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Algumas reflexões sobre os agravos

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27/05/2009 às 00:00
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3. AS HIPÓTESES RESTRITAS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Fazendo-se um balanço do regime dos agravos, observa-se uma total "inversão de papéis". O agravo de instrumento, que era regra, passou a ser exceção; e o agravo retido, que era exceção, agora se tornou a regra.

Uma vez que o agravo retido tornou-se regra geral, o manuseio do agravo de instrumento ficou cingido às restritas situações elencadas pela lei. Conforme a nova redação do art. 522, dois são os pressupostos, basicamente, para o seu cabimento.

O primeiro deles ocorre nas situações de potencial efeito danoso, i.e, "quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação". Ainda no âmbito dessa primeira classe, caberá agravo de instrumento contra a decisão relativa aos efeitos em que a apelação é recebida. Em que pese a lei não mencionar a questão do dano ou risco de grave lesão, é essa a temática legal.

Com efeito, nas situações em que a apelação deva ser recebida no duplo efeito, haverá potencial dano à parte apelante caso o juiz, desrespeitando a regra, deixe de conceder a suspensividade. A contrario sensu, nas situações em que a apelação não tenha o condão de suspender a eficácia da sentença, sendo o recurso recebido no efeito suspensivo, inevitável dano será imposto ao apelado, pois a sentença, que deveria surtir efeitos imediatos, assim não fará. Em qualquer desses casos (fundados no perigo de dano), a apreciação será subjetiva. No mais das vezes, dependerá das circunstâncias do caso concreto.

Numa segunda temática, tem-se decisão contra a qual não se pode impugnar pela via do agravo retido. É a situação em que o juiz deixa de receber o próprio apelo, negando-lhe seguimento. Se contra tal decisão fosse interposto agravo retido, não seria ele jamais julgado, pois tal modalidade recursal somente é apreciada na oportunidade do julgamento da apelação (art. 523), que no caso tratado, estaria fadada ao eterno trancamento no primeiro grau de jurisdição.

Importa registrar que o cabimento do agravo de instrumento não se resume às hipóteses previstas no art. 522. Há tantas outras tratadas no CPC, de forma não sistemática, em que, por decorrência lógica, somente caberá o agravo pela via instrumental.

Basta dizer que a reforma implementada pela Lei nº 11.232/05 retirou da execução de sentença a natureza de ação, sendo mera fase continuativa da cognição (hibridismo processual). Assim, com a liquidação e com o cumprimento de sentença não se tem nova relação processual, salvo raríssimas exceções.

Ao julgar a liquidação de sentença, o magistrado emite decisão interlocutória. Desse modo, já que não há mais sentença a ser proferida, não poderá haver apelação. Não havendo apelação, não se terá oportunidade para julgamento de agravo retido. Conseqüentemente, solução outra não há senão permitir-se o agravo de instrumento, sob pena de podar-se à parte o constitucional direito de acesso ao 2º grau. É justamente por isso que o legislador preconizou que "Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento" (art. 475-H).

Idêntico entendimento há de ser conferido à decisão que julga a impugnação ao cumprimento de sentença, notadamente quando não a acolhe. A respeito, diz o § 3º do art. 475-M: "A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação".

Esboçando uma sistematização no tocante às decisões do juiz de primeira instância que podem ser objeto de agravo de instrumento, teríamos as seguintes hipóteses: a) quando a decisão puder causar à parte lesão grave e de difícil reparação; b) quando o juiz negligenciar os efeitos em que a apelação deva ser recebida; c) quanto o juiz deixar de receber a apelação; d) contra a decisão de liquidação de sentença; e e) contra a decisão referente à impugnação do cumprimento de sentença (exceto quando redundar na extinção da execução).

É salutar trazer à colação que o dinamismo processual poderá nos defrontar com outras situações, muito embora não nominadas taxativamente pela lei. A guisa ilustrativa, podem ser citadas as situações em que o juiz, no curso do procedimento voltado ao cumprimento de sentença, exara decisão que não se inclua nos casos antes mencionados. Sendo, pelo menos em potência, pronunciamento apto a causar prejuízo à parte, deverá caber o agravo de instrumento, pois, de regra, como não mais haverá sentença, utilidade nenhuma teria o agravo retido.


4. DECISÕES PROFERIDAS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO

Uma importante inovação da reforma recursal foi a previsão do agravo retido oral e imediato no tocante às decisões exaradas em audiência de instrução. É o que diz o já citado § 3º do art. 523:

"Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante".

Claramente, vê-se que o objetivo do legislador foi tornar mais célere o procedimento. Para tanto, prestigiou a oralidade. Tratando-se de decisão interlocutória proferida em audiência, andou bem o legislador ao determinar que eventual recurso deva ser veiculado na própria audiência. Assim, confere-se ao magistrado a possibilidade, pelo menos em tese, de verificar um erro seu e, portanto, na própria oportunidade retratar-se, evitando maiores delongas e custos. A nova sistemática evita que certa decisão, tomada em audiência, seja objeto de futuro agravo que, se provido, no mais das vezes, redundará na invalidação da própria colheita de provas.

De acordo com o novo art. 523, § 3º, a parte inconformada com determinada decisão exarada em audiência terá o ônus de interpor o agravo retido imediatamente, sob pena de operar-se a preclusão; não podendo, no futuro, questionar o pronunciamento judicial.

Não basta, portanto, o mero protesto, comum na prática forense. A impugnação deverá ser formulada através de agravo retido, com todas as formalidades que lhe são inerentes. Por conseguinte, não bastará à parte dizer que pretende agravar ou, ainda, dizer que agrava. Terá de fundamentar o seu recurso, expondo as suas razões recursais, que constarão em ata. A respeito, assim já se pronunciou o TRF da 3ª Região:

"Não se conhece de agravo retido quando, na interposição oral desse recurso, na audiência de conciliação, instrução e julgamento, não foram expostos os fundamentos, ainda que de forma sucinta, nem houve pedido de reforma da decisão recorrida, conforme estabelece o § 3.º do artigo 523 do Código de Processo Civil"

(1ª Turma – AC nº 558642/SP – Rel. Juiz. Clécio Braschi – j. 16.09.02).

Entretanto, o legislador parece haver incorrido em desnecessária restrição quanto à audiência mencionada no comentado § 3º. Fala ele em "audiência de instrução e julgamento". Sem dúvida, melhor seria mencionar apenas "audiência" tal qual se encontrava na anterior redação do parágrafo, oriunda da Lei nº 9.139/05. Em especial, não se pode olvidar que as decisões interlocutórias emitidas em na audiência preliminar são mais importantes que as adotadas na audiência instrutória, pois são aquelas que norteiam estas. Com efeito, "Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário" (art. 331, § 2º).

A Lei, malgrado, foi taxativa ao mencionar a obrigatoriedade do agravo retido oral e imediato apenas na audiência de instrução e julgamento. Nesta temática, parece-nos que não seria correto fazer interpretação extensiva, pois o novo regime do agravo impugnativo de decisões exaradas em audiência denota restrição de direito, a partir do momento em que retira da parte o lapso temporal (dez dias) a que, normalmente, teria direito.

4.2. Resposta ao agravo retido oral e imediato

No caso do agravo retido oral e imediato, o art. 523, § 3º, não trata do prazo para resposta recursal. Assim, seria de se aplicar a regra geral, prevista no § 2º do próprio art. 523: "Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão".

Parece, todavia, que o reformador cometeu inadvertido engano. De um lado impôs ao recorrente o ônus de agravar oralmente e com imediatidade. Ao agravado, ficou concedido o prazo de dez dias, face à ausência de regra específica que estabeleça sejam as contra-razões do recorrido veiculadas na própria audiência.

Destarte, não há como aplicar a regra geral acerca do prazo de resposta (dez dias). Isso revelaria inelutável ofensa ao princípio da isonomia. Redundaria em grave ofensa ao princípio da paridade de armas, que norteia todo o processo civil. Salvo nas hipóteses em que caiba extensão do prazo, a exemplo do que ocorre com a Fazenda Pública e o Ministério Público (art. 188), o prazo para resposta há de ser o mesmo que conferido ao próprio recurso.

No caso do agravo oral e imediato, já que não há prazo, no sentido próprio da palavra, não deverá havê-lo para a respectiva resposta. O ônus dado ao recorrente, nesse aspecto, deve também ser dado ao recorrido. Mesmo não havendo regra específica positivada no Código, há de se aplicar a principiologia concernente à igualdade das partes, impondo ao agravo o ônus de responder ao recurso na própria audiência.

4.3. Decisão gravosa proferida em audiência de instrução

Levando em conta a nova sistemática do agravo, uma questão, de logo, vem à tona: qual espécie de agravo deverá ser utilizada no tocante à decisão interlocutória proferida em audiência de instrução que tenha a aptidão de causar "lesão grave e de difícil reparação" à parte? Por óbvio, muito embora seja decisão exarada em audiência, o recurso manejável não será o agravo retido (art. 523, § 3º), mas o agravo de instrumento (art. 522), tendo em vista a urgência.

Neste caso, o agravo de instrumento não seguirá à especialíssima regra da interposição oral e imediata, mesmo porque seria impossível. A formação do "instrumento" – com todas as peças (obrigatórias e facultativas) que lhe são inerentes (art. 525, I e II) – deverá estar providenciada quando da interposição, o que seria de todo dificultoso no curso da audiência. De outro turno, o agravo de instrumento depende de preparo (art. 525, § 1º). Portanto, não se pode pensar, jamais, em agravo de instrumento oral e imediato, por absoluta incompatibilidade lógica.

Tratando-se de agravo de instrumento contra decisão exarada em audiência, deverá ele ser manejado no prazo legal (dez dias). Porém, o relator do agravo poderá entender vislumbrar ausência de gravidade. Em tal hipótese, deverá o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido (art. 527, II).

Um problema, todavia, afigura-se em tal circunstância. A conversão tem por pressuposto a ausência de periculum in mora. Portanto, se houve conversão é porque "declarou" o relator que o caso não ensejaria agravo de instrumento, mas mero agravo retido. Ora, se o caso vislumbraria agravo retido e, já que este deve ser imediato, ao utilizar-se do prazo de dez dias (concernente ao agravo de instrumento), teria a parte, inelutavelmente, incorrido em excesso prazal.

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Poder-se-ia pensar em medida mais liberal, entendendo que, na hipótese de ser manejado agravo de instrumento contra decisão (indigitada grave) exarada em audiência instrutória, e, havendo conversão em agravo retido, não estaria a parte sujeita àquela preclusão temporal.

Tal entendimento, entretanto, poderia dar margem a abusos. De fato, a parte que não tivesse sido diligente, deixando de interpor o agravo retido oral e imediato, manusearia o agravo de instrumento, em dez dias, muito embora sabendo que a decisão não é grave. A situação se torna mais difícil quando a apreciação da "gravidade", não raro, redunda em subjetivismo, pois a lei não diz o que é grave e o que não é. O exame acerca do perigo é feito sempre no caso concreto, quando então o magistrado faz uso da prudência e razoabilidade.

No intuito de evitar fraudes, algumas sugestões podem ser esboçadas. Primeira: observando que a decisão recorrida foi exarada em audiência de instrução e verificando que o recurso merece conversão em agravo retido, o relator do agravo de instrumento faria apreciação quanto à eventual abusividade. Se o incabimento da via instrumental for flagrante e inequívoca, tão-logo faça a conversão, deverá monocraticamente, com arrimo no art. 557, negar seguimento ao retido, por intempestividade.

Segundo: nas situações onde a suposta gravidade da decisão guerreada não seja flagrante, dando margem a subjetivismos, poderá o advogado na própria audiência anunciar o seu ensejo de recorrer, a fim de se precaver contra a hipótese antes avençada, o que deverá constar em ata. No mesmo evento, deverá informar que o agravo a ser interposto será o instrumental pela gravidade que se reputa à decisão. Assim, no futuro, não se poderá dizer que a parte negligentemente deixou de interpor o agravo retido oral e imediato, fazendo-o após pela via oblíqua do agravo de instrumento conversível.

Os problemas não param por aí. A falta de cuidado do legislador abre outros caminhos para cometimento de fraude.

Caso a decisão adotada em audiência de instrução seja omissa, obscura ou contraditória, o recurso cabível será os embargos declaratórios. De fato, hoje é tranqüilo que tal modalidade recursal é cabível em sede de decisão interlocutória. Mas, não há imposição de que o mesmo seja oral e imediato. Por conseguinte, a parte poderá se valer do prazo legal de cinco dias.

De logo, vê-se que a parte, ao deixar de interpor o agravo retido em audiência, poderá se valer dos declaratórios como burla ao sistema, que serão interpostos até cinco dias após a assentada e com o efeito interruptivo do prazo do próprio agravo (art. 538).

Ademais ainda que não seja caso de embargos declaratórios, ex vi da inexistência de qualquer omissão, obscuridade ou contradição a ser sanada, a interrupção do prazo (pela mera interposição dos aclaratórios) – conforme pacífica jurisprudência - ocorrerá.

Esse possível problema pode ser atenuado com forte na máxima secular, segundo a qual a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Conseqüentemente, contrariando copiosa jurisprudência, verificando o magistrado (de primeiro ou de segundo grau) que os embargos são flagrantemente descabidos, deverá inadmitir, liminarmente, eventual agravo interposto – retido ou por instrumento.

Poderia o legislador ter adotado solução menos complexa se tivesse imposto a imediatidade e oralidade dos embargos declaratórios contra decisões proferidas em audiência de instrução.

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Sobre o autor
Iure Pedroza Menezes

juiz de Direito no Estado de Pernambuco, especialista em Direito pela UESB/UFSC, professor de Direito Processual Civil da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Iure Pedroza. Algumas reflexões sobre os agravos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2156, 27 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12867. Acesso em: 28 abr. 2024.

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