O presente estudo teve como ponto de partida o pioneiro julgamento sobre a influência da internet nas relações de emprego, atualizando as possibilidades de conflitos que esta nova tecnologia pode acarretar no âmbito do trabalho. Trata-se de Acórdão prolatado no processo n° TST-RR-613/2000-013-10-00.7 pelo E. Tribunal Superior do Trabalho em que restou analisada a possibilidade de utilização de e-mail corporativo como meio de prova lícita, no tocante à aplicação de justa causa para a extinção do contrato de trabalho.
Embora haja explícita carga processual no Julgado em comento, não se pode deixar de evidenciar a profícua análise de direito material em que se debruçaram os julgadores, examinando com afinco a possibilidade de monitoramento do correio eletrônico disponível ao empregado em razão do contrato de trabalho.
À primeira vista, se verifica uma aparente contraposição de direitos tutelados pela Constituição da República, figurando de um lado o empregado e o direito à privacidade, ainda que de forma eletrônica e, em outro aspecto, a plena possibilidade de utilização dos bens do empregador, fazendo-se valer do seu poder diretivo ou, em um viés constitucional, o direito à propriedade.
Sopesando maiores detalhes íntimos ao feito, e que não interessam ao presente estudo, faze-se necessária uma pequena digressão à situação examinada pelo Eg. TST, com o fito de propiciar um o bom entendimento acerca do caso. Instado pelo reclamante a julgar demanda envolvendo a situação epigrafada, o juiz monocrático (13ª Vara do Trabalho de Brasília) entendeu pelo descabimento da justa causa aplicada em virtude da invasão do sacrossanto direito do cidadão à privacidade, embora se trate de e-mail designado pela empresa para o exercício profissional.
Por sua vez, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10° Região, reformou a sentença originária, validando a justa causa aplicada e, sobretudo, a possibilidade de monitoramento do e-mail corporativo pelo empregador.
Irresignado, o reclamante manejou recurso de revista e agravo de instrumento para o Tribunal Superior do Trabalho, buscando a reforma do entendimento manifestado pelo TRT da 10° Região, mas não logrou êxito.
Nesse passo, entendeu a mais alta Corte Trabalhista que não se trata de prova ilícita e, algo ainda mais relevante, que existe a possibilidade efetiva de o empregador monitorar o e-mail corporativo, não havendo proteção constitucional para o empregado nesse particular. Vale dizer que, como corolário dessa possibilidade de fiscalização, pode o empregador rescindir por justa causa o contrato de trabalho sem que esteja afrontando princípios constitucionais, o que se verificou no caso em tela.
Considerando a inexistência de previsão legal específica, os julgadores se utilizaram dos princípios constitucionais, a partir de uma hermenêutica restritiva para que se afastassem aparentes contraposições entre o direito fundamentais, em especial o direito à privacidade e, numa outra linha, o direito à propriedade. Não se olvidaram, ainda, de uma análise comparativa com outros ordenamentos jurídicos, buscando relativizar os conceitos e aplicá-los na realidade moderna e que ainda está em fase de acomodamento jurisprudencial.
Saliente-se que pela modernidade e efervescência do tema, bem como seu caráter deveras dinâmico, não se pode criar uma idéia totalmente fixa e imóvel acerca desta problemática, havendo muito espaço para os debates jurídicos que tratam da internet como ferramenta de trabalho e suas diferentes aplicações no Direito Obreiro.
Inegavelmente, entretanto, o julgamento colacionado representa um paradigma na utilização de institutos clássicos do Direito do Trabalho em situações modernas e práticas, demonstrando a necessidade constante do Direito se amoldar às relações sociais vigentes, flexibilizando temas e conceitos, a partir da modernização das relações de trabalho.
A internet
O advento da internet se verificou a partir de necessidades militares, em 1969, pela Arpa – Advanced Research Projects Agency, setor de inteligência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América. A Arpa tinha como objetivo propiciar a conexão entre diversos computadores, lotados em diferentes áreas, sem que houvesse um computador principal realizando a respectiva ligação. [01]
A idéia, inicialmente de cunho militar, foi aprimorada e tornou-se a ferramenta atual de que praticamente todos somos usuários, inclusive gerando movimentos sociais de "inclusão social" [02] para aqueles que, por motivos sócio-culturais, ficam à margem deste mecanismo de acesso rápido de informações e pessoas.
Já o eletronic mail (e-mail) surgiu de uma experiência originada por Ray Tomlison, no ano de 1971, em Cambribge, Massachusetts. Através desse experimento, se possibilitou a diferentes usuários enviar e receber mensagens, anexando documentos em vários formatos (texto, áudio, vídeo, etc.), em função de um software instalado em um computador que fica ligado a uma rede de telecomunicação, como telefone, cabo, etc. [03]
O uso antes restrito dessa tecnologia, com o tempo, passou a ser empregado em larga escala nas mais diversas áreas de atuação (pesquisa, trabalho, lazer, militar, etc.) e, como já era de se esperar, chegou ao ambiente de trabalho. Esta utilização otimiza o trabalho e agiliza a comunicação entre diferentes setores da mesma empresa, gera economia de papel e outros bens de consumo, enfim, promove significativos avanços para o meio empresarial. Mas, infelizmente, existe o uso incorreto dessa ferramenta de trabalho que, por sua recente utilização, não está previsto em Lei e merece ser estudado.
Nas palavras de Maria Helena Diniz [04], surge o Direito da Internet, como um grande desafio para a ciência jurídica por descortinar, como diz Huxley, ‘um admirável mundo novo’, diante de enorme clamor provocado ao levantar questões polêmicas de difícil solução (...). Essa problemática gerada pelo Direito na Internet tem grande relevância na atualidade, não só pela complexidade como também pela riqueza de seu conteúdo teórico-científico e pelo fato de não estar, normativa, jurisprudencial e doutrinariamente bem estruturada.
Pois justamente pela falta de uma definição jurídica sobre as mais diversificadas facetas que a internet pode acarretar nas relações sociais e trabalhistas, é que surge a imperiosa necessidade de aprofundar o tema. Isto porque a falta de normatização gera, inegavelmente, um confronto que tende a ganhar espaço com o uso cada vez mais necessário da internet no ambiente de trabalho. Trata-se dos conflitos entre os direitos fundamentais (sobretudo da tutela constitucional acerca da intimidade, sigilo e inviolabilidade) e o direito à propriedade, entendendo-se como tal a ampla possibilidade de uso e fiscalização dos bens colocados à disposição dos obreiros.
O artigo 5° da Constituição Federal Brasileira garante aos cidadãos o direito à privacidade, à intimidade, assim como a inviolabilidade da correspondência e da comunicação, classificando-os como direitos fundamentais de aplicabilidade imediata.
Embora o texto constitucional, ao tratar dos direitos fundamentais antes mencionados, não tenha como pano de fundo o ambiente laboral, não se pode separar do indivíduo essa gama de direitos. Isso porque são aplicáveis a todas as relações, inclusive à relação de trabalho. [05]
No entanto, há que se contextualizar a aplicação de tais direitos ao cenário laboral, no qual os meios de produção pertencem ao empregador e, talvez por tal motivo, se afastam um pouco da idéia de liberdade que o constituinte prevê na Carta Maior. Mas, antes dessa aparente contradição, há que se esclarecer quais direitos fundamentais teriam sua aplicação ameaçada no ambiente de trabalho, em especial através do uso do eletronic mail, ou simplesmente, e-mail.
O direito à intimidade corresponde a todos os fatos, informações, acontecimento, dentre outros, que a pessoa deseja manter dentro de seu foro íntimo, somente ela tem acesso. Tudo que possa moldá-la de forma singular está sob proteção do manto do direito à intimidade. [06]
O direito ao sigilo está para salvaguardar as informações das correspondências e das comunicações que só dizem respeito à pessoa destinatária. [07]
Muitos entendem que o sigilo é direito inflexível, não havendo espaço para qualquer possibilidade de reduzí-lo. Nesse sentido, João Baptista Herkenhoff afirma categoricamente não haver possibilidade de violação de cartas particulares por agentes da autoridade. O mesmo autor estende essa premissa aos presos, pois a sentença condenatória não inclui este efeito restritivo no leque de suas implicações. [08]
A partir dos conceitos acima, podemos perceber que não há plena possibilidade de exercício de tais direitos enquanto o cidadão utiliza a internet no seu posto de trabalho, ou quando do envio/recebimento de uma mensagem eletrônica. À evidência, os vários caminhos eletrônicos e as infinitas possibilidades de rastreamento já revelam os riscos de afronta ao pleno exercício dos direitos.
E não estamos tratando, por ora, do rastreamento ocorrido pela empresa, mas da atuação de hackers [09]ou terceiros interessados em violar correspondência virtual. Logo, mesmo fora da empresa, se mostra arriscado ao cidadão afirmar com segurança que seu direito à inviolabilidade intimidade estaria plenamente assegurado, em se tratando de correspondência virtual.
Não obstante o risco natural inerente ao manejo dos e-mails, há que se analisar a questão sob o enfoque trabalhista, notadamente com vistas a perquirir sobre a interferência do empregador nas correspondências utilizadas por seu subordinado. E aqui uma breve distinção entre e-mail corporativo e e-mail particular, de onde se extrai que o primeiro é aquele que se constitui em ferramenta de trabalho, entregue pelo empregador exclusivamente para o trabalho, enquanto este possui um caráter muito mais íntimo e totalmente garantido pelo texto constitucional. Vale dizer que muitas empresas, como forma de incentivo à produção, instalam em seus computadores mecanismos que simplesmente bloqueiam o acesso aos e-mails particulares de seus empregados.
O mau uso do e-mail corporativo, como nos ensina Marcelo Oliveira Rocha, acarreta a sobrecarga da memória e da rede utilizada internamente por toda a empresa. Ademais, há inegável tempo de trabalho perdido pelo empregado para a leitura e envio de mensagens cujo interesse não se associa com o seu propósito laboral, o que justifica a preocupação dos empregadores em monitorar esta ferramenta de trabalho. [10]
Outro prejuízo que pode ser sentido pela empresa pelo uso indevido dos e-mails corporativos diz respeito à propagação de mensagens com cunho discriminatório na internet por seus colaboradores. Ora, se o empregado envia um e-mail com o logotipo da empresa estampado na mensagem (ou apenas possuem um endereço eletrônico que remete ao nome do seu empregador), inegavelmente se verifica a possibilidade de o empregador ser acionado como co-réu. Existe um processo em que a Gessy Lever, como exemplo do que se disse, responde por danos morais oriundos de um e-mail enviado por um de seus colaboradores que supostamente continha conteúdo racista. [11]
Este caso se assemelha ao objeto de discussão do Acórdão em que se apóia o presente estudo, pois demonstra o quão preocupante é a situação empresarial que fica a mercê de seus colaboradores, caso não possa exercer seu poder diretivo através de formas firmes e claras de controle sobre o uso da internet e, sobretudo, do e-mail corporativo.
Deixando de lado esta insegurança que acomete o empresariado, alguns autores são firmes defensores das garantias individuais, inseridas no ambiente de trabalho e, por conseguinte, na utilização do e-mail corporativo. Seus argumentos são extensos e contundentes, passando pela princípio geral de direito da dignidade da pessoa humana, nos direitos da personalidade – especialmente a intimidade e inviolabilidade – e o princípio da boa fé contratual que teria aplicabilidade no contrato de trabalho. Um dos integrantes dessa corrente de pensamento, Antônio Silveira Neto [12], manifesta que embora as mensagens se encontrarem dentro de um bem pertencente à empresa, este fato, por si só, não afeta a privacidade das informações ali expressas. Tal autor faz uma analogia desta situação com o uso dos telefones da empresa, cuja utilização como meio de prova é considerada ilícita quando a empresa se vale de escutas ou mecanismos utilizados sem a ciência do empregado.
Realmente, este parece ser o maior argumento daqueles que defendem a impossibilidade do monitoramento das mensagens eletrônicas no trabalho, a saber, a impossibilidade de utilização judicial destas, por se afigurarem aparentemente como meio de prova ilícito. Com arrimo no artigo 5°, LV, da Constituição da República, não se poderia utilizar em juízo prova colhida sem a anuência (ou plena ciência) do empregado. Também é argumento para esta corrente de pensamento, a existência, na maior parte dos casos, de uma senha pessoal para a utilização do e-mail na empresa, o que traz uma idéia de segurança ao usuário.
Outra jurista que defende a impossibilidade do monitoramento do correio eletrônico por parte do empregador é Cibelly Farias. Segundo ela, há uma única exceção para a regra da inviolabilidade das comunicações que seria a autorização judicial para escutas telefônicas, classificando como prova ilícita a mensagem eletrônica obtida pelo empregador sem o aceite do obreiro. Assevera, ainda, que o sigilo na correspondência, inclusive eletrônica, se inclui entre as chamadas cláusulas pétreas, amparadas pela vedação de proposta de emenda que pretenda excluí-las do ordenamento jurídico. Por essa razão, a autora se insurge contra a aplicação do princípio da proporcionalidade e conclui que garantia constitucional dessa ordem não pode ser aplicada ora sim, ora não, a critério subjetivo do operador jurídico; aduz que, não havendo garantias absolutas não será possível assegurar um mínimo de dignidade aos cidadãos. [13]
Como se vê, os argumentos para aqueles que defendem a proteção do e-mail utilizado pelo empregado no trabalho são fortes e se baseiam em premissas como a função social do contrato (art. 421, CC [14]), a possibilidade de abuso de direito por parte do empregador e a quebra do princípio da boa-fé objetiva, previstos no Código Civil.
Sustentam, ainda, os autores filiados a este pensamento mais protecionista ao empregado que este não seria o único a ver frustrado o seu direito à inviolabilidade ou privacidade. Tal se explica pela possibilidade de o empregador monitorar e-mails de seu empregado e outros cidadãos, os quais não fazem parte da sua empresa. Aqui, ao que parece, seria uma ocasião em que o poder diretivo, de fato, ultrapassaria as fronteiras do contrato de trabalho e afronta ao princípio da inviolabilidade. É verdade, no entanto, que, ao postar uma mensagem para um destinatário que está vinculado a uma empresa, de certa forma, se estaria assumindo o risco desta correspondência eletrônica ser filtrada ou examinada pelo departamento de informática desta empresa.
Em contrapartida, a outra concepção que aborda o assunto e autoriza o monitoramento dos e-mails corporativos, dentre os quais se filiaram os Ministros do TST que prolataram a decisão anexada ao presente estudo, se debruçam em argumentos que soam mais claros e coerentes. Inicialmente, emerge cristalino o exercício pleno do poder de direção do empregador, de onde se extrai como justa a sua ingerência sobre os meios de produção por ele adquiridos. Além disso, ele está assalariando o empregado para que este lhe propicie o trabalho e não está remunerando o ócio do trabalhador que, ao utilizar sem responsabilidade o equipamento que lhe é alcançado, pode gerar prejuízos diretos (falta de produtividade) ou indiretos (vide caso mencionado da empresa Gessy Lever).
Parece-nos lógico, portanto, que o empregador tenha as rédeas dessa ferramenta de produção para evitar o risco de ser surpreendido por sua equivocada utilização. E aqui vale destacar a expressa disposição legal acerca da responsabilidade civil do empregador pelos atos praticados por seus empregados, durante a consecção dos serviços contratados, insculpida no artigo 932, III, do CC [15].
Dentro dessa lógica, resta evidente que não há afronta à privacidade do obreiro em razão do monitoramente do seu e-mail, eis que, a bem da verdade, aquele e-mail é de propriedade da empresa que cedeu ao colaborador para que fizesse uso restrito ao âmbito profissional. Nesse sentido, aduziu João Oreste Dalazen, um dos Ministros do TST que julgou o caso em destaque, cujo inteiro teor segue em apenso:
"Entendo que, sendo a reclamada detentora do provedor, cabe a ela o direito de rastrear ou não os computadores da sua empresa, mormente quando são fornecidos aos empregados para o trabalho. A partir do momento que surge urna dúvida de uso indevido dos e-mails, por certo grupo, só se poderá tirar esta dúvida através do rastreamento do seu provedor. (...) A empresa poderia rastrear todos os endereços eletrônicos, porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares"
Embora soe raso, é antes de tudo lógico o raciocínio acima retratado, eis que não se tratando de e-mail pertencente ao empregado, se desprende o caráter de sigilo, intimidade e inviolabilidade que compõe uma correspondência particular, inexistindo qualquer mácula ou afronta a tais direitos guarnecidos constitucionalmente.
Há que se situar o espírito do legislador constituinte ao tratar dos direitos à intimidade e à inviolabilidade na nossa Carta Maior. Com efeito, o intento era preservar a intimidade das pessoas e as suas correspondências particulares, jamais aquelas utilizadas para o desempenho de suas atividades profissionais. Embora a problemática do uso da internet e do e-mail seja atual, há muito tempo se utilizam cartas ou outras formas de correspondências com fins meramente comerciais ou corporativos, sem que se aviltasse qualquer direito individual com interceptação destas. A mesma idéia deve ser utilizada no trato dos e-mails corporativos, eis que nada mais são que formas modernas de correspondência empresarial.
A existência de um vácuo legal e a possibilidade de regulamentar o uso da internet sem a violação de direitos fundamentais do empregado – uso seguro do e-mail corporativo
Vale referir novamente que inexiste uma norma específica sobre esta problemática da internet no ambiente de trabalho, o que gera, não raras vezes, dúvidas e incertezas sobre os limites que tal ferramenta pode alcançar no campo laboral, tanto para os empregados, como para os gestores da mão de obra.
Esta falta de normatização nos conduz para outros meios de análise do assunto, sendo importante uma análise de outras fontes de direito para esclarecer o que é juridicamente aceito. Evidentemente, a solução desse impasse passa pelo campo jurisprudencial, mas a dúvida remanesce para os julgadores que devem se apoiar em bases técnicas para a correta prestação jurisprudencial. Ao que parece, a aplicação dos princípios emerge como uma solução de consenso, mormente aqueles princípios basilares do Direito Constitucional.
Ainda assim, uma questão se mostra em aberto: como solucionar o impasse que coloca em xeque dois princípios constitucionais (direito à intimidade x direito à propriedade)?
Essa resposta é obtida com a aplicação de um terceiro princípio, no qual são devidamente considerados os valores contidos em cada vertente para, ao cabo, decidir qual deles prevalece e de que forma isso ocorrerá. Trata-se do princípio da proporcionalidade, através do qual não se olvida o julgador de cotejar os aspectos contraditórios plasmados em cada tese, decidindo de forma em que haja correta distribuição do ideal de justiça. E essa possibilidade parece clara no Acórdão examinado pelo presente estudo, eis que, para os Ministros que apreciaram o caso, a aplicação do princípio da proporcionalidade tem o objetivo de impedir que através do dogma ao respeito de determinadas garantias, sejam violados outros direitos, senão maiores, de igual importância, ou que, igualmente, precisam ser preservados, no caso dos presentes autos, a própria reputação da reclamada, que poderia ter a sua imagem abalada.
Como bem asseveraram os julgadores, a aplicação do princípio da proporcionalidade deve sopesar diferentes interesses, considerando a possibilidade de danos que podem ser causados com a manutenção pura e simples de direitos individuais, Nesse passo, a proteção à individualidade, à liberdade, à personalidade ou à privacidade, apesar de ser essencial no respeito ao Estado de Direito, não pode ser absoluta e inquestionável, ao ponto de desrespeitar outras garantias de mesma importância. E cabe indagar o que acarretará um prejuízo maior, deixar as empresas impossibilitadas de exercer seu poder diretivo de forma plena e eficiente ou ‘blindar’ a aplicação de um direito pessoal, ainda que exercido durante o trabalho e utilizando meios de produção de terceiros.
Além de aplicar o princípio da proporcionalidade, também há espaço, ante a ausência de previsão normativa, para outras fontes do Direito do Trabalho, como o regulamento da empresa, por exemplo. Embora de forma sucinta, a decisão do TST revela que caberia à empresa, mediante seu regulamento interno (fonte homogênea do Direito do Trabalho), disciplinar o assunto a contento. Isso porque é necessário que o empregado tenha inequívoca certeza de como utilizar a tecnologia posta à disposição pra ao exercício profissional. Aliás, no caso examinado, inexistia uma clara regulamentação por parte da empresa sobre o uso correto da internet e dos e-mails corporativos e nem por isso deixaram os julgadores de validar o monitoramento das mensagens eletrônicas enviadas e recebidas pelos empregados.
Destarte, é corrente o entendimento que, diante de tal lacuna legal, há espaço para a definição do empregador sobre o assunto, tornando evidente quais as regras internas de utilização dessa ferramenta de trabalho. Em que pese não seja absoluta e imprescindível, uma regra interna abordando a matéria pode ser vista com bons olhos pelos juízes, caso a matéria seja submetida à apreciação judicial. Nesse contexto, a discussão sobre a licitude desse meio de prova seria abrandada, pois o empregado tinha pleno conhecimento das regras internas que versam sobre o assunto e, conforme o caso, pode inclusive firmar documento manifestando a sua concordância com possíveis investigações de seu empregador a respeito.
Forçoso concluir, portanto, que a dinamização das relações sociais, interligadas por componentes tecnológicos, sempre darão ensejo a novas abordagens e verificações de direitos pré-existentes. E o Direito jamais conseguirá normatizar tais relações com a velocidade que elas surgem, cabendo ao hermeneuta analisar essa conjuntura à luz de empoeirados princípios que, bem empregados, nos dão a necessária segurança jurídica para uma eficaz aplicação do Direito.
Notas
- Ruaro, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações / org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 228.
- Inclusão digital significa, antes de tudo, melhorar as condições de vida de uma determinada região ou comunidade com ajuda da tecnologia. A expressão nasceu do termo "digital divide", que em inglês significa algo como "divisória digital" In http://webinsider.uol.com.br/index.php/2005/05/12/inclusao-digital-o-que-e-e-a-quem-se-destina/: Acesso em 09/06/07.
- Ruaro, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações / org. Ingo Wolfgang Sarlet, p. 228.
- Diniz, Maria Helena. Prefácio. In: De Lucca, Newton e Simão Filho, Adalberto (Coord.). Direito & Internet – aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Edipro, 2000 apud Olivo, Luis Carlos Cancellier de. Os "Novos" Direitos Enquanto Direitos Públicos Virtuais na Sociedade da Informação in Os "Novos" Direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 327.
- Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 243-255.
- Ruaro, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações / org. Ingo Wolfgang Sarlet, p. 238
- Idem
- Herkenhoff, João Baptista. Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1998, p. 191.
- A palavra hacker originalmente significa alguém que pode resolver problemas de computador e que escreve programas de uma forma rápida e atraente. Entretanto, o significado do termo mudou para alguém que usa o seu conhecimento informático para propósitos ilícitos. In http://www.virushelp.org/index.php?name=Sections&req=viewarticle&artid=37&page=1 :Acesso em 10/06/07.
- Rocha, Marcelo Oliveira. Direito do Trabalho e internet: aspectos das novas tendências das relações de trabalho na "Era informatizada". São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2004, p. 170.
- Notícia extraída do Jornal Valor Econômico, dia 09/07/02, on line apud Ruaro, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações / org. Ingo Wolfgang Sarlet, p. 231.
- Silveira Neto, Antonio. A privacidade do trabalhador no meio informático. (on line) apud Junior, Eugênio Hainzenreder. O poder diretivo do empregador frente à intimidade e à vida privada do empregado na relação de emprego: conflitos decorrentes da utilização dos meios informáticos no trabalho in Questões Controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos / Gilberto Stürmer, org. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 75.
- Farias, Cibelly. O sigilo Postal na era da Comunicação digital apud Ruaro, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação: algumas aproximações / org. Ingo Wolfgang Sarlet, p. 240.
- Artigo 421 CC: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
- Artigo 932, CC: "São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais ou prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".