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Arquivamento de reclamação de rito ordinário quando o pedido é ilíquido

01/11/2000 às 00:00
Leia nesta página:

"Trata-se de uma exigência burocrática e tendente a complicar o processo.
Os Tribunais não tem mais espaço para práticas burocráticas e inúteis"

(Ministros ELIANA CALMON e HUMBERTO BARROS-STJ)


1.ARQUIVAMENTO DE RECLAMAÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO QUE NÃO APRESENTA PEDIDO LÍQUIDO

O mote acima foi extraído de um acórdão do STJ, segundo o qual o documento, mesmo em fotocópia inautenticada, tem valor probante, caso não impugnado pela parte contrária (art. 372, do CPC ), mas serve para uma reflexão sobre o comportamento processual de alguns Juizes do Trabalho que determinam o arquivamento da reclamação quando esta não apresenta uma discriminação dos valores das verbas pedidas, mesmo que esteja expresso na petição que o rito é o ordinário.

Como a questão enfocada nestas linhas diz respeito exclusivamente a esta atitude quanto ao procedimento ordinário, somente a este estaremos dedicados aqui:

Disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Martins, que as novas leis são como caminhões de abóboras porque uma vez carregados os frutos vão estes se ajustando ao longo da viagem até a total acomodação nas carrocerias.

A lembrança destas observações feitas por aquele ilustre magistrado vem-me à memória em razão das diversas situações processuais que surgem em razão da lei n.º 9.957 de 13.01.2000, que instituiu no Processo do Trabalho o procedimento sumaríssimo, gerando uma dicotomia de procedimentos: o ordinário para reclamações cujo valor ultrapasse de quarenta(40) salários mínimos e o sumaríssimo para as questões até este limite, hoje de seis mil e quarenta reais – R$ 6.040,00.

A nossa perplexidade não reside, todavia, sobre a novidade do procedimento sumaríssimo, mas sim em relação ao tratamento que vem sendo dado ao procedimento ordinário que, na verdade, é aquele já previsto na Consolidação das Leis do Trabalho há década, e que, com a chegada da lei acima indicada, de n.º 9.957/2000, passou a receber de alguns juízes um outro tratamento diverso do que sempre mereceu e merece, embora não tenha sido alvo de nenhuma alteração legal

É que muitos juizes trabalhistas estão exigindo que o pedido constante da reclamação ajuizada pelo rito ordinário, seja líquido e quantificadas todas as verbas do pedido, e, quando isto não ocorre, determinam o arquivamento do processo na primeira sessão, deixando de julgar-lhe o mérito e assim extinguindo-o .

Ora, como se trata de procedimento que permanece inalterado na CLT, essa determinação, a nosso sentir, é manifestamente ilegal e deve ser alvo de argüição de nulidade e de recurso ordinário, já que a sentença que determina extinção do processo sem julgar-lhe o mérito só pela via do recurso ordinário poderá ser examinada pelo Tribunal de Segundo Grau.

A diversidade de tratamento que pode ser dispensado ao procedimento sumaríssimo é compreensível por se tratar de alteração recentemente introduzida na legislação, o mesmo não ocorrendo quanto ao procedimento tradicional (ordinário), não se justificando pois, a diversidade de enfrentamento processual a ele relativo, sem que a lei tenha provocado qualquer modificação.

Por isso que esse comportamento judicial surpreende-nos, porque não conseguimos encontrar onde se acha o embasamento que lhe possa servir de suporte. O procedimento sumaríssimo sim, este exige a discriminação dos valores das verbas reclamadas, e não poderia ser diferente; considerando o limite legal de quarenta salários mínimos (40) para o enquadramento da ação nesse procedimento. Isto está evidente.

Entendemos que o autor deve esclarecer na inicial qual o rito que adota e se a parte reclamante informa, na sua peça de ataque, estar usando a via processual do procedimento ordinário, não conseguimos enxergar qual o suporte legal que pode servir de finco para que seja de pronto, ou na audiência inicial, ordenando o arquivamento da reclamação em razão da ausência de indicação dos "quanta" relativos ao que está sendo reclamado.

Tendo em vista tratar-se de um comportamento processual que provoca evidentes prejuízos às partes e ao erário, com desperdício de tempo e de dinheiro, este com a utilização de todo o elenco de servidores e de juizes, e de material, além de energia elétrica e de todo um equipamento informatizado sofisticado e caro, entendemos que o assunto merece um exame mais aprofundado e este é o trabalho que aqui nestas linhas nos dedicaremos, ao menos para aflorá-lo, ensejando meditação visando o começo necessário do seu rumo.


2.ARQUIVAMENTO DE RECLAMAÇÃO QUANDO OCORRE.

De acordo com o que está escrito na Consolidação das Leis do Trabalho, " o não comparecimento do reclamante à audiência, importa o arquivamento". Portanto legalmente, só a ausência do autor pode autorizar o arquivamento da reclamação (art. 844, primeira parte). Esta é a única hipótese prevista legalmente e na lei especial, isto é, na CLT, determinante do arquivamento da reclamação. Não há outra. E não havendo outra previsão legal autorizadora do arquivamento da reclamação, a não ser a ausência do autor à audiência inaugural, entendemos ser defeso ao juiz criar uma nova sustentação para determinar arquivamento da queixa (referimos ao procedimento ordinário) .

Sou daqueles que apoia a intervenção judicial para adaptar a lei às novas situações nascidas em razão das modificações na tessitura social, terreno onde medra o Direito, posto que o juiz não pode e não deve quedar estático e distante, por isso que é de proveito a doutrina do desembargador paulista, VICENTE MIRANDA, em "PODERES DO JUIZ NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO", no momento em que destaca que " o julgador como ser humano que é, ao decidir, não se despoja dessa sua natureza humana e aprecia os aspectos humanos do caso concreto. A decisão não é apenas um ato de inteligência, e de vontade; se assim fosse o juiz seria um ser insensível, frio, desumano, uma máquina de julgar; o julgamento é também um ato de sentimento, e ato de sentimento quer dizer ato humano que leva em conta o conteúdo de qualquer espécie de julgamento", cabendo levar em conta cada caso concreto, naturalmente.

Mas, de outra parte, não pode o juiz decidir contra a lei e fora dos limites do pedido. Pode e deve suprir as lacunas da lei, decidindo até pela equidade, complementando-a, interpretando-a, mas nunca aplicando um determinado instituto para uma situação processual que está expressamente previsto para outra, sem nenhuma lacuna legal que a tanto enseje. No caso sob exame, a CLT dispõe expressamente que a reclamação será arquivada quando o reclamante não comparecer à audiência inaugural, nunca porque não estão discriminados os valores constantes do pedido, exigência somente posta para o procedimento sumaríssimo.

Falta, pois, sustentação jurídico-legal para determinação no sentido de ser decidido pelo juiz o arquivamento do processo reclamatório pela ausência de registro dos valores das parcelas reclamadas no procedimento ordinário.


3. INÉPCIA DA INICIAL. QUANTIFICAÇÃO.

Poder-se-ia apontar, na falta de registro ou de indicação das quantias reclamadas no procedimento ordinário, a inépcia da petição inicial, o que determinaria o seu indeferimento e o conseqüente arquivamento da reclamação, encarando-se este como a extinção do processo sem julgar-lhe o mérito, tomando de empréstimo as disposições pertinentes do Código de Processo Civil.

Sucede, todavia, que mesmo o Código de Processo Civil não exige a quantificação das parcelas do pedido para viabilizar a ação. Na verdade, o Código de Processo Civil registra como um dos requisitos da petição inicial a indicação do valor da causa e exige que o pedido seja certo ou determinado, podendo em algumas situações ser genérico, valendo como exemplo a ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, porque nesta hipótese só pode haver um pedido genérico, embora determinado, posto que não se pode saber no momento do ajuizamento da ação o que caberá ao autor como herdeiro no caso de acolhimento de sua pretensão, mas se sabe que a pretensão é a de receber a parte da herança que couber ao autor.

O princípio geral, portanto, é o de que o pedido há de ser certo ou determinado, podendo ser genérico, mas seja no Processo Civil, seja no Processo do Trabalho, e sobretudo neste, não há qualquer prescrição no sentido de que seja líquido, exceção quanto ao procedimento sumarissímo no processo de trabalho e o valor da causa em determinadas situações no Processo Civil.

Como regra geral a Consolidação impõe, apenas, que a queixa "contenha uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante"(art.840), em momento algum exigindo que seja dado valor ao pedido e, muito menos, às parcelas requeridas.

É fato que o art. 769 consolidado prevê que "nos casos omissos", o direito processual comum será utilizado no processo do trabalho, condicionando essa subsidiariedade, primeiro a que haja omissão na CLT e, segundo, a que não haja incompatibilidade com o Processo do Trabalho.

Entretanto, nem mesmo o procedimento comum trabalhista ou cível condiciona o desenvolvimento do processo à quantificação do valor do pedido ou valor da causa, consignando, apenas, que seja ele certo ou determinado (Processo Civil), devendo a sentença ser líquida se o pedido assim for formulado, havendo autores que entendem ser necessária a presença de ambos os requisitos, isto é, certeza e determinação. Nunca, entretanto, quantificação e liquidez, mesmo no Direito Processual Civil.

Doutrina o mestre CALMON DE PASSOS que "Pedido determinado é o que extrema uma pretensão que visa um bem jurídico perfeitamente caracterizado. Pedido certo é o que deixa claro e fora de dúvida o que se pretende, quer no tocante a sua qualidade, quer no referente a sua pretensão e qualidade."

Destarte, mesmo que se transportem para o processo do trabalho as normas que regem o processo comum, no particular, não existe nenhuma exigência que ordene a quantificação do pedido, enfrentando-se aí a única exceção quando a ação - (reclamação) - for proposta sob o rito sumaríssimo. Convém à parte, quanto ao procedimento comum, apenas esclarecer na inicial qual o rito que adotou, explicitando que o pedido ultrapassa ao limite de quarenta salários mínimos.

De outra parte, não há como se considerar a inicial como inepta, situação processual que autoriza a extinção do processo no nascedouro, sem exame do mérito. Verdadeiro natimorto, é aquela que não atende aos requisitos do art. 282, do Código de Processo Civil, sem indicar o juiz a que é endereçada; sem a qualificação das partes; sem pedido ou sem causa de pedir, ou que seja incongruente, não conduzida por um caminho inteligível e a uma conclusão lógica, com idéias concatenadas.

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Pode conter, ainda, um pedido juridicamente impossível como exigir do patrão a doação de uma casa, sem que haja previsão legal para isso, por exemplo, enfim, que não satisfaça as condições para a ação, situações que, por igual, resultariam no arquivamento da ação.

E esta não é a hipótese aqui enfrentada como já visto, que prevê a inexistência de indicação dos valores cobrados na reclamação para o juiz determinar o arquivamento o que não é possível, considerando-se a ausência de qualquer disposição legal nesse sentido, excetuando, como já repisado, quanto ao procedimento sumaríssimo, porque aí há imposição legal a respeito, conforme já ressaltado.

A ausência de quantificação do valor do pedido no procedimento ordinário, portanto e em conseqüência do exposto, não autoriza o reconhecimento de inépcia da petição inicial, ou a determinação do arquivamento da reclamação.


4. UTILIZAÇÃO DO ARTIGO 284,DO CPC.

Podemos afirmar com absoluta convicção que o fato de não constar da petição inicial da reclamação, proposta sob o rito ordinário expressamente referido na inicial, a quantificação do pedido, não pode, por conseguinte, importar na determinação do arquivamento da reclamação, que deve seguir seu curso normal.

Se assim não fosse, todavia, se houvesse necessidade de quantificação das verbas integrantes do pedido, e o autor não tivesse tido esse cuidado de dizer os valores cobrados, ainda assim não haveria como ordenar o arquivamento da reclamação de plano, como tem ocorrido, tendo em vista a norma imperativa do art. 284, do Código de Ritos, de acordo com a qual, estando a petição inicial incompleta, deve o juiz determinar que a parte a complemente no prazo de dez (10) dias, sob pena , ai sim, de indeferimento. Mas entendemos que nem isso seria possível porque nada existe obrigando a parte a quantificar o pedido em reclamação de rito ordinário.


5. CONCLUSÃO

Em conclusão, não encontra nenhum apoio jurídico a determinação da extinção do processo sem julgamento do mérito quando a parte formula pedido certo e determinado, embora não quantifique as parcelas pleiteadas, sobretudo quando informa na inicial que o rito da ação proposta é o ordinário. Presumindo-se , todavia, este, se não há liquidez no pedido. No rito sumarissímo , a quantificação é necessária. Naturalmente cabe à parte adversa impugnar o rito escolhido em qualquer hipótese , e a alteração do rito, ou extinção do processo sem julgamento de mérito, verificado que seja o erro, devendo o reclamado fazer a prova respectiva ao impugnar o rito em razão do valor do pedido.

Determinar o arquivamento da reclamação pela ausência de quantificação do pedido e de suas parcelas, sobretudo sem atentar para o disposto no art. 284 do CPC e sem que haja, impugnação, é jogar tempo e dinheiro fora, sem nenhuma necessidade e sem nenhum proveito.

Em ocorrendo a determinação judicial do arquivamento em audiência, deve a parte registrar o seu protesto com a necessária e indispensável argüição de nulidade e, naturalmente, interpor o recurso ordinário, que é cabível ratificando a alegação de nulidade e objetivando o seguimento normal da reclamação.

De mais a mais, no caso, os ritos processuais não tem natureza imperativa ou de ordem pública, a não ser no que toca à utilização da via sumaríssima quando cabível a ordinária. Todavia, pode a parte renunciar aos possíveis privilégios do rito especial sumaríssimo e utilizar-se do rito ordinário, porque é um direito a opção pelo rito especial que pode ser objeto de renúncia. O contrário é que é impossível, ou seja, cobrarem-se direitos pelo rito sumaríssimo em valores superiores ao limite legal de quarenta (40) salários mínimos.

De proveito ainda a observação segundo a qual o reclamado carrega consigo o direito de impugnar o rito processual utilizado e demonstrando que os valores cobrados ultrapassam o teto legal de quarenta salários mínimos, alvo da legislação específica. Veja-se que não se estão cuidando das verbas reconhecidas pela reclamada, mas da quantificação do pedido, caso ultrapasse a previsão para o rito especial, para imprimir à reclamação o procedimento sob o rito ordinário. O contrário é inaceitável.

Encerrando, ratificamos o nosso entendimento quanto a impossibilidade legal do arquivamento da reclamação em razão da ausência de quantificação do pedido, devendo o autor indicar na inicial o rito cabível e porque.

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Sobre o autor
Euripedes Brito Cunha

advogado em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Euripedes Brito. Arquivamento de reclamação de rito ordinário quando o pedido é ilíquido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1258. Acesso em: 26 abr. 2024.

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