5. CONCLUSÃO
As pessoas jurídicas, como sujeitos de direitos que são, exercem importante papel para o desenvolvimento sócio-econômico do país e, para tanto, precisam de autonomia patrimonial e negocial para exercerem suas atividades.
Não demorou muito para que os sócios se aproveitassem da autonomia negocial e, principalmente, patrimonial das sociedades para cometerem fraudes dos mais variados tipos, desviando a finalidade e abusando do direito à personificação.
É necessária a atuação do Judiciário para coibir o "mau uso" das pessoas jurídicas para atender a interesses escusos dos sócios. Neste ministério a Justiça Laboral se mostrou a mais avançada quanto à aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.
Pela desconsideração da pessoa jurídica pode-se fazer repercutir os efeitos da execução de uma dívida originalmente da sociedade sobre o patrimônio de seus sócios, desde que comprovados o "uso abusivo do direito à personificação" e a "fraude" a qual se caracterizaria, por exemplo, pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Não se pode confundir a teoria "ultra vires" e, muito menos, a obrigação subsidiária, solidária e ilimitada, dos sócios de sociedades de responsabilidade ilimitada, com a teoria da desconsideração, principalmente porque esta se reveste de caráter excepcional.
O Código de Defesa do Consumidor contém dispositivo (art. 28, §5º) que positivou a teoria da desconsideração "à moda brasileira", não levando em consideração os fundamentos do instituto. Após a entrada em vigor do novo Código Civil, o CDC, quanto a este pormenor, deve ser aplicado apenas às relações de consumo. O art. 50. do Código Civil é que deve ser o parâmetro legal para aplicação da "disregard" no Brasil.
Não somos contra a desconsideração da personalidade jurídica, até porque ela valoriza a autonomia das pessoas jurídicas. No entanto, é preciso que ela seja feita de forma criteriosa, considerando as mais diversas variáveis que ensejam a sua decretação. Isso porque a banalização de seu uso representa um desestímulo à livre iniciativa e compromete a própria sobrevivência do Estado Brasileiro.
O estudo da jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho proporcionou o debate sobre os variados aspectos (materiais e processuais) que devem ser levados em consideração para se aplicar a teoria da desconsideração. Sem a observância dos apontados aspectos, a aplicação da teoria em debate fere o devido processo constitucional, além de direitos dos sócios e de eventuais credores da "mal utilizada" sociedade.
Por derradeiro, de lege ferenda, fica a sugestão do projeto de Lei nº 2.426/2003, de autoria do deputado Ricardo Fiúzza, o qual ressalta em seu texto a necessidade de "reservas" a serem observadas quando da aplicação da teoria aqui debatida 31. Espera-se seja dado prosseguimento à proposta para que se ponha um ponto final na má aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica perpetrada pela Justiça do Trabalho.
REFERÊNCIAS
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CALVO, Adriana Carrera. Desconsideração da pessoa jurídica no Direito do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 616, 16 mar. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6448/desconsideracao-da-pessoa-juridica-no-direito-do-trabalho>. Acesso em: 29 out. 2008.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. rev. E atual. São paulo: Saraiva, 2008.
_____. A natureza subjetiva dos administradores de companhia. São Paulo. Artigo disponível na página pessoal do autor: <<https://www.ulhoacoelho.com.br>>. Acesso em: 29 out. 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 24. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
______. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 6. ed., atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho. Os efeitos da nulidade do contrato de trabalho com a administração pública sob enfoque da colisão de normas constitucionais. In: (?). Os novos horizontes do direito do trabalho. (?) P. 231-247.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTR, 2007.
LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de execução. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1963.
PEIXOTO, Maurício Cunha. Desconsideração da personalidade jurídica e o artigo 50 do novo código civil: Palestra proferida no Seminário: O Direito Societário Face ao Novo
Código Civil - promovido pela Brain Company. Belo Horizonte, 2003.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
RIBEIRO, Cláudia; SANTOS, Vauledir Ribeiro. Como se preparar para o exame da ordem: comercial. 3. ed. São Paulo: Método, 2007.
SOUSA, Cláudio Calo. Algumas impropriedades do denominado "novo" Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3660/algumas-impropriedades-do-denominado-novo-codigo-civil>. Acesso em: 31 out. 2008.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil 1: Lei de introdução e parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, 2008.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
NOTAS
Já te antemão adiantamos que se utiliza na presente abordagem indistintamente pessoa jurídica como sinônimo de sociedade e vice-versa.
Fez-se referência à antiga nomenclatura adotada por Savigny.
PEIXOTO (2003, p. 1) resgata a fábula de Galgano (in ___ Rovescio del Diritto, denominada "La Favola Della Persona Giuridica), da qual extrai "o quão relevante é a pessoa jurídica, idealizada à semelhança do próprio homem, a ponto de incomodar o Criador. E, de fato, não há como negar a importância esta "estupenda criação humana" para repetir as palavras de Salvatore Satta".
Pontes de Miranda há muito já alertava para o fato de as pessoas jurídicas não serem representadas, porquanto não sejam incapazes para necessitar de representação. Por isso, o insigne mestre preferiu utilizar a denominação de presentantes para designar aqueles que "representariam" a sociedade.
Assegura Fábio Ulhoa Coelho: "Ao atribuir à iniciativa privada papel de monta, a Constituição torna possível, sob o ponto de vista jurídico, a previsão de um regime específico pertinente às obrigações do empreendedor privado. Não poderia, em outros termos, a ordem jurídica conferir uma obrigação a alguém, sem, concomitantemente, prover os meios necessários para integral e satisfatório cumprimento dessa obrigação. Se, ao capitalista, a ordem reserva a primazia na produção, deve cuidar para que ele possa desimcumbir-se plenamente, dessa tarefa. Caso contrário, ou seja, se não houvesse um regime jurídico específico para a exploração econômica, a iniciativa privada permaneceria inerte a toda a sociedade sofreria com a estagnação da produção dos bens e serviços indispensáveis à satisfação de suas necessidades ". (ULHOA, 2008, p. 26-27, grifamos)
Acrescenta com propriedade Maurício Cunha Peixoto (2003, p. 3) que: "[...] a pessoa jurídica foi criada pelo Estado com o fim de incentivar e proporcionar determinadas condutas úteis para a comunidade. E não há quem negue, na verdade, que um dos grandes e principais atores do desenvolvimento científico, cultural econômico e social experimentado pelo mundo atual é a pessoa jurídica, com os princípios da separação patrimonial e limitação de responsabilidade que lhe são inerentes".
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"[...] sinteticamente, é possível estabelecer a liberdade de iniciativa no campo econômico como constituída pela liberdade de trabalho (incluídos o exercício das mais diversas profissões) e de empreender (incluindo o risco do empreendimento: o que produzir, como produzir, quanto produzir, qual o preço final), conjugada com a liberdade de associação, tendo como pressupostos o direito de propriedade, a liberdade de contratar e de comerciar" (TAVARES, 2006, p. 241)
Para aprofundar a discussão, consultar Maria Helena Diniz (2007, p. 28-31)
Para mais detalhes consultar RIBEIRO; SANTOS (2007, p. 52) e COELHO (2008, p. 117-119)
"Quando se diz, portanto, que a responsabilidade do sócio pelas obrigações da sociedade é subsidiária, o que se tem em mira é justamente, esta regra de que sua eventual responsabilização por dívidas sociais tem por pressuposto o integral comprometimento do patrimônio social. [...] Esgotadas as forças do patrimônio social é que se poderá pensar em executar o patrimônio particular do sócio por saldos existentes no passivo da sociedade". (COELHO, 2008, p. 116)
"Quando a lei qualifica de "solidária" a responsabilidade de sócios – ao delimitar a dos membros da N/C (CC, art. 1.039. dos comanditados da C/S (art. 1.045), dos diretores da C/A (art. 1.091) ou dos da limitada em relação à integralização do capital social (art. 1.052) –, ela se refere às relações entre eles; quer dizer, se um sócio descumpre sua obrigação, esta pode ser exigida dos demais, se solidários". (COELHO, 2008, p. 116)
Por todos consultar CALVO (2005).
"Pressuposto inafastável da desconsideração episódica da pessoa jurídica, no entanto, é a ocorrência da fraude por meio da separação patrimonial. Não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência." (COELHO, 2008, p. 126-127, grifamos)
Assim, "a desconsideração ou penetração permite que o magistrado não mais considere os efeitos a personificação ou da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos, por meio da personalidade jurídica, que causem prejuízos ou danos a terceiros". (DINIZ, 2007, p. 301)
Enfim, "a doutrina da desconsideração da pessoa jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá incólume". (DINIZ, 2007, p. 300)
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"Esta teoria surgiu na jurisprudência inglesa, no século XIX, segundo a qual, se o administrador, ao praticar atos de gestão, violar o objeto social (objeto-atividade e objeto-lucro) delimitado no ato constitutivo, este ato ultra vires societatis não poderá ser imputado à sociedade, sendo considerado, segundo alguns autores, inválido e, para outros autores, ineficaz. Portanto, a sociedade fica isenta de responsabilidade perante terceiros, salvo se tiver se beneficiado com a prática do ato, quando então, passará a ter responsabilidade na medida do benefício auferido". (SOUSA, 2003)
BRAGA NETTO (2009, p.176) ressalva que: "O CDC, em seu propósito de conferir uma tutela ampla ao consumidor, preferiu a tutela prática às discussões abstratas. A falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração não seriam, a rigor, casos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Apesar dessa ponderação técnica, é algo fora de dúvida que eles estão, por opção explícita do legislador, na órbita do art. 28, e a personalidade da pessoa jurídica poderá ser afastada também nestes casos para proteger o consumidor". Entretanto, deve-se levar em consideração que a "má técnica" do legislador pode levar a extinção da autonomia patrimonial advinda da personalidade jurídica das sociedades.
"A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica" (STJ, REsp. 279.273, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., p. 29/ 03/04).
Em sentido contrário vide Fábio Ulhoa Coelho (2008, p. 128).
Segundo Bobbio, no caso de conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico. (DINIZ apud TARTUCE, 2008, p. 59)
Em sentido contrário, pugnando pela aplicação analógica do CDC ao processo do trabalho LEITE (2007, p. 910).
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"A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência de valor mais importante. O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, é que está cederá espaço. Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse volimado através da personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de valores" (TOMAZETTI apud PEIXOTO, 2003, p. 8-9, sem negrito no original)
Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 912) ressalva que: "parece-nos que nas ações oriundas de relação de trabalho diversa da relação de emprego, o Juiz do Trabalho deverá ter redobrada cautela ao adotar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pois em tais ações o crédito objeto da obrigação contida no título executivo judicial, por não ter natureza trabalhista, no sentido estrito do termo, isto é, por não ser crédito empregatício, não autoriza a ilação de que os sócios seriam ilimitadamente responsáveis. Data venia, o consagrado processualista deveria atentar para o fato de que em qualquer situação o juiz deve "redobrar" a cautela ao adota a teoria da desconsideração, pois ela é media excepcionalíssima.
Fábio Ulhoa Coelho (2005) aponta que o fundamento para atribuir aos administradores de sociedades anônimas os prejuízos originados por suas ações é a violação de um dever imposto por lei ou pelo estatuto. Ao mesmo tempo aponta como deveres legais passíveis de ensejar a responsabilização pessoal do administrador de S.A, entre outros.: o de diligência, o de lealdade e o de informação.
"Quanto à natureza desta responsabilidade, importa, de início, retomar as duas premissas assentadas no presente trabalho, quais sejam: de um lado, o caráter geral do sistema subjetivo de responsabilidade civil, do tipo clássico, de que decorre a indispensabilidade de expressa disposição legal para submeter o agente a qualquer outro sistema; de outro, o fundamento axiológico do princípio da responsabilidade objetiva, que é a possibilidade de realocação de perdas. A partir destas premissas, pode-se concluir sem maiores dificuldades a afirmação da natureza subjetiva, do tipo clássico, da responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas" (COELHO, 2005, p. 20, destacamos).
Há ainda posições mais extremistas ainda como exemplifica o seguinte trecho do voto condutor do acórdão que julgou improcedente o AIRR nº 287/2007-314-02-40: "no caso em tela, trata-se de crédito privilegiado, por representar alimentos. Desnecessária a prova de fraude ou má gestão dos negócios para que a responsabilidade recais sobre os sócios" (grifamos).
"a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribundo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação"
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Assim lecionava Enrico Túlio Liebman (1963, p. 68): "[...] estes terceiros não são parte na execução, apesar disso suportam suas conseqüências, não podendo subtrair seus bens ao destino que os aguarda. Denominamos a posição destes terceiros de "responsabilidade executória secundária".
É só lembrar que de 10 empresas que abrem no Brasil, oito fecham as portas antes de completarem dois anos de vida.
"A nosso ver, tal norma [art. 37, §6º, da CF/88] não exclui o direito daquele que foi lesado de acionar diretamente a pessoa do agente da administração pública. Sendo uma faculdade do mesmo, apenas atribuindo-lhe, na hipótese do uso desta faculdade, o ônus de provar a culpabilidade do agente" (FONTES, ?, p. 245).
"[...]Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o juiz lhes facultará o prévio exercício do contraditório, concedendo-lhes o prazo de quinze dias para produção de suas defesas.
[...]§ 2º: Nos casos em que constatar a existência de fraude à execução, o juiz não declarará a desconsideração da personalidade jurídica antes de declarar a ineficácia dos atos de alienação e de serem executidos os bens fraudulentamente alienados.
[....]
Art. 5º. O disposto no art. 28. da Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, somente se aplica às relações de consumo, obedecidos os preceitos desta lei, sendo vedada a sua aplicação a quaisquer outras relações jurídicas."