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A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário

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14/05/2009 às 00:00
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Os problemas descritos anteriormente podem ser facilmente solvidos se o termo inicial da decadência dos tributos com lançamento por homologação for enfocado por outro aspecto. Há uma outra interpretação possível, e mas que nos parece mais correta. Entendemos que o prazo previsto no § 4º do artigo 150 cuida apenas e tão somente do direito do Fisco de homologar expressamente o lançamento, e não do prazo decadencial do direito de se lançar o tributo. O único prazo decadencial para qualquer modalidade de lançamento seria o encontrado no artigo 173 do CTN.

A esse respeito é importante que se observe que o artigo 150 integra o Capítulo II do Título III do CTN, intitulado "constituição do crédito tributário". Neste capítulo encontramos o artigo 142, que define o lançamento no caso dos tributos que dependem de atividade prévia da Administração Tributária, como os lançamentos por declaração e de ofício, e o artigo 150, que descreve o lançamento quando as atividades que resultam na constituição do crédito tributário são realizadas pelo contribuinte.

Este artigo 150, em seu § 4º, define o prazo dentro do qual os procedimentos efetuados pelo contribuinte podem ser homologados, e nos parece que o prazo nele previsto, 5 anos ou outro, se a Lei assim o dispuser, somente cuida do direito da Administração Tributária homologar estes procedimentos. Homologar significa confirmar que estes procedimentos, finalizados com o pagamento do tributo, contiveram uma subsunção perfeita dos fatos jurídicos ocorridos no período de apuração ao prescrito na legislação tributária.

Mas esta homologação sempre será dependente do valor efetivamente pago. Se o contribuinte efetua o pagamento de R$ 10,00 (dez reais), mas o crédito tributário que surgiu com os fatos geradores é de R$ 10.000,00 (dez mil reais), somente podem ser homologados os procedimentos (contábeis e fiscais) relacionados ao pagamento de dez reais. Os outros R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais) seguem não homologados, mesmo que tacitamente, e somente deixa de ser possível o lançamento de ofício deste crédito com o término do prazo decadencial, que, sob esta ótica, se descasa do prazo para a homologação. Se não houver pagamento não há o que se homologar, e se este for insuficiente para extinguir o crédito tributário somente se homologa o que foi efetivamente pago.

É incabível a homologação, expressa ou tácita, dos procedimentos relacionados ao crédito tributário sonegado, pois a Administração Tributária não pode compactuar com este procedimento omissivo, em atendimento aos princípios constitucionais a ela diretamente direcionados, como os princípios da legalidade e o da moralidade. Ela não pode, em suma, homologar (certificar) um ato infracional, um crime, previsto nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e no Código Penal, artigos 168-A e 337-A. O crédito tributário sonegado está ao largo da homologação, está fora do seu âmbito de validade, não pode ser por esta consolidado.

A Lei 8.137/90 define como crime até mesmo a omissão ou a inexatidão da declaração (prestar informação falsa). Deve ser observado que os delitos previstos no artigo 2º desta Lei são delitos formais, que se aperfeiçoam com a prática da conduta típica, pouco importando a ocorrência de qualquer dano ao erário público para sua consumação. O dolo, a fraude ou a simulação citados no § 4º do artigo 150, ou se caracterizam como elemento subjetivo do tipo penal (dolo) nos crimes contra a ordem tributária, ou meios para a obtenção do resultado, ou da tentativa de consegui-lo (fraude ou simulação).

Neste ponto, devemos observar que na omissão ou inexatidão previstas no inciso V do artigo 149 do CTN podem não estar presentes o dolo ou a culpa, e assim o fato deixaria de ser típico, não podendo ser enquadrado na legislação penal, mas o ato de não apurar o crédito tributário por omissão ou inexatidão também é ilegal, pois descumpre determinação da legislação tributária no sentido de que o contribuinte constitua o crédito tributário de acordo com seu delineamento legal. Em ambos os casos, sendo ou não crime, a Administração Tributária não pode compactuar com estes atos infracionais, homologando os procedimentos em que estes se inserem.

Enfim, o crédito tributário sonegado, e por este motivo não homologado, somente pode deixar de ser constituído pelo lançamento de ofício se o direito de efetuar este lançamento se esvair pela decadência. No exemplo citado, após 5 anos do fato gerador, se a Administração Tributária não promover a homologação expressa haverá a homologação tácita do crédito tributário efetivamente pago, no valor de R$ 10,00 (dez reais), e o restante não pago nem declarado, R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais) permanece não homologado, podendo vir a ser constituído pelo lançamento de ofício até o marco final do prazo decadencial.

E onde encontraríamos, então, as normas sobre a decadência nos lançamentos por homologação? Obviamente, onde o legislador as colocou, no artigo 173 do CTN. Este artigo integra o Capítulo IV, intitulado "extinção do crédito tributário", sendo que a decadência é uma das modalidades desta extinção. Assim o crédito tributário poderia ser constituído pelo lançamento de ofício, independentemente de qualquer outra consideração (existência de pagamento antecipado, dolo, etc), enquanto não se expirasse o prazo previsto no artigo 173, mesmo nos tributos com lançamento regular na modalidade "por homologação". Esta exegese teria a vantagem de unificar o prazo decadencial de todas as modalidades de lançamento, solvendo as questões controvertidas citadas anteriormente e diminuindo as perplexidades causadas pela interpretação conferida à norma pela doutrina e pela Jurisprudência.


7 -A homologação tácita sob o prisma da unificação dos termos iniciais da decadência e da vigência da LC 118/2005

Anteriormente comentamos sobre a alteração introduzida pela LC 118/2005, que consolida no ordenamento jurídico a interpretação de que a extinção do crédito tribuário se dá quando do pagamento, mesmo nos tributos com lançamento por homologação. E também discorremos sobre nosso entendimento de que a melhor exegese para o termo inicial do prazo decadencial, em qualquer modalidade de lançamento, seria a de que este termo inicial encontra-se no artigo 173 do CTN. E o que sobraria, então, para a homologação tácita, despida de seus atributos principais?

Devemos lembrar que a doutrina tradicional afirma que a homologação tácita do lançamento é antecedente necessário à extinção de um crédito tributário que teve seu pagamento "antecipado" e que não foi objeto de homologação expressa. Por esta ótica, considera-se o lançamento atividade privativa da Autoridade Administrativa, sendo ato (ou procedimento) constitutivo do crédito tributário, e havendo a homologação implementa-se, então, a condição indevidamente denominada "resolutória", expressa no § 1º do artigo 150. Entretanto, após o início da vigência da LC 118/2005, não se pode mais considerar que a extinção do crédito tributário depende da homologação, pois esta decorre do fato jurídico "pagamento", somente.

E, como descrevemos anteriormente, também consideramos indevida a associação do prazo decadencial do direito de se lançar de ofício o crédito tributário sonegado, nos lançamentos por homologação, com o prazo previsto no § 4º do CTN, pois este prazo somente cuida do direito da Administração Tributária homologar os procedimentos do contribuinte, desde que o crédito tributário fosse pago e houvesse a subsunção completa dos fatos jurídicos à legislação. A homologação seria, assim uma chancela ficta ou expressa para procedimentos de apuração do crédito totalmente revestidos de legalidade, efetuados pelo contribuinte dentro da autonomia que a Lei lhe concede.

E sendo assim, deveria a homologação estar dissociada da extinção do crédito tributário legalmente constituído e pago? Estes procedimentos podem, e devem, ser confirmados pela Administração, de maneira expressa ou tácita, e não vemos nenhum óbice a que esta homologação seja efetuada concomitantemente com o pagamento e com a extinção do crédito. O artigo 3º da Lei Complementar 118/2005, a nosso ver, trouxe uma conseqüência não prevista pelo legislador, mas importante para os contribuintes e para a Administração Tributária: a alteração do prazo para a homologação tácita do lançamento.

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O § 4º do artigo 150 reza que "se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação". Ora, a LC 118/2005 determinou que o pagamento deve ser considerado fato jurídico extintivo da obrigação e do seu crédito correspondente, trazendo, em decorrência, a homologação para a data do pagamento. Homologação, ressaltamos, do valor do crédito apurado em conformidade com a Lei e devidamente pago.

Voltemos, agora, para nosso exemplo numérico. Suponhamos que o contribuinte tenha apurado um crédito tributário de R$ 10.000,00 (dez mil reais), tenha declarado R$ 1.000,00 (mil reais), e tenha pago R$ 10,00 (dez reais). Sobre os R$ 10,00 (dez reais) pagos recai a homologação tácita, simultaneamente ao pagamento. Mas restam ainda R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais), que são um crédito tributário não pago e apenas parcialmente declarado.

Digamos que, dentro do prazo em que o artigo 173 permite que seja lançado o crédito tributário, se inicie uma fiscalização sobre os procedimentos deste contribuinte. Mesmo após iniciado procedimento de ofício, o contribuinte ainda poderá efetuar o pagamento dos tributos ou contribuições declarados, apenas com os acréscimos legais aplicáveis nos casos de recolhimento espontâneo, desde que o pagamento ocorra até o vigésimo dia subseqüente à data de recebimento do termo de início de fiscalização (Lei nº 9.430/96, art. 47).

Suponhamos, então, que neste prazo o contribuinte efetue o pagamento de R$ 990,00 (novecentos e noventa reais), acrescido dos encargos moratórios, completando o pagamento do valor declarado. Sobre este valor pago a posteriori incidiria a homologação expressa, pois este pagamento está plenamente ajustado aos parâmetros da legalidade, já que decorre de norma legal concessiva, podendo, então, ser homologado.

Esta homologação expressa não precisa nem mesmo estar descrita literalmente em nenhum documento, bastando que o valor pago constasse do Auto de Infração como subtraendo numa conta que apontasse o valor a ser constituído pelo lançamento. E os restantes R$ 9.000,00 (nove mil reais) podem ser objeto de lançamento de ofício, desde que este seja aperfeiçoado, com a ciência do contribuinte, antes que a decadência se consolide com o transcurso do prazo previsto no artigo 173 do CTN.


8 – Conclusões

O lançamento por homologação não é "atividade privativa da Autoridade Administrativa", visto que a legislação conferiu ao próprio contribuinte o dever de executar os atos que constituem o crédito tributário. Após a vigência da LC 118/2005, esta interpretação se consolidou pois a extinção do crédito tributário ocorre com o pagamento. Esta Lei Complementar também despiu a homologação tácita do seu principal atributo, o de ser antecedente necessário para a extinção definitiva do crédito tributário. A homologação tácita do lançamento certifica "a posteriori" a legalidade deste lançamento, que se aperfeiçoa com o pagamento do tributo. O termo inicial da decadência do direito do Fisco de constituir o crédito tributário encontra-se, apenas, no artigo 173 do Código Tributário Nacional.


Notas

  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=44221&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3> Acesso em: 24 abr. 2009.
  2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=denuncia+e+espontanea+e+gfip&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso em: 24 abr. 2009.
  3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=tribut%E1rio+lei+interpretativa+modificativa&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4> Acesso em: 24 abr. 2009.
  4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=homologa%E7%E3o+t%E1cita+decad%EAncia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>Acesso em 24 abr. 2009
  5. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.
  6. DE MELO, José Eduardo Soares. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.
  7. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=950004&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 24 abr. 2009.
  8. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.
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Sobre o autor
Eduardo Gomes Ecard

Auditor fiscal da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ECARD, Eduardo Gomes. A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2143, 14 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12873. Acesso em: 7 mai. 2024.

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