3. PRINCÍPIOS
3.1.Distinção entre princípios e regras
Demanda para a exata compreensão deste texto a necessária distinção entre princípios e regras.Estes são categorias do conceito norma, que podem vir revestidas ou de um preceito de caráter geral, enunciador de uma pauta de valores ou de um mandamento sistêmico princípio -, ou de um comando prescritivo, específico, de natureza concreta regra.
A doutrina estrangeira e nacional de direito constitucional tem, em boa medida, partido para a distinção entre princípio e regra, incluindo-os no círculo da norma jurídica, porém ocupando as duas espaços diferenciados justamente em razão de sua distinção.
Conquanto não seja fácil proceder a esta distinção, tentaremos, com a ajuda de alguns abalizados doutrinadores, elucidar estes institutos.
Se buscarmos o sentido etimológico da palavra princípio, este, por vir do termo latino principium, enuncia a idéia de começo, de origem.
Isto nos leva ao pensamento de que o princípio deve ser o vetor originário de adequação, interpretação e concretização de um sistema jurídico.
Para o eminente ROQUE CARRAZA, princípio jurídico pode ser enunciado da seguinte forma(15):
"princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam."
Delimitando também de forma clara o conceito de princípio, Celso Antonio Bandeira de Mello expôs(16):
"3.Princípio como já averbamos alhures- é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (...)".
Seguindo este entendimento, podemos compreender os princípios jurídicos como verdadeiros comandos ordenadores do sistema, entendendo-se como princípios constitucionais aqueles consagrados expressa ou implicitamente no sistema, que tem por função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e servindo de mandamento nuclear destas.
Citando as lições de Carlos Ayres Brito, ROQUE CARRAZA enuncia que os princípios jurídico-constitucionais(17) :
"são idéias-matrizes dessas regras singulares, vetores de todo o conjunto mandamental, fontes de inspiração de cada modelo deôntico, de sorte a operar como verdadeiro critério do mais íntimo significado do sistema como um todo e de cada qual de suas partes"
Compreendido desta forma o princípio jurídico, cumpre ressaltar as suas diferenças para com a regra, os dois, facetas da norma jurídica.
Pode-se dizer, conforme ressaltado alhures, que as regras, ordinariamente, possuem um grau de concretização maior, dado que regula o fenômeno jurídico com um grau menor de abstração, enquanto os princípios estabelecem pautas de comportamentos, de valores, a serem seguidas na aplicação das regras em geral, sendo elementos informadores destas.
Estudando detalhadamente estes dois institutos, o ilustre mestre português GOMES CANOTILHO discorre sobre diversas fórmulas que têm sido elaboradas como critério de descrimen para regras e princípios(18):
"Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa. Vários são os critérios sugeridos.
a)Grau de abstração:os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado;de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
b)Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto:os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras(do legislador?do juiz?),enquanto as regras são suscetíveis de aplicação directa.
c)Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito:os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes(ex:princípios constitucionais)ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico(ex:princípio do Estado de Direito).
d)<Proximidade da idéia de direito:os princípios são <standards> juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <justiça>(Dworkin)ou na idéia de direito(Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
e)Natureza normogenética: os princípios são fundamentais de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante."
Não resta dúvida que, mesmo não sendo todos estes critérios definidores, poderíamos enunciar alguns, como por exemplo, os princípios serem normas passíveis de convivência sem conflito que o excluam do ordenamento,enquanto as regras, quando conflitantes, indubitavelmente incorrerão em exclusão de uma delas.Outra diferença que podemos pontuar é que, enquanto as regras traduzem-se nos modais deônticos do permitido, obrigado e proibido, os princípios traduzem um imperativo, compatível com vários graus de concretização.
Enunciando mais uma vez, de forma esclarecedora, as diferenças entre regras e princípios, CANOTILHO diz que(19):
"Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos;as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência(impõe, permitem ou proíbem)que é ou não é cumprida(nos termos de Dworkin:applicable in all-or-nothing fashion);a convivência dos princípios é conflitual(Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses(não obedecem, como as regras, à < lógica do tudo ou nada> ), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes;as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale(tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos.(...)em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização,pois eles contêm apenas <exigências> ou <standards> que, em < primeira linha>(prima facie)devem ser realizados;as regras contém <fixações normativas>definitivas, sendo insuscetível a validade simult6anea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso(importância, ponderação, valia);as regras colocam apenas questões de validade(se elas não são correctas devem ser alteradas)."
Tratando desta diferenciação, o jurista EROS GRAUS identificou que as regras devem ser aplicadas por completo ou não, não comportando exceções,enquanto os princípios não se excluem, comportando exceções no âmbito de sua aplicação.Vejamos o posicionamento de EROS GRAU quanto à questão(20):
"(...)as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela,sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta. No nível teórico, ao menos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidade dessas exceções e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação(de exceções), mais completo será o enunciado da regra."
Saliente-se ainda a posição de Karl Larenz quanto à distinção regras - princípios(21) :
"(...)Os princípios jurídicos são os pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível; não são, em si mesmos, suscetíveis de aplicação, como se fossem regras, ainda que possam transformar-se em regras.Quando remetem a um conteúdo intelectivo que conduz a uma regulação, são princípios "materiais", embora careçam ainda do caráter formal de proposição jurídica, expresso na conexão de uma hipótese(tatbestand) e uma estatuição(Rechtsfolge). Os princípios apenas indicam a direção na qual está situada a regra que cumpre encontrar".
Portanto, em face dos posicionamentos doutrinários ora apresentados, cumpre afirmar algumas conclusões, quais sejam: a de que os princípios são pautas de valores, mandamentos de natureza nuclear do sistema jurídico, que direcionam e concretizam a aplicação das normas jurídicas;podem ser os princípios tanto expressos como implícitos, enquanto as regras só podem ser expressas; não comportam exceções as regras, enquanto os princípios sim; as regras , quando confrontadas entre si, podem expressar antinomias , enquanto os princípios não; eles os princípios - não se excluem, enquanto as regras sim, quando confrontadas. Quando ocorrer o confronto entre dois princípios deverá ser procedido o necessário balanceamento de valores, para que se possa harmonizar a aplicação dos princípios ao caso concreto e regular sua convivência no sistema; por último, resta imperiosa a afirmativa de que, se as regras para ser aplicadas devem sopesar os princípios que as instruem, estes são hierarquicamente superiores às mesmas, conquanto este não seja um entendimento majoritário.
Em sendo assim, cumpre-nos apenas acrescentar que esta distinção se aplica perfeitamente aos objetivos de nosso estudo, na medida em que delineiam-se perfeitamente agora as funções das regras e dos princípios no âmbito do sistema, devendo ser aplicadas estas definições ao campo do direito tributário, o que nos fará trabalhar conseqüentemente com o conceito de normas tributárias que têm como espécies os princípios constitucionais tributários e as regras tributárias.
Para este subsistema constitucional, o tributário, aplicam-se todos os conceitos anteriormente definidos, sendo que iremos nos deter em seguida à analise dos princípios constitucionais aplicáveis à esfera tributária, quais sejam, os princípios gerais constitucionais e os constitucionais tributários.
3.2.Princípios Constitucionais Gerais
Definidos os parâmetros acima , no tocante à distinção entre princípios e regras, cumpre elencar os princípios constitucionais gerais que se aplicam a todo o ordenamento e, conseqüentemente, ao Sistema Tributário Nacional.
3.2.1.Princípio da Justiça
É uníssona a doutrina em afirmar que o princípio da justiça é um primado supremo, suporte de todo o Ordenamento Jurídico, próprio dos sistemas jurídicos dos povos civilizados, em que pese, pelo seu próprio conteúdo eminentemente abstrato, e claro, composto de forte carga ideológica, ser muitas vezes aplicado com fundamentos dos mais diversos.
Segundo PAULO DE BARROS(22):
"Realiza-se o primado da justiça quando implementamos outros princípios, o que equivale a elegê-lo como sobreprincípio. E na plataforma privilegiada dos sobreprincípios ocupa o lugar preeminente. Nenhum outro o sobrepuja, ainda porque para ele trabalham.Querem alguns, por isso mesmo, que esse valor apresente-se como o sobreprincípio fundamental, construído pela conjunção eficaz dos demais sobreprincípios."
3.2.2.Princípio da certeza do direito
Da mesma forma que o princípio da justiça é implícito, este também o é, porém, cumpre categoriza-lo também como um sobreprincípio, posto que, ao sentenciar, não caberá ao juiz deixar a relação jurídica objeto da lide sem a devida certeza estabelecida, o ordenamento jurídico exige o requisito da certeza para ser válido.
Como salientou PAULO DE BARROS(23):
"Substanciando a necessidade preemente da segurança do indivíduo, o sistema empírico do direito elege a certeza como postulado indispensável para a convivência social organizada.
O princípio da certeza jurídica é implícito,mas todas as magnas diretrizes do ordenamento operam no sentido de realizá-lo.
No mesmo sentido, ROQUE CARRAZA corrobora os ensinamentos do Prof.º PAULO DE BARROS, anotando que o princípio da certeza jurídica é pressuposto dos demais, aquiescendo, desta forma, com a nossa compreensão de enquadrar este princípio como um sobreprincípio(24).
3.2.3.Princípio da Segurança Jurídica
Revela este princípio a necessidade do sistema ofertar segurança ao indivíduo na busca do seu direito,harmonizando no seio social um sentimento de previsibilidade quanto aos instrumentais jurídicos.
Pode-se pautar o primado da segurança jurídica em dois aspectos, quais sejam, a necessidade de se resguardar o passado através da irretroatividade, e de estabelecer-se no futuro, através da aplicação dos princípios e regras adequadas à solução dos problemas jurídicos, a necessária efetividade deste sobreprincípio, que, reputamos, também é implícito ao sistema.
O Prof.º PAULO DE BARROS esclarece que o princípio da segurança jurídica(25):
"(...)é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta."
3.2.4.Princípio da igualdade
O princípio da igualdade, ao contrário dos outros retro-mencionados, vem expresso no art.5º da Constituição, em seu caput, da seguinte forma:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)"
Pois bem, esta designação no caput do art. 5º da nossa Carta Magna, no título que trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, denota a importância deste princípio, revelando o seu conteúdo valorativo de princípio diretriz de nosso ordenamento jurídico, por alguns denominado inclusive como supraprincípio.
Sem dúvida, absolutamente alguma, este princípio se aplica à esfera tributária de modo integral, sendo, inclusive, inspirador de alguns princípios constitucionais tributários como o princípio da capacidade contributiva e , no dizer do eminente ROQUE CARRAZA, interliga-se este princípio com o princípio Republicano de forma acentuada(26).
O princípio da isonomia deve ser cotejado como princípio basilar de nossa Carta Magna,de forma que, para denotar o seu caráter de supraprincípio de nosso ordenamento constitucional, recorremos às lições da insigne MIZABEL ABREU MACHADO DERZI, citando o igualmente respeitado Constitucionalista Francisco Campos, in verbis(27):
"A isonomia, hoje, é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É o princípio básico de nosso regime democrático. Não se pode pretender Ter uma compreensão precisa da democracia, se não tivermos um entendimento real de seu alcance. Sem igualdade não há república, não há Federação, não há democracia, não há justiça.
A Carta vigente dá uma relevância excepcional a tal princípio, quando, no art. 3º , ao enumerar os objetivos fundamentais da nossa Republica Federativa, demonstra estar presente a premissa da igualdade em pelo menos três deles. Assim está redigida a disposição constitucional:
Art. 3º. Constituem-se objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I-Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II-Garantir o desenvolvimento nacional;
III-Erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV-Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pode-se verificar, sem grande esforço, que não será possível construir uma sociedade livre, justa e solidária, se a prática dos atos necessários a se alcançar tal escopo, não estiver inspirada pelo pressuposto da igualdade. Da mesma forma, ao se pretender erradicar a pobreza e a marginalização, deve-se partir do princípio de que as vítimas de tais situações são iguais aqueles que as superaram, tendo o mesmo direito à ascensão social. O princípio Federativo e, de conseguinte, a igualdade entre Estados e Regiões, está presente na finalidade de "reduzir as desigualdades sociais e regionais". No inciso IV o princípio da isonomia resplandece a todas as luzes. Se se pretende promover o bem de todos, é porque todos são iguais, seja qual for a origem, a raça, o sexo, a cor, ou a idade. Explicita-se aqui, por primeiro o que vem repetido no art. 5º sem o rol de implementação deste. No art. 5º está evidenciada a superioridade do princípio da isonomia. Já no caput do artigo vem a primeira afirmação: Todos são iguais perante a lei. A primeira forma de implementar a igualdade é a garantia dada, aos brasileiros e estrangeiros residentes no país,, da inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, á igualdade, á segurança e à propriedade, nos termos enumerados nos incisos que se seguem. Com isso, fica nítido que todos os direitos e garantias enumerados, nos incisos do art. 5º , tem como função implementar o princípio da isonomia, sem o qual ruirá todo o sistema constitucional."
Desta forma, encontra-se delimitado o conteúdo deste princípio expresso na Constituição, que tem por função, mormente na esfera tributária,pois é desta que aqui tratamos, tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.
3.2.5. Princípio da universalidade da jurisdição
É um princípio também expresso, que vem transcrito no art. 5º da Constituição, em seu inciso XXXV, que diz:
"A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito."
Este inciso traduz de forma clara o princípio da universalidade da jurisdição, determinando que a função jurisdicional no Brasil é função inafastável do poder judiciário.
Se qualquer contribuinte estiver em uma situação perante o fisco em que veja seu direito ameaçado de lesão, ou já tenha sofrido esta, não poderá o poder legislativo, através da edição de qualquer instrumento legislativo infraconstitucional nem emenda constitucional, pois esta é cláusula pétrea -ou o poder executivo, através de qualquer resolução ou outro instrumento, impedir o acesso do contribuinte ao judiciário para pleitear seus direitos.
3.2.6. Princípio da ampla defesa e do devido processo legal
A Constituição assegura, em seu art.5º, LV,in verbis:
"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Na esfera tributária, assim como em todos os campos do ordenamento jurídico, aplicam-se estes princípios em função de serem os mesmo garantidores de direitos e garantias dos cidadãos, posto que, o postulado da ampla defesa e do contraditório é essencial à toda e qualquer sociedade moderna, que privilegia as garantias e direitos fundamentais da constituição.
PAULO DE BARROS enuncia, que(28):
"O devido processo legal é instrumento básico para preservar direitos e assegurar garantias, tornando concreta a busca da tutela jurisdicional ou a manifestação derradeira do poder público, em problemas de cunho administrativo."
3.2.7.Princípio da isonomia das pessoas políticas constitucionais
Este é um princípio implícito, que deflui de dois postulados constitucionais, quais sejam, a Federação e a autonomia dos municípios.
A federação é prevista no art.1º da Carta Magna, enquanto a dignidade de entes constitucionais imputada aos municípios vem regulada nos arts.18, 29 e 30 da Constituição.
A forma federativa consagrada pela nossa Carta Magna consagrou que a União e os Estados integram a mesma, concedendo , no entanto, autonomia aos municípios, apesar de não integrá-los à Federação. Desta forma os municípios possuem a mesma dignidade constitucional que a União e os Estados, diferenciando-se apenas no seu plexo de competências.
MICHEL TEMER, citado por PAULO DE BARROS corrobora a isonomia dos entes políticos constitucionais, principalmente no que tange a não-subordinação dos Estados à União(29):
"Michel Temer v6e na necessidade de previsão constitucional para que a União possa intervir nos Estados-Membros uma afirmação de igualdade. Fossem desiguais;existisse a subordinação dos Estados à União, não se cogitaria de autorização constitucional expressa.
PAULO DE BARROS termina por asseverar que(30);
"A menção do constituinte eleva os Municípios, parificando-os aos Estados Membros e à União. Não são eles entes menores ou meras comunas subordinadas ao controle e à supervisão das unidades federadas ou mesmo da União. São pessoas jurídicas de direito constitucional interno, dotadas de representação política, e que vão haurir competências privativas na mesma fonte em que o fazem as outras, isto é , na lei fundamental."
3.2.8.Princípio da supremacia do interesse público ao do particular
É um princípio implícito, porém, de fundamental importância, pois exalta a superioridade dos interesses coletivos sobre os individuais, espelhados no interesse público, norteando, sem dúvida, o direito tributário.
3.2.9.Princípio da indisponibilidade dos interesses públicos
Os interesses públicos são indisponíveis, inapropriáveis, posto que não pode um particular apropriar-se dos interesses do órgão que ele dirige, devendo estritamente se vincular à lei, haja vista não existir margem para o mesmo privilegiar um interesse privado em detrimento do interesse público.
3.3.Princípios Constitucionais Tributários
3.3.1.Princípio da legalidade tributária
3.3.1.1.Evolução histórica
Quando da Constituição imperial de 1824, não foi albergado expressamente este princípio, conforme demonstrou o Ilustre Aliomar Balleeiro, transcrito por Sacha Calmon,in verbis(31):
"A Constituição Imperial de 1824, conquanto não se referisse expressamente à lei, firmava a competência legislativa para a tributação, tanto sob o aspecto da legalidade quanto da anualidade, como se vê do art. 171(todas as contribuições diretas...serão anualmente estabelecidas pela Assembléia...) e também o art. 172."
É cediço que, nenhuma das Constituições Republicanas do Brasil deixou de consagrar o princípio da legalidade.
Na Constituição de 1891 consagrou-se o princípio da legalidade apenas no tocante aos impostos, muito embora, aquele tempo a doutrina já distinguia os impostos das taxas.
Sob a égide da Constituição de 1934 manteve o princípio, apenas deslocando-o do corpo da declaração de direitos para as disposições gerais.
Nas Constituições de 1946 e na de 1967, com a emenda nº1 de 1969, se manteve o princípio sem nenhuma exceção.
Na Constituição de 1988 vem ele albergado de forma específica no art. 150, inciso I, da seguinte forma:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
(...)"
3.3.1.2.Conceito
O princípio da legalidade tributária provoca o entendimento de que nenhum tributo pode ser majorado ou instituído sem que seja mediante lei, ou seja, só é possível criar-se nova regra-matriz de incidência ou majorar-se a base de cálculo ou a alíquota através de lei regularmente instituída.
Pode o princípio da legalidade tributária ser visto sob dois aspectos que são o da legalidade formal e material.
No campo da legalidade formal, temos que a regra tributária deve ser inserida no ordenamento jurídico obedecendo os devidos trâmites instituídos para sua criação e, quanto à legalidade em seu aspecto material, tratado pela doutrina como princípio da tipicidade tributária, impõe que a lei traga especificado os elementos que descrevem o fato jurídico e os elementos que prescrevem o conteúdo da relação obrigacional.
MIZABEL DERZI, na excelente atualização que procedeu da obra do PROFESSOR ALIOMAR BALEEIRO, procedeu a esta distinção com clareza, dizendo que(32):
"Ora, os arts. 150,I e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal ato próprio, emanado do poder legislativo como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, conseqüências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributária, alíquotas e base de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário."
A legalidade tributária é vista, conforme dissemos acima, como a especificação do conteúdo da lei tributária e, corroborando o tratamento dela como princípio da tipicidade tributária, SACHA CALMON enuncia que(33):
"A lei fiscal deve conter todos os elementos estruturais do tributo:o fato jurígeno sob o ponto de vista material, espacial, temporal e pessoal(hipótese de incidência)e a conseqüência jurídica imputada à realização do fato jurígeno(dever jurídico).Equivale dizer que a norma jurídico-tributária não pode ser tirada do ordo júris nem sacada por analogia, deve estar pronta na lei, de forma inequívoca, obrigando o legislador a tipificar os fatos geradores e deveres fiscais.
(...)
Faz-se necessário, todavia, encetar quatro observações quanto aos princípio da tipicidade, o qual nunca é expresso nas Constituições e nas leis, nominalmente. Tipicidade ou precisão conceitual é o outro nome do princípio da legalidade material."
Torna-se despicienda, em nosso entender, a menção por parte da doutrina de que a legalidade material é tratada como princípio da tipicidade tributária. É certo que se considera a tipicidade em matéria tributária cerrada, o que denota a impossibilidade de alteração pelo administrador e pelo juiz da regra de direito tributário, porém, esta é uma conseqüência do princípio da legalidade, sendo inútil, em nosso entender a criação de mais uma denominação técnica para esta situação jurídica.
3.3.1.3.Exceções ao princípio da legalidade tributária
Inobstante a rigidez do princípio da legalidade, cumpre observar que a Constituição estatuiu, para algumas situações excepcionais, a atenuação do mesmo, em virtude de aspectos de urgência e relevância que estas exceções demandariam.
São situações de exceção as de empréstimo compulsório, instituído em caso de guerra e calamidade pública, e a faculdade que tem o executivo de alterar, dentro de determinados limites, as alíquotas dos impostos de importação e exportação, IPI e ISOF.
Existe discrepância na doutrina quanto à validade dos atuais instrumentos legislativos existentes que regulam a possibilidade de alteração das alíquotas. Alguns, como SACHA CALMON, entendem que as autorizações existentes não se encontram recepcionadas pela Constituição e que a Lei complementar seria o veículo legislativo de autorização adequado para fixar a forma de alteração das alíquotas(34).
"(...)há exceções ao princípio quanto à majoração(ou minoração) de impostos.As seguintes:impostos de importação, exportação, IPI e ISOF. Estes podem ter suas alíquotas alteradas e, pois, aumentadas sem prévia lei, por simples ato administrativo, atendidas as condições e os limites a serem fixados em lei autorizativa, que se não existir(art.153,&1º)obstará a franquia concedida ao executivo federal. É que na hipótese trata-se de limitação sobre limitação ao poder de tributar, matéria sob reserva de lei complementar(art.146 , II). De resto, estando as pessoas políticas sujeitas ao princípio da legalidade, a exceção a ele não pode ser regulada pela própria pessoa que sofre a constrição, no caso, a União Federal, beneficiária da licença para operar as alíquotas desses quatro impostos com possibilidade de majorá-los. É necessário, portanto, que uma lei complementar(lei nacional)ou dispositivo dela forneça as condições e os limites necessários a que possam as alíquotas do IPI, do ISOF, do IIP e do IEX sofrer alterações. O dispositivo Constitucional, está à vista, é de eficácia limitada(not-self executing), em que pesem doutas opiniões discrepantes, ao argumento de que em relação aos impostos alfandegários e ao IPI existem leis autorizativas aproveitáveis, o mesmo ocorrendo com o IOF.
Discordamos, visto que tais autorizações são velhas, em dessintonia com a Constituição, e estão em desacordo com o sistema ora implantado. Regras claras devem ser emitidas pelo Congresso Nacional para disciplinar a espécie. Agora exige-se lei complementar para regular limitação ao poder de tributar, com renovado vigor."
No tocante ainda a esta exceção, a Constituição não deixou margem para que se pudesse ampliar o rol dos tributos que não se submetem por completo ao princípio da legalidade.
A ilustre MIZABEL DERZI preleciona quanto a possibilidade de ampliação do rol exceptivo que(35):
"A quebra da legalidade está mais restrita na Constituição Federal de 1988, uma vez que a faculdade concedida ao Poder executivo não mais se estende às modificações de bases de cálculo, os quais somente por ato do poder legislativo podem ser alteradas. Acresce ainda que foram eliminadas as impropriedades técnicas existentes nos Textos anteriores, como as "tarifas" aduaneiras e de transportes; reduziu-se o número de exceções à legalidade e à anterioridade; eliminou-se ainda a possibilidade, introduzida pela emenda constitucional nº 8 de 17.04.1977, de ampliação do rol exceptivo, mediante a edição de lei complementar. As contribuições de toda natureza, de melhoria ou especiais(sociais, de intervenção no domínio econômico e instituídas no interesse de categorias profissionais e econômicas)conforme dispõe o art. 149, submetem-se, rigorosamente, sem qualquer atenuação, à legalidade e à anterioridade."
3.3.1.4.Legalidade tributária e medida provisória
É fecunda na doutrina e na jurisprudência o debate sobre o cabimento da utilização da medida provisória como instrumento de criação ou majoração de tributos.
A medida provisória é um instrumento normativo, que tem por finalidade criar com celeridade uma regra jurídica dentro do ordenamento ou regras - , em casos que estejam presentes os requisitos da urgência e relevância, conceitos, sem dúvida nenhuma, de caráter indeterminado, de formulação abstrata, que o Juiz deve proceder à sua interpretação diante do caso concreto, podendo assumir para tanto diversos significados.
Portanto, um dos problemas cruciais para determinar-se a possibilidade de instituir regras tributárias através de medida provisória decorre da problemática conceituação de relevância e urgência em matéria tributária.
Não podemos corroborar o entendimento de que as medidas provisórias podem ser utilizadas para instituir regras tributárias , haja vista isto implicar em flagrante desrespeito ao princípio da legalidade e também da anterioridade.
Já o disse MIZABEL DERZI(36):
"(...)a segurança jurídica, o princípio da anterioridade e da não-surpresa são de tal forma reforçados no direito tributário, que o procedimento legislativo, desencadeado pelas medidas provisórias, é incompatível com a regulação de tributos."
Portanto, ao não cumprir os requisitos de relevância e urgência necessários à edição de uma medida provisória, o legislador, ao regular matéria tributária por este instrumento legislativo estará editando uma regra eivada de inconstitucionalidade. O legislador possui os instrumentos necessários para aprovar uma lei com caráter de urgência, dentro do prazo máximo de 45 dias , não justificando, portanto, a utilização do processo legislativo de forma equivocada e através de medida provisória.
Conquanto não bastem estas alegações, existem outras de caráter extremamente restritivo, que enunciaremos ao tratar do princípio da não-surpresa tributária.
3.3.2.O princípio da irretroatividade tributária
A Constituição consagra este princípio em seu art.150, inciso III, alínea a, enunciando o seguinte:
"Art. 150.Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
III- cobrar tributos:
a)em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
(...)"
Em que pese o enunciado claro no art. 150, III, a), tratando da irretroatividade em matéria tributária, entendemos ser despicienda esta referência, haja vista a inclusão deste princípio no art. 5º, inciso XXXVI da Carta Magna.
A inclusão deste princípio no artigo 5º tem por função a de estender seus efeitos a todo o ordenamento jurídico nacional, conseqüentemente , tornaria desnecessária a inclusão pelo legislador deste princípio, de forma específica, no capítulo destinado ao sistema tributário nacional.
3.3.2.1.A problemática da retroatividade imprópria no direito tributário brasileiro.
A doutrina Alemã, que não consagrou o princípio da irretroatividade como princípio constitucional, tem trabalhado com a categoria da retroatividade imprópria para, de certa forma, alcançar os contribuintes sem transparecer que a lei retroativa ofende integralmente o princípio da irretroatividade.
Segundo MIZABEL DERZI, a retroatividade será imprópria ou retrospectiva(37):
"(...) se a lei não atuar nem sobre o passado nem também sobre o futuro mas.
"...em um presente ainda não concluído, porém em vias de formar o fato jurídico e as relações jurídicas...no caso dos impostos periódicos, ela é editada no curso do ano, antes do termo final do nascimento do direito. Na verdade, isso foi deduzido da técnica do &38 AO e não da realidade dos fatos. Aumentos do Imposto de Renda e das Sociedades para o ano de 1980 são admitidos também ainda em dezembro de 1980".(Klaus Tipke, Steurrecht, Otto Schmidt KG, 1983, p. 46).
Essa diferenciação entre a retroatividade autêntica e imprópria ou "retrospectiva" é aceita pelo Tribunal Constitucional Alemão, sob as críticas de grande parte da doutrina, porque, como diz TipKe, ela não convence, especialmente se considerarmos que o princípio da irretroatividade visa à proteção da confiança,(cf.op.cit.,p.47)."
O STF possui uma súmula, a de nº594, em que pretende albergar a retroatividade imprópria, ao dizer que.
"Ao Imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração".
Todavia, diante da disposição constitucional que veda a irretroatividade em matéria tributária, proibindo que a lei nova alcance fatos geradores passados, torna esta súmula vazia de conteúdo e inaplicável perante a ordem constitucional brasileira, posição esta que a doutrina e boa parte da jurisprudência vinha absorvendo no Brasil.
3.3.3.O princípio da não-surpresa tributária
3.3.3.1.Conceito
O princípio da não-surpresa tributária vem aqui albergando os princípios da anterioridade e o da espera nonagesimal. Através desta unificação terminológica esperamos enfrentar os conceitos de forma mais unificada.
Em primeiro plano o princípio vem albergado no art. 150, III, b da Carta Magna, usualmente denominado pela doutrina de princípio da anterioridade, assim dizendo;
"Art. 150.Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
III- cobrar tributos:
a)no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumento.;
(...)"
A enunciação é clara. A lei não pode criar ou majorar tributos e cobra-los no mesmo período da instituição.
A outra faceta do princípio da não-surpresa tributária vem albergada pelo que chama-se de espera nonagesimal para a lei adquirir eficácia, consubstanciado no art.195, &6º da Constituição.
Enuncia este artigo que as contribuições sociais de tratadas no artigo 195 só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou aumentado.
3.3.3.2.Exceções ao princípio da não-surpresa tributária
A própria Constituição, no corpo de suas disposições estabelece as exceções ao princípio da não-surpresa tributária, tornando possível a cobrança de tributos como os impostos extraordinários de guerra, os empréstimos compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública, dada a urgência da situação a exigir imediatos recursos(art.148,I) e a concessão emitida ao poder executivo para alterar as alíquotas dentro dos limites impostos pela lei do Imposto de importação e exportação, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários(art.153,&1º).
3.3.3.3.princípio da não-surpresa tributária e medidas provisórias.
Conforme antes ressaltado, no tópico que trata do princípio da legalidade, não vislumbramos possibilidade da medida provisória instituir regras tributárias.
Aqui, temos o principal argumento contrário à tese de veiculação de matéria tributária por intermédio de medida provisória que é justamente o fato desta veiculação ferir o princípio da não-surpresa tributária para a maior parte da doutrina, princípio da anterioridade.
Toda e qualquer regra tributária requer, após sua aprovação pelo poder legislativo, a entrada em vigor apenas no exercício subseqüente, excetuando-se as exceções por nós acima delimitadas.
Diante disto, não vislumbramos necessidade de edição de regras tributárias a partir de medidas provisórias, haja vista não ser o conceito de relev6ancia e urgência usualmente aplicados às mesmas aplicáveis à matéria tributária. A matéria tributária já possui sus próprias formas de tratar circunstâncias de relevância e urgência com mecanismos jurídicos próprios, como no caso dos impostos extraordinários de guerra, com a decretação do Estado de sítio.
Porém, SACHA CALMON entende possível o uso de medida provisória, alegando que(38):
"Pois bem,com espeque na relevância e urgência é que deduzimos o cabimento de medidas provisórias em sede de tributação apenas em dois casos, estando em recesso o Congresso Nacional. Friso: estando em recesso o Congresso Nacional;
a)criação de impostos extraordinários de guerra;
b)instituição de empréstimos compulsórios de emergência,guerra, sua iminência e calamidade pública)."
Em posição nitidamente contrária, com a qual concordamos, está a ilustre MIZABEL DERZI, enunciando que(39):
"(...)a Magna Carta acosta às leis tributárias (quer ordinárias ou complementares), que criam tributo novo ou majoram os já existentes, o princípio da anterioridade, o qual se lhes adia a eficácia, procrastinando, para o exercício seguinte ao da sua publicação, os atos de cobrança. No caso das medidas provisórias, ao contrário, antes mesmo de se completar o processo legislativo, antes de se aperfeiçoar a lei em que se hão de converter, a Constituição antecipa a eficácia, consentindo na aplicabilidade imediata e prévia `a própria existência(da lei)."
Diz ainda a ilustre professora, reforçando o entendimento de incompatibilidade entre princípio da anterioridade e medida provisória aqui tratado este princípio como não-surpresa tributária - , que aquele leva a postergação da eficácia da lei para o ano seguinte à sua edição, enquanto a medida provisória adquire eficácia antes mesmo de se transformar em lei, situação logicamente incompatível, apesar dos efeitos que a Constituição atribui às Medidas Provisórias(40).
"Assim as leis ordinárias ou complementares, que instituem ou majoram tributo, tem a eficácia e a aplicabilidade adiadas, por força do princípio da anterioridade. Medidas provisórias, em razão da relevância e da urgência, tem necessariamente sua eficácia e aplicabilidade antecipadas à existência da lei em que se hão de converter, por imperativo constitucional."
Portanto, não resta dúvida de que o instituto da medida provisória é completamente incompatível com o princípio da não-surpresa tributária, face aos argumentos anteriormente apresentados e na conformidade com os abalizados ensinamentos de esmagadora maioria doutrinária.
3.3.3.4.A anualidade e a não surpresa tributária
Apenas como rápida e necessária referência de natureza epistemológica, fazemos questão de afirmar a inexistência hoje, do princípio da anualidade, por quase toda a doutrina proscrito do ordenamento jurídico brasileiro.
A anualidade determinava a exigência de que toda e qualquer exação tributária, para entrar em vigor, havia de estar inclusa a específica autorização orçamentária para a mesma.
MIZABEL DERZI assevera firmemente que(41):
"(...)a Constituição mantém a anualidade, apenas para fins de periodização dos impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, assim como para o planejamento das mudanças legislativo-tributárias."
Discordamos frontalmente da ilustre doutrinadora, haja vista não se poder abstrair implicitamente do sistema como um todo, nem existir regra explícita que determine a aplicação da anualidade.Vige apenas a anterioridade, sob a forma de não-surpresa tributária, sendo que, se a anualidade estivesse presente no ordenamento constitucional brasileiro seria tratado também sob este aspecto.
3.3.4.Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva vem inserto no art. 145, & 1º da Constituição, enunciando que:
"Art.145.(...)
(...)
&1º.Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais me nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."
Este princípio tem como escopo a determinação de um nível ideal de tributação, que permita ao Estado garantir suas necessidades de natureza econômica, sem impossibilitar a subsistência dos contribuintes, exaurindo-lhes recursos além do devido.
Em verdade, segundo FABIO JUNQUEIRA DE CARVALHO/MARIA INÊS MURGEL, é este princípio uma decorrência do princípio da igualdade(42):
"(...)o princípio da igualdade, fundamental na linha constitucional adotada no Brasil, que defende o tratamento igual aos iguais e o tratamento desigual aos desiguais, abraça a exigência do princípio da capacidade contributiva, qual seja, a de que o contribuinte pague impostos de acordo com a sua possibilidade econômica."
Sem dúvida serve este princípio não só à matriz da igualdade como também a respaldar o direito fundamental da propriedade, estando intimamente ligado à vedação do confisco.É ele um princípio que pode ser visto como básico para a distribuição das cargas tributárias, auferindo a potencialidade econômica real dos contribuintes.
Este princípio vai levar à necessária limitação do poder legiferante ao reprimir exações confiscatórias e impedir a oneração de rendas mínimas, possibilitando a criação de um sistema progressivo justo.
3.3.5.Princípio da pessoalidade dos impostos
O princípio da vem inserto no art. 145, & 1º da Constituição,junto com o da capacidade contributiva, enunciando que:
"Art.145.(...)
(...)
&1º.Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais me nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."(grifo nosso).
Neste dispositivo impôs o legislador brasileiro a necessidade de tributar-se determinada pessoa em virtude de suas características pessoais, não se transferindo este encargo a terceiros ressalte-se que o fenômeno da substituição tributária em nada afeta o princípio da pessoalidade dos impostos.
Podemos dizer que a capacidade contributiva que o Estado infere do indivíduo por isto tratado o princípio da pessoalidade no mesmo parágrafo em que se trata o princípio da capacidade contributiva leve em conta a pessoa a ser tributada. Este é o sentido do princípio.
3.3.6.Princípio do livre trânsito de pessoas e bens
A Constituição estabelece em seu art. 150, inciso V, que:
"Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
V- estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público."
Este artigo determina que, ressalvada a cobrança de pedágio, que tem caráter de taxa, não pode, nenhum tributo de natureza interestadual ou intermunicipal impedir a livre circulação de pessoas e bens, não podem elas incidirem nas pessoas, na condição de viajantes, nem sobre os bens ou mercadorias transportados.
3.3.7.Princípio da isonomia tributária
O art. 150, inciso II, que explicita o princípio da isonomia tributária vem redigido da seguinte forma:
"Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
II Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."
A consagração do princípio da isonomia tributária no artigo acima também merece a mesma crítica imputada ao princípio da isonomia, posto que, já foi a isonomia consagrada no caput do art.5º, em posição inclusive defendida por nós como privilegiada, que o torna um sobre-princípio, a irradiar seus efeitos por todo o sistema jurídico.
Embora possa ser despicienda considerações maiores à este princípio neste tópico, em virtude de já se ter procedido a sua necessária análise quando tratamos do princípio da igualdade no ponto 3.2.4., entendemos fundamental citar a enunciação de cinco critérios elaborados pela prof.ªMIZABEL DERZI, que traçam as linhas gerais para o princípio da igualdade, comparando-se a distinção entre iguais e desiguais(43):
"de cinco maneiras se traduzem os critérios de comparação:
1.na proibição de distinguir(universalmente) na aplicação da lei, em que o valor básico protegido é a segurança jurídica;
2.a proibição de distinguir no teor da lei, vedação que salvaguarda valores democráticos como abolição de privilégios e de arbítrio. Os princípios da generalidade e da universalidade estão a seu serviço e tem como destinatários todos aqueles considerados iguais;
3.no dever de distinguir no conteúdo da lei entre desiguais, e na medida dessa desigualdade. No direito tributário, o critério básico que mensura a igualdade ou a desigualdade é a capacidade econômica do contribuinte;
4. no dever de considerar as grandes desigualdades econômico-materiais advindas dos fatos, com o fim de atenua-las e restabelecer o equilíbrio social. A progressividade dos tributos favorece a igualação das díspares condições concretas, em vez de conserva-las ou acentua-las;
5. na possibilidade de derrogações parciais ou totais ao princípio da capacidade econ6omica pelo acolhimento de valores constitucionais como critérios de comparação, os quais podem inspirar progressividade, regressividade, isenções e benefícios, na busca de um melhor padrão de vida para todos, dentro dos planos de desenvolvimento nacional integrado e harmonioso."
3.3.8.Princípio do não-confisco
A Constituição estabelece em seu art. 150, inciso IV, o princípio do não-confisco, assim redigido:
"Art.150.Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
IV É vedado utilizar tributo com efeito de confisco. "
Cumpre ressaltar, primeiramente, que a vedação instituída pelo artigo é genérica, portanto, aplicável não só a impostos e sim a todos os tipos de tributos.
Conquanto determinadas vezes, as políticas extra-fiscais no manejo dos tributos tenham finalidade diferente da meramente arrecadatória, como por exemplo, a progressividade das alíquotas do IPTU, esta política não pode violar inexplicavelmente o direito de propriedade, pois, se até mesmo uma desapropriação, em que também esta presente o interesse público, deve ser indenizada, na forma da lei, de maneira justa, não cabe ao poder legislativo instituir tributo com efeito confiscatório, afrontando o direito de propriedade.
3.3.9.Princípio da generalidade, progressividade e uniformidade sobre a renda.
Reza a Constituição em seu art.153, § 2º que:
"Art.153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
§2º.O imposto previsto no inciso III:
I será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade."
A progressividade está contemplada no fato de que, à medida que se eleva a quantidade ou o valor do objeto tributado, a sua alíquota cresce.
Cumpre afirmar que a progressividade dos tributos é a única fórmula que permite a manutenção da pessoalidade dos impostos, sendo este também essencial para a aferição da capacidade contributiva dos sujeitos passivos da relação tributária..
Segundo o princípio da universalidade, a lei que instituir o imposto de renda deve abarcar todos os rendimentos provenientes de atividades lucrativas para fins de cálculo do mesmo, enquanto para o princípio da generalidade, devem ser tributadas todas as pessoas que auferirem renda, excetuando-se, logicamente, às imunidades e isenções concedidas legalmente.
3.3.10. Princípio da progressividade sobre a propriedade territorial urbana ou rural.
Vem insertos estes princípios, nos arts.153, §4º e 156,§1º, da seguinte forma:
"Art.153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
§4º O imposto previsto no item VI terá suas alíquotas fixadas em lei de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.
Art.156.Compete aos municípios instituir imposto sobre:
§1º.O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos da lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade."
Aplica-se neste tópico o mesmo conceito apresentado para a progressividade no imposto de renda,apresentada no item retro, notando-se a nítida função extra-fiscal deste princípio.
3.3.11.Princípio da vedação de criação de impostos federais novos cumulativos ou que tenham a mesma base de cálculo ou fato gerador daqueles previstos na Constituição.
A Constituição veda a cobrança de impostos que sejam cumulativos ou que tenham a mesma base de cálculo ou fato gerador de imposto previstos na Constituição.
Este princípio tem por função coibir o que se entende por bi-tributação, fato inclusive que, quando da implantação da CPMF causou alvoroço na doutrina, que entendia ser o fato gerador deste imposto idêntico ao do IOF, portanto, incidindo em vicio de inconstitucionalidade.
3.3.12.Princípio da unidade político-econômica do território nacional.
Este princípio visa coibir os privilégios e distinções desnecessárias entre os entes políticos da Federação, pessoas ou bens,em razão de sua procedência ou destino e por meio de regras que assegurem esta unidade político-econômica.
É ele excepcionado apenas pela política de incentivos regionais, albergada pela nossa Constituição que, no entanto,deve ser compreendido racionalmente.
3.3.13.Princípio da uniformidade do regime tributário
Este princípio determina que não podem haver distinções quanto ao regime tributário aplicado às empresas públicas e às empresas privadas, excetuando-se as micro e pequenas empresas, como forma de estimular o desenvolvimento econômico do país.
3.3.14.Princípio da não-cumulatividade de IPI e ICMS.
Enuncia este princípio que não podem estes impostos terem caráter cumulativo, sem que ocorram as devidas compensações sobre o total que foi pago nas operações anteriores nestes tributos.
3.3.15.Princípio da seletividade do IPI e do ICMS.
Este princípio pretende traduzir o entendimento de que, a tributação nestes impostos pode ser seletiva, como forma de alcançar com alíquotas mais elevadas os produtos e serviços suntuários, de luxo ou supérfluos, como forma de coibir o consumo exacerbado de determinados produtos e de tributar outros somente consumidos pela população de maior poder aquisitivo.