INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais trabalhistas, exatamente por concentrarem as noções de dignidade da pessoa humana, essencialidade e relevância, devem ser objeto de regulamentação processual efetiva, expedita e satisfatória, destinada a assegurar a consecução de bens da vida materiais e imateriais reputados indispensáveis para a garantia de, pelo menos, o mínimo existencial para a vida e a liberdade do cidadão-trabalhador.
Embora as ondas reformatórias tenham provido o sistema processual brasileiro de algumas técnicas e expedientes úteis para a concretização dos direitos fundamentais trabalhistas (tais como a generalização da antecipação dos efeitos meritórios da sentença por força de tutela de segurança ou da tutela de evidência; a efetivação da tutela antecipada independentemente de sentença passado em julgado; as medidas coercitivas indiretas; os meios sub-rogatórios), a utilização desses mecanismos pela Justiça do Trabalho pátria se revela acanhada.
Tal realidade clama por mudanças urgentes, porquanto as linhas evolutivas do processo moderno fundam-se em postulados de ética, celeridade, utilidade do resultado e eficácia social do provimento jurisdicional – enunciados repletos de carga axiológica que exigem maior operacionalização no plano juslaborista ante as peculiaridades do contrato de emprego, marcado pela celebração de ajuste entre contratantes natural e materialmente desiguais.
A disposição contida no art. 8º da CLT expressamente autoriza a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, a aplicar o direito comparado para a solução de conflitos intersubjetivos de interesses entre empregado e empregador, contanto que o interesse individual não se sobreponha ao interesse público.
Por "falta de disposições legais ou contratuais" deve-se entender não apenas o vazio oriundo da lacuna normativa (fruto do não-exercício da função legiferante pelo Estado ou do não concerto de vontade entre os sujeitos da relação jurídica material). O conceito é amplo e compreende deficiências sociais e valorativas oriundas das lacunas ontológica e axiológica
Mesmo que regra jurídica ou cláusula contratual preencham os campos da existência e da validade, no espectro da eficácia, em se apresentando insuficientes, "anciãs", divorciadas da nova realidade social ou injustas, merecerão interpretação evolutiva para tornar seu conteúdo mais ético e consentâneo com o ideário do pós-positivismo, da normatividade dos princípios constitucionais, da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais trabalhistas.
Não há dúvidas de que a revisitação de regras, sob a inspiração de boas e eficientes soluções propostas em diplomas legais estrangeiros, oxigena e atualiza o ordenamento jurídico nacional, propiciando, dessa feita, ao processo do trabalho cumprir sua função "garantística" de realização e salvaguarda de quaisquer direitos trabalhistas, fundamentais ou não.
Desse modo, no presente estudo, serão traçadas anotações sobre o Texto Refundido da Lei de Procedimento Laboral espanhola (TRLPL), que prevê procedimento específico destinado à garantia do exercício do direito fundamental à liberdade sindical. Abordar-se-ão aspectos relativos à legitimidade (ativa e passiva), preferência e sumariedade, incidente de suspensão, inversão do ônus probatório, fase executiva e conteúdo da decisão espanhola. A par disso, será feito cotejo com o processo trabalhista brasileiro, concluindo-se, ao final, pelos contributos do direito alienígena à proteção dos direitos fundamentais trabalhistas e eventual "empréstimo" à moldura legislativa pátria.
Esclarece-se, de antemão, que muitas observações alusivas ao procedimento específico delineado pelos artigos 175 a 180 do TRLPL são plenamente aplicáveis à tutela dos demais direitos fundamentais definida pelo art. 181 do mesmo diploma, ante a natureza remissiva desta última norma.
2. ESPANHA – FLEXIBILIZAÇÃO X AVANÇADA NORMATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS
A reestruturação das formas de produção capitalista, os efeitos da globalização com conseqüente acirramento da concorrência mundial, a terceira revolução industrial caracterizada pela difusão da telemática, informática e cibernética afetaram, em cheio, o mundo do Direito do Trabalho.
Premidos pela necessidade de emprego, milhões de pessoas se sujeitam a condições precárias de trabalho, sob pena de engordar o exército dos desempregados, cuja situação se transformou em problema estrutural.
Sob o falacioso discurso de que reduzir o número, a intensidade e a eficácia de normas heterônomas protetivas do trabalhador produziria o aumento dos postos de trabalho e proporcionaria a retomada do progresso nacional, a Espanha se rendeu, sobretudo na década de 1990, à flexibilização das normas de Direito do Trabalho, sofrendo conseqüências desastrosas em razão dessa opção.
A força do discurso flexibilizante era tamanha que se sobrepôs aos referenciais da Constituição Espanhola de 27 de dezembro de 1978, cujo art. 10 elenca como fundamentos da ordem política e da paz social a dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis a ela inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos das outras pessoas.
Frente ao retrocesso social e a elevados índices de pobreza e desemprego, o governo espanhol decidiu resgatar antigas conquistas sociais dos trabalhadores e sedimentar as concepções tuitivas, como a amparada no pressuposto fático-jurídico da dependência econômica, para ampliar a proteção juslaborista e reconhecer direitos trabalhistas a todos que despendem energia em proveito alheio, ainda que não seja por conta alheia.
Paralelamente, aprimorou a via jurisdicional para que os direitos fundamentais trabalhistas fossem obtidos no menor tempo e com a maior efetividade possíveis. Nesse contexto, readquiriram brilho e eficácia social os comandos extraídos dos artigos 24 e 53 da Constituição Espanhola de 1978, que, sucintamente, esboçam diretrizes referentes à garantia de tutela efetiva, à eficácia vertical dos direitos fundamentais e ao procedimento específico de proteção dos direitos fundamentais trabalhistas pautado nos princípios da preferência e da sumariedade, inclusive em grau recursal.
2.1. TEXTO REFUNDIDO DA LEI DE PROCEDIMENTO LABORAL (TRLPL)
O Real Decreto Legislativo 2/1995 surgiu no cenário legislativo espanhol com a incumbência de garantir a contínua efetivação, no plano infraconstitucional, do enunciado genérico lançado no art. 53.2 de sua Norma Fundamental no tocante à previsão de procedimento específico, fundado nos princípios da preferência e da sumariedade para a tutela dos direitos fundamentais trabalhistas.
Embora tenha revogado o texto articulado da Lei de Procedimento Laboral (LPL) aprovado pelo Real Decreto Legislativo 521/1990, o Real Decreto Legislativo 2/1995 manteve a redação original dos artigos 174 a 181 da LPL que até então desempenhavam o mister constitucional de assegurar a via processual específica para a defesa dos direitos fundamentais trabalhistas. Alterou-se, apenas e tão-somente, a numeração dos artigos, que passou de 174 a 181 para 175 a 182. As modificações realizadas, nesse particular, foram de caráter meramente formal, sem qualquer reforma de conteúdo.
Sendo assim, os arts. 175 a 180 do TRLPL delineiam modalidade processual específica aplicável à tutela da liberdade sindical, enquanto o art. 181 estende a modalidade precedente aos demais direitos fundamentais. Finalmente, o art. 182 excepciona a referida modalidade processual, quaisquer que sejam os direitos fundamentais tutelados, para os casos sujeitos à modalidade processual especial.
2.1.1. Legitimidade (Ativa e Passiva)
Na Espanha, depreende-se do teor dos artigos 175.1, 175.2 e 180.1 do Texto Refundido da Lei de Procedimento Laboral que, quando houver uma lesão à liberdade sindical individual, a titularidade ativa competirá ao trabalhador que se sentir ofendido, reservando-se ao sindicato o papel de mero coadjuvante na relação jurídica processual.
No Brasil, pode-se dizer que a entidade de classe desempenharia a figura do assistente (art. 50 e seguintes do CPC).
Exemplos de gravame à liberdade sindical individual são observados, quando um trabalhador sindicalizado é impedido de se candidatar ao cargo de dirigente sindical, ou quando é obrigado a se filiar a determinado sindicato para ser mantido no emprego. Neste último caso, a posição de coadjuvante da associação merece exame circunstanciado, porquanto as circunstâncias fáticas indicam suposta cooptação da entidade pelo empregador, motivo pelo qual o ente coletivo não age, propriamente, na qualidade de corpo intermediário em defesa do interesse da categoria profissional. Há sérios indícios de vício na sua atuação e na sua finalidade que comprometem a função original para a qual foi criado. Assim, fica o alerta de que nem sempre é apropriada a presença do sindicato no processo na qualidade de coadjuvante (no Brasil, assistente) do trabalhador.
No caso de lesão à liberdade sindical coletiva, o legitimado ordinário é a entidade sindical prejudicada ou sob o iminente risco de ter o exercício de suas atividades injustamente tolhido ou restringido.
A título de ilustração, citam-se ações de natureza meramente preventiva que podem ser propostas pelo sindicato em face de empregador que, reiteradamente, propõe interditos proibitórios com vistas a coibir o exercício do direito de greve.
A entidade de classe pode, ainda, propor demanda para assegurar o exercício do direito de comunicação dos atos sindicais aos membros da categoria, quando, injustamente, o empregador veda a distribuição de panfletos dentro da empresa ou em suas imediações, proíbe a afixação de avisos em murais da empresa para convocação de assembléias ou dota o seu sistema de computadores e de entrada à internet de filtros que obstam a visualização e o acesso de quaisquer informações pertinentes ao movimento sindical.
Peculiariedade se nota na hipótese de impedimentos à atuação de determinado dirigente sindical eleito – combativo, militante, carismático e persuasivo -, cuja transferência sem real necessidade é determinada pelo empregador com o propósito velado ou mesmo evidente de desmoralização, retaliação e inibição do movimento sindical.
Nesse caso, o dirigente sindical é a pessoa física direta e imediatamente lesada pela arbitrariedade empresária, o que basta para assegurar sua legitimidade ad causam ativa. Todavia, a rigor, ele não está defendendo interesses particulares, mas os anseios de toda a categoria profissional que o elegeu. Noutros dizeres, ele é o representante do sindicato.
Por isso, mostra-se subjetivamente pertinente a presença da entidade de classe no pólo ativo da lide, seja na qualidade de litisconsorte, seja na condição de autor único da demanda, caso o trabalhador não queira mover a ação. É que o conceito de "interesse legítimo" expresso no art. 175.1 do TRLPL compreende interesse "indireto" (entenda-se mediato), difuso ou coletivo. Se o dirigente sindical desistir ou renunciar da ação, o sindicato dará prosseguimento à lide, independentemente da vontade das demais partes.
Outro ponto interessante acerca da legitimidade ativa do sindicato da categoria profissional diz respeito à defesa dos direitos fundamentais trabalhistas relativos à dignidade da pessoa humana em caso de assédio sexual ou de situação similar (aqui, registre-se, já estamos adentrando no conteúdo do artigo 181 da TRLPL, cujo teor remete ao procedimento previsto para as lides de liberdade sindical).
Uma ação ou omissão discriminatória pode apresentar feição pluriofensiva, atentando simultaneamente contra os direitos individuais e os interesses coletivos em sentido lato. A mesma conduta empresária pode infringir direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos laboristas. Vale dizer, o tratamento discriminatório pode ter projeção coletiva.
A respeito, adverte-se:
Ciertamente, el acaso sexual se concreta en un trabajador individual, sin afectar, aparentemente, un interés coletivo. Pero, si profundizamos en la argumentación, la denuncia de un acto de acoso sexual es un indicio de ausencia en la empresa de mecanismos adecuados de prevención y/o de sanción, cuestión esta que sí afecta al interés general de los trabajadores. La medida cautelar se podría concretar en uma suspensión temporal de la obligación de trabajar, con plenitud de derechos econômicos.(AROCHENA, 1998, p. 218)
Diante desse cenário, acolher preliminar de ilegitimidade ativa ad causam contra o sindicato-profissional autor importaria em denegação do direito de ação, e, por conseguinte, vulneração do direito à tutela jurisdicional efetiva, além de violar, em última análise, o direito fundamental de não ser discriminado.
Repise-se: tanto o assédio sexual quanto o assédio moral ou demais formas de constrangimento impingidas em detrimento do trabalhador traduzem um ambiente lesivo a todos os demais empregados da empresa. Por isso, o alcance social da medida justifica a condição de parte do sindicato.
No que tange à legitimidade passiva, a enumeração constante do art. 180.1 do TRLPL não é taxativa. Com efeito, podem figurar como réu(s), em lides cujo objeto é a liberdade sindical individual ou coletiva, o empregador, a associação patronal, a Administração Pública ou qualquer outra pessoa, entidade ou corporação pública ou privada.
Segundo a jurisprudência espanhola, admite-se como demandado o comitê da empresa, o comitê de greve e até outro empregado.
Considerando o postulado constitucional de facilitação do acesso à Justiça e de concessão de tutela jurisdicional dotada de eficácia social, parece bastante razoável estender a interpretação evolutiva, sistemática e teleológica dos preceitos espanhóis acima estudados à normatividade processual trabalhista brasileira. Tal intercâmbio corroborará para os sindicatos readquirirem maior representatividade, legitimação social, resistência e, assim, reassumirem o poder de negociação e de barganha, ao invés de alimentarem a chamada "reestruturação excludente", fazendo concessões sobre concessões.
Fortalecendo o movimento sindical, através do reconhecimento de parte processual às entidades de classe nas lides em que o objeto transcende o aspecto aparentemente "individual" (em verdade, o pedido é dotado de verdadeiro alcance social), abrir-se-á o leque para a proteção e progressiva melhoria das condições de trabalho, sem retrocesso social, nem ondas precarizantes, flexibilizantes ou desregulatórias do Direito do Trabalho.
2.1.2. Preferência e Sumariedade (Art. 53.2 da CE)
No sistema processual hispânico, preferência e sumariedade são princípios constitucionais.
O primeiro postulado genérico determina que se dê prioridade absoluta no trâmite e na resolução de demandas cujo objeto são direitos fundamentais em geral, inclusive nas hipóteses de violação aos direitos da liberdade sindical. O segundo alicerce constitucional não é usado em sentido técnico, expressando singela idéia de rapidez.
Como modo de efetivar esses mandados de otimização (que constituem "razões não definidas", segundo Alexy), o sistema processual espanhol dispensa a conciliação prévia administrativa; descarta o esgotamento da via prévia administrativa; encurta os prazos processuais para citação e para elaboração da sentença (art. 179 do TRLPL); determina a tramitação dos processos em caráter urgente, seja nos Juzgados, seja nos tribunales; confere igual referência aos recursos interpostos, dentre outras medidas.
No Brasil, não são muitas as fattispecies que merecem tratamento processual prioritário.
Além dos exemplos de habeas corpus (arts. 661 e 664 do CPP) e mandado de segurança (art. 17 da Lei 1533/51), que são julgados preferencialmente em relação a outras ações, a Lei nº 10.173, de 09 de janeiro de 2001, acrescentou três artigos ao Código de Processo Civil pátrio para assegurar prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em que figure como parte ou terceiro interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos. São eles: art. 1211-A a 1211-C.
A posição adotada pelo legislador brasileiro, ao tutelar os interesses dos maiores de 65 anos, merece elogios, porquanto representa avanço na busca da celeridade e do resultado útil e tempestivo do processo em benefício de jurisdicionados com maior experiência de vida.
Não se pode esquecer, porém, de que, em sua larga maioria, as ações cuja parte ou terceiro interveniente são idosos têm como objeto mediato a concessão e/ou revisão de pagamentos de aposentadoria, pensões ou benefícios previdenciários.
Considerando que grande parte dos inativos brasileiros, quando laborava, estava sujeita ao regime celetista, o grande "colaborador" (ou seria melhor dizer "vilão"?) do demandismo acaba sendo o próprio Estado, no exercício da função administrativa, através de entidades como o Instituto Nacional do Seguro Social.
Diante de tamanho descaso e demora processual, sobretudo porque a órgão da Previdência Social, na qualidade de autarquia federal, goza de prerrogativas processuais - dobra ou quádruplo dos prazos, pagamento mediante precatório dependendo do valor deferido, remessa necessária etc - o Estado, agora no exercício da função legislativa, tenta redimir os erros cometidos, poupando os idosos de dilações temporais desarrazoadas.
Não obstante os incipientes passos dados pelo Brasil rumo à celeridade, o ideal seria se orientar de acordo com a experiência espanhola, que maximiza a área de irradiação do princípio constitucional da preferência a quaisquer ações envolvendo direitos fundamentais, independentemente da idade dos sujeitos envolvidos.
Como o qualificativo "fundamentais" indica que determinados direitos "(...) tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive" (SILVA, 1994, p. 164), é imprescindível o julgamento preferencial de conflitos intersubjetivos de interesses arrimados no cumprimento de normas destinadas a proteger o mínimo existencial do cidadão-trabalhador ou do trabalhador-cidadão.
Quanto ao princípio da sumariedade, o Brasil adota tanto a concepção comum do termo quanto o seu significado técnico com o respectivo uso de mecanismos e técnicas de cognição sumária e juízo de probabilidade (v.g., liminares, antecipações de tutela, cautelares). Todavia, a experiência nacional mostra-se retraída, merecendo encorajamento a sua extensão a mais dissídios trabalhistas que envolvam direitos fundamentais sociais. Isso depende de nova consciência e nova postura dos operadores do Direito em geral.
Simultaneamente, devem ser solucionadas questões afetas às deficiências materiais, físicas, econômicas e de pessoal do Judiciário brasileiro, que padece do mal dos pontos de estrangulamento, especialmente na fase executiva para satisfação dos créditos trabalhistas.
Sob esse prisma, que abrange aspectos quantitativos e financeiros, o problema se agiganta e intensifica, porque diretamente associado à política e à gestão públicas seguidas em nosso país, que, como se sabe, não confere o merecido prestígio ao Poder Judiciário.
Diante desse quadro, há de ser exigido do Estado brasileiro o cumprimento do dever de proteção, em suas três esferas (Legislativo, Executivo e Judiciário), de forma harmônica e orquestrada, a fim de que uma função estatal não se ocupe apenas da correção de equívocos cometidos pela outra, como ocorre no caso da "melhor idade".
2.1.3. Inversão do Ônus Probatório – Generalidades
Por força do art. 179.2 do TRLPL, a doutrina batizada de Inversión de la Carga de la Prueba reveste-se dos seguintes fundamentos: a) primazia e maior valor dos direitos fundamentais; b) dificuldade de o trabalhador provar a causa discriminatória ou lesiva de outros direitos fundamentais.
Ante a vulnerabilidade do empregado, vertente interpretativa sintonizada com a função tuitiva do Direito do Trabalho, cujos efeitos espraiam-se para a esfera processual, sustenta que compete ao lesado ou ao ameaçado apontar mero início de prova que demonstre o "clima discriminatório" havido no ambiente de trabalho. A seu turno, "(....) corresponderá al demandado la aportación de una justificación objetiva y razoable, suficientemente probada, de las medidas adoptadas y de sua proporcionalidad."
A solução espanhola, felizmente, vem encontrando eco no Brasil, país onde diversos estratagemas e ardis são lançados pelo empregador para consumar assédio moral, assédio sexual, ou outras formas de perseguição e discriminação infundada.
Aproveitando-se da fragilidade econômica de seu subordinado (que é premido pela necessidade de manter seu sustento e de sua família), o tomador de serviços repete investidas nocivas à saúde psicofísica da vítima. Faz isso longe dos olhos de testemunhas (quando pode ser mais direto e hostil, uma vez que o fato não é presenciado por terceiros), ou em público, de modo dissimulado, rasteiro, através de gestos, sutilezas, ou "simples brincadeiras" de duplo sentido, que, em sua essência, têm o único intuito de denegrir a pessoa do trabalhador, minando-lhe as forças e a auto-estima.
Ante a dificuldade na demonstração do fato constitutivo do direito alegado na inicial pelo (ex)empregado, o Brasil vem admitindo a produção de prova indiciária nesse particular, independentemente de previsão legal.
A eminente professora e Desembargadora Federal do Trabalho Alice Monteiro de Barros chama a atenção para a importância da prova indiciária nas lides trabalhistas, ao asseverar que:
(...) a prova de algumas condutas configuradoras do assédio moral é muito difícil; logo, incumbe à vítima apresentar indícios que levem a uma razoável suspeita, aparência ou presunção da figura em exame, e o demandado assume o ônus de demonstrar que sua conduta foi razoável, isto é, não atentou contra qualquer direito fundamental. É nessa direção que se inclina a recente legislação francesa sobre a temática (art. 122-52 do Código do Trabalho). A experiência revela que se não existir a adequada distribuição da carga probatória, a normativa a respeito da temática não se tornará efetiva e permanecerá no terreno da declaração de boas intenções. (BARROS, 2005, f. 886/887)
E continua esclarecendo, especificamente em relação ao ônus da prova do assédio sexual, que:
(...) Dada a dificuldade de se desincumbir desse encargo, o que inviabilizaria a efetivação do princípio em exame, já se sugere a inversão desse ônus (princípio da aptidão para a prova) em um Código-Tipo de Direito do Trabalho para a América do Sul, prevendo-se o ressarcimento dos prejuízos sofridos (BARROS, 2005, f. 895)
O assunto não passou despercebido à magistratura trabalhista nacional que, reunida na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENAMAT), com o apoio do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho (CONEMATRA), editou enunciados, dentre os quais se destaca o de nº 2, item III, in verbis:
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA. (...) III – LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. ÔNUS DA PROVA. Quando há alegação de que ato ou prática empresarial disfarça uma conduta lesiva a direitos fundamentais ou a princípios constitucionais, incumbe ao empregador o ônus de provar que agiu sob motivação lícita.
A postura que vem sendo adotada pela doutrina, jurisprudência e entidade de classe pátrias dinamiza a utilização da prova indiciária na busca da verdade. Tudo isso porque o ordenamento jurídico infraconstitucional deve ser interpretado e aplicado à luz dos mandamentos constitucionais, em especial, dos valores da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
2.1.3.1. Inversão do Ônus da Prova – Aplicabilidade Estendida
Não obstante o art. 179 do TRLPL esteja topograficamente inserido nos preceitos dedicados à tutela jurisdicional da liberdade sindical, aplica-se subsidiariamente aos demais direitos fundamentais dos trabalhadores espanhóis. A um, porque a remissão está expressamente autorizada pelo art. 181 do mesmo diploma legal; a dois, porque, para a defesa de quaisquer direitos fundamentais, impera a interpretação que lhes confira maior efetividade.
Na sociedade pós-moderna, vigora a hermenêutica constitucional cujo um dos princípios operativos determina a atribuição à norma constitucional do sentido que maior eficácia lhe der.
Para suplantar a fase da insinceridade/hipocrisia legislativa e chegar à etapa da concretização dos direitos fundamentais, há de se interpretar o conjunto normativo à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, sempre com vistas a potencializar o alcance da norma e densificar direitos, sem, contudo, violar as palavras e a ratio legis. Assim, ter-se-á a maior aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
De acordo com as sempre brilhantes lições de Canotilho: "no caso de dúvida deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais."
Superada a perspectiva restritiva dos direitos sociais fundamentais, anteriormente inseridos no rol de meras promessas vazias do legislador, fruto da publicação de normas programáticas carecedoras de aplicabilidade imediata e eficácia plena, o escorreito é continuar garantindo, em toda a extensão possível, nos planos constitucional e infraconstitucional (tanto de direito material quanto de direito processual), a efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas. Isso vale é, lógico, para quaisquer Estados Democráticos, razão pela qual o Brasil está comprometido com a teoria da inversão do ônus da prova.
2.1.4.Incidente de Suspensão – Encurtamento de Prazos (Art. 178 do TRLPL)
Da simples leitura do referido artigo, extraem-se os seguintes elementos: momento, conteúdo e cabimento do requerimento.
Atento à urgência exigida nas hipóteses de tutela do direito à liberdade sindical, extensível a quaisquer outros direitos fundamentais trabalhistas, por força do princípio constitucional da máxima efetividade e da remissão do art. 181 ao procedimento prescrito nos arts. 175 a 180 do TRLPL, o legislador espanhol fixou subprocedimento especial e redução de prazos a fim de atender ao ditame de provimento jurisdicional justo (entenda-se justiça nas acepções de resposta ética, expedita e contemporânea com o conflito apresentado. Afinal, solução tardia equivale à denegação de justiça).
Com efeito, no Texto Refundido da Lei de Procedimento Laboral, quando se requer o incidente de suspensão do ato que vulnera direitos fundamentais trabalhistas, a citação da parte contrária e do Ministério Público será realizada no dia seguinte ao da propositura da demanda, cabendo ao juiz definir, dentro de 48 horas, a necessidade, ou não, de designação de audiência em que apenas serão admitidas alegações e provas sobre a suspensão solicitada.
Embora o art. 178 do TRLPL mencione, apenas, o incidente de suspensão do ato impugnado, doutrina espanhola abalizada é uníssona ao admitir outras medidas judiciais cabíveis, pois, em determinados casos, para evitar danos de impossível reparação, apenas a suspensão do ato impugnado é insuficiente.
(...)Puede ocurrir que la simple suspensión no garantice los efectos de la ulterior sentencia y que sea necesario ir más allá adoptando medidas anticipatorias que impliquen no sólo la suspensión de efectos sino la reposición de la situación fáctica al estado en que se encontraba antes de producirse la presunta lesión al derecho fundamental. (...) el Juez podrá adoptar las medidas cautelares que sean necesarias para garantizar la tutela efectiva del derecho lesionado (...)estableciendo aquellas medidas reparadoras que sean más adecuadas para garantizar el óptimo resultado de la sentencia a la que sirven. Así se desprende de una correcta interpretación del articulo 180.2 (...) (AROCHENA, 1998, f. 208)
No Brasil, a audiência acima mencionada apresentaria feições da audiência prévia prevista no processo cautelar (art. 804 do CPC). Do mesmo modo que ocorre na Espanha, aqui o julgador tem a faculdade de designá-la, caso entenda necessário.
Como é sabido, alguns casos da realidade empírica demandam efetivação da medida suspensiva antes mesmo da comunicação e oportunidade de resposta pela parte contrária (citada), sobretudo quando esta última, sabedora do ajuizamento da ação e do pedido do demandante, é capaz de inviabilizar o êxito de ordem judicial futura e preventiva.
Mesmo nessas hipóteses, não se há falar em ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, já que o binômio ciência/oportunidade de resposta apenas foi postecipado, sem maiores prejuízos para o demandado. Com supedâneo no princípio da proporcionalidade e suas máximas parciais de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, representa mal menor a suspensão do ato impugnado antes de ouvir a parte contrária. Aqui, há precedência condicionada do princípio da efetividade, sem afetação do núcleo essencial do princípio da segurança jurídica.
No tocante às demais medidas judiciais cabíveis, destaca-se a tutela antecipada, que instaura um subprocedimento dentro do processo principal. Ela está respaldada em cognição sumária, provisoriedade e juízo de probabilidade/plausibilidade. Através dela pretende-se adiantar no tempo efeitos materiais com vistas a tutelar direitos perecíveis e em estado de periclitação que não suportam a simples demora fisiológica do processo – o que dizer uma demora patológica (tutela de segurança). Outra finalidade desse instituto é assegurar direitos evidentes, objeto de contestação inconsistente ou abusiva (tutela de evidência), ou incontroversos.
De acordo com as sempre brilhantes lições do Professor e Desembargador Federal do Trabalho José Roberto Freire Pimenta, tem-se a antecipação da tutela no bojo do processo principal, com a duplicação do momento cognitivo das questões de mérito de primeiro grau. Ao juiz competirá examinar o requerimento de tutela antecipada, via decisão interlocutória, em caráter menos profundo no plano vertical. Quando da emissão do juízo definitivo de mérito, valer-se-á de cognição plena e exauriente em busca da certeza jurídica.
Como não poderia deixar de ser, no processo trabalhista brasileiro, a tutela antecipada é muito bem-vinda, embora seu uso tenha se mostra tímido quando comparado à potencialidade e efetividade do expediente. Ante a debilidade econômica do (ex)empregado e a natureza salarial do crédito trabalhista, impõe-se maior disseminação da medida para a construção de um processo sem dilações indevidas, com a satisfação do direito postulado pelo trabalhador em prazo razoável (art. 5 º, LXXVIII, CR/88).
2.1.5. Fase Executiva (Art. 301 do TRLPL)
Na Espanha, nos moldes do art. 301 da LPL, as decisões que recaem sobre a tutela de direitos de liberdade sindical e demais direitos fundamentais são executadas desde o seu proferimento, não obstante a interposição de recurso.
O Brasil deveria seguir o singelo e efetivo modelo espanhol, em vez de se ocupar com "malabarismos vocabulares" e com o acirramento de discussões bizantinas sobre, por exemplo, a opção do termo "efetivação" da tutela antecipada ao invés de "execução" (art. 273, §3º, do CPC).
O mais importante é atribuir eficácia imediata à decisão que antecipa os efeitos meritórios da tutela pretendida. Se for obstada a produção incontinente de seus efeitos no mundo empírico, o instituto perderá a razão de existir e de nada terá valido o esforço da parte interessada que o requereu, do juiz que o concedeu, tampouco dos servidores e auxiliares da Justiça que se empenharam para torná-lo operável no menor tempo possível. O mal que se pretendia combater persistirá, agravado pela descrença no Poder Judiciário.
2.1.6.Conteúdo da Decisão Judicial (Art. 180.1 do TRLPL)
O dispositivo em destaque é aplicável a todos os direitos fundamentais trabalhistas, qualquer que seja a modalidade processual seguida pelo TRLPL para protegê-los. Significa, em suma, que a decisão judicial na Espanha tem natureza mandamental.
Assim, do seu comando constará: a) declaração de (in)existência da vulneração alegada; b) em sendo verificada a vulneração, partir-se-á para a declaração de nulidade da conduta impugnada; c) será proferida ordem de cessação imediata do comportamento lesivo; d) sucessivamente, haverá ordem de reposição da situação ao estado anterior à conduta ilícita; e) finalmente, exarar-se-á ordem de reparação das conseqüências derivadas do ato, incluída a indenização cabível.
No Brasil, nem sempre são proferidas decisões de cunho mandamental. Menos ainda se postula a tutela de caráter inibitório. Esse preconceito deve ser rompido, mormente pelos julgadores, porque, à medida que o Judiciário detém o monopólio da jurisdição, proibindo a autotutela e o uso das próprias mãos para o encerramento dos conflitos, deve se valer dos instrumentos existentes para garantir efetividade às decisões que proferir.
Salta aos olhos a baixa carga de satisfatividade e de eficácia do provimento jurisdicional condenatório (mais comum em terras nacionais), que, para ser cumprido, depende da implementação de outra fase processual. Em razão dessa deficiência, sobressai a importância do provimento de índole mandamental, que contém uma ordem a ser cumprida pelo vencido, reforçada pela imposição de medidas coercitivas indiretas e sub-rogatórias contra seu patrimônio jurídico ou até mesmo contra a sua pessoa, na hipótese de prisão por crime de desobediência (art. 330 do CPP).
Em face da genética naturalmente assimétrica e materialmente desigual formadora da relação de emprego; considerando a qualidade do empregador de "detentor do contrato de emprego" (especialmente com a denúncia brasileira à Convenção nº 158 da OIT, que veda a dispensa arbitrária e sem causa razoável) e levando em conta a natureza alimentar do salário, o cabimento dos provimentos mandamentais é ainda mais justificável e ansiosamente aguardado na Justiça do Trabalho brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas, não basta reconhecer a essencialidade deles emanada. Para sua operacionalidade, concretização e máxima efetividade, há de ser somado o real acesso ao Poder Judiciário, por meio de procedimentos, mecanismos, técnicas e expedientes céleres, satisfatórios e éticos que se prestem a garantir a tutela de bens materiais e imateriais de elevada carga axiológica, inerentes ao cidadão-trabalhador e indispensáveis ao desenvolvimento de uma vida digna, livre e isonômica dentro e fora das relações privadas de emprego.
Tal premissa se impõe seja no sistema do civil law, seja no sistema do commom law, seja em um sistema híbrido (como o japonês), porque, independentemente da lógica capitalista adotada e das fórmulas de estruturação e produção na empresa – que visam à acumulação de lucro -, a propriedade e o contrato de emprego não são desprovidos de função social, tampouco se sobrepõem à dignidade da pessoa humana.
Bons exemplos extraídos do direito comparado referentes à tutela dos direitos fundamentais trabalhistas devem inspirar a normatividade brasileira, porque consentâneos, em última análise, com o princípio constitucional que prega a progressividade da melhoria das condições de trabalho (art. 7º, caput, CR/88).
Já a insinceridade e a hipocrisia legislativas devem ser descartadas em qualquer parte do mundo.
REFERÊNCIAS
AROCHENA, José Fernando Lousada. La garantia jurisdiccional social de la liberdad sindical y demás derechos fundamentales. In Derechos Fundamentales y Contrato de Trabajo 1ªs Xornadas de Outono de Dereito Social. AROCHENA, José Fernando Lousada; GARCÍA, Matías Movilla (Coordinadores), Granada, 1998, Editorial Comares, p. 189-245.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. In Quadro teórico referencial para o estudo dos direitos humanos e dos direitos fundamentais em face do direito processual. Sítio http://www.revistas.unipar.br/juridica/article/view/1289/1142, acessado em 27.08.2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 4. ed. rev, atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
__________________. Técnica Processual e Tutela de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MARTÍNEZ, José E. Serrano; FUENTES, Marcial Sequeira de. (Atualizadores) Legislación social básica. 25ª ed. Madrid : Civitas , 2006.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. La significación social de las reformas procesales. In Revista de Processo v. 131, p. 153-164.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. In O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Sítio http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=216, acessado em 25.08.2008.
PIMENTA, José Roberto Freire. Tutelas de urgência no processo do trabalho: O potencial transformador das relações trabalhistas das reformas do CPC brasileiro. In: Direito do Trabalho. Evolução, Crise, Perspectivas. José Roberto Freire Pimenta ... [et al] (Coordenadores). São Paulo: LTr, 2004.
PROSCURCIN, Pedro. Do contrato de trabalho ao contrato de atividade: nova forma de regulação das atividades do mercado de trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9.ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1994.