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Renúncia e transação no Direito do Trabalho.

Uma nova visão constitucional à luz da teoria dos princípios

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Resumo:


  • O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas é uma salvaguarda que impede o trabalhador de abrir mão de direitos conquistados, visando protegê-lo de uma posição de inferioridade em relação ao empregador.

  • Renúncia e transação são conceitos relacionados, mas distintos; a renúncia é um ato unilateral de desistência de um direito, enquanto a transação envolve concessões mútuas entre as partes em um conflito.

  • Apesar da doutrina tradicional e da jurisprudência especializada defenderem a irrenunciabilidade de forma absoluta, novas perspectivas metodológicas, como a do pós-positivismo, argumentam pela flexibilidade e ponderação de princípios em casos de conflito, desafiando a visão inflexível da doutrina trabalhista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. PANORAMA DO DIREITO COMPARADO

Artigo 3º da Lei do Trabalho da Venezuela:

Em nenhum caso serão renunciáveis as normas e disposições que favoreçam os trabalhadores.

Parágrafo único. A irrenunciabilidade não exclui a possibilidade de conciliação ou transação sempre que se realize por escrito e contenha uma relação circunstanciada dos fatos que a motivem e os direitos nela compreendidos.

A lei venezuelana é mais flexível que a nacional, na medida em que veda a renúncia, mas admite amplamente a transação, desde que cumpra com as formalidades e haja exposição do direito controvertido objeto do negócio jurídico.

Artigo 8º do Código Civil do Uruguai:

A renúncia geral das leis não surtirá efeito. Também não surtirá efeito a renúncia especial de leis proibitivas: o ato contra elas será nulo, se nelas não se dispuser em contrário.

Artigo 17 da Lei sobre Emprego Privado da Itália, de 1924:

As disposições do presente decreto serão observadas apesar de qualquer pacto em contrário, salvo no caso de acordos especiais ou de usos mais favoráveis ao empregado, e salvo no caso em que o presente decreto autorize expressamente sua derrogação consensual.

Constituição do Panamá de 1946:

Art. 70. São nulas e, portanto, não obrigam os contratantes, mesmo que se expressem numa convenção de trabalho ou em outro pacto qualquer, cláusulas que impliquem renúncia, diminuição, adulteração ou desistência de algum direito reconhecido ao trabalhador. A lei regulará o que se refere ao contrato de trabalho.

Extremamente protetiva e intervencionista, a Carta Maior panamenha proíbe inclusive a celebração coletiva sindical de qualquer renúncia, diferentemente do modelo constitucional brasileiro que admite a diminuição salarial, inclusive (artigo 7º, VI, da CF).

Em importante Seminário Internacional, que contou com juristas da área trabalhista de toda a latino-américa, a partir de cujo evento se tentou sistematizar um Código-Tipo para toda a América Latina, o professor colombiano AUGUSTO CONTI PARRA, responsável pelo tema dos princípios, advertiu que:

Um Código-Tipo tem, por conseguinte, o primordial objetivo de neutralizar a ideologia mediante uma proposta de centro que reduza a busca frenética da panacéia única e excludente que tem semeado o ódio e a destruição entre nossas gentes. Nessa medida, o legislador comunitário tem o grande desafio de conceber fórmulas de harmonia que permitam o uso comum de princípios protetores sem desprezar o axioma irrefutável da liberdade. 16

Na França, por exemplo, a renúncia não é admitida durante o curso do pacto de emprego, mas após a sua cessação pode ser feita livremente e extrajudicialmente. Isso porque se presume o vício de consentimento (temor reverencial, inclusive) durante o contrato de emprego, mas a presunção é invertida após a cessação do contrato.


5. MODELO PÓS-POSITIVISTA E A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS

Quando do surgimento do moderno Direito Constitucional e do movimento do constitucionalismo, inspirados nos ideários da Revolução Francesa, tinha-se em mente entre os cidadãos que o direito nascia não de uma criação do próprio homem, mas de uma força superior e divina: era o jusnaturalismo. Referida corrente, quando já em vias de secularizar-se, apregoava que os direitos mais caros ao homem, como a vida, a liberdade etc., eram todos provenientes de um direito natural, inerentes à própria espécie humana, por dotada de racionalidade. Ocorre que, lastreados nessa premissa, e valendo-se dela de forma enviesada, também os soberanos fundamentavam a sua força e poder com base no direito natural, defendendo que todos deveriam à eles se subjugar, pois era a vontade divina e o mais racional, como se defendia em obras influentes, a exemplo das de THOMAS HOBBES, precursoras do positivismo jurídico.

Tentando ultrapassar esta página da nossa história, surgiu a crítica ao direito natural com o objetivo principal de limitar os poderes do Rei, consagrando direitos da burguesia que detinha poder econômico e não o político. Nasceu o positivismo político, como decorrência do iluminismo defendido por ROSSEAU e outros, para ensinar que os direitos dos cidadãos deveriam ser batizados em normas positivadas e sacramentadas no ordenamento. A positivação das normas traria maiores garantias à burguesia. O auge do positivismo foi caricaturado com a idéia de MONTESQUIEU de que o juiz é a mera boca da lei, a este não podendo dar liberdade de interpretação, sob pena de usurpação e desvirtuamento da atribuição. A lei tudo podia; presumia-se a sua justiça.

Modernamente, alguns estudiosos passaram a criticar também o positivismo exacerbado, que já não dava conta de resolver com justiça as vicissitudes do mundo moderno, do mesmo modo que também passou a servir como meio de manutenção do status quo. Barbaridades e a desconsideração dos direitos humanos, aos montes e em diversos locais, sempre calcadas no direito posto, foram a pedra de toque para a queda do positivismo 17, como ocorreu com os estados alemão e italiano, fundados no nazismo e fascismo, ambos previstos nas leis vigentes.

Na feliz síntese de LUÍS ROBERTO BARROSO:

Surgem os mitos. A lei passa a ser vista como expressão superior da razão. A ciência do Direito – ou, também, teoria geral do Direito, dogmática jurídica – é o domínio asséptico da segurança e da justiça. O Estado é a fonte única do poder e do Direito. O sistema jurídico é completo e auto-suficiente: lacunas eventuais são resolvidas internamente, pelo costume, pela analogia, pelos princípios gerais. Separado da filosofia do direito por incisão profunda, a dogmática jurídica volta seu conhecimento apenas para a lei e o ordenamento positivo, sem qualquer reflexão sobre seu próprio saber e seus fundamentos de legitimidade.

Na aplicação desse direito puro e idealizado, pontifica o Estado como arbítrio imparcial. A interpretação jurídica é um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma. O juiz – la bouche qui prononce les paroles de la loi – é um revelador de verdades abrigadas no comando geral e abstrato da lei. Refém da separação de Poderes, não lhe cabe qualquer papel criativo. Em síntese simplificadora, estas algumas das principais características do Direito na perspectiva clássica: a) caráter científico; b) emprego da lógica formal; c) pretensão de completude; d) pureza científica; e) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete. Tudo regido por um ritual solene, que abandonou a peruca, mas conservou a tradição e o formalismo. Têmis, vendada, balança na mão, é o símbolo maior, musa de muitas gerações: o Direito produz ordem e justiça, com equilíbrio e igualdade.

Ou talvez não seja bem assim. 18

Em dias atuais, a partir da constatação de que o direito natural, com seus alargamentos e possibilidades infinitas de interpretação, e o positivismo exacerbado, com a submissão acrítica à lei, que no mais das vezes não representa a vontade do povo, mas favores da classe dominante, surgiu o movimento, por uns denominado de neo-constitucionalista, e que preferimos designar de pós-positivismo, podendo ser resumido como a tendência que revisita institutos do jusnaturalismo, com exacerbação da justiça das decisões e proteção dos direitos fundamentais, mas também colhe a necessidade da positivação de regras de conduta e interpretação, culminando com o axioma de que a lei deve ser o referencial primário, mas o interprete deve ter uma margem de trânsito para que, em cada caso concreto e com os olhos nos princípios e nos direitos fundamentais, possam escolher a solução, dentro das possibilidades dadas, que melhor se amolda ao caso concreto e aos ditames da Constituição.

O avanço do pós-positivismo foi reconhecer a força normativa dos princípios, dando-lhes um conceito também diverso daquele tradicional, de princípios gerais de direito, de origem jusracionalista, na medida em que no modelo positivista estes eram utilizados apenas para colmatar as lacunas, ainda assim depois da tentativa de se utilizar da analogia e dos costumes. Seu campo de aplicação era restritíssimo; agora, no novo modelo, tem força vinculante igual à das regras positivadas, e abrangência incomensuravelmente maior.

Os princípios constitucionais nunca obtiveram grande gosto da comunidade jurídica, eis que o positivismo indicava na direção de que as regras postas na lei é que deveriam ser obedecidas cegamente e os princípios constituir-se-iam apenas em nortes interpretativos, meros indicativos programáticos e enunciativos, que muitos entendiam como disfarces ideológicos com força meramente simbólica – e negativa.

Foram principalmente autores contemporâneos como o ianque RONALD DWORKIN e, na esteira dele, o alemão ROBERT ALEXY, em parte antecedidos pelos também alemães JOSEF ESSER e FRIEDRICH MÜLLER, quem, com mais detalhe, estudaram a força normativa dos princípios e a distinção desses das regras. Esses juristas-filósofos (como diria nosso CLOVIS) concluíram que as normas jurídicas (gênero) se subdividem em duas espécies normativas: regras e princípios.

O primeiro deles, professor das Universidades de New York e Oxford, criou sua teoria acerca dos princípios quando chegou à conclusão que o positivismo, calcado apenas nas regras de conduta para disciplinar a vida em sociedade, não albergava as devidas soluções para os casos difíceis (hard cases), quando os magistrados não encontravam nenhuma regra no ordenamento capaz de disciplinar o conflito de maneira moralmente satisfatória. Nesse caso, só poderia o juiz valer-se de sua liberdade para dar a solução ao caso concreto, já que não estava autorizado a pronunciar o non liquet, extrapolando com mais força o objetivo do positivismo, que é não dar qualquer margem de interpretação ao julgador.

DWORKIN justifica, então, a força normativa dos princípios, estacionados no mesmo grau de hierarquia das regras, em se tratando, tanto as regras como os princípios, de normas constitucionais, por exemplo. Em relação às regras, ou estas valem ou não (tudo ou nada); já os princípios quando entram em colisão, um ou alguns deles podem prevalecer casuisticamente sobre outros, sem que sejam extirpados do ordenamento, é dizer que apenas naquele caso não tiveram aplicação total, por se lhe atribuir menor peso. Não referia, portanto, a ponderação entre princípios e sim a prevalência pontual de algum sobre outro(s).

ROBERT ALEXY, aprimorando a distinção de DWORKIN, sistematizou sua teoria dos direitos fundamentais partindo do mesmo pressuposto de que a diferença entre as regras e os princípios não é uma questão de hierarquia, mas sim de qualidade.

ALEXY defende que os princípios são mandamentos de otimização, que devem ser aplicados nos casos concretos em sua maior eficácia, em busca da solução ótima. No entanto, não raro, dois ou mais princípios colidentes devem ser aplicados no mesmo caso concreto. Nestas situações (colisão), deve-se fazer um sopesamento de cada um dos princípios colidentes, de modo a, dependendo das circunstâncias do caso concreto, harmonizá-los de forma a buscar a solução ideal. Assim, um princípio não é superior ou mais importante que outro, apenas em determinadas situações concretas um pode prevalecer mais que outro, no entanto, em situação fática diversa, a prevalência pode se inverter, desde que justificada pelas circunstâncias de cada caso concreto.

As regras, ao contrário dos princípios, devem se realizar em todo seu grau de abstração em todos os casos em que o fato jurídico se adequar com o mandamento legal (subsunção). As regras não podem ser sopesadas ou ponderadas, pois as regras, ao contrário dos princípios, expressam deveres e direitos definitivos, ou seja, se uma regra é válida no ordenamento, deve se realizar exatamente aquilo que ela determina.

No Brasil, recentemente, difundiu-se a idéia de que os princípios são os mandamentos nucleares e fundamentais de todo o sistema, sendo as regras apenas a concretização deles no plano fático e normativo. Daí porque muitos autores têm a idéia, equivocada, de que os princípios encontram-se em um grau de hierarquia superior ao das regras, devendo prevalecer em caso de colisão.

Por todos, vejamos a lição do afamado CELSO A. BANDEIRA DE MELLO:

Violar um princípio é muito mais grave que violar uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. 19

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Partindo de premissa equivocada, que desafiaremos mais a frente, a doutrina nacional mais conservadora não admite qualquer discussão entre eventual confronto entre uma regra e um princípio, pois nessa situação o princípio sempre prevaleceria.

Então poderia haver conflito entre regras diversas e entre princípios diversos, mas não uma espécie normativa com outra. Em relação às regras, a colisão indicaria para um entre três modos de resolução. Os critérios seriam os da norma superior prevalece em relação à inferior (hierarquia), a norma mais moderna prevalece sobre a mais antiga (temporalidade) e a específica prevalece sobre a geral (especialidade).

As regras se aplicam no modelo do tudo ou nada. É o que prevê a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 2º.

Em relação aos princípios, estes quando entrarem em rota de colisão, em determinado caso concreto, devem ser ponderados, de modo a apresentar aplicação conjunta, buscando a solução ideal que possa homenageá-los. A prevalência de um princípio em determinado caso concreto não revoga o outro que teve menor incidência, e é bom que se repita, menor incidência e não total esvaziamento.

Esta é a posição atual da doutrina e jurisprudência constitucional.

A partir dessas idéias muitas conclusões podem ser formuladas.

A primeira delas é que não há hierarquia, nem formal, nem material, entre regras e princípios; ambos encontram-se no mesmo grau abstrato de hierarquia, enquanto normas jurídicas. Se há, pois, um confronto entre regra e princípio de mesma hierarquia em determinado caso concreto, deve a regra sempre prevalecer, pois esta expressa a pré-ponderação do legislador constituinte, o qual observando a regra geral (princípio) criou uma exceção para alguns casos específicos (positivando regras), as quais devem ser seguidas. Em palavras outras, somente há espaço para ponderação do intérprete quando o legislador já não o fez de forma expressa, positivando uma regra de exceção.

Um exemplo pode aclarar a conclusão. No texto da Constituição Federal, em diversas passagens, se verificam os princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II), solução pacífica dos conflitos (artigo 4º, VII), entre tantos outros na mesma diretriz. Contudo, parecendo conflitante, a alínea "a" do inciso XLVI admite a pena de morte em caso de guerra declarada.

Esse é um exemplo de que os princípios a serem seguidos, abstratamente e em toda medida, são o da proteção da dignidade da pessoa humana, solução pacífica dos conflitos, etc., entretanto em caso de guerra declarada formalmente admite-se uma exceção àqueles princípios, qual seja a pena de morte. O constituinte originário previu essa colisão em determinados casos concretos, já os pré-ponderou e deu a solução a priori. Raciocinar em sentido inverso levaria à inusitada conclusão de que a regra posta da pena de morte, norma constitucional originária, é inconstitucional, por conflitar com os princípios. E esse é um dos infinitos exemplos que demonstram que as regras devem prevalecer quando em conflito com um princípio de mesma hierarquia.

Em igual sentido já lecionou ANDRÉ RAMOS TAVARES 20.

Uma segunda conclusão é que como os princípios são plásticos, com seu conteúdo aberto, não há como aplicá-los pelo método da subsunção. Deverão, então, ser aplicados quando em caso de colisão mediante a técnica da ponderação.

A balança utilizada para ponderar os valores imanentes dos princípios é o "super-princípio" da proporcionalidade que representa uma diretriz meio-fim, isto é, uma conduta é proporcional quando a vantagem que proporciona supera as desvantagens que provoca. Quando há vários meios para se realizar um direito, deve-se observar aquele que menor restrição possível cause a direitos e alcance as maiores vantagens, aí este meio é proporcional e o conflito se resolve em favor dele.

Para verificação da proporcionalidade, deve o interprete fazer três testes diferentes: 1) verificar se o meio escolhido é adequado para realização do fim buscado; 2) se a restrição causada pelo meio é absolutamente necessária para a realização do fim e 3) se houve um ganho grande com o objetivo alcançado que seja proporcional às desvantagens que causou, isto é, proporcionalidade em sentido estrito.

Um dos co-autores, introdutor no país da máxima de proporcionalidade 21, concluiu há vinte anos os estudos constitucionais acerca dos direitos fundamentais com a idéia de que a proporcionalidade é o princípio dos princípios, fazendo às vezes da norma hipotética fundamental de Kelsen.

É esse equilíbrio a própria idéia do Direito, manifestado inclusive na simbologia da balança, e é a ele que se pretende chegar, com Estado de direito e Democracia. A proporcionalidade na aplicação é o que permite a co-existência de princípios divergentes, podendo mesmo dizer-se que entre esses e ela, proporcionalidade, há uma relação de mútua implicação, já que os princípios fornecem os valores para serem sopesados, e sem isso eles não podem ser aplicados.

Aquela máxima de proporcionalidade, contudo, não é puramente formal e abstrata, já que se pode determinar com bastante precisão o seu, não acatamento, o que deve ter como conseqüência uma anulação de pleno direito – já se chegou mesmo a falar que ela é passível de subsunções, - o que a torna um misto de regra e princípio. (!) Nela se pode vislumbrar a norma fundamental que procurávamos, que não se situa somente no ápice de uma "pirâmide" normativa, estática, sendo passível de emprego também na "base" do ordenamento jurídico, em decisões de autoridades judiciais, ou administrativas, instaurando encadeamentos novos e válidos de normas, para atender às necessidades de transformações e adaptações do sistema normativo. 22

Expliquemos melhor esta posição, almejando assim esclarecer aspectos controvertidos do princípio da proporcionalidade. Para tanto, traça-se um paralelo entre o referido princípio e aquele, familiar aos que estudam e militam na área trabalhista, dito protetor, de estreita conexão com o que ora nos ocupa, a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

No Brasil, o princípio da proporcionalidade passou a ser referido, inicialmente - tal como, de resto, também ocorreu em seu "país de origem", a Alemanha -, no Direito Administrativo, migrando para o Direito Constitucional, e como uma lufada de ar puro em ambientes fechados, vem alcançando todos os ramos do Direito, inclusive o Direito do Trabalho, como atestam decisões de alguns Tribunais Regionais do Trabalho, como o da 22ª Região no julgamento de agravo de petição em que estavam em jogo dois direitos fundamentais, reconhecendo-se o direito do reclamante em promover penhora em proventos de aposentadoria do reclamado 23, e também na 23ª Região 24.

Entretanto, o sopro rejuvenescedor esvaiu-se. Aqueles Tribunais do Trabalho mais avançados retrocederam. Argumentam, hoje, que o legislador processual civil teve a oportunidade de positivar essa possibilidade de penhora parcial de rendimentos, mas preferiu manter a impenhorabilidade, privilegiando o devedor-executado. Uma decisão atualíssima do Tribunal Regional do Mato Grosso invocou a técnica da interpretação conforme à Constituição para manter a posição de outrora, da impenhorabilidade, não importando quais eram as variantes do caso concreto sob apreciação 25. Aquela idéia de justiça e equilíbrio entre os interesses em conflito parece ter sido de pronto esquecida.

No primeiro grau de jurisdição, o Juiz PAULO ROBERTO BRESCOVICI, da 3ª Vara do Trabalho de Cuiabá-MT, proferiu belíssima decisão onde ponderou o direito de greve dos empregados de um lado e o direito de propriedade de outro utilizando do princípio da proporcionalidade 26.

Uma manifestação recente deste movimento renovador, situada no campo juslaboral, é representada por ANA VIRGÍNIA MOREIRA GOMES 27. Remetemos o leitor à própria obra, para informar-se sobre o sentido novo que adquire a temática, enfocada sob o prisma principiológico, a culminar com a aplicação do "princípio dos princípios", aquele que disciplina o acomodamento entre os demais princípios, que é o princípio da proporcionalidade.

No trabalho por último referido, a autora (p. 45), na esteira de Américo Plá Rodriguez, destaca três regras que consubstanciariam as dimensões fundamentais do princípio protetor dos trabalhadores, a saber, a regra da norma mais favorável, a regra da condição mais benéfica e a regra in dubio pro operario.

Examinando o conteúdo do princípio de último referido, com suas três facetas, temos que na máxima in dubio pro operario, assim como naquela da proporcionalidade, não podemos visualizar um conjunto de regras jurídicas, muito menos de interpretação, pois se assim o fora serviriam apenas para orientar a intelecção do Direito e não, como toda norma jurídica, condutas de observância deste Direito. Em verdade, é de se notar a semelhança entre este sub-princípio do princípio protetor e os demais, que se referem à primazia de uma condição mais benéfica e de norma mais favorável ao trabalhador, com aquele sub-princípio da proporcionalidade, expresso na máxima da exigibilidade (ou necessidade), do qual seria uma manifestação no âmbito justrabalhista. E nesse sentido, explica-se a "dúvida" referida pela máxima in dubio pro operario, que não macularia a certeza jurídica (segurança) das relações jurídicas trabalhistas, pois em situações de colisão de princípios essa dúvida é sempre justificada, prestando-se a máxima em apreço a fornecer indicação sobre como saná-la, com respeito ao princípio da proporcionalidade, levando em conta, ainda, quando for o caso, outras circunstâncias, que beneficiam a parte hipossuficiente, a fim de restaurar um equilíbrio entre as partes, preservando a proverbial proporcionalidade, sobre a qual passamos a expender alguns esclarecimentos.

Tal como o princípio protetor, também o princípio da proporcionalidade tem um conteúdo que se reparte em três "princípios parciais" (Teilgrundsätze): "princípio da proporcionalidade em sentido estrito" ou "máxima do sopesamento" (Abwägungsgebot), "princípio da adequação" e "princípio da exigibilidade" ou "mandamento do meio mais suave" (Gebot des mildesten Mittels) - a propósito, v., por todos, PAULO BONAVIDES 28 O "princípio da proporcionalidade em sentido estrito" determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o "conteúdo essencial" (Wesensgehalt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.

Os subprincípios da adequação e da exigibilidade, por seu turno, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se, assim, "adequado". Além disso, esse meio deve se mostrar "exigível", o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais. Sobre a distinção, vale referir a formulação do Tribunal Constitucional alemão:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando com seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental 29

As demais manifestações do princípio da proporcionalidade (em sentido amplo), por sua vez, já apresentam um grau bem maior de concreção, especialmente aquele referente à "adequação" (Geeignetheit), sendo isso o que possibilita subsumir a eles fatos diretamente, a exemplo do que se verifica com as normas que são regras, o que não ocorre com nenhum outro princípio. Essa peculiaridade o torna isento à critica que se faz ao uso de princípios no raciocínio jurídico, de que assim o Direito é visto de uma perspectiva deformante, "de cima para baixo", quando as leis é que fornecem o ponto de vista adequado e normal, "de baixo para cima": o "mandamento" ou "máxima da proporcionalidade", ao mesmo tempo em que ocupa o posto mais alto na escala dos princípios, por ser o mais abstrato deles, por resolver seus problemas de colisões, contempla igualmente a possibilidade de "descer" à base da pirâmide normativa, informando a produção daquelas normas individuais que são as sentenças e as medidas administrativas. Por tudo isso, bem como pela intima relação que guarda com a "essência" ou "idéia do direito" (Rechtsidee) - como já acentuou, entre outros, KARL LARENZ 30 -, é que se vê no princípio da proporcionalidade a expressão mais própria da norma fundamental (Grundnorm), a qual Kelsen nunca conseguiu definir de uma forma satisfatória, por só vislumbrá-la no topo de sua pirâmide normativa, quando o lugar mais acertado para um fundamento é mesmo na base de tal pirâmide.

É assim que, mesmo no caso das normas que compõem o princípio da proporcionalidade (em sentido amplo), não a concebemos como dotadas da natureza de regras, até porque não se acham explicitadas em todo e qualquer ordenamento jurídico, tal como verificamos entre nós, onde o princípio como um todo haverá de ser deduzido do regime constitucional de direitos fundamentais por nós adotado, com base no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal – o mesmo se aplicando, aliás, ao princípio protetor e àquele da irrenunciabilidade dos direitos do trabalhador, com ele intimamente relacionado.

Com esta nova posição, o Poder Judiciário está autorizado pela Constituição a fazer os testes de proporcionalidade dos atos praticados pelos outros dois Poderes, taxando-os de desproporcionais e, por isso, inconstitucionais, quando for o caso, sem que esteja ferindo a separação dos poderes ou o pacto federativo. No mesmo sentido os atos praticados pelos particulares podem e devem ser testados (eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou, como dizem os alemães, aplicabilidade frente a terceiros).

Um traço característico importante da teoria dos princípios é a necessidade de rigorosa exposição analítica das razões que levaram o intérprete à tomada de uma decisão; expor, com aprofundamento, quais foram os critérios que o levou a adotar uma entre várias soluções possíveis, taxando as não adotadas de desproporcionais. Com a fundamentação rigorosa proporcionará o controle pelos demais atores sociais e afasta-se a crítica merecida de que a aplicação de princípios importa em casuísmos e ataque ao ideal de segurança jurídica (um dos fins do Direito).

Em linguagem metafórica, tal qual o engenheiro, que quando constrói a base de sustentação de um edifício, deve o jurista adequar sua fundamentação. Com efeito, quando se edifica um uma rocha, o sustentáculo natural é mais firme e rigoroso, mas quando se constrói sobre solo arenoso ou pantanoso, o engenheiro deve adaptar seu projeto para buscar uma sustentação artificial do projeto mais profunda, de igual modo o jurista ao lidar com os princípios deve construir seus alicerces com fundamentação analítica e profunda, aprimorando seu projeto construtivo.

Vejamos, nesse particular, a lição de DANIEL SARMENTO, que bem retrata a forma descuidada que a maioria trata os princípios constitucionais:

(...) muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. 31

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Sobre os autores
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Willis Santiago Guerra Filho

Livre-Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor Titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professor nos programas de Pós-graduação em sentido estrito em Direito da PUC/SP e da Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Professor da Pós-graduação lato sensu e da Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo ; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Renúncia e transação no Direito do Trabalho.: Uma nova visão constitucional à luz da teoria dos princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2126, 27 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12715. Acesso em: 22 dez. 2024.

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