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A judicialização dos concursos públicos.

Afastamento de cargo público para fazer curso de formação em novo concurso

29/05/2009 às 00:00
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A crescente demanda de concursos públicos para provimento de cargos nas várias esferas da Administração resulta numa bem-vinda alteração das relações entre o Estado e os cidadãos. Embora o acesso a esses concursos públicos fique resumido a uma pequena parcela da população, mesmo essa pequena massa – forçada a adquirir e trabalhar com novos conhecimentos, especialmente aqueles que dantes cingiam-se aos cultores do direito – reforça a necessidade de uma atuação sempre estribada no direito por parte da administração, pois o cidadão, cada vez mais conhecedor de seus direitos e deveres, atua como destemido fiscal de sua aplicação.

Além de reforçar o status de cidadão, o oferecimento e preenchimento de cargos públicos tem resultado em melhores índices de eficiência na Administração, uma vez que a cada dia os quadros quase sempre deficitários vão sendo preenchidos por servidores qualificados.

E os benefícios dos concursos públicos não se limitam aos descritos. O aumento na qualidade de vida desses novos servidores, para o que contribuem as boas remunerações recebidas e a certeza do emprego também devem ser vangloriados.

Ocorre que a par desse incremento no serviço público, não são raras as vezes que os servidores encontram dificuldades no acesso a esses cargos, seja por limitações editalícias, ou mesmo por dificuldades impostas pela própria Administração Pública.

Caso interessante para muitos servidores que na era dos chamados "concurseiros" obtêm sucessivas aprovações nos certames, é a situação daquele que convocado para participar de curso de formação profissional – etapa que, se prevista, é de satisfação obrigatória, sob pena de eliminação do certame – encontra-se ainda no período de prova, o chamado estágio probatório. Se tratada a questão apenas no âmbito do poder federal, dúvidas inexistem quanto ao direito do servidor ao afastamento sem prejuízo da opção remuneratória.

Mas os concursos são muitos e espalhados por todo o país e por todos os entes federativos. Então, se a situação não se limitar ao âmbito federal, sendo, por exemplo, o servidor federal em período de prova convocado para curso de formação para carreira estadual, em qual contexto legal se resolveria essa situação?

A questão é tormentosa e tem sido alvo freqüente de questionamentos no Poder Judiciário. Isso porque a Administração Pública, via de regra nega a concessão do afastamento ao servidor, sob o argumento de inexistência de amparo legal. Mesmo o esgotamento das instâncias administrativas, através de pedidos de reconsideração e sucessivos recursos, tem se mostrado impotente.

Tomemos como objeto de explanação a situação em que um servidor público federal, em caráter efetivo, ainda no gozo do estágio probatório, logre aprovação na etapa inicial, convocado em seguida para participar de curso de formação para órgão do poder público mineiro, sendo que o edital normativo regente do concurso tenha previsto como obrigatória a participação no curso, sob pena de eliminação, com prazo de duração de dois meses, período integral. Qual a atitude a ser tomada pelo candidato, caso seja de seu interesse participar do curso?

A Lei nº 8.112 de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, estabelece no artigo 20 o prazo de 24 meses para duração do estágio probatório. Os parágrafos 4º e 5º do mesmo artigo garantem ao servidor em estágio probatório o direito de obter afastamento para participar de curso de formação decorrente de aprovação em outro cargo na Administração Pública Federal, ressalvada a suspensão do período de prova durante o prazo do curso.

Já a Lei nº 9.624 de 1998, prevê a hipótese de candidatos preliminarmente aprovados em concurso público para provimento de cargos na Administração Pública Federal, os quais farão jus, durante o programa de formação, a título de auxílio financeiro, a cinqüenta por cento da remuneração da classe inicial do cargo a que estiver concorrendo. O parágrafo 1º, art. 14, trata da opção do servidor da Administração Pública Federal entre o vencimento e as vantagens do seu cargo atual e o auxílio financeiro previsto no edital do certame.

Visitadas as questões do afastamento durante o estágio probatório e da remuneração durante o afastamento, importante destacar o art. 138 da Lei 8.112/90, que traz a hipótese de abandono de cargo, configurada após a ausência intencional do servidor por mais de trinta dias consecutivos, apurada por processo administrativo disciplinar sumário, garantidos sempre o contraditório e a ampla defesa.

Diante do receituário teórico acima, conclui-se que a interpretação textual da lei, atualmente seguida pela Administração Pública Federal, acarretaria no indeferimento do afastamento, uma vez que a legislação refere-se expressamente à participação de curso de formação da própria Administração Federal, de modo que o afastamento com opção remuneratória só a esses seria permitido, sendo, por conseguinte, vedado para acesso a cursos de outros entes federativos.

Ademais, a participação do candidato em curso de formação profissional sem estribo no deferimento de pedido de afastamento com base no Estatuto Federal acarretaria a ausência intencional do servidor por período superior a 30 dias, cuja penalidade aplicável é unicamente a demissão, conforme art. 132, II da Lei nº 8.112/90.

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Dessa forma, somente resta ao servidor provocar o Poder Judiciário com o fito de obter ordem que o escuse do comparecimento ao serviço, com a dispensa da folha de ponto, bem como de suas atribuições no cargo que ocupa, sem prejuízo da remuneração a que faz jus, garantindo, ao mesmo tempo, sua participação no curso, o recebimento de remuneração ou do auxílio e sua segurança contra um indesejado processo administrativo disciplinar.

A jurisprudência dos tribunais superiores parece comungar do mesmo entendimento, uma vez que várias são as decisões liminares, que, entendendo presentes os requisitos legais para sua concessão, julgam favoravelmente o pedido. Afinal, o princípio da isonomia não pode levar a outro entendimento senão a extensão desse direito para a hipótese descrita.

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Sobre o autor
Gustavo Vitorino Cardoso

Servidor Público Federal, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia e especialista em Direito da Administração Pública pela mesma instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Gustavo Vitorino. A judicialização dos concursos públicos.: Afastamento de cargo público para fazer curso de formação em novo concurso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2158, 29 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12816. Acesso em: 23 abr. 2024.

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Título original: "A judicialização dos concursos públicos".

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