniciativa desenvolvida na Universidade de São Paulo, por meio do fortalecimento dos vínculos com instituições germânicas, deveria funcionar como um modelo para outras instituições de ensino superior no Brasil. Naturalmente, não se está querendo "fazer direito alemão no Brasil", nem padecer de um desmedido "deslumbramento" frente ao estrangeiro, termo também utilizado por Virgílio Afonso da Silva, mas, trata-se de propiciar aos alunos dos cursos jurídicos uma formação mais ampla. Nesse sentido, também seria desejável uma maior cooperação das faculdades de direito com as faculdades de letras, permitindo o diálogo interdisciplinar e aproximando cada vez mais o direito do idioma alemão.


Notas

1 Informação do site da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha http://www.ahkbrasil.com/departamentos/departamento.asp?id_departamento=9&cdCAMARA=1

2 SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodológico. In: SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 141.

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Sobre o autor
Antônio Silveira Marques

advogado, mestrando em Direito do Estado/Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, bacharel em direito pela Universidade Estadual do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Antônio Silveira. Alemão: o "novo latim" para os juristas brasileiros?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2097, 29 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12534. Acesso em: 14 nov. 2024.

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