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Competência material trabalhista.

Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88

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29/04/2009 às 00:00
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3 - Critério científico para definição da competência material

Fixadas as pedras angulares de que relação de trabalho é muito mais ampla que relação de emprego e que àquela é toda atividade exercida por pessoa física em favor de pessoa física ou jurídica para obtenção de um resultado útil, verificando a celebração de contrato de atividade com obrigações de fazer, mister é criarmos um critério científico para o enquadramento processual competencial.

É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la: se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) se ampara em uma relação de trabalho é de competência da Justiça Especializada dirimir o conflito, mesmo que para tanto utilize normas dispostas em outros ordenamentos que não a CLT (causa de pedir próxima), tais quais o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, legislação extravagante etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação da própria CLT (parágrafo único do artigo 8º).

O STF, em julgamento histórico [09], já pontuou em igual diapasão:

"A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.

(...)

Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data vênia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me parece in questionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil.".

O raciocínio exposto tem por fundamento a adoção em nossa ciência processual da teoria da substanciação, incumbindo ao autor indicar em sua petição inicial a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) e a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio), conforme artigo 282 do CPC. Da mesma forma o § 1º do artigo 840 da CLT também exige a exposição dos fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota), a indicar, com isso, se o litígio posto sob apreciação da Justiça do Trabalho tem como causa de pedir remota uma relação de trabalho, para poder com isso ser reafirmada ou declinada a competência.

Ressalto que a competência é firmada no momento da propositura da ação (artigo 86 do CPC), verificando-se in statu assertionis a causa de pedir remota exposta na inicial para fixação da competência. Desse modo, pouco importa se após a apresentação da defesa ou mesmo após a instrução processual verificar-se que não se trata de uma relação de trabalho, pois a competência já terá sido fixada e a alteração posterior deverá levar ao julgamento de fundo com a conseqüente rejeição do pedido e não remessa dos autos para o juízo competente. O único requisito que realmente importa para a fixação de competência é que a petição inicial traga como causa de pedir remota uma relação de trabalho, pouco importando se essa relação será ou não afirmada quando da instrução do feito.

Trago lição do emérito mestre do Largo do São Francisco, Professor Doutor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [10], em alento à nossa tese:

"A determinação da competência faz-se sempre a partir do modo como a demanda foi concretamente concebida – quer se trate de impor critérios colhidos nos elementos da demanda (partes, causa de pedir, pedido), quer relacionados com o processo (tutelas diferenciadas: mandado de segurança, processo dos juizados especiais cíveis etc.), quer se esteja na busca do órgão competente originariamente ou para os recursos. Não importa se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu etc. Questões como essas não influem na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a conseqüência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda proposta, in statu assertionis.

A Justiça Federal é competente para uma causa proposta em face da União, ainda que esta seja parte ilegítima e a demanda devesse ter outro réu e não ela: o juiz federal extinguirá o processo por força dessa ilegitimidade ad causam (CPC, art. 267, inc. VI), mas a competência parta fazê-lo é dele, pelo simples fato de a União figurar como ré no processo (Const., art. 109, inc. I).".

E este parâmetro científico-processual é utilizado em toda e qualquer ação, pois o autor está obrigado a trazer explicitamente na petição inicial quais são os fatos essenciais que formam a causa de pedir remota, conforme exigência dos artigos 282 do CPC e 840, § 1º, da CLT, sob pena de em assim não fazendo tê-la indeferida liminarmente (inciso I e parágrafo único, inciso I, do artigo 295 do CPC).

- Destarte, para definição da competência da Justiça do Trabalho não importa quais serão os dispositivos de direito material usados para resolução da lide (causa de pedir próxima), mas sim apenas se os fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota) estão vincados em uma relação de trabalho, esta como fato essencial da causa de pedir.

Contudo, o imbróglio não está totalmente resolvido, na medida em que a Constituição Federal não define qual é o alcance da terminologia "oriundas da relação de trabalho". Esta decorrência seria apenas direta ou se admitiria a ligação reflexa ou indireta dos termos da lide com a relação de trabalho?

Em outras palavras: é de competência da Justiça do Trabalho a lide que tenha a relação de trabalho apenas como fundamento indireto, em situações como a de um empregado que recebe sua esposa no trabalho para conversar e esta é agredida moralmente pelo empregador, sob a alegação de que ela atrapalha o trabalho do marido, prejudicando os interesses da empresa? Se a esposa fosse propor uma ação de ressarcimento por danos morais seria na Justiça do Trabalho?

Não há dúvida de que se o sujeito não fosse empregado da empresa nunca haveria a sobredita agressão verbal, por isso o possível dano moral nasceu em razão de uma relação de trabalho existente, mesmo que a relação não seja entre a ofendida e o ofensor. Haveria competência da Justiça do Trabalho?

Pensamos que não. O alcance do termo oriundo deve ser direto, ou seja, os pedidos devem ter como causa de pedir direta a relação de trabalho, não importando que esta seja sustentáculo indireto ou reflexivo para outros pedidos. Somente àqueles, que tem a relação de trabalho como seu núcleo central (fato essencial da causa de pedir), estão sujeitas à jurisdição da Justiça do Trabalho. Como disse o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no julgado histórico já citado: "O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia (rectius: relação de trabalho, agora após a EC 45/2004)".

A ação proposta pela esposa ofendida em face do empregador seria perante a Justiça Comum Estadual, na medida em que as causas de pedir seriam a agressão sofrida (causa remota) e os artigos 186 do CC/2002 e os incisos V e X do artigo 5º da CF/88 (causa próxima), em nada alterando o fato do agressor ser ou não empregador de seu marido, pois a relação de trabalho não é fato essencial da causa de pedir, pois a petição inicial é plenamente apta mesmo que não mencione que a agressão ocorreu em ambiente de trabalho do seu esposo. Logo, conforme nosso critério exposto linhas atrás, não há na petição inicial a relação de trabalho como fato essencial da causa de pedir que possa atrair a competência especializada da Justiça do Trabalho. Para obter a indenização, pouco importa quem foi o ofensor.

Com esta sistematização, pensamos que fica plenamente justificada a inclusão do inciso IX no mesmo artigo 114, sem que haja qualquer incongruência, pois o inciso I abarca as lides diretamente oriundas da relação de trabalho, tendo essa como fato essencial da causa de pedir; já o inciso IX permite que o legislador infraconstitucional traga para a Justiça do Trabalho outras lides em que a relação de trabalho seja sua causa indireta ou reflexa, como no exemplo citado da indenização por danos morais. A competência da Justiça do Trabalho somente irá colher as lides em que a decorrência seja direta da relação de trabalho, delegando-se ao alvedrio do legislador ordinário, por meio da cláusula aberta do inciso IX, trazer à Justiça do Trabalho demais ações indiretamente decorrentes da relação de trabalho.

A não ser assim, ter-se-ia de admitir que o inciso IX do artigo 114 é inútil, pois todas as lides direta ou indiretamente já estariam alcançadas pela regra do inciso I do mesmo artigo. Como a lei não contém palavras inúteis, a interpretação que melhor se amolda a emprestar máxima efetividade aos dois incisos é aquela que defendemos, salvo melhor juízo.

Há que se ressaltar que a redação anterior falava em lide decorrente da relação de trabalho, mas a novel redação vaticina no inciso I em lide oriunda de relação de trabalho. É certo que houve uma alteração gramatical dos termos, isso porque oriunda quer significar algo diretamente relacionado, umbilicalmente ligado, mas já o termo decorrente reflete um maior distanciamento, a indicar que a relação de trabalho pode ser fato reflexo ou indireto da controvérsia, mas nessas situações a competência da Justiça do Trabalho deve ser dada pelo legislador ordinário por meio da "janela" ou cláusula aberta do inciso IX [11].


4 – Relação de trabalho X Relação de consumo

Após a edição da emenda, a doutrina nacional entrou em caloroso debate acerca da inclusão das relações de consumo entre as relações de trabalho e, por corolário, sua vinda para os limites de competência da Justiça do Trabalho.

Quase a unanimidade dos estudiosos entendeu que a relação de consumo não se confunde com a relação de trabalho, motivo pelo qual não estaria sujeita ao alcance da competência material reformada. O argumento era de que a relação de consumo tem como objetivo principal o produto ou serviço consumível, colocado à disposição do consumidor no mercado, tendo como pólos o fornecedor e o consumidor, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, enquanto a relação de trabalho tem como principal foco a força de trabalho propriamente dita.

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Acrescentou-se, como JOSÉ AFFONSO DALLEGRAVE NETO [12], que a norma do § 2º do artigo 3º do CDC (Lei 8.078/90) diz expressamente que relação de consumo não se confunde com relação de trabalho; o princípio da incindibilidade da competência material não poderia autorizar que a Justiça do Trabalho julgasse as ações de relação de consumo calcada em prestação de serviços, quando não há dúvida que continuará a Justiça Comum Estadual julgando as relações de consumo cujo objeto seja a comercialização de produtos.

Passo a desafiar ambos os entraves postos.

Primeiramente, cito o artigo 3º Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.".

Importante, também, trazer a redação do artigo 593 do Código Civil: "A prestação de serviços, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.".

Por uma leitura sistemática dos artigos 593 do CC/2002 e 3º do CDC, tem-se claramente que estas legislações excluíram seu arcabouço de aplicação para as relações de emprego, pois o termo contrato de trabalho era utilizado como termo sinônimo de relação de emprego, isso porque o artigo 442 da CLT assevera que "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.".

Como ambos os dispositivos vieram à lume antes da EC 45 de 2004, e sob a égide da interpretação do artigo 442 da CLT, este que fazia confusão entre os termos relação de trabalho e relação de emprego, é plenamente justificável que o legislador civil e o consumerista tenham utilizado o termo relação de trabalho para excluir os contratos de emprego do arcabouço de aplicação dos dois diplomas.

Como foi a EC 45 de 2004 que inaugurou real diferenciação entre os termos relação de trabalho e relação de emprego, os dois estatutos citados devem se amoldar à nova ordem constitucional e receber interpretação conforme. Veja-se que a própria Carta Maior, quando de sua redação originária, ainda fazia a confusão acima esquadrinhada, na medida em que no caput do artigo 7º dizia que os direitos dos incisos seguintes seriam pertencentes a todos os trabalhadores, quando nunca ocorreu dúvida que FGTS, décimo terceiro salário, adicional de insalubridade, entre outros, sempre pertenceu à categoria dos empregados e não a dos demais trabalhadores sem subordinação e sem vínculo de emprego.

Querer interpretar os artigos 593 do Código Civil e 3º do Código de Defesa do Consumidor com os olhos voltados no passado e em sua redação apenas gramatical, além de causar diversos inconvenientes de ordem prática, afronta a força normativa de nossa Constituição Federal e as alterações feitas pelo constituinte, como foi a adequação terminológica dada pela Reforma do Judiciário, emprestando os verdadeiros contornos científicos às terminologias trabalho e emprego.

Excluem-se, pois, da incidência do Código Civil e do Consumidor as relações de emprego que são regidas pela CLT, nada além disso.

Havendo relação de trabalho, como já dizemos exaustivamente, é o que basta para fixação da competência da Justiça do Trabalho, pouco importando que se apliquem na resolução da controvérsia regras civis ou consumeristas. Logo, no julgamento das ações oriundas da relação de trabalho sob os cuidados da Justiça Especializada poder-se-á aplicar as seguintes legislações: a) nas relações emprego a CLT e subsidiariamente as demais disposições da legislação comum (artigo 8º); b) nas relações de trabalho sem subordinação, aplicar-se-á o CDC, o CC/2002 ou a legislação extravagante, conforme a relação com que estaria lidando, sem que haja alteração de competência em razão de aplicação de uma norma ou outra.

Competência, questão preliminar, não se confunde com mérito.

Soaria de todo absurdo que após receber a contestação e realizar a instrução processual, o magistrado trabalhista, verificando que terá de aplicar as regras do CDC na solução do caso, declinasse de sua competência. É exatamente a mesma situação, ainda em tempos de competência restrita, se o magistrado após a instrução do feito, verificando que não há relação de emprego, remete-se os autos para julgamento da relação de trabalho pela Justiça Comum, quando deveria apenas rejeitar, no mérito, o pedido de reconhecimento de vínculo e seus consectários.

Equívocos processuais dessa natureza não podem ser admitidos.

O magistrado REGINALDO MELHADO [13] adverte que: "É irrelevante a distinção entre relação de consumo e relação de trabalho, que muitos têm buscado identificar como excludente da hipótese competencial fixada no inciso I do art. 114 da Constituição. Um mesmo fenômeno jurídico pode estar sob o influxo simultâneo de mais de uma norma.".

Já quanto à alardeada cisão da competência, somente por apego à formalidade a as instituições do passado é que se reluta em atribuir a dois ramos do Poder Judiciário a aplicação de uma mesma norma. Não há no Código de Defesa do Consumidor qualquer disposição específica que regula a competência material do órgão jurisdicional para sua aplicação. Muito ao contrário, o CDC deve ser aplicado sempre que houver relação de consumo, independentemente do ramo do Judiciário que está julgando o processo. A jurisdição é una. Não nos esqueçamos disso.

A se pensar da mesma forma que a doutrina citada, chegar-se-ia ao absurdo de dizer que somente a Justiça Comum poderia aplicar o Código Civil, sob pena de, outro órgão o aplicando, ferir o princípio da incindibilidade da competência material. Nada mais absurdo, convenhamos.

O ilustre colega e amigo JOSÉ HORTÊNCIO RIBEIRO JÚNIOR [14] traz novos e engenhosos argumentos para dirimir esta questão, ao asseverar que a relação de consumo é uma relação jurídica secundária, sempre necessitando de uma relação jurídica principal, a qual lhe é antecedente lógico. Em outras palavras: a relação de consumo sempre ocorre posteriormente ao surgimento de uma relação anterior, como no caso da compra de uma televisão, onde antes de se formar a relação de consumo, surgiu a relação civil de compra e venda, de igual forma na contratação de uma corrida de táxi, antes de se estabelecer a relação de consumo ocorre contrato de transporte, e assim em diante quanto a prestação de serviços, mandato, corretagem etc. Em hipóteses que, nada obstante a relação secundária seja uma relação de consumo, mas a relação principal é uma relação de trabalho, nos limites expostos nos tópicos anteriores, a competência é da Justiça do Trabalho.

Com esta definição teórica, passa a ser de fácil diferenciação entre as relações de consumo, àquelas que serão afetas à competência da Justiça do Trabalho, bastando para tanto observar se a relação jurídica primária é ou não uma relação de trabalho. Se for, a competência da Justiça Laboral está configurada, nada obstante no julgamento de mérito possam invocar regras de direito material da legislação civil ou do Código de Defesa do Consumidor.

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Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista.: Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2128, 29 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12723. Acesso em: 5 nov. 2024.

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