Muito se tem comentado, nas últimas semanas, acerca do que se optou denominar de "Indústria de Liminares", assunto alimentado por estarrecedoras revelações do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, na CPI dos bancos, bem como por enfáticos discursos de Fernando Henrique Cardoso, que em tom de indignação, reclamam por providências emergenciais. Segundo dados da Receita Federal, o País possui 115 bilhões de Reais por receber de empresas que obtiveram na justiça, em caráter liminar, o direito de suspender o recolhimento de determinados tributos. Na mais clara adoção da "teoria do sofá", os atuais governantes tentam transformar as liminares, ante à opinião pública, nas vilãs do momento: o sujeito chega em sua casa, após exaustivo dia de trabalho, e depara-se com sua esposa lhe traindo sobre o sofá da sala: qual sua imediata resolução? Livrar-se do sofá.
Não é demonstrado, neste sentido, qualquer interesse em resolver as verdadeiras razões que dão causa a prolação de toneladas de medidas liminares, qual seja: a epidemia, de cobranças de tributos injustos, ilegais e inconstitucionais, que assola o País neste momento (ou culpa do sofá?). Apenas para ilustrar, a União tem desrespeitado absurdamente a Constituição Federal quando exige a atual COFINS, o PIS, bem como, a CPMF, cujo ordenamento normativo mostra-se inconstitucional, a começar pela origem: a Emenda n.º 21/99. Tais tributos são reconhecidamente injustos por natureza, haja vista adotarem por base de incidência o faturamento, ou movimentações financeiras, que não se prestam a revelar, com eficiência, a capacidade contributiva das empresas. Ora, se os tributos, em sua maioria, já se mostram injustos, quando licitamente exigidos, devorando até 50% dos lucros das empresas, quanto mais se as cobranças forem inconstitucionais. É dever do contribuinte, para sua própria sobrevivência, buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário, desvencilhando-se, mesmo que liminarmente, de exações tributárias expropriatórias.
E nem se diga que o atual sistema tributário, instituído pela CF/88, engessa a Administração Pública a tal ponto que não lhe permite arrecadar com justiça "tributando mais quem ganha mais, e menos quem ganha menos". Nosso atual sistema permite isso com invejável perfeição.
A União possui ampla noção de cada uma das inconstitucionalidades e ilegalidades presentes nos ordenamentos normativos das atuais exações tributárias, entretanto prefere não revelar o quanto arrecadou em tributos incidentes sobre o patrimônio de cidadãos desavisados, através de normas reconhecidamente inconstitucionais.
Ora, se a União possui pleno conhecimento da razão que leva os seus contribuintes a buscarem a proteção do Judiciário, representa uma atitude draconiana, sugerir a supressão do acesso à medidas liminarmente assecuratórias. Um simples cálculo revela a odiosa lógica adotada pelo governo: caso nenhum contribuinte insurja-se contra a cobrança da nova CPMF (0,38%), estima-se que serão arrecadados aproximadamente 12 bilhões de Reais, inconstitucionalmente. Trata-se da única lei respeitada ultimamente: a do menor esforço.
À margem de qualquer manifestação mais veemente da opinião pública, a insurgência do governo contra as medidas liminares, em verdade, é um segundo passo na supressão dos direitos dos contribuintes, justificada através de meros cálculos matemáticos.
No final do ano de 1998, o inimigo número um da arrecadação nacional eram os depósitos judiciais, culminado-se na edição da Lei n.º 9.703, de 17 de novembro de 1998, que estabeleceu que os valores seriam repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais.
De um momento para outro, a União passou a usufruir de todos os montantes em dinheiro, pendentes de solução judicial, afrontando os princípios da isonomia, do devido processo legal, da separação dos poderes, entre outros.
Matematicamente, as vantagens são imensas, pois todos os numerários depositados em juízo, por contribuintes que fizeram tal opção, tornam-se acessíveis à União.
Inobstante esta vitória, o governo cuida em alvejar com seus interesses os montantes que encontram-se, não depositados, mas agora suspensos, e logo imagina como poderia lançar mãos dos mesmos.
Acreditamos, entretanto, que o Governo deveria procurar sanar suas dificuldades com a arrecadação através de outros critérios.
Uma elevada carga tributária, nem sempre representa a razão direta em arrecadação e talvez seja este o principal problema do País no que concerne aos seus eternos problemas na gestão de recursos desta natureza. Montesquieu em seu "Espírito das Leis", escrito no século XIV, já afirmava: "A liberdade produziu o excesso de tributos; mas o efeito desses tributos excessivos é produzir por sua vez a servidão, e o efeito da servidão, produzir a diminuição dos tributos."
Muitos são aqueles, em nosso século, que já perceberam o efeito nocivo da carga tributária brasileira, que transforma os cidadãos brasileiros em servos, obrigados a trabalhar durante seis meses do ano, apenas para arcar com tributos. Não raras, também, são as soluções apontadas.
A Revista IstoÉ, do dia 07 de outubro de 1998, publicou artigo sob o título "Imposto Único, Uma Alternativa", através do qual o respeitado economista Marcos Cintra defende a extinção de todos os impostos e contribuições existentes atualmente, para a adoção de uma única exação, incidente sobre movimentações financeiras, tal e qual a CPMF contudo sendo adotada uma alíquota de 1%. Conforme o entendimento do economista, esta forma de tributação permitira arrecadar o equivalente a 25% do Produto Interno Bruto nacional, anulando os gastos que a atual máquina arrecadatória exige. Restariam mantidos tão-somente aqueles tributos denominados de extra-fiscais, ou seja, aqueles instrumentalizados para o equilíbrio da política econômica.
À guisa de todas as ilações a respeito do impacto social que geraria a adoção desta sistemática, do que não se pode retirar a devida pertinência, a principal característica do contribuinte, e não apenas do brasileiro, mas de qualquer nacionalidade, é de estar constantemente em busca de formas que lhe eximam, licitamente, do recolhimento de tributos.
A sistemática tributária sugerida por Cintra foi adotada na Argentina no início da década de 90, fracassando após curto período, pois esta forma de tributação mostrou-se fatal para a intermediação financeira: para escapar da tributação o cidadão argentino passou a efetuar transações sem a utilização dos Bancos.
No abalizado entendimento de Maria Clara R. M. do Prado, colunista da edição nacional Gazeta Mercantil artigo publicado em 15 de outubro de 1998 , a elevação da carga da CPMF de 0,20% para 0,38%, a exemplo do que ocorreu na Argentina, trará mais malefícios ao País do que benefícios, assim que entrar em vigor, a partir de junho deste ano.
A impressão que se tem, através de uma análise mais cuidadosa do sistema tributário nacional e assevere-se, que não seja remetida culpa à CF/88 é que tudo, absolutamente tudo, está errado. Qual a forma mais injusta de tributação que poderia ser imaginada? Que tal esta: um tributo que incida sobre o faturamento bruto, sem levar em consideração a capacidade contributiva da empresa, com incidência em cascata (cumulativo), e cujo ordenamento jurídico constitucional não o acolha. Suficientemente diabólico? Pois o Brasil possui três, com todas estas características hediondas: a COFINS, o PIS e a CPMF. Não parece a estrutura tributária de quem deseja arrecadar mas, provocar o caos.
Cabe, portanto, ao Governo, resolver seus problemas de gestão de recursos, de forma séria e técnica, abstendo-se de eleger falsos culpados e receitas miraculosas, muito embora a tentação seja grande.
Com a mais absoluta certeza, os últimos que deverão ser titulados de vilões, pela falta de recursos, são os contribuintes, servos que buscam, na justiça, a proteção de seu patrimônio.