1. Introdução
A controvérsia acerca do prazo para a Fazenda Pública apresentar embargos à execução, no processo do trabalho, tem provocado acirrados debates entre Juízes, advogados e membros do Ministério Público, inclinando-se uns para a adoção do prazo de 10 dias e outros pela observância dos 05 dias previstos no art. 884 da CLT. A questão, a princípio muito simples, é de suma importância, sobretudo se considerada a circunstância de que a ausência de uniformidade de vistas a respeito pode gerar um grave tumulto no procedimento executório, com prejuízo para as partes e para a efetiva entrega da tutela jurisdicional. No Tribunal Regional do Trabalho da 19º Região, por exemplo, que adota o prazo de 10 dias fixado no art. 730 do CPC, registram-se inúmeros casos em que, por meio de agravo de petição apresentado pelo devedor, a Corte afasta a intempestividade dos embargos à execução, declarada pelo Juízo de 1º grau, e devolve os autos à origem para apreciação e julgamento do mérito.
A finalidade deste trabalho, portanto, é tentar examinar as variadas posições sobre o assunto e buscar resgatar no espírito dos operadores do direito a concepção de que o processo de execução deve ser compreendido e impulsionado em consonância com duas noções básicas: a preeminência do credor em face do devedor e a necessidade de realização célere e prática da obrigação emoldurada pelo título executivo.
Em torno do tema em estudo há três correntes de entendimento. A primeira defende que o prazo para a Fazenda Pública embargar as execuções movidas na Justiça do Trabalho é de 10 dias por força do disposto no art. 1º, inciso III, do Decreto-lei n. 779/69. Em objeção, surge a segunda corrente advogando a tese de que o prazo de 10 dias decorre não de uma prerrogativa especial inerente às pessoas jurídicas de direito público e sim da norma específica contida no art. 730 do CPC. Por fim, a corrente mais tradicional prega que o prazo outorgado à Fazenda Pública para manejar seus embargos à execução, no processo do trabalho, é o previsto no "caput" do art. 884 da CLT: 05 dias.
2. Natureza jurídica dos embargos à execução
Em sendo o devedor pessoa jurídica de direito privado ou pessoa física, lavrado o auto de penhora ou assinado o termo de depósito dos bens oferecidos como garantia do juízo, abre-se-lhe a oportunidade para oferecimento de embargos à execução, em petição articulada, com observância dos requisitos estabelecidos no §1º do art. 840 da CLT. No entanto, por se tratar de incidente do processo de execução, dispensa-se a referência ao órgão julgador bem como a qualificação das partes, bastando a mera indicação destas e do número do processo. Impugnados ou não pelo exeqüente, os embargos em questão engendram um processo a parte, inclusive com instrução probatória, se necessário, e oferecimento de razões finais.
Pois bem. "Do aspecto prático, os embargos do devedor aparecem como meio de defesa, pois que visam a livrá-lo do processo de execução ou a desfazer ou limitar a eficácia do título executivo"¹. Juridicamente, no entanto, os embargos à execução não constituem defesa do executado, uma vez que a oportunidade de resposta do réu aos termos da ação exaure-se na fase postulatória do processo de conhecimento. Atuam os embargos, deste modo, como ação de natureza constitutiva-negativa pela qual o executado ataca a relação processual executória ou, ainda, o próprio título executivo, seja este judicial ou extrajudicial.
Na mesma linha de compreensão se posiciona Manoel Antônio Teixeira Filho para quem é "inevitável dizer que, do ponto de vista do devedor, esses embargos trazem o nítido perfil de uma ação constitutiva, incidente na execução"².
Por outro lado, os embargos à execução não representam modalidade de recurso, por não suscitarem o reexame da matéria de fato e/ou de direito por um órgão hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão recorrida. Assim, uma vez apresentados, a apreciação e julgamento dos embargos permanece a cargo do órgão jurisdicional de 1º grau.
Feitas estas observações, conclui-se que a prerrogativa de prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, assegurada pelo Decreto-lei n. 779/69 às pessoas jurídicas de direito público, não se estende aos embargos à execução, em face de sua natureza de ação constitutiva.
3. Peculiaridades da execução movida contra a Fazenda Pública e conflitos das normas jurídicas no tempo
Os defensores da adoção do prazo de 10 dias para a oposição dos embargos à execução pela Fazenda Pública argumentam, ainda, que as expressões consignadas no "caput" do art. 884 da CLT "garantida a execução" e "penhorados os bens" fortalecem o entendimento de que o prazo de 05 dias não se dirige aos entes de direito público pelo simples fato de que seus bens são inalienáveis e impenhoráveis. De fato, não há garantia da execução nem tampouco penhora quando no pólo passivo da relação processual situa-se uma pessoa jurídica de direito público, diante da exigência constitucional de formação de precatório-requisitório. Todavia, sem embargo de respeitáveis opiniões em contrário, entendemos que tal argumento é demasiadamente simples.
Como toda norma legal, também as que tratam de simples prazo devem ser interpretadas com o auxílio de todos os métodos oferecidos pela arte da hermenêutica, notadamente o histórico-evolutivo. O mencionado art. 884 da CLT, com seu exíguo prazo de 05 dias, figura na CLT desde a sua aprovação pelo Decreto-lei n. 5.452, em 1º de maio de 1943, expedido sob a égide da Carta Federal de 1937, cujo texto não previa a expedição de precatórios nas execuções movidas contra as pessoas jurídicas de direito público. Após alguns anos, a matéria passou a ser regulada unicamente pelo art. 918 do Estatuto Processual Civil de 1939, cuja redação foi repetida quase que literalmente pelo parágrafo único do art. 117 da Constituição de 1967, emendada em 1969, e pelo art. 100, "caput", da atual Carta Política (antes da Emenda 24/99). O prazo de 10 dias para a Fazenda Pública apresentar embargos à execução só surgiu, portanto, com o CPC de 1973.
Toda a análise da evolução legislativa do tema serve, a princípio, para pacificar a seguinte questão: até 11 de janeiro de 1973, data de publicação da lei que instituiu o novo CPC, não havia dúvidas de que o prazo de 05 dias, previsto no "caput" do art. 884 da CLT era amplamente aplicado a todas as execuções processadas na Justiça do Trabalho, inclusive as movidas em face dos entes de direito público. Qual o motivo, portanto, para aplicar-se, no processo do trabalho, o prazo de 10 dias do art. 730 do CPC se não houve omissão do legislador consolidacional? E mais, fosse aceita sem rebuços a tese dos que modernamente admitem como omisso o "caput" do art. 884 da CLT, no tocante à Fazenda Pública, chegaríamos à esdrúxula conclusão de que durante trinta anos (1943-1973) permanecemos em verdadeiro limbo jurídico e que os entes públicos foram executados com prazo insuficiente para o oferecimento de embargos à execução, causando prejuízos irreparáveis ao erário.
De igual modo, com a devida vênia, não tem razão os que defendem a observância, no processo do trabalho, do prazo de 10 dias previsto no art. 730 do CPC, sob o argumento de que, tratando-se de norma específica, não prevalece a norma geral contida no art. 884, "caput", da CLT. Ora, dispõe o §2º do art. 2º, da LICC, que "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior". Portanto, "não é pelo fato de ser especial que a lei nova revoga a lei antiga de natureza geral; e, reciprocamente, não é apenas por ser geral que a disposição superveniente revoga a disposição particular e anterior. Para que a revogação se verifique, preciso é que a disposição nova, geral ou especial, altere explicitamente (revogação expressa) ou implicitamente (revogação tácita) a disposição antiga, referindo-se a essa ou a seu assunto, isto é, dispondo sobre a mesma matéria. Se as disposições, nova e antiga (gerais ou especiais) não forem incompatíveis, podendo prevalecer umas e outras, umas a par de outras, não ocorrerá revogação alguma"³. Por outro lado, fere os princípios que regem a disciplina dos conflitos das normas jurídicas a tese de que uma lei do processo civil possa revogar, ainda que tacitamente, uma lei processual trabalhista.
4. A adoção subsidiária das regras do processo comum
Nos termos do art. 769 da CLT, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste ramo especializado. Não havendo omissão, portanto, é vedada a aplicação supletiva das normas processuais comuns. Os operadores do direito devem sempre ter em mente que a celeridade do processo do trabalho, sobretudo na fase executória, não se compadece com o formalismo exacerbado do processo civil. Aqui os prazos para contestar, para apresentar razões finais, bem como para recorrer, são mais curtos e a ninguém deve causar espécie a conclusão de que o prazo para embargar a execução também é menor, mesmo que a executada seja a Fazenda Pública. Repita-se, embora extremamente lacunosa, a legislação processual trabalhista é autônoma frente ao processo civil. Com efeito, a constante consulta ao CPC, ignorando as normas processuais trabalhistas, como diria Shakespeare, "configura um daqueles hábitos cuja quebra honra mais que a observância" (apud Manoel Antônio Teixeira Filho, op. cit.).
Por fim, impende salientar que, a teor do disposto no art. 5º da LICC, "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Ora, não pairam dúvidas de que o prazo de 05 dias consignado no art. 884, "caput", da CLT, atende ao escopo social do Direito do Trabalho já que as execuções impulsionadas pela Justiça que o aplica devem ser ainda mais céleres do que em qualquer outra. Já se disse, com muita propriedade, que aqui se procura a todo o tempo pacificar a guerra entre dois gêmeos inimigos capital e trabalho de modo que a satisfação do crédito do trabalhador, já reconhecido no título judicial exeqüendo, não deve sofrer maiores delongas sob pena de sacrificar sua subsistência em benefício de uma ré (Fazenda Pública) que não cumpriu as obrigações contraídas "ex proprio marte". Ampliar as prerrogativas processuais garantidas às pessoas jurídicas de direito público, estendendo-as à fase de execução seria, no mínimo, desproporcional diante dos direitos do empregado-exeqüente, também digno de tutela.
5. Conclusões
a) Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação constitutiva, de modo que as prerrogativas asseguradas no Decreto-lei n. 779/69 às pessoas jurídicas de direito público, para contestar e recorrer, não alcançam esse incidente do processo de execução;
b) As expressões consignadas no "caput" do art. 884 da CLT "garantida a execução" e "penhorados os bens" não fortalecem o entendimento de que o prazo de 05 dias não se dirige aos entes de direito público. Embora seus bens se revistam do caráter de inalienabilidade e impenhorabilidade, a exigência de formação de precatório-requisitório surgiu apenas com a Carta Federal de 1988 e a CLT foi publicada em 1º de maio de 1943, de modo que não houve omissão do legislador consolidacional, neste passo;
c) Para que ocorra a revogação de uma norma legal é preciso que a disposição nova, geral ou especial, altere explicitamente (revogação expressa) ou implicitamente (revogação tácita) a disposição antiga, dispondo total ou parcialmente sobre a mesma matéria;
d) Não havendo omissão da legislação processual trabalhista, é vedada a aplicação supletiva das normas processuais comuns, em face do disposto no art. 769 da CLT;
e) O prazo para a Fazenda Pública apresentar embargos à execução, no processo do trabalho, é de 05 dias, por incidência do art. 884 da CLT, não se aplicando o prazo de 10 dias do art. 730 do CPC.
6. Referências bibliográficas
1. Amaral Santos, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, v. III, São Paulo, ed. Saraiva, 16ª Edição, 1997, p. 400.
2. Teixeira Filho, Manoel Antônio. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo, ed. LTr, 6ª Edição, 1998, p. 529.
3. Ráo, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, v. I, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 3ª Edição, 1991, p. 303.
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5. D. Giglio, Wagner. Direito Processual do Trabalho, São Paulo, ed. Saraiva, 10ª Edição, 1997.
6. Calmon de Passos, J.J. Inovações no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, ed. Forense, 2ª Edição, 1995.