1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 8.541/92 estabeleceu a incidência de imposto de renda sobre os pagamentos decorrentes de decisão judicial, inclusive com a retenção dos valores devidos na fonte.
Ocorre que, ao condenar um dos litigantes ao pagamento de dano moral, alguns juízes não determinam o recolhimento do imposto de renda, sob o argumento de que se trata de verba indenizatória e, por conseguinte, isenta.
Como existe divergência de interpretação entre diversos magistrados, o objetivo do presente trabalho doutrinário é verificar a incidência ou não do imposto de renda sobre o dano moral, contribuindo com o debate jurídico acerca de tormentoso tema.
2. DESENVOLVIMENTO
Ab initio, cumpre destacar que o Regulamento do Imposto de Renda não se refere expressamente à indenização por dano moral, apesar de prever outras verbas indenizatórias como isentas. Por essa razão, em raciocínio analógico, parte da jurisprudência se inclinou a reconhecer a isenção da indenização por dano moral, pois ela também possui natureza indenizatória.
Com a devida vênia, essa linha argumentativa esbarra no art. 111, II, do CTN, ao permitir interpretação extensiva de hipótese de isenção tributária. Segundo o referido excerto legal, a outorga de isenção sempre deve ser interpretada literalmente e, por isso, é de pouca valia orientar-se pela natureza indenizatória ou não da recomposição do dano moral, posto que são isentas apenas aquelas verbas que a legislação expressamente mencionar.
Ademais, reza o art. 43 do CTN:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.
Portanto, a configuração ou não de hipótese de incidência do Imposto de Renda, independentemente da natureza da verba em questão, tem como pressuposto fundamental a existência ou não de acréscimo patrimonial.
Em se tratando de pagamento de indenização, ele pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere. Quando se indeniza dano causado ao patrimônio material, o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida e, por conseguinte, não tipifica fato gerador de imposto de renda, já que não acarreta aumento no patrimônio. Quando a indenização se refere a dano causado a bem jurídico imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material), o pagamento (= entrega de dinheiro, bem material) acarreta, natural e necessariamente, um acréscimo ao patrimônio material e, portanto, configura fato gerador do imposto de renda.
Nessa linha de intelecção, o Egrégio Superior de Justiça pacificou a matéria. À guisa de exemplo, segue ementa de recente julgado:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. NATUREZA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES. DISTINÇÃO ENTRE INDENIZAÇÃO POR DANOS AO PATRIMÔNIO MATERIAL E AO PATRIMÔNIO IMATERIAL. PRECEDENTES.
1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 do CTN, os "acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte.
2. Indenização é a prestação destinada a reparar ou recompensar o dano causado a um bem jurídico. Os bens jurídicos lesados podem ser (a) de natureza patrimonial (= integrantes do patrimônio material) ou (b) de natureza não-patrimonial (= integrantes do patrimônio imaterial ou moral), e, em qualquer das hipóteses, quando não recompostos in natura, obrigam o causador do dano a uma prestação substitutiva em dinheiro.
3. O pagamento de indenização pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere.
Quando se indeniza dano efetivamente verificado no patrimônio material (= dano emergente), o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida em virtude da lesão, e, portanto, não acarreta qualquer aumento no patrimônio. Todavia, ocorre acréscimo patrimonial quando a indenização (a) ultrapassar o valor do dano material verificado (= dano emergente), ou (b) se destinar a compensar o ganho que deixou de ser auferido (= lucro cessante), ou (c) se referir a dano causado a bem do patrimônio imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material).
4. A indenização que acarreta acréscimo patrimonial configura fato gerador do imposto de renda e, como tal, ficará sujeita a tributação, a não ser que o crédito tributário esteja excluído por isenção legal, como é o caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99. Precedentes.
5. "Se o objeto da indenização é o elemento moral, porque a ação danosa atingiu precisamente o patrimônio moral, não há dúvida de que o recebimento de indenização implica evidente crescimento do patrimônio econômico e, assim, enseja a incidência dos tributos que tenham como fato gerador esse acréscimo patrimonial" (Hugo de Brito Machado, Regime Tributário das Indenizações, obra coletiva, Coord. Hugo de Brito Machado, p. 109). Em idêntico sentido, na obra citada: Gisele Lemke, p. 83; Hugo de Brito Machado Segundo e Paulo de Tarso Vieira Ramos, p. 124; Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, p. 74. E ainda: Leandro Paulsen, Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 5ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p.655.
6. Configurando fato gerador do imposto de renda e não estando abrangido por norma isentiva (salvo quando decorrente de acidente do trabalho, o que não é o caso), o pagamento a título de dano moral fica sujeito à incidência do tributo.
7. Recurso especial provido.
(REsp 748.868/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28.08.2007, DJ 18.02.2008 p. 24)
Nessa mesma esteira, doutrina abalizada sobre a matéria:
"(...) A indenização por dano moral, embora não se assemelhe à indenização por lucros cessantes, não visa recompor patrimônio, mas amenizar o constrangimento moral. Portanto, trata-se de ingresso novo, que irá acrescer ao patrimônio da vítima e, por conseguinte, deverá ser tributado, a menos que outros princípios ou valores constitucionais impeçam a tributação." (Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel. Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética, 2000. pp. 74-76)
"Se o objeto da indenização é o elemento moral, porque a ação danosa atingiu precisamente o patrimônio moral, não há dúvida de que o recebimento de indenização implica evidente crescimento do patrimônio econômico e, assim, enseja a incidência dos tributos que tenham como fato gerador esse acréscimo patrimonial. (...)." (Hugo de Brito Machado. Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética, 2000. p. 109.)
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que a indenização por danos morais reconhecida em Juízo constitui acréscimo patrimonial e, portanto, fato imponível do imposto de renda.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.MACHADO, Hugo de Brito e outros. Regime Tributário das Indenizações. São Paulo: Dialética, 2000.
MELO. José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 8ª. Edição. São Paulo: Dialética, 2008.