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Suspeição de testemunha no processo trabalhista

19/11/1997 às 00:00
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Têm-se admitido no âmbito do processo trabalhista que pessoas com reclamações ajuizadas contra a empresa demandada por um outro empregado venham a figurar na condição de testemunhas, depondo, não raro, acerca de fatos que, sem sombra de dúvida, as favorecerão na demanda de seu interesse.

Alega-se, para rejeitar eventuais contraditas formuladas, que o fato de estar a testemunha exercitando, em outro processo, o seu direito de ação, como garantia constitucional, não se constituiria em fator impeditivo à sua inclusão, em feito de interesse de outro empregado, como testemunha.

Mas efetivamente poderá uma pessoa nessa condição depor com isenção acerca de fatos respeitantes à postulação deduzida por outro ex-empregado? O exercício inquestionável do seu direito de ação - que não se busca afetar quando se formula a contradita - lhe retira do espírito a animosidade contra a empresa demandada? Não possui ele, nessa situação, o desejo de ver a empresa submetida a mais uma condenação perante a Justiça Obreira?

Tais indagações precisam ser examinadas com maior cuidado de modo a evitar-se o que se tem verificado comumente no âmbito da Justiça do Trabalho, onde pessoas que tenham sido demitidas pela empresa, se revezam nos diversos processos, ora na condição de parte, ora na condição de testemunha, trocando favores uns aos outros e levando à Justiça informações que não se coadunam com a realidade fática.

Merece uma profunda reflexão a questão ora apontada, pois o fato de contraditar-se uma pessoa nessa condição não significa de modo algum que se pretenda obstaculizar o exercício do seu direito constitucional de ação - até porque a formulação da contradita não interferirá na demanda de interesse da testemunha - mas sim visa a por em destaque o fato da existência de um litígio entre ela e a empresa. Busca-se, portanto, evitar que, em decorrência do seu próprio litígio, venha a prestar depoimento viciado, na maioria das vezes comprometido pelo desejo de mostrar que a empresa errou não só em relação ao seu próprio caso, mas também em relação àquele outro no qual passa a figurar como testemunha.

Sem condições de aceitabilidade, portanto, é o depoimento de pessoa que detendo reclamação trabalhista contra a empresa - que se equipara à condição de inimigo capital da parte - vem a ser arrolado como testemunha em outro ou outros feitos proposto contra o mesmo empregador.

Nesse sentido, aliás, é o entendimento que se observa em arestos reiterados, bem representados pelos acórdãos que vão a seguir transcritos:

"4324. Litigância contra o reclamado. O depoimento de testemunha contraditada, sob o argumento de litigar contra o mesmo reclamado, deve ser tomado com reservas, já que, não raro, reclamante e testemunhas são colegas de trabalho e esta detém clara evidência de não prejudicar a pretensão inicial, pois, apesar de a jurisprudência não acolher a contradita sob esse fundamento, há, na prática, uma tendência ao favoritismo por parte da testemunha. Recurso provido. Ac. TRT 10ª Reg. 3ª T (Ac. 0400/94), Rel Juiz Francisco Leocádio, DJ/DF 15/07/94, Jornal Trabalhista, Ano XII, nº 533, p. 1129."

"4322. Testemunha. Suspeição. A testemunha que litiga com a mesma empresa em outro processo não tem a isenção que deverá ter ao testemunhar, considerando-se que tem interesse no desfecho da demanda em que vai depor, podendo, inclusive, daí, obter benefícios. O depoimento de tal testemunha só poderia ser requerido a título de mera informação, o que não ocorreu no presente caso. Embargos acolhidos. Ac. TST SDI (E RR 12195/90.8), Rel. Min. Afonso Celso, DJU 03/12/93, p. 26500."

("Dicionário de Decisões Trabalhistas" - B. Calheiros Bomfim, Silvério dos Santos e Cristina Kaway Stamato - 25ª edição - Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1995 - pág. 740). (Grifou-se).

"2313. Acolhimento de contradita de testemunhas, que têm em curso ação contra a mesma reclamada e com o mesmo objetivo. Inocorrência. Interesse evidente. Suspeição destas caracterizada. Não ocorre cerceamento de defesa quando o juiz acolhe a contradita de testemunhas, se estas, perquiridas a respeito, declaram ter ação em curso contra a mesma reclamada e com o mesmo objeto, pois, em casos que tais, flagrante o seu interesse no sucesso da demanda, o que lhes acarreta a suspeição para depor, consoante a previsão contida no inciso IV do art. 405, do CPC. Ac. TRT 15ª Reg. 5ª T (Ac. 7.288/95), Rel. Juiz Sotero da Silva, DO/SP 22/05/95, Jornal Trabalhista, Ano XII, ny 568, p. 814."

("Dicionário de Decisões Trabalhistas" - B. Calheiros Bomfim, Silvério dos Santos e Cristina Kaway Stamato - 26ª edição - Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1995 - pág. 426). Grifou-se.

Nestes termos, não se pode admitir como totalmente isento o testemunho prestado por pessoa que, como a própria parte, mantém-se em litígio contra a mesma empresa e pretendendo, em regra, a condenação destas em idênticas vantagens.

É completamente equivocado, assim, maxima data venia, entender-se que tal contradita, formulada tempestiva e oportunamente pela parte, visa a impedir ou a afetar de algum modo o direito constitucional de ação da pessoa arrolada como testemunha em processo diverso daquele em que ela deduz a sua pretensão.

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Em tais circunstâncias, forçoso reconhecer-se que a testemunha por maior que seja o seu desejo de narrar fatos com isenção de ânimos e de modo imparcial, jamais poderá deixar completamente de lado e olvidar o seu próprio pedido, até porque se assim o fizer e narrar fatos que se mostrem contrários à sua pretensão, a estará negando e inviabilizando o seu acolhimento.

Outro aspecto de suma importância que não vem sendo considerado, alude ao fato de, em geral, tais pessoas terem o seu contrato de trabalho rescindido por iniciativa da empresa que, rejeitando-as profissionalmente, adotam a postura de simplesmente dispensá-las, acarretando, em conseqüência, a perda do emprego quase sempre necessário à própria subsistência. Ora, numa situação como esta, poderá admitir-se total e completa isenção de ânimos do trabalhador rejeitado pela empresa contra quem demanda? Óbvio que não.

A ficção jurídica criada de modo inexplicável e em prejuízo das próprias instituições jurídicas não pode e não deve se sobrepor e se distanciar do aspecto humano, pena de ver-se afetado e questionado o conteúdo da decisão que, baseada em prova colhida nesses moldes, apenas contribuirá para um desprestígio e desrespeito da nobre e indispensável função judicante.

Ante tais considerações, e sendo arrolada no processo trabalhista pessoa que mantém contra a mesma empresa demanda judicial, forçoso reconhecer-se a sua suspeição, já que equiparada estará ao inimigo capital da parte, nos moldes estatuídos pelo art. 405, § 3º, IV, do Código de Processo Civil.

Em assim sendo, impõe-se uma reavaliação das decisões que, a partir de contraditas formuladas oportunamente, as inadmitem por entender, de modo equivocado, que acolhê-las significaria negar o exercício do direito constitucional de ação, direito esse que sequer será afetado.

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Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Suspeição de testemunha no processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1255. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Publicado no Correio Braziliense, suplemento Direito & Justiça, de 6 de outubro de 1997

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