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Sobre a MP 1984-20: restrições às ações tributárias e previdenciárias.

O estrago processual das medidas provisórias

01/10/2000 às 00:00
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Estrangulando a ordem jurídico-processual do Brasil, surge a fatídica Medida Provisória nº 1.984, já em sua abusiva e inconstitucional vigésima edição, simbolizando o regime de exceção, que se instaurou, no país, a serviço da ganância do capitalismo financeiro, dominador e selvagem, em ritmo colonialista da globalização econômica deste final de século, sob o comando ditatorial e implacável do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Resultante da evolução opressiva da malsinada Medida Provisória nº 1.798, de 13.01.99, a imprestável Medida Provisória 1.984-20, de 2000, estrangula, com requintes de ignorância, normas e princípios consagrados nos Direitos Constitucional, Processual Civil, Administrativo, Civil e Tributário, numa ação iconoclasta de preceitos éticos e jurídicos.

Veicula-se, assim, na contramão da história do Direito nacional, a Contra-Reforma Processual do Planalto, de inspiração nazi-tedesca, através de medidas provisórias abusivas, gerando o caos na prestação jurisdicional do Estado.

Não se coaduna com a garantia do devido processo legal, a edição de normas processuais provisórias, posto serem incompatíveis com a segurança jurídica das partes em conflito e com o processo justo, a reclamar regras permanentes, na distribuição da Justiça.


Com brutal afronta à garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição e do pleno acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV), a malfadada Medida Provisória nº 1.984-20 altera a Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, proibindo a concessão de medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários, negando eficácia, assim, à norma do artigo 170 do Código Tributário Nacional e acrescenta, na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, "a proibição de ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados", aniquilando, dessa forma, as conquistas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e do Projeto de Código de Defesa do Contribuinte (Projeto de Lei Complementar nº 646/99 – Senado Federal).

Em caso similar, o Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos da Medida Provisória nº 375, de 23.11.93, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei 1.533, art. 7º, II) e em ações civis públicas (Lei nº 7.347/85, art. 12) acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo. (ADIMC – 975/DF, Rel. Min. Carlos Velloso – STF/Pleno. Julgado em 09.02.93. DJU de 20.06.97).

Em total agressão ao direito fundamental ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e às garantias processuais da igualdade de tratamento das partes no processo e da rápida solução do litígio (CPC, art. 125, I e II), a infeliz Medida Provisória nº 1.984-20 estrangula as regras isonômicas do jogo processual, onde o Sr. Presidente da República e somente ele, na condição de árbitro solitário, dita, previamente, as regras desse jogo, sem o mínimo ético, para que seja assegurado, sempre, ao Poder Público, o resultado favorável, ao final da partida, que jamais se caracteriza como legítimo embate judicial, no Estado Democrático de Direito,

Nesse sentido, dispõe o texto provisório que "do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na seção seguinte à sua interposição. Se do julgamento do agravo de que trata o parágrafo anterior resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o parágrafo anterior, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo."

Nesse contexto, além da sutil e disfarçada avocatória às instâncias derradeiras da matéria questionada nos tribunais de apelação, as normas processuais da esdrúxula Medida Provisória 1.984-20, em referência, aniquila os pressupostos da adequação e da singularidade recursal, ignorando o fenômeno preclusivo, num verdadeiro atentado ao princípio da segurança jurídica das pessoas envolvidas com a solução do litígio, perante o Judiciário.

Há de considerar-se, ainda, que a Constituição da República outorgou competência privativa à União para legislar sobre direito processual, através do Congresso Nacional (CF, art. 22, I e 48, caput), impondo-se, aqui, uma limitação expressa à ação legiferante e excepcional do Sr. Presidente da República para editar Medidas Provisórias. Além disso, é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes (CF, art. 49, XI).

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Não se deve olvidar, de outra banda, que a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) consagrou-se, no texto constitucional, como direito individual, protegido por cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, IV) sem possibilidade de delegação congressual (CF, art. 68, § 1º, II) ou de autorização constitucional para edição de Medidas Provisórias, no ponto.

Nessa inteligência, a Proposta de Emenda à Constituição nº 472-B, de 1997, já aprovada na Câmara dos Deputados, com tramitação no Senado Federal, altera o art. 62 da Constituição e veda, expressamente, a edição de Medidas Provisórias sobre direito penal, processual penal e processual civil (§ 1º, b).

Por último, há de ver-se que o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a imprestabilidade de Medida Provisória, como veículo normativo excepcional para tratar de matéria processual, à míngua dos requisitos de urgência e relevância (ADIMC – 1753/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU de 12.06.98; ADIN – 1910-1. Julgado em 22.04.99 – STF/Pleno).

No julgamento da ADI nº 2251-2-DF, o Supremo Tribunal Federal reformulou, contudo e lamentavelmente, o seu douto entendimento sobre essa matéria, com ressalva dos respeitáveis votos vencidos (Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence), deixando-nos a todos, juízes e jurisdicionados, à mercê da arrogância e truculência do Poder Executivo.

São tantas as ignomínias processuais dessa famigerada Medida Provisória nº 1.984-20, a atentar, de forma expressa, contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Judiciário e do Ministério Público e o exercício dos direitos individuais e sociais, que, por si só valeriam o indesejável impeachement presidencial, por tipificar, em tese, crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 85, II e III e 86, § 1º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil.

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Sobre o autor
Antônio Souza Prudente

juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região especialista em Direito Privado e Processo Civil pela USP e em Direito Processual Civil, pelo Conselho da Justiça Federal (CEJ/UnB), mestrando em Direito Público pela AEUDF/UFPE, Professor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRUDENTE, Antônio Souza. Sobre a MP 1984-20: restrições às ações tributárias e previdenciárias.: O estrago processual das medidas provisórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1289. Acesso em: 10 mai. 2024.

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