Desde o dia 27/03/2009, quando da publicação da medida liminar referente ao Mandado de Segurança 27.931-1 – STF, a comunidade jurídica nacional tem festejado a nova interpretação dada ao §6º do art. 62 da Constituição Federal, cujos termos literais estão previstos da seguinte forma:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
Tal festejo deriva do posicionamento tomado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, bem como pelo Ministro Celso de Melo, acerca do que deveria ser entendido por sobrestamento das demais deliberações legislativas.
Neste aspecto, Deputado e Ministro construíram o agora chamado renascimento do Poder Legislativo ao sugerirem que as medidas provisórias não votadas no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias não teriam o condão de obstruir por inteiro a pauta de votação do Senado ou da Câmara Federal. Em outras palavras, passou-se, pois, a admitir que uma medida provisória não votada no prazo legal só poderia trancar a pauta das sessões legislativas ordinárias e, mesmo assim, sem possibilidade de vedar a análise de resoluções, decretos legislativos, leis complementares e emendas constitucionais.
Salienta-se que esse manejo interpretativo se deu como forma direta de combate ao já banal excesso de medidas provisórias que, por nada terem de urgência e relevância para o país, apenas servem como meio de o Executivo impor as alterações legais que lhe convêm.
O pensamento do ilustre Deputado e do decano Ministro é, pois, nobre e sedutor, todavia, data maxima venia, não pode prosperar por motivos expostos na própria Constituição Federal.
Passemos, pois, a argumentar sobre nosso ponto de vista:
O mandamento constitucional que veda que qualquer das Casas do Congresso Nacional delibere sobre proposições legislativas caso uma medida provisória não seja apreciada em 45 dias deve ser auto-aplicável, haja vista que, em momento algum a Carta Política deu sinais de que tal dispositivo tem cunho meramente diretivo. Ao contrário, a norma é de aplicabilidade plena já que destinada ao fortalecimento do próprio rito de votação de uma medida legislativa excepcional – que requer, por óbvio, rapidez no procedimento.
Assim, não caberia a priori flexibilizar tal dispositivo, tendo o Poder Legislativo o dever de segui-lo, sob pena de se colocar em xeque a própria celeridade necessária ao processo legislativo de uma MP.
Todavia, não foi por essa determinação que a Carta Magna deixou o Congresso Nacional inerte frente ao possível mau uso das medidas provisórias. Distante disto, deu a este Poder ferramentas que possam auxiliá-lo eficazmente no combate ao excesso de MP’s desprovidas dos requisitos constitucionais.
Neste diapasão, a própria Constituição Federal lança solução para o excesso de medidas provisórias triviais advindas do Executivo, não sendo necessário, pois, que se construa - como feito pelo Deputado Michel Temer - nova interpretação sobre o texto legal.
Dessarte,é na aplicação dos §§ 5º e 9º do artigo 62 da Constituição Federal que deve o Parlamento se embasar a fim de anular o mau uso do anômalo poder de legislar do Executivo.
Vejamos o que dizem os referidos dispositivos legais:
Art. 62. omissis.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
Analisando os referidos parágrafos, notório é perceber que a própria Carta Magna fornece ao Poder Legislativo ferramentas que conseguem por si vedar que a pauta do Congresso Nacional seja obstruída por medidas provisórias que não atendam os requisitos, impregnados no caput do art. 62 da Constituição, da relevância e urgência.
Neste sentido é a Lição do Ilustre Ministro Gilmar Ferreira Mendes:
"Antes das deliberações de cada Casa do Congresso Nacional, o §5º do art. 62 da Constituição Federal cobra que seja apreciado o atendimento dos pressupostos constitucionais, aí incluídas a urgência e relevância".
E segue:
"O Congresso Nacional deve vir a rejeitar a Medida Provisória se vier a entendê-la irrelevante ou não urgente – vale dizer, antes de o Poder Legislativo anuir ou não à disciplina constante do texto da medida provisória, deverá analisar os pressupostos constitucionais".
Com o mesmo pensamento, aduz o Professor José Afonso da Silva:
"Por determinação expressa, a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias depende de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais".
Ante doutas palavras, fácil perceber que não é necessária construção argumentativa alguma para que o Congresso Nacional batalhe contra o contínuo desvio no uso das medidas provisórias. Basta, tão só, seguir os ditames do dispositivo legal, traçado na Carta Magna desde a EC nº. 32/2001, qual seja o §5º do art. 62.
Ora, nos termos deste dispositivo, deve qualquer uma das Casas do Congresso Nacional fazer análise prévia sobre a presença dos requisitos constitucionais de uma MP. Sendo assim, medidas provisórias que não refletem interesse urgente e relevante para a Nação não devem sequer ser analisadas, passando o Congresso Nacional a dispor, mediante decreto legislativo, sobre as relações jurídicas decorrentes das mesmas.
Perceba-se que, nesse caso, - sendo a MP mais ligada com os interesses do Poder Executivo e não com os do País - a pauta do Congresso Nacional já estaria livre para futuras votações, pois a medida provisória de conteúdo não urgente e não relevante já teria sido refutada por falta de requisitos constitucionais; e isso, frise-se, sem o uso de uma nova interpretação para o §5º do art. 62.
É, pois, na simples análise prévia do texto oriundo do Executivo que o Parlamento já pode inviabilizar a análise da medida provisória – liberando, caso a mesma não tenha os pressupostos constitucionais, sua pauta de votação, não havendo, consequentemente, o tão comum congestionamento de MP’s que dificultam a atividade legislativa.
No tocante ao §9º, frise-se que o dever de estudo prévio da medida provisória é dado tanto a Deputados quanto a Senadores da República, através de uma comissão mista de parlamentares. Neste aspecto, mais útil é à Nação a implementação dessa comissão – responsável por papel primordial no sistema de produção legislativa – do que uma alteração na forma de interpretar o Texto Maior.
Frente a tais considerações, conclui-se, pois, que mesmo ante o notável interesse político e caráter social das opiniões do Deputado Michel Temer e do Ministro Celso de Melo, as mesmas não devem ser aceitas de imediato pelo operador do Direito, já que tal interpretação se faz desnecessária frente aos mecanismos que, presentes da Lei, permanecem sem uso - devido à inércia de nossos Congressistas.
Vale de exemplo imediato a Comissão Mista de Parlamentares – ausente no cenário atual e capaz de auxiliar na resolução do problema do trancamento da pauta das Casas Legislativas.
É no trabalho de nossos Deputados e Senadores que se encontra a solução para a obstrução nas votações – e não em uma mudança interpretativa constitucional.