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Alterações no ICMS sobre energia livre no Estado de São Paulo.

Instituição da substituição tributária ao distribuidor de energia elétrica

08/05/2009 às 00:00
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O Decreto nº 54.177, de 30 de março de 2009 alterou a cobrança do ICMS incidente sobre a energia elétrica adquirida por consumidores livres, ao instituir a substituição tributária ao distribuidor de energia elétrica, fixando critério para apuração da base de cálculo do imposto.

Referida alteração tem por objeto atribuir a responsabilidade tributária pelo recolhimento do ICMS ao distribuidor de energia elétrica, ao invés do comercializador, como acontecia anteriormente.

Nos casos de contratos de conexão e de uso da respectiva rede de distribuição ou qualquer outro tipo de contrato firmado com a distribuidora para fins de entrega de energia elétrica em ambiente de contratação livre, o Decreto nº 54.177/09 estatui que o destinatário da energia elétrica, para fins de apuração da base de cálculo do imposto, deverá prestar à Secretaria da Fazenda, declaração do valor devido, cobrado ou pago pela energia elétrica.

Na ausência da referida declaração ou quando esta, a critério do fisco, não merecer fé, a base de cálculo do imposto, nestes casos, será o preço praticado pela empresa distribuidora em operação relativa à circulação de energia elétrica objeto de saída, por ela promovida sob o regime de concessão ou permissão da qual é titular, com destino ao consumo de destinatário, situado no território paulista, em condições técnicas equivalentes de conexão e de uso do respectivo sistema de distribuição.

Ocorre que tais alterações não se amoldam com o ordenamento jurídico brasileiro. A uma porque a base de cálculo do ICMS é o preço praticado na operação final, não podendo o legislador estadual exigir o imposto com base em média de preços. A duas porque a base de cálculo do ICMS só pode ser alterada por lei complementar e não por simples Decreto Estadual. A três porque não há relação direta do distribuidor com o consumidor livre apta a ensejar a substituição tributária, no caso para frente, além do que a substituição tributária deve ser atribuída por meio de lei.

De início, sobreleva acentuar que o Convênio ICMS 15, de 30 de março de 2007, visando uniformizar os procedimentos tributários nas operações com energia elétrica, especialmente aquelas transacionadas no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, estatui que o vendedor na CCEE deverá emitir mensalmente notas fiscais, individualizadas para cada estabelecimento de consumo do comprador, mesmo que não identificados no contrato.

Tal convênio estabelece que a base de cálculo do imposto será o preço total contratado, o qual está integrado o próprio imposto, cabendo o imposto ao Estado de consumo.

E isto porque no Ambiente de Contratação Livre (ACL) os contratos são livremente negociados entre o consumidor livre e o comercializador, sendo, por isso mesmo, a este atribuída a responsabilidade pela arrecadação e recolhimento do tributo ao Erário Estadual.

Como se vê, a apuração da base de cálculo sobre o preço total contratado contraria a legislação federal de regência do ICMS e a própria Constituição Federal, que estabelecem como base de cálculo do ICMS o preço praticado na operação final.

Ora, o preço total contratado não representa necessariamente o efetivo consumo, este sim será o preço praticado na operação final.

Não obstante a isso, O Decreto Estadual em questão estabelece que, no caso de ausência de declaração do valor devido, cobrado ou pago pela energia elétrica, ou quando esta, a critério do fisco, não merecer fé, a base de cálculo do ICMS será apurada sobre preço médio praticado, elaborado com base em informações de preços e contratos dos consumidores livres e, ainda, atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto ao distribuidor de energia elétrica, o que é mais um absurdo.

Entretanto, em conformidade com o § 9º do artigo 34 do ADCT e o art. 9º, §1º, II da LC 87/96 a base de cálculo do ICMS-energia elétrica corresponde ao "preço então praticado na operação final". Aliás, o artigo 13, incisos I e VIII da LC 87/96 estatui que a base de cálculo é "o valor da operação". Na mesma linha, seguiu o Regulamento do ICMS de São Paulo (arts. 37, I e 425, § 1º).

Por aí se vê que a proposta de alteração na base de cálculo do ICMS-energia elétrica no mercado livre, por meio de Decreto Estadual, é flagrantemente inconstitucional e ilegal.

É com tal amplitude, aliás, que o Superior Tribunal de Justiça [01], em casos análogos ao presente, assentou, de forma pacífica, que é inadmissível a fixação da base de cálculo de ICMS com supedâneo em pautas de preços ou valores, as chamadas pautas fiscais, as quais se baseiam em valores fixados prévia e aleatoriamente para a apuração da base de cálculo do tributo, como no caso em referência.

Além do mais, tal pretensão fere o princípio da legalidade tributária, tendo em vista que a base de cálculo só pode ser alterada por lei complementar (art. 146, III, "a", CF/88) [02] e não por mero Decreto, como pretende o Governo do Estado de São Paulo.

Outro ponto que merece destaque refere-se à indispensável vinculação do responsável ao fato gerador e da possibilidade de reter do contribuinte, conforme prevê o artigo 128 do Código Tributário Nacional, o qual revela verdadeira explicitação dos princípios da capacidade contributiva, da legalidade e da vedação ao confisco, previstos na CF/88.

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Bem por isso, é absolutamente inválida a atribuição da responsabilidade tributária no caso em que o responsável pelo pagamento do tributo decorrente do fato praticado por outra pessoa fique impossibilitado de recuperar o tributo pago do contribuinte de fato.

No caso em questão, não há vinculação direta do distribuidor com o consumidor livre, pois este negocia e adquire energia elétrica diretamente com o comercializador.

Ora, a distribuidora, nestes casos de operações no mercado livre, apenas faz o transporte da energia, não sendo certo atribuir-lhe responsabilidade tributária pelo recolhimento do ICMS, exatamente porque não haverá meios para o distribuidor se ressarcir do pagamento efetuado.

Em suma, o Decreto nº 54.177/09 padece de inconstitucionalidades e ilegalidades que certamente serão reconhecidas pelo Poder Judiciário.


Notas

  1. Precedentes: RMS 25605 / SERMS n. 18.634/MT, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 21/05/2008; EDcl no RMS n. 16.810/PA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 04.06.2007; RMS n. 23.502/SE, desta Relatoria, Primeira Turma, DJ de 19.04.2007; RMS n. 19.026/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 06.03.2006.
  2. "Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a)definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes."

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Sobre o autor
Leandro Colbo Favano

Advogado tributarista no escritório Timoner e Novaes Advogados. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVANO, Leandro Colbo. Alterações no ICMS sobre energia livre no Estado de São Paulo.: Instituição da substituição tributária ao distribuidor de energia elétrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2137, 8 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12773. Acesso em: 24 abr. 2024.

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