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A apreciação da legalidade dos atos de admissão de pessoal pelos tribunais de contas

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16/05/2009 às 00:00
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4 PROCESSO E PROCEDIMENTO

O termo processo vem, geralmente, ligado à função jurisdicional, como instrumento para solução de conflitos de interesses, tendo surgido, no direito moderno, após a superação das vetustas formas da autocomposição e da autodefesa.

Segundo se depreende do magistério de Lucia Valle Figueiredo [06], dessa origem vinculada à idéia de jurisdição, alguns doutrinadores preferiram não utilizar o termo processo no direito administrativo, evitando a confusão com processo judicial [07]. Assim, tem-se utilizado, no direito administrativo, o termo procedimento para diferenciá-lo do processo.

Tecnicamente, processo seria um conjunto de atos objetivando um fim específico, e procedimento, por sua vez, o rito pelo qual se desenvolve o processo. Porém, na doutrina, a matéria nem sempre se apresenta tão clara.

A locução processo administrativo, na visão de Diógenes Gasparini, é "o conjunto de atos ordenados, cronologicamente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa controvérsia de natureza administrativa". Para este professor, somente são dignos da referida locução àqueles processos que envolvam litígios. Não obstante, reconhece que, na prática, numa visão ampla, a locução deve abarcar todos os autos internos instaurados pela Administração Pública. [08]

Após profunda análise dos diversos critérios distintivos das figuras do processo e do procedimento, Odete Medauar compreende que o "procedimento se expressa como processo se for prevista também a cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório". [09]

Para Nelson Nery da Costa, "quando há apenas tramitação sem impugnação de uma matéria, cujo interesse se exaure dentro da própria Administração, existe apenas o procedimento". [10]

As divergências entre os administrativistas na classificação e na conceituação do processo e do procedimento ou, ainda, na distinção destes, levou Celso Antônio Bandeira de Mello a informar que não "é o caso de armar-se um ''cavalo de batalha'' em torno de rótulos" [11] e, talvez, conduziu Lucia Valle Figueiredo a opinar no sentido de que a distinção entre processo e procedimento na maioria das vezes é estéril [12].

Sem querer encontrar solução definitiva para o problema, ou discutir o acerto ou não das diferentes posições, é oportuna a reflexão sobre o tema.

Hely Lopes Meirelles já identificava duas espécies ao referir a existência do processo administrativo propriamente dito e do processo de expediente, embora advertindo que "para evitar divergência terminológica entre a teoria e a prática, continuaremos a chamar de processo administrativo o que no rigor da doutrina seria procedimento administrativo". [13]

Tal raciocínio conduz a um dos significados do termo processo que Maria Zanella Di Pietro menciona em sua obra Direito Administrativo: "(...) conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referentes a um dado assunto de interesse do funcionário ou da administração" [14].

Neste lanço, o dia-a-dia da Administração Pública é repleto de processos, bastando adentrar em qualquer órgão público. No exercício de suas atribuições, comete diversos atos visando a um fim específico, sempre vinculado a um interesse público, materializado ou não naquela descrição da referida autora [15], pois, do ponto de vista prático, toda autuação interna na administração é chamada de processo.

Admitindo-se que a Administração Pública não pratica atos inúteis e considerando as técnicas da Ciência da Administração para melhor organização e controle das suas atividades e verificada a existência de um conjunto de atos destinados a um fim específico, pertinente é a utilização do termo processo, já que o direito não pode ficar alheio à realidade.

Portanto, não é aconselhável definir o termo processo tão-somente pela existência de litígio e dar nome de procedimento ao processo onde inexiste litígio, sob pena de criar confusões. Convém repetir: processo é um conjunto de atos objetivando um fim específico e procedimento é o rito pelo qual se desenvolve o processo. Logo, pelos princípios da lógica (princípio da identidade, de não-contradição e do terceiro excluído) "uma coisa é ou não é" ou "uma coisa não pode ser uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo". Neste passo, processo não pode ser procedimento ou procedimento ser processo. O ponto de afinidade está no fato de o procedimento estar contido no processo, mas isto não os torna a mesma coisa.

Cassio Scarpinella Bueno, ao comentar as leis federal e do Estado de São Paulo sobre processo administrativo, expõe:

"Há, ainda, uma questão terminológica à guisa de introdução. Nosso estudo volta-se, porque é este o objeto das leis em comento, ao processo administrativo. Não procedimento. Procedimento é forma específica de manifestação do próprio processo; é a forma como o processo se realiza; é a exteriorização de seus próprios atos e fatos. Procedimento é, v.g., o que a lei paulista prevê em seu Capítulo III e nas suas oito Seções. Processo é todo o atuar da Administração Pública como forma ou como meio de atingir adequada e equilibradamente os fins impostos pelo sistema jurídico à Administração Pública. Por que tratar fenômeno, substancialmente igual perante todo o Estado (nas suas diversas funções ou ‘poderes’) com nomes diferentes?" [16]

Por outra linha, em bem-lançada argumentação, Egon Bockmann Moreira revela "que eventual diferenciação entre processo e procedimento não reside na litigiosidade e/ou caráter acusatório da seqüência de atos a ser praticada pela Administração". Continuando, defende "idéia paralela à do Direito Processual (teoria geral, civil e penal) – a de que o termo ‘processo’ requer a existência de relação jurídica própria e o termo ‘procedimento’ designa unicamente a seqüência de atos nela contida". [17]

Na realidade, a doutrina, via de regra, tem utilizado o termo procedimento com duas finalidades: uma para diferenciá-lo do processo judicial, a outra para caracterizar o plexo de atos administrativos em que inexiste litígio.

A primeira não se satisfaz, pois basta acrescentar ao termo um qualificativo ou criar uma locução, permitindo, desta forma, contrastá-la ao processo jurisdicional. Além disso, o processo não é propriedade exclusiva de um ramo do direito.

A segunda finalidade não se demonstra adequada. Como visto anteriormente, o processo não se restringe à existência de contenda. Processo não se destina apenas à solução de lides ou controvérsias. Há processos instaurados pela Administração Pública sem nenhum contato externo e sem qualquer controvérsia em relação aos administrados ou outras entidades da administração, como é o caso, v.g., do processo de consulta para a elaboração de parecer jurídico.

Por outro lado, a solução de controvérsia há que se realizar mediante um procedimento previamente estabelecido a fim de garantir a máxima do devido processo legal. Logo, o procedimento é substrato indispensável ao processo administrativo, principalmente quando houver litígio.


5 PROCESSO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL

O caráter instrumental é o traço marcante da processualidade administrativa e civil, porém na forma como se estruturam, mostram-se substancialmente diferentes. O processo civil caracteriza-se por uma estrutura angular ou triangular da relação jurídica processual, envolvendo o juiz e as partes litigantes.

Já o processo administrativo é bilateral, envolvendo unicamente a Administração ou o interessado e a Administração, cabendo a esta a condução do processo. Essas divergências são de caráter geral, pois do aprofundamento do tema surgirão hipóteses de bilateralidade no processo judicial, como nos casos de inventário amigável.

Pela ótica da função, no processo civil, a jurisdicional se exerce diretamente no interesse das partes, enquanto a administrativa fixa-se no interesse público. Naquela, a função é exercida por provocação, nesta, por provocação ou de ofício.

Embora com divergências e cada um com regras e institutos próprios, alguns regimentos internos das Cortes de Contas [18] prevêem a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao processo administrativo, mas somente mutatis mutantis os institutos do processo civil aplicar-se-ão ao processo administrativo.

Ocorre que esses institutos estão inteiramente integrados num sistema próprio, impedindo, simplesmente, transpô-los e aplicá-los no processo administrativo. A título de exemplo, no processo civil, o impedimento, entre outras situações aplicáveis, veda ao juiz exercer suas funções no processo em que conheceu em primeiro grau de jurisdição.

Inicialmente, o primeiro grau de jurisdição é inexistente no processo administrativo, pois da decisão administrativa não há outro Tribunal a recorrer. O Conselheiro ou o Ministro, como relator do processo por uma das Câmaras teriam que se dar por impedidos no "julgamento" dos recursos. Em regra, considerando que a composição das Câmaras sempre terá parcela coincidente na composição do Pleno, a invocação do impedimento, na espécie ora tratada, não prospera, sob pena de inviabilizar os trabalhos.

Contudo, as peculiaridades apresentadas em nada prejudicam a proximidade entre ambas espécies processuais, até mesmo porque os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa também são aplicáveis ao processo administrativo como decorrência do Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, essa proximidade tem levado a ambas espécies processuais a percorrerem caminhos análogos e isto, no mínimo, é passível de reflexão. O inarredável princípio da jurisdição única (inciso XXXV do art. 5º da CF) permite concluir que as decisões administrativas são definitivas tão-somente em sua própria esfera de atuação, ou seja, a manifestação judicial será sempre a última e sobre esta incidirá, exclusivamente, a coisa julgada.

Carlos Ari Sundfeld, perquirindo sobre uma possível teoria geral do processo, anuncia que "a discussão prévia a respeito do ente ou órgão administrativo competente para certo assunto tende a tornar-se um assunto tão freqüente, rico e intrincado quanto é no direito processual" [19] civil.

A aplicação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa trouxe um avanço social muito grande, porém, traz em seu bojo certo formalismo procedimental, gerando prejuízo à celeridade. Certamente, não se pode afastar aqueles princípios, mas, também, não se pode acolher a injustiça de uma sentença tardia com dano à estabilidade das relações jurídicas, princípio este sustentado na paz social.

Não é à toa que proliferam as medidas antecipatórias de tutela (art. 273 do CPC), a instituição de juizados especiais (Lei nº 9.099/95) e os procedimentos sumaríssimos (Lei nº 9.957/00). Para lastrear o afirmado, aduz-se as lições de Humberto Theodoro Júnior sobre a antecipação de tutela:

"São reclamos de justiça que fazem com que a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar a longa e inevitável demora da sentença final." [20]

Certamente os legisladores procuram instrumentos para tornar os processos mais céleres, mas alguns princípios, institutos ou até a profundidade da apreciação da lide pelo juiz são mitigados.

Em verdade, hoje ocorre um equilíbrio entre aquelas garantias constitucionais com outros princípios, como o da celeridade, da estabilidade das relações jurídicas, da dignidade da pessoa humana, e tantos outros, que devem ser sopesados conforme a interpretação sistemática do direito recomenda.

Pretende-se com essa reflexão evitar que as referidas instâncias (administrativa e judicial) não se constituam em elementos conturbadores da paz social e ralo por onde se esvaziam os cofres públicos, em razão da delonga na solução definitiva dos litígios e das lides. Importa é o custo social da atuação jurisdicional e administrativa para resolver, quiçá, a mesma controvérsia.

Não se quer com isto afastar o princípio da unidade da jurisdição, mas, sim, a harmonização de princípios para que o processo administrativo seja, no mínimo, instrumento de colaboração para o Poder Judiciário, em vez de ser fonte de lides.


6 PROCESSO DE APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DAS ADMISSÕES

A competência dos Tribunais para a realização da auditoria dos atos de admissão pessoal, como já visto, decorre de expressa disposição constitucional, envolvendo as admissões efetuadas a qualquer título na Administração Direta e Indireta da União, do Distrito Federal, dos Estado e dos Municípios, excetuando-se as nomeações para cargos de provimento em comissão.

Nasceu, certamente, dos anseios democráticos que pairavam sobre a Assembléia Constituinte, bem como do espírito moralizador que deveriam pautar os atos do administrador público especialmente no provimento de cargos e empregos públicos.

Alhures, já se deixou registrada a importância dessa espécie de controle que, em síntese, se resume na moralidade dos atos administrativos, no livre acesso aos cargos e empregos públicos e na contenção de despesas com pessoal. Com efeito, neste momento, resta descrever alguns aspectos dos procedimentos adotados visando a demonstrar a profundidade do exame dos atos admissionais, bem como permitir uma visão clara do processo de admissões.

Como a matéria é tratada de forma diferenciada pelos diversos Tribunais de Contas, tomou-se como norte os procedimentos adotados pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, haja vista a impossibilidade de, no presente trabalho, compilar todas normas expedidas nos múltiplos entes federados.

6.1 Dos procedimentos

Mediante uma visão panorâmica dos procedimentos, a auditoria in loco é marco inicial do processo de admissões [21]. Na auditoria realizada nos entes jurisdicionados, são examinadas a universalidade dos atos de admissão. Tais atos são arrolados em relatório e autuados. Da auditoria é elaborado relatório minucioso das irregularidades verificadas no auditado, sugerindo conclusivamente ao Conselheiro-Relator o registro ou a negativa de registro (legalidade ou ilegalidade) dos atos examinados, bem como a sugestão de providências cabíveis para a regularização dos atos passíveis de negativa, tudo objetivando orientar a decisão do Órgão Fracionário.

A referida auditoria abarca todas as espécies de admissões, excetuadas a investidura em cargos em comissão. Entre elas, as que mais se destacam pelo número de ocorrência são as admissões decorrentes de concurso público (inciso II do art. 37 da CF) e as contratações por prazo determinado (inciso IX do art. 37 da CF).

O exame da primeira abrange todos os procedimentos do concurso público que vão desde a designação da banca do concurso até a entrada em exercício [22] dos candidatos aprovados. Neste interregno, são verificados, por exemplo:

- a adequação do edital de abertura do certame às disposições legais pertinentes (Constituição Federal, Estadual, Legislação Federal, Estadual e Municipal);

- a existência de previsão editalícia para recursos da homologação das inscrições e resultados parciais ou finais das provas;

- a checagem dos candidatos inscritos com as atas de presença às provas;

- a existência de gabaritos e critérios objetivos de avaliação das provas previamente determinados;

- a existência de procedimentos de segurança que garantam a imparcialidade na correção das provas e dos recursos;

- a observância à ordem de classificação;

- a existência de cargos ou empregos vagos;

- toda documentação necessária à investidura em cargo ou emprego público.

Apenas para enriquecer o presente estudo, é pertinente elencar algumas irregularidades que ensejam negativa de registro. As principais falhas observadas na auditoria residem em critérios de valoração de títulos que privilegiam os servidores do órgão patrocinador do certame, critérios subjetivos de avaliação, erros na atribuição das notas e não-comprovação dos requisitos para provimento do cargo ou emprego, tais como: ausência de escolaridade exigida em lei, perícia médica inexistente, não-comprovação da habilitação profissional.

Na segunda espécie, são examinadas: a existência de lei específica indicadora das situações de excepcional interesse público; a realização de processo seletivo simplificado; a autorização legal para as contratações; a excepcionalidade da contratação; e, por fim, a habilitação legal para o exercício da profissão.

Qualquer irregularidade apontada é necessariamente fundamentada com indicação dos dispositivos legais infringentes.

O referido relatório é autuado e distribuído ao Conselheiro-Relator que poderá encaminhar o processo ao Ministério Público, para fins de emissão de parecer, ou, antes disto, determinar diligências necessárias a fim de elucidar qualquer matéria inclusa em relatório de auditoria.

Após a autuação do parecer do Ministério Público, o processo é encaminhado ao Conselheiro-Relator, que profere seu voto e o coloca em pauta para a próxima sessão, quando a Câmara apreciará a legalidade dos atos admissionais, proferindo decisão pelo registro ou negativa de registro, entre outras.

Proferida decisão e transcorridos in albis os prazos recursais, é aberto prazo para regularização dos atos impugnados. Na inércia da auditada em adotar as providências cabíveis para a regularização dos atos impugnados, além da sustação dos atos, deverão ser adotadas as medidas cabíveis para responsabilização da autoridade: inclusão da matéria nas contas, imposição de multa e glosa dos valores pagos indevidamente.

6.2 Fases do processo

O processo administrativo, decorrente da apreciação da legalidade dos atos de admissão, pode ser dividido em três fases específicas, a saber:

- procedimental ou opinativa: compreende a notícia da realização da auditoria, o relatório de auditoria e parecer do Ministério Público. Nesta fase, não há decisão propriamente dita, existe apenas posicionamento de órgãos do Tribunal, necessários à execução do disposto no inciso III do art. 71 da CF;

- decisória ou declaratória: compreende o voto do Conselheiro-Relator e a respectiva decisão cameral, apreciando matéria de mérito; e

- executória: em regra resulta das decisões denegatórias de registro transitadas em julgado. Compreende a cientificação do trânsito em julgado do decisum, o exame do cumprimento de decisão e, caso não atendido, a sustação dos atos acompanhada da adoção de providências para glosa de valores ou imposição de multa.

6.3 Classificação das decisões

As decisões oriundas do processo de admissões podem ser classificadas por três critérios:

6.3.1 Quanto ao objeto do processo

-registro: significa a regularidade do ato de admissão realizado;

- negativa de registro: decorre da ilegalidade do ato admissional;

- diligência: utilizada quando houver dúvida sobre os fatos relatados no processo ou para determinar a adoção de providências necessárias para apreciação do mérito das admissões, como a juntada de documentos;

- cessação da ilegalidade: visa a evitar a execução de uma decisão denegatória, cujos atos já foram desconstituídos. É a aplicação do princípio da economia processual;

- sobrestamento: ocorre quando a decisão de mérito estiver inviabilizada, em razão da dependência da solução de outro processo;

6.3.2 Quanto ao órgão

a) singular: são as decisões proferidas pelo Conselheiro-Relator, pelos Presidentes de Câmara ou do Tribunal, que se subdividem em:

- decisão interlocutória: é aquela destinada a dirimir dúvidas ou controvérsias no curso do processo, bem como àquelas referentes à admissibilidade recursal ou revisional, sempre sem apreciar o mérito;

- despacho: são determinações destinadas a dar andamento ao processo.

b) colegiada: são decisões proferidas por órgão colegiado [23], subdividindo-se em:

- decisão cameral: em regra, decide a matéria posta em julgamento. Em alguns casos, pode possuir conteúdo interlocutório, como é o caso da decisão cameral que determina diligência ou esclarecimentos.

- decisão plenária: nos processos de admissões, destina-se a reexaminar matéria já decidida pelos órgãos fracionários, através de recursos ou revisão.

6.4 Partes no processo de admissões

A utilização do termo parte na processualidade administrativa, assim como no processo civil, indicam os sujeitos da relação jurídica processual. No entanto, a preferência tem recaído no termo interessado para indicar um dos pólos da relação jurídico-administrativa, como pode ser observado no Capítulo V da Lei Federal nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Por ser genérico, o termo bem se mostra adequado a uma das extremidades da relação processual administrativa: servidor, licitante, candidato, cidadão, empresa pública, entre outros, que tanto poderão ocupar o pólo ativo ou passivo do processo. O pólo contrário sempre será um ente administrativo.

Optou-se por utilizar o termo parte no presente capítulo para restringir o acesso geral e irrestrito na relação processual administrativa.

É sabido que, no processo civil, para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade, e que ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, sem prévia previsão legal (artigos 3º e 6º do CPC). Analogamente, tais comandos também são aplicáveis no processo administrativo, pois seria inadmissível que qualquer pessoa pudesse nele intervir.

A título de exemplo, o artigo 9º da Lei nº 9.784/99 elenca, entre outros, como legitimados no processo administrativo "aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada".

Numa leitura apressada, poder-se-ia concluir que qualquer pessoa teria legitimação para intervir nos processos administrativos, porém, assim interpretando o dispositivo, chegar-se-ia a absurda conclusão de que todos cidadãos poderiam participar, pois todos têm interesse na coisa pública. Logo, qualquer processo administrativo seria fadado ao insucesso, haja vista a violação de direitos personalíssimos e a delonga em seu desfecho pela efetivação do contraditório e da ampla defesa.

Em razão disto, a interpretação adequada deve se direcionar àqueles que possam ter seus direitos ou interesses afetados diretamente pela decisão a ser tomada.

Odete Medauar, ao examinar a legislação alienígena, encontra dispositivo legal que reforça a perspectiva aqui traçada. Segundo a professora:

"A lei espanhola de procedimento administrativo considera interessado principal aquele que inicia ou ante o qual se inicia o processo, como titular de direitos ou interesses legítimos; interessados secundários são os detentores de direitos ou interesses que possam ser afetados pelo ato administrativo final (art. 23)." [24]

Tal entendimento não pode ser diferente nos processos de admissões, principalmente porque tanto a atividade de controle como o processo, em si mesmos, devem ser eficientes, sob pena de serem taxados de inoperantes e meramente burocráticos.

6.4.1 Partes diretamente interessadas

Da apreciação da legalidade das admissões emerge relação jurídica processual com peculiaridades próprias, entre estas, destacam-se as partes do processo. Nessa relação jurídica, o Tribunal de Contas é a parte competente para dar início ao processo, agindo sempre de ofício.

A aludida Corte não detém personalidade jurídica própria, podendo ser qualificada como Órgão de Estado. Colaborando nesta relação, estarão os seus jurisdicionados, compreendendo a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com as regras de competência atribuídas a cada Corte de Contas instituídas nos diversos níveis federados.

Os jurisdicionados são as administrações direta e indireta que poderão ser desdobradas em Secretárias de Estado, Empresas Públicas, Poder Legislativo, Tribunal Regional Federal, etc. Disto infere-se que, como partes, poderão surgir entes despersonalizados ou não, diretamente interessados na relação jurídica.

A Constituição Federal também permite tal ilação ao impor aos órgãos e entidades a adoção de providências ao exato cumprimento da lei (inciso IX do art. 71 da CF). Neste aspecto, andou bem a Comissão de Elaboração do Anteprojeto da Lei nº 9.784, ao definir de início no texto legal o que vem a ser órgão, entidade e autoridade:

"§ 2º. Para fins desta Lei, consideram-se:

I – órgão – unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta;

II – entidade – unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;

III – autoridade – o servidor ou agente público dotado de poder de decisão."

A determinação da parte no processo de admissões não decorre de interpretação literal do dispositivo constitucional, pois as administrações direta e indireta apenas indicam a abrangência da jurisdição dos Tribunais de Contas.

Cabe diferenciar, para uma melhor compreensão do tema, as partes do processo de tomada de contas (inciso II do art. 71 da CF) daquelas do processo de admissões (inciso III do referido artigo) [25].

Naquele, parte é o administrador e demais responsáveis por valores e bens públicos, logo, no julgamento das contas, o Tribunal decidirá a respeito da regularidade das contas da autoridade responsável. Sobre a expressão "administradores e demais responsáveis", mister se faz ressaltar o magistério de Ives Gandra Martins ao comentar o inciso II do art. 71 da CF:

"Cabe aqui a primeira observação de natureza diccional. Ao dizer ''os administradores e demais responsáveis'', sendo os administradores também responsáveis, à evidência, poderia o constituinte ter contraído o discurso para dizer ''os responsáveis''." [26]

Nos processos de admissões, a identificação da parte passa pelos conceitos de administração direta e administração indireta. A expressão tem origem na Reforma Administrativa "I", durante a vigência do regime militar, ingressando no ordenamento pátrio através do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Este Decreto-lei visou a sistematizar a estrutura administrativa da Administração Federal, também adotada pelos demais entes da Federação, com base nos critérios da descentralização ou desconcentração, significando, na linguagem não-técnica, a noção de transferência de atribuições do centro para o extremo de um corpo. Na realidade, consiste em técnicas da Ciência da Administração tendo por fim melhor planejar, organizar, dirigir e controlar as atividades meio e fim da Administração Pública.

Assim, cada ente federado estrutura-se em órgãos com funções específicas sem criar nova pessoa jurídica, mantendo-a subordinada ao ente, ou criam-se entidades dotadas de personalidade jurídica própria, distinta de quem a criou, para realizar atribuições que competiam diretamente ao ente federativo, mantendo-a apenas sob sua tutela administrativa.

Com efeito, a expressão administração direta e indireta não revela diretamente a parte da relação, apenas determina a abrangência da jurisdição no tocante à apreciação da legalidade. Ao se falar em administração direta e indireta, cogita-se todos os órgãos e entidades que compõem o Estado, independente da existência de personalidade jurídica ou não, relegando a um segundo plano a personalidade do ente federativo a qual pertença o órgão, pois, contrario sensu, teríamos o ente federado se contrapondo contra si mesmo nos processos admissionais.

Importante para o tema ora tratado, e nem sempre lembrado nos manuais, é o que exatamente abarca a Administração direta. Voltando ao Decreto-lei, percebe-se que seu objeto foi tão-somente dispor sobre a organização do Poder Executivo, redefinindo seus ministérios (órgãos) e estabelecendo deveres e obrigações entre si e suas autarquias, empresas e fundações, e, neste sentido, foi tratada a matéria: administração direta compreende os serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e seus Ministérios.

Talvez esta restrição decorra do fato de que a Administração Pública caracterize a atribuição principal do Poder Executivo. Em verdade, Administração direta abrange também os órgãos do Poder Legislativo e Poder Judiciário, assim como também se incluirão na administração indireta, possíveis entidades dotadas de personalidade jurídica criadas para colaborar com esses Poderes, tudo isto com amparo nas disposições no caput do artigo 37 da CF: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, (....)".

Contudo, a simples existência de órgão na estrutura do poder não é suficiente para determinar a existência de parte processual, pois há órgãos que não possuem nenhuma atribuição relacionada a atos de admissão, sendo imprescindível verificar a existência de competência do órgão para realizar atos de admissão.

Enquanto no processo de tomada de contas a parte é o responsável [27], tendo aqui o caráter personalíssimo, nos processos de admissões a parte é a entidade ou órgão competente para realizar atos de admissão, que se constituirão objeto do processo. Nestes processos, o responsável participa apenas como representante, enquanto autoridade competente, a fim de atender determinações da Corte de Contas.

Isso posto, interessados no processo de admissões serão os órgãos e entidades de qualquer um dos poderes do Estado competentes para realizar atos de admissão, os quais serão os diretamente interessados no processo.

6.4.2 Partes indiretamente interessadas

No desenvolver do processo de admissões, poderão surgir outros interessados na relação jurídica processual. São interessados secundários, na medida em que poderão ter seus interesses afetados pela decisão da Corte de Contas.

Entre esses possíveis interessados, estão os servidores, os quais estão arrolados no processo, não como partes originárias, mas, sim, por terem seus nomes identificando o ato de admissão objeto do processo. Seus interesses decorrem da possibilidade de sofrerem os efeitos reflexos da decisão denegatória de registro que culminará, entre outras hipóteses, na desconstituição do ato de admissão e no rompimento do vínculo entre a pessoa jurídica auditada e o servidor.

Os indiretamente interessados permanecerão na condição de terceiros, enquanto legalmente não lhes for facultado o ingresso na relação jurídica processual; ingressando passarão a ser parte, na qualidade de colaboradores [28].

6.5 Natureza das decisões

Quanto à natureza das decisões do Tribunal de Contas, muito já se discutiu e brilhantes peças foram elaboradas pelos mais dignos doutrinadores pátrios: Pontes de Miranda, José Luiz de Anhaia de Mello, Temístocles Brandão Cavalcanti, José Cretella Júnior, Vítor Nunes Leal, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, Rodolfo de Camargo Mancuso e Luciano Ferraz, entre outros não menos célebres.

Pontes de Miranda, dentro de uma visão ampla e pragmática do Estado, não admitia a possibilidade da revisão judicial das decisões das Cortes de Contas quando a Constituição lhe atribuía o julgamento das contas.

"Desde 1934, a função de julgar as contas estava, claríssima, no texto constitucional. Não havíamos de interpretar que o Tribunal de Contas julgasse, e outro juiz as rejulgasse depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem. Ou o Tribunal de Contas julgava, ou não julgava." [29]

Examinando as demais atribuições das Cortes de Contas previstas na Carta de 1969, como a representação aos Poderes, a sustação de atos e a necessária concessão de prazo para o exato cumprimento da lei, semelhantes àquelas hoje existentes, afirmava inexistir decisão judicial, vinculando-a exclusivamente onde houvesse a expressão julgar. [30]

José Luiz de Anhaia de Mello, também numa visão pragmática, observa que:

"de fato, de nada adianta um corpo de auditores a fazer exames de contabilidade, a acompanhar a execução orçamentária, a visar balanços e balancetes, se esses procedimentos meramente instrutivos e interlocutórios não ensejarem por parte do Tribunal uma decisão definitiva e operante." [31]

Para Temístocles Brandão Cavalcanti, ao comentar as competências do Tribunal de Contas frente à Constituição de 1937, o julgamento das contas decorre de função jurisdicional, não emanando disto qualquer violação à unidade de jurisdição, pois esta "não existe entre nós depois que as Constituições e as leis ordinárias criaram as jurisdições administrativa, judiciária, do Trabalho, Militar, cada qual com seu sentido específico e sofrendo as restrições admitidas na Constituição e nas leis". [32]

Dando seguimento ao seu raciocínio, remata:

"É assim que a Justiça do Trabalho não tem a competência e as prerrogativas da Justiça comum (art. 139 da Constituição).

O que há, porém, é a sobrevivência, dentro dessa multiplicidade de jurisdições, da supremacia da instância judicial ordinária, cujos juízes e principalmente seu Tribunal máximo podem, sempre que provocados pelos meios regulares, anular as decisões proferidas pelas demais jurisdições de exceção que violarem a Constituição, ou mesmo, em certos casos, a simples lei ordinária." [33]

A posição de José Cretella Júnior parte da inadequação dos termos "Tribunal" e "julgar" utilizados pelo constituinte. A identidade aos tribunais judiciais está nas garantias de seus membros e na organização interna, dividida em Câmaras. Para ele, nenhuma atividade da Corte de Contas possui caráter jurisdicional, apenas se exerce atividade administrativa. [34]

Vítor Nunes Leal nega a irreversibilidade das decisões do Tribunal de Contas, sustentando que a grande maioria dos atos administrativos tem repercussão no patrimônio da União. Logo, se a decisão daquela Corte não pudesse ser reexaminada pelo Poder Judiciário, a ação popular restaria inócua. Embora qualificadas como julgamentos, as decisões do Órgão de Controle não escapam à decisão definitiva do judiciário. [35]

A respeito do tema, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes entende que a função julgar não é exclusiva do Poder Judiciário. O Poder Legislativo também julga os crimes de responsabilidade imputados ao Presidente da República ou aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende do disposto nos incisos I e II do art. 52 da CF. A unidade da jurisdição (inciso XXXV do art. 5º) é atenuada, pois decorre da própria Constituição a exceção ao monopólio do Poder Judiciário. Para ele,

"a melhor doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores admite pacificamente que as decisões dos Tribunais de Contas, quando adotadas em decorrência da matéria que o Constituinte estabeleceu na competência de julgar, não podem ser revistas quanto ao mérito." [36]

Para Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "a expressão julgar as contas não contém qualquer função jurisdicional de dizer do direito de alguém, mas administrativo-contábil de apreciação do fato da sua prestação". [37]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro revela a impossibilidade de as decisões do Tribunal de Contas caracterizarem coisa julgada material, tais pronunciamentos sempre serão passíveis de apreciação judicial. [38]

Reconhecendo a existência da coisa julgada administrativa, Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, após examinar a posição de diversos administrativistas, concluiu que os Tribunais de Contas não exercem função jurisdicional e, acompanhando José Cretella Júnior, apenas configuram matéria prejudicial ao exame judicial. [39]

Rodolfo de Camargo Mancuso reconhece a possibilidade de o Poder Judiciário rever as decisões das Cortes de Contas tão-somente quando verificada grave irregularidade formal ou manifesta ilegalidade, bem como afronta do direito ou garantia individual,

"em conseqüência, se na ação popular o autor pretende a revisão do mérito da decisão da Corte de Contas, a saber, uma segunda valoração dos fatos, ou ainda, se apenas se funda em mera alegação de injustiça do julgado, cremos que deverá ser julgado carecedor da ação, à míngua de possibilidade jurídica do pedido (CPC, arts. 295, parágrafo único, III e 267, VI), já que, a nosso ver, o Judiciário não têm atribuição constitucional para revisão, nesses lindes, do decidido pelos Tribunais de Contas." [40] (grifos do autor)

Em singular argumentação, admitindo a revisibilidade, Luciano Ferraz vê, na decisão do Tribunal de Contas que impõe multa ou débito, a qualidade de título executivo extrajudicial, passível de embargos de devedor (art. 745 do CPC [41]), podendo, neste caso, ser questionada judicialmente as matérias pertinentes ao mérito do débito imputado. [42]

A controvérsia reside no caráter jurisdicional ou administrativo das decisões do Tribunal de Contas. A discussão tem início na expressão "julgar", inserida nos diversos textos constitucionais como competência do Tribunal de Contas.

O posicionamento majoritário da doutrina é pela natureza administrativa das decisões dos Tribunais de Contas, sendo exclusivamente definitiva a decisão judicial, pois é a única a irradiar os efeitos da coisa julgada, haja vista o princípio da unicidade da jurisdição. Contrário sensu, estaríamos diante do sistema francês, onde é admitida a dualidade de jurisdição.

Por outro lado, mesmo para aqueles que defendem a natureza judicante das decisões do Tribunal de Contas, tal tese aqui não se aplica, pois a apreciação da legalidade das admissões, para fins de registro, não está enquadrada naquelas funções de julgar.

6.6 Eficácia das decisões

Como visto anteriormente, as decisões do Tribunal de Contas não têm caráter judicante. Contudo, merece atenção o exame da eficácia dessas decisões objetivando desvelar sua força jurídica.

As observações de Pontes de Miranda e José Luiz de Anhaia de Mello antes citadas, embora não acolhidas pela maioria da doutrina, são importantes para a missão ora pretendida, na medida em que forçam a admitir alguma eficácia as decisões do Tribunal de Contas, sob pena de se admitir que tal Órgão de Controle exerce simplesmente atividade cartorial.

Entre suas diversas atribuições definidas pelo constituinte, indubitável que duas delas são pendentes da chancela do Legislativo. A primeira decorre da emissão de parecer sobre as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República (inciso I do art. 71 da CF). A segunda é a sustação de contratos, por se tratar de negócio jurídico plurilateral, envolvendo ente federativo, a qual cabe inicialmente ao Legislativo a decisão definitiva, sendo apenas subsidiária a competência do Tribunal para sustar, quando ocorrer inércia daqueles que deveriam adotar as medidas cabíveis (§§ 1º e 2º do art. 71 da CF).

Especificamente naquela atribuição de apreciar a legalidade das admissões é de se admitir alguma eficácia perante os órgãos e entidades da Administração Pública. A própria competência para impor multa e determinar prazo para adoção das medidas saneadoras (incisos VIII e IX do art. 71 da CF) corrobora para o valor cogente das suas decisões.

O simples fato de o órgão fiscalizador pronunciar-se pela ilegalidade rejeita a hipótese de o próprio fiscalizado desrespeitá-la, tornando inócua a função de controle. De longa data o Supremo Tribunal Federal vem afirmando a definitividade das decisões das Cortes de Contas perante seus jurisdicionados no tocante ao registro de atos. [43]

Nelson Hungria, em 1957, ao relatar o RMS nº 3881 – SP, já afirmava que:

"Ora ‘julgar da legalidade’ não é apenas apreciar a regularidade formal do ato administrativo, como parece entender o acórdão recorrido: é julgar de todas as condições intrínsecas e extrínsecas da sua legalidade. Assim sendo, a decisão do Tribunal de Contas quando aprobatória, não apenas dá executoriedade ao ato, como cria uma situação definitiva na órbita administrativa.

Depois dela, não pode o Executivo, que não têm hierarquia sobre o dito Tribunal, declarar, unilateralmente, a nulidade do ato. O que se apresenta na espécie, é um ato complexo, isto é, como acentua Vítor (sic) Nunes Leal (‘Valor das decisões do Tribunal de Contas’ – in Revista do Direito Administrativo. vol. 12. pág. 422). Um ato ‘que só se aperfeiçoa pelas manifestações convergentes de várias autoridades, não sendo admissível que qualquer delas, por si só, possa desfazer uma situação criada por sua ação conjunta’." [44]

O exame da legalidade do ato de admissão pelo Órgão de Controle é a posteriori, somente depois de efetivada a admissão surge competência específica para o registro. Assim realizada a admissão ela produz efeitos. O servidor assume direitos e deveres dela decorrentes, entrementes sua eficácia fica pendente da apreciação do Tribunal. Nesse sentido foi o voto do Ministro Victor Nunes Leal:

"A aprovação do Tribunal não integra o ato mesmo; em relação a ele, é um plus, de natureza declaratória quanto à sua legitimidade em face da lei. Não é a validade, mas a executoriedade, em caráter definitivo, do ato que fica a depender do julgamento de controle do Tribunal de Contas." [45]

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Depois de reiteradas decisões, o STF editou a Súmula nº 06, de 16/12/1963:

"A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele Tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário."

Em que pese a Súmula admitir, na sua parte final, "a competência revisora do Judiciário", isso não prejudica a transparente vinculação da decisão do Órgão de Controle para os entes fiscalizados.

Embora a Súmula tenha sido elaborada durante a vigência de disposição constitucional a qual determinava o "julgamento" das aposentadorias, inquestionável sua atual aplicação. Colabora com este entendimento a recente decisão do STF, conforme segue:

"Tribunal de Contas: registro de aposentadoria: mandado de segurança posterior para compelir a autoridade administrativa a alterar o ato concessivo já registrado não impõe ao Tribunal de Contas deferir o registro da alteração: aplicação da Súm. 6/STF, não elidida pela circunstância de o ato administrativo subseqüente ao registro ter derivado do deferimento de mandado de segurança para ordenar a sua prática à autoridade competente retificar a aposentadoria que concedera, mas não para desconstituir a decisão anterior do Tribunal de Contas." [46]

O substrato jurídico da Súmula consiste na caracterização do exame da legalidade das aposentadorias pelo Tribunal de Contas (por analogia também aplicável aos atos de admissão) como ato complexo.

Para Celso Ribeiro Bastos, ato complexo

"é o que decorre do concurso de vontades de dois ou mais órgãos, sejam simples ou colegiados. Nesse caso, a formação do ato depende da conjugação de vontade de todos os órgãos participantes do ato." [47]

Infere-se, portanto, que o conceito se amolda bem à realidade. Superadas as fases de nomeação, posse e exercício, o ato de admissão já produz efeitos, gerando direitos e obrigações tanto para o servidor como para a pessoa jurídica de direito público. Todavia, sua executoriedade definitiva fica sujeita à decisão do Tribunal de Contas.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também tem acolhido a apreciação da legalidade como ato complexo:

"Mandado de segurança. Administrativo. Servidor público militar. Incorporação de função gratificada. Negativa de registro. Impetração contra essa decisão. Inadmissibilidade. Independente da discussão de ter ou não havido interposição de recurso administrativo e da condição do Presidente do Tribunal de Contas como autoridade coatora, inadmissível a impetração de segurança contra decisão negativa de registro da incorporação de função gratificada. Cabendo ao Tribunal de Contas, no exercício de sua atribuição constitucional, examinar a legalidade dos atos administrativos, para fins de registro, que é um ato complexo, somente se perfectibilizando com a integração da administração e desse exame, decisão que vincula e obriga a administração, não se pode cogitar de mandado de segurança contra essa decisão. Apenas quando cumprida a decisão, pode o interessado discutir o ato administrativo. De qualquer sorte, nunca em sede de segurança, que pressupõe a ilegalidade, de difícil constatação, mesmo porque o exame do Tribunal de Contas é exatamente à respeito da legalidade, mas nas vias ordinárias, quando pode ser feita prova necessária para a demonstração do pretendido direito. Segurança denegada. Liminar revogada." [48]

As demais atribuições constitucionais, antes referidas (impor multas e conceder prazo para correção das ilegalidades) lhes garantem poder cogente e são reconhecidas pelo STF. Em sede de mandado de segurança, o Ministro Marco Aurélio perfilha idêntico entendimento, conforme se observa em seu voto, ao comentar os incisos III e IX do art. 71 da CF:

"Esses dois dispositivos, como mencionado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, são conducentes a que se considere que a atividade desenvolvida, nesses casos, pelo Tribunal de Contas, tem características coercitivas." [49]

Neste passo, as decisões decorrentes da apreciação da legalidade para fins de registro se revestem de obrigatoriedade para os entes auditados, ratificadas pelas suas atribuições insertas na Lei Fundamental.

No entanto, nem todas decisões possuem esse caráter obrigatório para os entes auditados. Antes de apreciar o mérito da legalidade do ato de admissão, pode o órgão colegiado determinar diligências, para que a auditada junte documentos ou preste esclarecimento sobre fatos apontados em relatório de auditoria, visando à adequada instrução do processo. Trata-se, até então, de decisão interlocutória, sem pronunciamento sobre a legalidade ou ilegalidade dos atos admissionais, logo, sem qualquer caráter vinculante para o ente jurisdicionado.

Por outro lado, o Tribunal de Contas da União tem adotado uma espécie sui generis de diligência. São "recomendações" para que o órgão ou entidade competente adote as medidas necessárias ao exato cumprimento da lei, evitando desta forma a drástica decisão denegatória de registro.

Tal procedimento já sofreu apreciação pelo Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades [50], entre elas destaca-se parte da ementa do Mandado de Segurança nº 21466/DF:

"(...) Constatada a ocorrência de vício de legalidade no ato concessivo de aposentadoria, torna-se lícito ao Tribunal de Contas da União – especialmente ante a ampliação do espaço institucional de sua atuação fiscalizadora – recomendar ao órgão ou entidade competente que adote as medidas necessárias ao exato cumprimento da lei, evitando, desse modo, a medida radical da recusa de registro.

Se o órgão de que proveio o ato juridicamente viciado, agindo nos limites de sua esfera de atribuições, recusar-se a dar execução à diligência recomendada pelo Tribunal de Contas da União - reafirmando, assim, o seu entendimento quanto à plena legalidade da concessão da aposentadoria -, caberá à Corte de Contas, então, pronunciar-se, definitivamente, sobre a efetivação do registro...." [51] (grifou-se)

Procedimento idêntico também vem sendo adotado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, conforme a ementa do acórdão judicial a seguir transcrita:

"Administrativo. Concurso público. Irregularidades verificadas pelo Tribunal de Contas, com sugestão de realização de novo critério de desempate no certame. Exoneração sumária de servidor estável. Impossibilidade.

1. O Prefeito Municipal é parte passiva legítima para responder ao mandamus, porque a seu encargo estão a nomeação e exoneração do servidor. 2. Quando a sugestão do Tribunal de Contas é de que se realize novo critério de desempate no certame, é vedado à Administração Pública a exoneração sumária do servidor, porque configura afronta ao art. 41 da CF/88 e ao art. 21 do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais. 3. Apelação desprovida e sentença confirmada em reexame necessário" [52] (grifou-se)

As recomendações visam a possibilitar que o fiscalizado per se stante reexamine o ato. Estas recomendações são entendidas como decisões corretivas ou saneadoras destinadas a viabilizar o registro. Entrementes, na maioria das vezes, induzem a uma decisão híbrida, pois embora sendo diligência ou recomendação, traz em seu bojo a constatação de ilegalidade.

Ocorre que a recomendação pressupõe a existência de ilegalidade na admissão. O objeto do processo de admissões é a apreciação da legalidade dos atos admissionais, logo revela-se inadequada a recomendação, pois ao apontar ilegalidade ela se confunde com o próprio mérito, antes mesmo da ocorrência da decisão propriamente dita.

Para lastrear esta posição, cabe aludir o entendimento do eminente Ministro Moreira Alves, divergente do relator do MS 21466/DF:

"(.....) com a devida vênia, não tem sentido é a admissão de uma conversão do julgamento em diligência, para que, antes de concluído o julgamento da ilegalidade da concessão da aposentadoria, se determine ao órgão administrativo, que é o competente único para conceder a aposentadoria, que altere os termos dessa concessão, uma vez que tal determinação não é evidentemente ato de instrução, nem é ato de execução da decisão, que ainda não se proferiu, da legalidade, ou não, da concessão da aposentadoria.

(....)

A meu ver, no entanto, não pode o Tribunal de Contas da União no julgamento dessa legalidade, que é uno e não dividido em partes estanques, fazer determinações de alteração da concessão de aposentadoria, sem ter concluído tal julgamento, e fazê-las por meio de diligência que susta o próprio curso do julgamento e que visa, não a melhor instrução do processo, mas atuar esdruxulamente como a execução de uma decisão parcial corretiva sem forma nem figura de direito." [53]

Com efeito, o correto entendimento sobre a determinação de diligência para fins de instrução do processo, bem como a possibilidade da adoção de recomendações como procedimentos no processo de admissões tem relevante importância, pois refletem diretamente na identificação das decisões de cunho obrigatório ou não para os entes auditados, bem como nos aspectos pertinentes ao contraditório e ampla defesa, como adiante se analisará.

6.7 Princípio do contraditório e da ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do due process of law e do Estado de Direito, são elementos inerentes à compreensão da visão democrática do processo [54], ensejando a devida participação do administrado nos processos cuja decisão possa afetar sua esfera de direitos, afastando a idéia da Administração autoritária e superior ao cidadão.

Com a promulgação das leis de processo administrativo resta indiscutível a concepção democrática do processo administrativo, visto que suas disposições deixam transparente a efetiva participação do administrado ou das organizações e associações representativas na formação da decisão administrativa (artigos 3º, 4º e 9º da Lei Federal nº 9.784/99 e artigo 22, parágrafo 1º, e artigo 28 da Lei nº 10.177/98, do Estado de São Paulo, v.g.).

Diante da concepção democrática, o processo passa a ser meio de integração do administrado na Administração Pública, transmudando o administrado, por assim dizer, em co-administrador [55], a partir do momento em que participa, coopera e controla a atividade Estatal.

Nesta perspectiva ampliadora, digna de nota são as lições Alexandre Pasqualini sobre a relação jurídico-administrativa:

"(...) só o interesse público torna o indivíduo e o Estado completos. Ao lhe prestarem obediência, nada mais fazem do que obedecer ao que neles e entre eles há de mais nobre e elevado. É com esse espírito que Rousseau, num rasgo de gênio, costumava dizer que, no território universalizável da ‘vontade geral’ (‘volonté général’), não há nem superiores nem inferiores. Todos são iguais porque, unindo-se ao todo através do interesse público, ninguém obedece senão a si mesmo." [56]

Além da faceta exteriorizadora da participação dos administrados na tomada de decisão, os referidos princípios capitulares possuem significado outro. Por ser árdua a tarefa de abordar ambos princípios de forma isolada, em razão da sinergia que lhes é peculiar, passa-se, adiante, a examiná-los indistintamente.

Pode-se dizer, com Odete Medauar [57], que o contraditório efetiva a defesa e esta garante o contraditório. Não destoando desta linha, para Celso Ribeiro Bastos, o contraditório está contido na ampla defesa, ou seja, o "contraditório é pois a exteriorização da própria defesa". [58]

O contraditório evidencia a bilateralidade dos atos e termos processuais, isto é, o contraditório tem por fim garantir o direito do administrado trazer suas razões e provas para a defesa de seus direitos. Sob um aspecto mais científico, é aplicação da dialética, objetivando a elucidação dos fatos e do direito, colaborando na formação do convencimento do órgão julgador ou do agente competente, de modo a alcançar o ideal de justiça.

O princípio da ampla defesa, de longa data, consta, expressamente, nos textos constitucionais pátrios. Contudo, inicialmente, visava a tão-somente assegurar a defesa aos acusados, assim entendidos como aqueles que sofrem alguma imputação penal, como à época da Constituição de 1891. [59]

Pontes de Miranda, ao comentar o direito de defesa na Carta de 1967 (§ 15 do art. 150), deixou registrado, com base na jurisprudência, a visão do instituto naquele momento histórico:

"A defesa, a que alude o § 15, é a defesa em que há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal. O princípio nada tem com o processo civil, onde há réus sem direito à defesa, antes da condenação." [60]

A concepção da ampla defesa foi evoluindo a ponto de hoje, por determinação constitucional, ser atribuída máxima ampliação, para abranger qualquer processo judicial ou administrativo (inciso LV do art. 5º da Carta de 1988).

A incidência do princípio no processo administrativo objetiva concretizar o Estado de Direito, na medida em que objetiva garantir o direito de defesa mediante um processo justo. Para isto, evidente a anterioridade da manifestação do interessado em relação ao ato decisório que lhe afete direitos. É aplicação do contraditório, ou seja, é o direito do interessado manifestar suas razões antes do decisum.

Como desdobramentos do contraditório e da ampla defesa, pode-se arrolar o direito de informação, o direito à manifestação e o direito de revisibilidade.

O primeiro, intimamente ligado ao princípio da publicidade, é o direito de acesso a todos os elementos do processo (fatos, provas, expedientes, etc.), bem como o direito de tomar conhecimento prévio da sua existência, buscando evitar a decisão inesperada.

O direito de cientificação, outra feição do direito de informação, consiste no dever de a Administração assegurar ao administrado a ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado (inciso II do art. 3º da Lei nº 9.784/99).

O segundo, consagra a obrigação de a Administração Pública ouvir e considerar a manifestação dos interessados na elaboração da decisão e pode ser resumido no antigo prolóquio latino – audiatur et altera pars [61] –, autorizando ao interessado contradizer os fatos ou os direitos alegados por outrem.

Antes de comentar o terceiro ponto – revisibilidade – cumpre examinar a motivação, por ser pressuposto essencial daquele. A motivação funciona como instrumento aferidor das razões da Administração Pública, eis que devem exprimir os fundamentos fáticos e de direito da decisão, devendo abarcar as considerações aventadas pelo interessado.

A motivação, princípio geral do direito administrativo, é, também, princípio no processo administrativo por ser consectário da ampla defesa e pré-requisito para efetivação da revisibilidade das decisões administrativas.

Através dela, permite-se que o interessado tenha conhecimento do porquê da decisão. Neste sentido, andou bem o legislador ao estabelecer, na Lei de Processo Administrativo Federal, o dever da Administração indicar "os pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão" (inciso VII do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99), bem como ao indicar, exemplificativamente, as situações em que obrigatoriamente os atos administrativos deverão ser motivados (art. 50 do diploma retro).

Sobre a relação entre a motivação e a revisibilidade, oportuno o exemplo aduzido por Celso Antônio Bandeira de Mello ao questionar os procedimentos sigilosos verificados em alguns concursos públicos, nos quais entende ser inadmissível que:

"(...) as razões da Comissão permaneçam secretas para o próprio interessado, pois, a ser assim, não teria como exibir a improcedência das increpações desfavoráveis que lhe houvessem sido inculcadas, ou o erro na apreciação de fatos, os (sic) quaisquer circunstâncias invocáveis em seu favor, ensejando, de outro lado, o arbítrio, a perseguição ou a simples perpetuação de equívocos e injustiças, redundando tudo, a final, em elisão completa da razão de ser do concurso público." [62]

Adiante continua o autor, amparado em excerto do voto do Ministro Carlos Madeira, em sede de Recurso Extraordinário (RE 111.400-RJ), o qual sintetiza:

"Tanto vale proibir explicitamente a apreciação judicial de um ato administrativo quanto discipliná-lo de tal modo que se faça impossível verificar em juízo a sua eventual nulidade."

Diga-se de passagem, é muito comum em concursos públicos o não-conhecimento dos recursos dos candidatos, por ausência de fundamentação, naquelas provas cujos critérios de avaliação são subjetivos (inexistência de critérios de avaliação previamente estabelecidos de forma clara e insofismável), impedindo aos candidatos a construção de qualquer embasamento recursivo.

O princípio da revisibilidade compreende o direito de o interessado recorrer da decisão que lhe seja prejudicial, impondo à Administração Pública o reexame das suas decisões. A gênese do princípio está na natureza humana, pois como profere Sérgio Bermudes, "ninguém se conforma com um pronunciamento único. Esse inconformismo repousa no conhecimento das imperfeições humanas e certamente não existiria, se soubéssemos perfeitos nossos semelhantes". [63]

Apresentadas algumas das características do contraditório e da ampla defesa, a seguir proporcionar-se-á uma visão panorâmica do princípio constitucional da eficiência.

6.8 Princípio da eficiência

A eficiência, desde 1988, consta na Constituição como objeto da atividade de controle externo (art. 70) e como instrumento de avaliação do controle interno na Constituição Federal (inciso II do artigo 74). Foi elevada à categoria de princípio constitucional dirigido à Administração Pública através da Emenda Constitucional de nº 19/98, como decorrência da implantação da Administração Pública Gerencial pela Reforma Administrativa.

A eficiência, para a Ciência da Administração, não se confunde com eficácia, pois segundo Idalberto Chiavenato:

"(...) eficiência está voltada para a melhor maneira (the best way) pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos) a fim de que os recursos (pessoas máquinas, matérias-primas) sejam aplicados da forma mais racional possível.

(...) A eficiência não se preocupa com os fins, mas simplesmente com os meios. O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia.

À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele estará se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem-feitas são as coisa que realmente deveriam ser feitas, então ele estará se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos por meio dos recursos disponíveis)." [64]

Contudo, na dimensão jurídica, o termo "eficiência" tem sido semanticamente ampliado pela doutrina, para compreender a eficácia, dando-lhe perfeita exegese constitucional [65]. E não poderia ser diferente, até mesmo porque a máxima realização dos interesses públicos somente se dá através da combinação de ambos.

Deve a Administração realizar todas suas atividades, inclusive as relativas aos assuntos interna corporis, com otimização dos recursos disponíveis pela análise da relação custo-benefício (conformação do serviço prestado com o benefício obtido para o cidadão) sem perder de mira os fundamentos da República e seus objetivos fundamentais, ou seja, os fins a que se destina.

Além desta dimensão, também aplicável ao processo administrativo, pois através dele a atuação estatal se manifesta, a eficiência também é sinônimo de celeridade e economicidade.

A essencialidade da celeridade nas ações públicas é fato notório diante de uma sociedade moderna digitalizada. Muito mais o é em relação ao processo, pois como dizia Rui Barbosa: a "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". [66]

Embora as decisões proferidas pelos Tribunais de Contas não tenham caráter jurisdicional, a celeridade também é essencial no processo administrativo, haja vista a estabilidade das relações jurídico-administrativas.

Mas não é só isto. Por se tratar de processo de controle, a celeridade é imprescindível, porquanto o decurso do tempo, não raro, torna impossível evitar ou reparar a ilegalidade observada em auditoria. A eficácia do controle é inversamente proporcional ao tempo transcorrido. Depois de concluída a obra faraônica em lugar ermo, complicado é o retorno dos valores despendidos ao Erário. Logo, ineficaz o controle.

Por sua vez, a economicidade, na ótica do processo ou, simplesmente, economia processual, significa o dever de buscar o melhor resultado com a mínima produção de atos processuais. Busca-se a concentração dos atos processuais e o maior aproveitamento dos já praticados.

Ainda sobre o princípio da eficiência, a simplicidade deve ser uma constante no processo administrativo. Também denominado de princípio do informalismo moderado, a simplicidade significa que o processo administrativo não deve seguir formas absolutamente rígidas, principalmente ao considerar as manifestações das partes.

Na lei federal de processo administrativo foi perfeitamente válida a inclusão de preceito tendente a assentar a simplicidade como parâmetro para atuação do administrador público. Desde logo, impõe-se a "adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados" (inciso IX do artigo 2º da Lei nº 9.784/99).

Assim,

"o processo há de ser descomplicado, compreensível à população, que não deve ser constrangida a recorrer a conhecimentos científicos – quer para responder a requerimentos da Administração, quer para deduzir seus pleitos frente a ela." [67]

Daí porque a eficiência deve compreender a eficácia, pois esta somente será atingida no processo de controle quando os cidadãos puderem compreender a ação administrativa e controlar aqueles detentores de tal competência.

Não se pode esquecer que a atividade de controle sendo eficaz permite ao Estado melhor destinar seus recursos ao atendimento daqueles objetivos fundamentais da República, estabelecidos nos artigos 1º e 2º da Magna Carta.

6.9 Princípio da proporcionalidade

Embora entendido como princípio paralelo ao da razoabilidade, certo é que a proporcionalidade tem a feição de instrumento de ponderação da ação administrativa ou da aplicação da lei, em face dos interesses coletivos e individuais.

Segundo Lucia Valle Figueiredo,

"só se sacrificam interesses individuais em função de interesses coletivos, de interesses primários, na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja realmente indispensável para a implementação da necessidade pública." [68]

No processo, o princípio vem barrar o excesso nas ações administrativas que provoquem restrição ao exercício de direitos ou a imposição de obrigações aos administrados. Qualquer limitação deve se dar na medida do necessário para resguardar o interesse público extraído axiologicamente da Constituição.

Por outro viés, a proporcionalidade também vem traçar, para a própria administração, o dever de não estabelecer procedimentos além do estritamente necessário para o atendimento do interesse público, vindo, desta forma, ao encontro do princípio da eficiência.

6.10 Da efetivação do contraditório e da ampla defesa

Dando prosseguimento ao estudo – quiçá seja esta parte a mais tormentosa –, necessário se faz analisar a efetivação do contraditório e da ampla defesa e seus corolários no processo administrativo decorrente da apreciação da legalidade das admissões.

Não restando dúvidas da qualificação da auditada como parte na relação processual, exame que merece maior detença é a participação do servidor público, especificamente no tocante à ampla defesa nos processos admissionais, para fins do previsto no inciso III do artigo 71 da Carta Magna.

No decorrer da ação fiscalizatória, constatada alguma ilegalidade, surge o dever de a Administração Pública corrigi-la ou afastá-la e, com isto, pela natureza do processo administrativo de admissões, são afetados interesses do ente auditado e dos servidores públicos, entre outros.

Para o ente fiscalizado, o interesse consiste em demonstrar que os atos praticados se deram na conformidade dos princípios constitucionais, notadamente, a moralidade, a legalidade, a economicidade e a razoabilidade.

O interesse do servidor consiste em preservar o status quo, pois, via de regra, o restabelecimento da legalidade administrativa tem efeito de reduzir vencimentos ou, até mesmo, suprimir seu vínculo laboral com a Administração. Ocorre que, irrefutavelmente, o vencimento do servidor público tem caráter alimentar, ou seja, presta-se à satisfação das necessidades vitais, não raro de toda uma família.

Logo, a efetivação do contraditório e da ampla defesa assume imensurável importância no processo de apreciação da legalidade das admissões, podendo vir, nesses casos, a conectar-se com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

No tocante ao servidor, essa concretização asseguraria um direito individual, já em relação à auditada e ao Tribunal de Contas. Com efeito, garantiria-se um direito do povo, na medida em que a gestão da coisa pública deve buscar a construção de uma sociedade justa com pleno desenvolvimento para erradicar a pobreza e as desigualdades, tudo isto para garantir a dignidade humana.

Inegável o interesse do servidor em tomar ciência do processo e trazer suas razões para a formação da decisão ou promover o deslinde da controvérsia, pois certamente seus direitos serão afetados.

Embora tenham interesse em intervir, isto não caracteriza, talvez, um interesse imediato a ponto de torná-lo parte no processo.

O ato admissional sujeito a registro pelo Tribunal sempre indicará um servidor, mas não o caracterizará como parte na relação processual. Na realidade, seu nome aparece exclusivamente como elemento do objeto do processo, que é a apreciação da legalidade do ato de admissão, o qual certamente constará o nome do servidor para individualizar o ato administrativo.

O processo admissional é um processo de controle, sob a ótica do Estado, é uma atividade meio, tendo como interessado imediato o ente ou órgão auditado e, mediatamente, a sociedade. Particularmente, nesta última está incluído o servidor público. Trata-se de relação interna da Administração Pública (lato sensu) objetivando o controle do Erário e da moralidade na investidura em cargos, empregos e funções públicas.

Por outro lado, os servidores não estão incluídos entre aquelas pessoas sujeitas ao controle externo, ou seja, o Tribunal de Contas não tem competência legalmente estabelecida para impor a adoção de qualquer providência, bem como julgar ou apreciar os atos praticados pelos servidores na qualidade de particulares que mantêm algum vínculo laboral com a Administração Pública.

Adverso à caracterização do servidor como diretamente interessado é a aplicação do princípio da eficiência e o princípio da praticabilidade. O processo de admissões é um processo de controle muito complexo e sujeito a exame numa instituição com estrutura constitucionalmente engessada.

A complexidade reside no fato de o exame da legalidade incidir em atos ou processos administrativos que envolvem um grande número de pessoas, como é caso dos concursos públicos. Para se ter idéia desta dimensão, os últimos concursos realizados pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul para provimento do cargo de professor apresentaram os seguintes dados: [69]

- Concurso realizado em 1995

a) número de inscritos: 30.000

b) número de aprovados: 12.000

- Concurso realizado em 2000

a) número de inscritos: 85.000

b) número de aprovados: 14.000

Diante desses dados [70], entende-se de bom alvitre configurar um exemplo para visualizar a complexidade. Supondo que neste último certame público para o magistério fosse constatada no edital a atribuição indevida de pontos por tempo de serviço, exclusivamente prestado ao Estado, na prova de títulos.

Em razão da inconstitucionalidade desse comando editalício, em razão da afronta ao princípio da impessoalidade e da igualdade (favorecer na disputa os candidatos já servidores), o Tribunal de Contas, objetivando a preservação do certame, impõe a exclusão dos pontos indevidos e a retificação da classificação final.

Existindo candidatos já admitidos, somente estes seriam legitimados a intervir no processo, via de regra, os beneficiados com aquela pontuação, excluindo a possibilidade dos candidatos prejudicados intervirem? Somente os admitidos teriam seus argumentos considerados por ocasião da decisão administrativa?

Seguramente o ideal seria estabelecer o contraditório e a ampla defesa entre os favorecidos e os prejudicados, para que cada um apresente suas razões, colaborando na formação da decisão. Porém, considerando aqueles dados fornecidos, torna-se evidente a impossibilidade de instaurar o contraditório entre 80.000 pessoas. Seriam 80.000: cientificações, contra-razões, laudas a serem examinadas, etc. Um processo dessa dimensão quantos anos levaria para ter uma decisão "transitada em julgado"?

Ainda na complexidade do processo, cumpre observar a necessária uniformização das decisões ou a conexão de processos em virtude do concurso público ser fonte de inúmeros atos admissionais. A apreciação da legalidade das admissões inclui o exame da regularidade do concurso. Logo, a decisão sobre os atos admissionais dele decorrente deve ser uniforme.

Tal fato gera um encadeamento de processos. Os processos posteriores ficam pendentes até a decisão daquele processo que examinou o certame. Esta situação ocasiona certa morosidade no desfecho dos processos, principalmente se aquele processo que examinou o concurso for objeto de recurso. Muitas vezes os processos subseqüentes ficam sobrestados aguardando o trânsito em julgado da decisão que primeiro apreciou o certame.

Conquanto isto faça parte da natureza desta atividade de controle, tal conexão deixa transparente que os processos de admissões não possuem uma tramitação rápida. Impende observar ser imprescindível sua consideração quando se analisa a eficácia do processo de admissões, porque não se pode acrescentar muitos procedimentos a um processo naturalmente moroso.

Por outro lado, a estrutura constitucionalmente prevista para os Tribunais de Contas não permite grandes alterações na composição dos órgãos colegiados responsáveis pelas decisões. Na União, são nove Ministros, nos Estados, são sete Conselheiros (caput do artigo 73 e parágrafo único do artigo 75, ambos da Constituição). Logo, encontra óbice constitucional qualquer pretensão de aumentar o número de órgãos colegiados para atender as demandas, diferentemente do que ocorre no Poder Judiciário.

A este a Carta Magna faculta a criação de cargos de juiz-substituto (inciso I do art. 93) e impõe a criação de Juizados Especiais como forma de atender os objetivos do Judiciário.

A atual configuração dos órgãos colegiados dos Tribunais, fixada em sede constitucional, somente atenderia tamanho volume de trabalho se a qualidade fosse prejudicada, transformando o controle de admissões em mera atividade cartorária.

Assim, considerando que o exame da legalidade dos atos admissionais é um exame exaustivo, ou seja, deve abranger todas as admissões de pessoal (excetuados os provimentos em cargos em comissão) ocorridos na Administração Pública, bem como o crescente aumento do número de municípios emancipados, qualquer pretensão de atender as demandas tidas como ideais (estabelecer o contraditório e a ampla defesa de modo absoluto) se mostram inviáveis.

Ademais, o instituto da decadência também deve ser objeto de preocupação por parte dos operadores do direito, por força do princípio da eficiência. Embora nem todos entes federados tenham a matéria legalmente regulamentada, a Lei Federal do processo administrativo trata do instituto e, com isto, colabora na argumentação do presente trabalho.

A referida Lei, em seu artigo 54, dispõe que o "direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé".

Desta maneira, e considerando que a má-fé não é a regra, toda ação administrativa de controle deverá atuar dentro daquele prazo decadencial, ou seja, os processos administrativos devem ater-se àquele prazo, sob pena do controle externo se tornar estéril.

Como se pode observar, se está diante de um dilema: ao mesmo tempo em que o servidor não é parte da relação processual, o Tribunal de Contas não tem "jurisdição" sobre eles e se mostra impraticável a irrestrita oportunidade da ampla defesa, também se percebe da necessidade de lhes garantir um mínimo de defesa.

Em verdade, a atribulada efetivação do contraditório e da ampla defesa no processo de apreciação da legalidade das admissões, consiste na dificuldade em estabelecer equilíbrio entre a plena eficácia da atividade de controle externo e os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, em face da necessária subordinação da atividade administrativa, em última análise, à dignidade da pessoa humana.

A solução está em harmonizar os princípios do contraditório e da ampla defesa com o princípio da eficiência que deve pautar as ações estatais. O deslinde da questão passa pela visão democrática do processo e naquele entendimento de que "só o interesse público torna o indivíduo e o Estado completos". [71]

Para tal objetivo, adiante serão abordados aqueles três desdobramentos dos princípios do contraditório e da ampla defesa sob a ótica dos entes auditados e terceiros prejudicados, ponderados pelos princípios da eficiência, da economicidade e da proporcionalidade.

Conforme exposto no tópico 6.4, retro, o ente auditado compreende os órgãos despersonalizados e as entidades dotadas de personalidade jurídica própria, isto é, os diretamente interessados no processo de admissões.

A estes deve ser garantida a necessária cientificação da existência de instauração do processo de admissões, dando-lhes conhecimento da realização da auditoria, afastando o elemento surpresa.

Sem sombra de dúvidas, a realização de auditoria requer a disponibilização pelo ente auditado de espaço físico, de recursos humanos e uma enorme gama de documentos a fim de viabilizar os trabalhos.

A auditoria relâmpago, surpreendendo o ente auditado pode resultar em apontamentos de falhas inexistentes em função do lapso na entrega de documentos, provocados pelo atropelo da auditoria, repercutindo negativamente na avaliação do controle interno e na apreciação da legalidade das admissões pelo Tribunal de Contas.

Essa auditoria vem a dificultar o acompanhamento, pelo ente auditado, dos trabalhos de auditoria e a produção de provas destinadas a demonstrar a legalidade das admissões realizadas.

Assim, ocorrendo a cientificação, possibilita-se que a auditada organize-se para atender os auditores e, com isto, possa evitar falhas, colaborar e influir na tomada de decisão, confirmando a concepção democrática do processo administrativo.

No tocante ao relatório de auditoria (ou instrução técnica), também haverá necessidade de cientificar o ente auditado. Havendo apontamentos sobre as ilegalidades observadas no exame dos atos admissionais, deverá ser assegurado o direito de manifestação a fim de estabelecer o contraditório.

O relatório de auditoria é uma peça opinativa, ou seja, não possui caráter definitivo como é o caso da decisão cameral ou plenária, tampouco vincula os órgãos colegiados, os quais são os únicos detentores da competência para registrar ou negar registro aos atos admissionais.

Com efeito, não há impedimentos para a cientificação, prévia à decisão, do conteúdo do relatório ao ente auditado, tendo em vista o direito de ver suas razões consideradas por ocasião do decisum.

Ademais, mesmo que os relatórios de auditoria não sejam vinculantes (e nem podem ser), em sua grande maioria, seguem a orientação traçada pelas decisões colegiadas, sob pena de configurar pólos opostos dentro da mesma instituição, ofuscando a idéia de tribunal imparcial. Por outras palavras, o Corpo Técnico deve seguir, sem afastar a saudável dialética, as decisões dos Órgãos Colegiados da Corte de Contas, mantendo a devida harmonia entre os relatórios e a jurisprudência.

Cumpre lembrar que os relatórios de auditoria transmitem, em tese, o entendimento do Tribunal sobre as irregularidades observadas, demonstrando assim a existência de posição sobre os fatos, embora de forma não-definitiva.

De qualquer sorte, entende-se que o caráter opinativo do relatório de auditoria não obstaculiza o contraditório. Na realidade, o relatório de auditoria tem o objetivo de fornecer subsídios ao órgão julgador, ou seja, proporcionar sustentação fática e jurídica à tomada de decisão.

Neste lanço, na ausência das alegações do ente auditado surge desequilíbrio na relação processual, na medida em que apenas uma versão sobre os fatos contribui na formação da decisão. Assim, e na lição de Egon Bockmann Moreira [72] sobre o princípio da igualdade processual: a "formação do convencimento do órgão decisório não é tarefa unilateral e desproporcionada, tal como se fosse possível à Administração prestigiar exclusivamente o seu entendimento".

Por outro lado, afastada a oportunidade de defesa nesta fase processual, o direito de revisibilidade confundir-se-ia com o de manifestação, pois a única oportunidade da auditada oferecer suas alegações seria através da interposição de recurso.

Outrossim, cerceado o direito de manifestação estar-se-á impedindo ao ente auditado de, espontaneamente, rever seus próprios atos, nos termos da Súmula nº 473 do STF [73], e impondo, sem rodeios, a drástica decisão denegatória.

Ainda nesta linha, aqueles atos ilegais passíveis de saneamento espontâneo seriam sujeitos à dupla apreciação pelos órgãos julgadores, já assoberbados de processos: a primeira para negar registro ao ato admissional ou determinar medidas saneadoras (o que supõe a existência de ilegalidades, logo equivale à negativa); a segunda para registrar o ato admissional já regularizado. Logo, assim procedendo, a eficiência seria arranhada; conseqüentemente, outro princípio imanente àquele seria maculado: o princípio da economicidade.

Por derradeiro, a oportunização do contraditório deve ser entendida como instrumento para a busca da verdade real e não como obstáculo à atividade de controle. Para tal, imprescindível a prévia manifestação da auditada a fim de cooperar na formação da justa decisão.

Aos servidores e candidatos (terceiros prejudicados), pelo simples fato de não serem partes da relação jurídica inicial, é desnecessária sua cientificação ou manifestação. Mesmo que se pretendesse realizá-la seria impraticável.

Há exemplo: o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul no período de 1997 a 2000 apreciou mais de 240.000 atos de admissão. [74] Cumpre salientar que nestes dados não estão incluídos os candidatos inscritos em concurso público.

Importante, neste instante, trazer à baila a análise da legislação alienígena realizada por Odete Medauar. Referindo-se a lei italiana de processo administrativo de 1990, informa:

"(...) conforme o art. 7º, item 1, a realização do processo deve ser comunicada aos sujeitos em relação aos quais o ato final produzirá efeitos diretos, isto é, aqueles que por lei devem intervir; inexistindo exigências particulares de celeridade, quando de um ato possa decorrer prejuízos a sujeitos identificados, diferentes dos destinatários, a administração é obrigada a dar-lhes notícia do inicio do processo." [75] (grifou-se)

Como se vê, o direito italiano dá ênfase à celeridade (faceta do princípio da eficiência) a ponto de incluí-lo como exceção ao direito de cientificação. A compreensão do legislador alienígena sobre a celeridade no processo administrativo se mostra perfeita com relação aos processos de controle, onde a celeridade é também condição de eficácia.

Como diz o mestre luso João Carlos Simões Gonçalves Loureiro, a eficiência

"como um conceito relacional entre meios e fins, é preciso saber que fins administrativos devem ser prosseguidos por um certo procedimento para, em função deles, determinar a celeridade ou morosidade de um procedimento, ou a sua configuração excessivamente complexa ou demasiado simplificada." [76]

Desta forma, assimilando aqueles dados e considerando a finalidade do processo, a cientificação dos interessados indiretos seria medida contrária à eficiência, tornando inútil à atividade de controle externo.

No que tange à efetivação do direito de revisibilidade, é imprescindível, como já visto, a decisão motivada e sua plena publicidade, incluindo nesta, a intimação da parte objetivando assegurar o reexame da decisão por órgão mais graduado.

Instaurada a fase recursal, questionável é a possibilidade de reacender novamente o direito de informação e o direito de manifestação, quando houver a interposição de recurso por pessoas estranhas à relação jurídica anteriormente constituída.

Em princípio não se poderia admitir que terceiros interferissem na decisão sem que a parte dela tome conhecimento e se efetive o contraditório. Inadmissível que a parte (a auditada) venha ser surpreendida pelos efeitos do recurso interposto por terceiros estranhos à relação jurídica inicial.

Ocorre que o princípio da eficiência e da praticabilidade impõem a relativização do princípio do contraditório. Nessas situações paradigmáticas, pretender efetivar de modo absoluto o contraditório e seus consectários (cientificações, contra-razões, etc..) entre todos os litigantes tornaria o processo impossível, pois com tantos participantes certamente seu desfecho levaria vários anos, trazendo graves prejuízos à eficácia da atividade de controle.

Com isto não se pretende dizer que os terceiros prejudicados não tenham direito a recorrer, mas, sim, que, no processo recursal, não se estabelecerá o contraditório (contra-razões) entre os terceiros ou entre estes e o ente auditado.

Neste sentido, a propósito, Cassio Scarpinella Bueno, decifrando o conteúdo do artigo 62 da Lei Federal nº 9.784/99, revela que:

"A nosso ver os demais interessados são aqueles que já tiveram se manifestado nos autos do processo administrativo, vedada a intimação de pessoas estranhas ou alheias à relação processual já formada perante a autoridade que proferiu a decisão recorrida.

O tema ganha muito em interesse quando verificamos que a Lei federal é repleta de ‘situações legitimantes’ do cidadão (...). Como por definição, tudo que corre dentro da Administração Pública diz respeito ao cidadão, ele sempre deveria ser intimado para manifestar-se sobre qualquer recurso administrativo.

Descabida, por absurda, que é a conclusão do parágrafo anterior, parece-nos que a melhor interpretação quanto à determinação do espectro subjetivo passivo na fase recursal do processo administrativo é aquela em que haja coincidência entre os partícipes da relação processual contemporaneamente ao proferimento da decisão recorrida. Inexiste, assim, a viabilidade de apresentação de contra-razões por ‘terceiros interessados’ (...)." [77]

O recurso de terceiro interessado no processo de admissões será visto como instrumento da verdade real, como direito de ver suas razões consideradas por ocasião da decisão em grau superior, como oportunidade de trazer provas ou discutir matéria não ventilada no processo principal e como direito à colaboração na tomada de decisões administrativas atendendo à concepção democrática do processo.

Neste ínterim, a aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa deve ser relativizado, a ponto de permitir a aplicação do princípio da eficiência. Assim, a oportunização das contra-razões em sede de recurso deve ser afastada.

Na fase recursal é que se dará a oportunidade aos servidores e candidatos, entre outros, de participarem do processo, trazendo suas razões. Embora não sendo o ideal, é o modo mais adequado à aplicação da ampla defesa, sem prejudicar os fins do processo.

Para que isto se efetive, é imprescindível que as decisões das Cortes de Contas sejam simples e transparentes para que os cidadãos não versados nas letras jurídicas possam compreender seu conteúdo.

Objetivando contornar a dificuldade em proceder à cientificação, devem as Cortes de Contas usar todos os meios disponíveis para dar ampla publicidade as suas decisões. Além da publicação em diários oficiais, deve o Tribunal disponibilizar, na integra, suas decisões na Internet, como meio de democratizar as informações e facilitar o controle social. Diga-se de passagem, que a União tem sido pródiga neste aspecto, facilitando a vida dos cidadãos. [78]

Talvez colaborasse para maior eficácia à publicidade das decisões a divulgação através dos meios de comunicação dessa importante atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas.

É de ser considerado que a maioria das pessoas que ingressam no serviço público desconhecem completamente essa atividade controle, muito menos cogitam da possibilidade de perderem seus cargos em razão de decisão denegatória de registro. Logo, além dos servidores ficarem mais atentos às decisões e não as deixarem transcorrer in albis, o controle social seria muito mais acentuado e valorizaria ainda mais a atuação das Cortes de Contas.

Resta, ainda, perquirir as conseqüências da decisão denegatória de registro incidente na relação jurídica "secundária" entre o servidor público e o ente auditado, sob o viés do direito fundamental do contraditório e da ampla defesa. Por outras palavras, esta pretensão pode ser sintetizada na seguinte indagação: deve o ente auditado garantir ao servidor público ou candidato em certame público o contraditório e a ampla defesa após a decisão denegatória de registro proferida pelo Tribunal de Contas?

No repertório jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a resposta não é certeira. A matéria não é pacífica naquele colegiado, havendo decisões em ambos sentidos, conforme as ementas escolhidas, adiante transcritas:

"(...)

Reconhecida pelo Tribunal de Contas a irregularidade do concurso público de ingresso, a autoridade administrativa impetrada pode, e deve, anular os respectivos atos de nomeação, consoante a Súmula nº 473 do STF, não traduzindo isso condenação alguma aos atingidos, porém mera declaração, o que dispensa procedimento administrativo-disciplinar, pela ausência de qualquer falta comportamental, inaplicáveis então as Súmulas nº 20 e 21 do Pretório Excelso." [79]

"Embargos de declaração. Concurso público. Irregularidades flagradas pelo Tribunal de Contas. Alegação de omissão de dispositivos constitucionais. Constatadas, pelo Tribunal de Contas, as irregularidades do concurso no qual o embargante se viu aprovado, era lícito à Administração Municipal promover a sua anulação. Nesse caso, revela-se despicienda a menção aos arts. 41, §1º, e 5º, LIV e LV da CF. Embargos rejeitados." [80]

"Concurso público – anulação de fase de concurso público, em atenção a determinação do Tribunal de Contas, com rebaixamento de candidato empossado e em exercício de cargo público – inobservância do contraditório e da ampla defesa – precedentes dos Tribunais Superiores – Súmulas 20 e 21 do e. STF – apelo provido –segurança concedida." [81]

"Apelação cível e reexame necessário. Servidores públicos. Reintegração. Servidores exonerados em virtude de irregularidade na realização do concurso, detectado pelo Tribunal de Contas. Não pode a administração demitir os apelados enquanto não desconstituído o concurso e instaurado o regular processo administrativo, assegurando a garantia constitucional da ampla defesa. Sentença procedente. Negaram provimento à apelação do Município, prejudicado o reexame necessário. Unânime." [82]

Longe de perquirir do acerto ou não das bem-lançadas argumentações do Colegiado Judicial, a questão merece estudo.

Certamente, nem sempre a decisão denegatória de registro envolve ato praticado pelo servidor, como é o caso da ilegalidade de dispositivo editalício. Nesta situação, não há nenhum envolvimento do servidor na prática de ilegalidades, ele apenas sofre os efeitos da declaração de nulidade do certame. Nulo o concurso, nulos todos os atos dele decorrentes, podendo-se até mesmo questionar sua qualidade de servidor.

Outra situação seria aquela em que a decisão denegatória se sustente na ausência de comprovação dos requisitos à posse em cargo ou em emprego públicos (não comprovação da escolaridade exigida em lei, v.g.), situação esta em que poderia ser questionada a prática de ato ilícito pelo candidato-servidor.

Contudo, na realidade, ambas envolvem situações de nulidade, sendo imprescindível a desconstituição do ato admissional ilegal, não se aplicando os institutos da demissão ou exoneração, por pressuporem ato admissional válido. Logo, não há que se falar em processo administrativo disciplinar. Em verdade, ambas situações requerem processo administrativo lato sensu e não aquela espécie processual.

Trilhando, no deslinde da questão, é forçoso considerar a eficácia das decisões do Tribunal de Contas. Conforme já mencionado, as decisões de mérito atinentes à legalidade das admissões, entre elas, as denegatórias de registro, são cogentes para os entes auditados.

Digno de nota, neste ínterim, é voto do Ministro Paulo Brossard, ao perquirir sobre a legitimidade passiva do Tribunal de Contas da União em sede de Mandado de Segurança, impetrado por servidor público pretendendo reverter ato "exoneratório" expedido pela auditada:

"A ameaça ao direito dos impetrantes decorre da decisão do Tribunal de Contas da União, não obstante a execução ou a concretização da violação ao seu direito esteja na dependência de ato subseqüente do Diretor-Presidente da Companhia de Docas do Ceará, ou do Secretário de Transporte.

Se forem consideradas essas autoridades, como impetradas as informações que, eventualmente, poderiam prestar se resumiriam em esclarecer que assim procediam para cumprir determinação do Tribunal Contas da União. Deste modo, toda fundamentação jurídica desenvolvida por essa Corte de Contas, para demonstrar a inconstitucionalidade das admissões dos impetrantes, poderia ficar prejudicada.

Não se pode perder de vista, ainda, a competência constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas da União no exercício do controle externo da administração (art. 71, II, III, VIII, IX e X).

Estes elementos são suficientes para caracterizar o ato do Tribunal de Contas da União, como ameaça efetiva ao alegado direito líquido e certo dos impetrantes, cujo amparo se pleiteia nesta ação mandamental." [83] (grifou-se).

Também em sede de Mandado de Segurança apreciado pelo STF, selecionou-se a seguinte ementa, para reforçar o aduzido:

"Mandado de segurança regularmente remetido ao Supremo Tribunal com base na letra n do art. 102, I, da Constituição e requerido contra ato do Presidente de Tribunal Regional do Trabalho, como executor material de decisão terminativa do Tribunal de Contas da União (CF, art. 71, IX).

Ilegitimidade passiva do impetrado, visto partir da Corte de Contas a causa eficiente da coação. Conseqüente extinção do processo sem julgamento de mérito, insubsistente a liminar concedida na instância de origem." [84] (grifou-se)

Diferente é o caso quando a auditada, per se stante, promove a desconstituição de ato administrativo. Oportuno referir que as decisões colegiadas ou interlocutórias as quais configurem pedido de esclarecimentos (oportunização do contraditório) ou recomendações não impõem a desconstituição dos atos, não são decisões terminativas. Nesse sentido percorreu o STF, conforme segue:

"Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Sua ilegitimidade passiva ad causam. Tratando-se de recomendação que se traduz em mera sugestão sem caráter impositivo que teria se fosse uma decisão do Tribunal de Contas no âmbito de sua competência, não tem tal Corte legitimidade para figurar no pólo passivo do presente mandado de segurança. Mandado de segurança não conhecido." [85] (grifou-se).

Sendo cogente o decisum, resta a autoridade responsável proceder à devida regularização do ato impugnado, sob pena de multa ou de glosa dos valores pagos indevidamente. Inadequado, nesta fase, impor a instauração de processo administrativo lá no ente auditado, para que promova o contraditório e a ampla defesa daquele servidor especificado no ato impugnado.

Vale referir as diferentes relações jurídicas no processo de apreciação de legalidade das admissões e o pretenso processo administrativo inominado destinado a garantir o contraditório e a ampla defesa. Este, entre o auditado e o servidor. Aquele, entre o Tribunal de Contas e o auditado.

Instaurado o processo administrativo inominado, fatalmente a legalidade da admissão novamente seria discutida e, quiçá, concluída em sentido diverso da decisão da Corte de Contas. Tal situação viria a comprometer toda eficácia do controle externo, na medida em que um segundo processo administrativo conduzido por ente fiscalizado poderia afastar completamente a decisão do colegiado de controle externo, invertendo a "hierarquia", ou seja, as competências atribuídas constitucionalmente às Cortes de Contas.

Negado registro pelo Tribunal, é de se notar, em tese, a possível convergência de interesses entre servidor e a auditada. O ente fiscalizado ou, até mesmo, a autoridade responsável, por diversas razões, pretenderá afastar qualquer apontamento sobre a ilegalidade dos atos admissionais. O servidor aspirará, naturalmente, preservar seu cargo, vencimentos, etc.

Neste contexto, a decisão denegatória das Cortes de Contas ficaria submetida à apreciação dos principais interessados em vê-la afastada. Concluído o processo administrativo em sentido contrário ao decidido pelo Tribunal, como ficaria a eficácia do controle externo? Poder-se-ia cogitar de delegação de competências?

Não e não. O fiscalizado não se pode transformar em fiscalizador, tão-pouco as competências das Cortes são delegáveis.

Convém ressaltar que no processo de apreciação da legalidade das admissões já é facultada a intervenção do servidor ou candidato, possibilitando-os trazer suas razões e vê-las consideradas na decisão final.

Com efeito, instaurar processo administrativo inominado a fim de preservar possíveis garantias fundamentais do "servidor", sem uma análise ampla do contexto, ensejariam a triplicidade [86] processual, medida esta contrária ao princípio da economicidade e eficiência, numa visão ampla do Estado.

Impor à Administração Pública (aqui compreendendo o Tribunal de Contas e os auditados) a instauração de processo administrativo de modo indiscriminado, atrofiaria a ação administrativa, fazendo-a desfalecer em meio aos processos.

Ao mesmo tempo em que os cidadãos aspiram um Estado ágil, eficiente, capaz de atender às necessidades sociais – e esta é a pretensão da Administração Gerencial –, não se pode pretender que, para qualquer ato administrativo ablativo de direitos, seja instaurado dois, três processos administrativos. Até mesmo porque a Administração ficaria adstrita à solução de litígios decorrentes da atividade-meio (relação entre a Administração Pública e entre esta e seus servidores) e não atenderia os anseios sociais (saúde, educação), ou seja, atividade-fim, fato este contrário à pretensão de um Estado Gerencial.

Perscrutando ainda a questão, se alhures já se alegava que o transcurso do tempo era inimigo da eficácia do controle externo, o que se dirá se, após exaustivo contraditório em processo de apreciação da legalidade de admissões, tiver que ser reaberta a discussão em processo administrativo instaurado pelo fiscalizado? Isto, sem se falar na possibilidade de a discussão alcançar a esfera judicial, pois plenamente viável, forte no inciso XXXV do art. 5º da Constituição.

Desta maneira, havendo decisão cogente do Tribunal de Contas em processo de apreciação da legalidade das admissões, deve ser afastada a obrigatoriedade da auditada instaurar processo administrativo inominado, pois este não pode se sobrepor aquele.

Mesmo sabendo-se que o processo administrativo instaurado no Tribunal de Contas, tanto por razões legais como por motivos operacionais, não proporciona, em sentido absoluto, ao servidor as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa, especificamente quanto ao direito de revisibilidade, vislumbra-se sua adequação ao ordenamento.

Sem sombra de dúvidas, os gastos com pessoal na Administração Pública tem sido, entre outras, fonte por onde se esvaziam os cofres públicos e a prova disto está transparente na Lei de Responsabilidade Fiscal. Conseqüentemente, os recursos disponíveis para atender áreas como a saúde tornam-se escassos, não proporcionando condições mínimas e dignas de vida à população.

Por sua vez, o princípio moralizador do amplo acesso aos cargos e empregos públicos e a prévia aprovação em concurso público indicam a relevância do controle dos atos admissionais e sua íntima ligação com o interesse público.

Esse interesse emerge, cristalinamente, da legislação pátria. A lei que regula a Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965) estabelece que são nulas as admissões no serviço público remunerado com desobediência, quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais (inciso I do art. 4º). A Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, assenta que frustrar a licitude de concurso público constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública (inciso V do art. 11). O Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, estabelece como crime a nomeação, admissão ou designação de servidor contra expressa disposição de lei (inciso XIII do art. 1º). Por fim, o artigo 324 do Código Penal tipifica como delito o exercício de função pública antes de atendidas as prescrições legais.

Logo, antes de concretizar a dignidade da pessoa humana, através de um pleno contraditório e ampla defesa, para aqueles afetados por uma decisão denegatória de registro, preferível manter um controle externo eficiente, o qual possibilite concretizar também a dignidade a uma gama significativa da população.

Por outro lado, considerando a unicidade de jurisdição, resta àqueles eventualmente prejudicados o amparo judicial, já tendo como ponto de partida um processo administrativo. O que não se pode conceber, diante de uma visão global do Estado é a instauração de n esferas processuais discutindo indefinidamente a mesma matéria. Tudo isto é questão de economicidade, eficiência, estabilidade das relações jurídicas e dignidade dos cidadãos que arcam com o custo destas estruturas.

Ao que parece, a aparente violação de direitos em verdade é apenas uma relativização de princípios onde a "função-mór dos princípios em geral consiste em oferecer intelecção que permita, no limite, a convivência sadia das regras com o sistema". [87] Desta maneira, o primado do interesse geral por uma Administração Pública proba deve prevalecerr sobre o particular.

Assim, no processo de admissões o contraditório e ampla defesa serão assegurados nos limites do factível, a ponto de permitir também a aplicação harmônica dos princípios da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade, como balizadores da atuação da Administração Pública lato sensu.

6.11 Execução da decisão

A execução da decisão decorrente do processo de admissões visa a impor, ao ente ou órgão auditado, a adoção das providências necessárias para regularizar ou afastar do ordenamento jurídico o ato administrativo tido como ilegal pelo Tribunal de Contas.

A execução ocorre, via de regra, no mesmo processo em que foi declarada a ilegalidade (negativa de registro) do ato admissional, caracterizando-se por ser um procedimento contido no processo de admissões. Poderá, contudo, ser realizada em processo distinto dependendo da estrutura administrativa ou do controle interno adotado por cada tribunal, conforme disposição regimental.

Seu início se dá imediatamente após o trânsito em julgado da decisão, pois deve haver a concessão de prazo razoável para a auditada adotar as providências cabíveis, consoante o previsto no inciso IX do art. 71 da CF. [88]

No caso de nulidade, a providência a ser adotada pelo órgão ou entidade é a sua declaração e não a expedição de portaria de exoneração do servidor como alguns municípios vêm adotando. Nesse sentido, o Desembargador Nelson Antonio Monteiro Pacheco perfilhou o mesmo entendimento em processo na qual servidora de fato questionava sua exoneração, com base em decisão do Tribunal de Contas que demonstrava sua reprovação em concurso público:

"Com efeito, no caso em tela não se está diante de exoneração de servidor público, mas sim examinando ato administrativo que está enquadrado dentro do que se convencionou chamar de poder de invalidação dos atos administrativos pela própria Administração..." [89]

Na verdade, como decorrência da nulidade da admissão, não há demissão ou exoneração do servidor, pois se trata de ato ilegal, nulo, produzindo efeitos ex tunc, não gerando direitos, consoante a Súmula 473 do STF [90], devendo por isso ser desconstituído. Os institutos da exoneração e da demissão possuem outras aplicações conforme a legislação pertinente. [91]

Por outro lado, nem toda ilegalidade leva à nulidade absoluta. Em se tratando de nulidade relativa, não pode o administrador, de plano, desconstituir o ato tido por ilegal. Conforme o caso concreto, a declaração de nulidade pode ser mais perniciosa que a manutenção do ato irregular, assim como o saneamento deve ser buscado, em vez de afastar o ato irregular do mundo jurídico.

Útil, neste momento, o magistério de Juarez Freitas, "em largos traços", quanto aos pressupostos gerais para saneamento do ato administrativo:

"a) o citado e incontornável respeito ao principio da boa-fé (descendente direto do princípio jurídico da moralidade) do administrado que confia no ato estatal, sem, de modo algum, ter dado sinais de conspirar contra a rousseauniana vontade geral;

b) a saudável exigência pretoriana da inexistência de danos ou prejuízos a terceiros;

c) a conjugação de um largo lapso temporal, quando se tratar de atos constitutivos de direitos;

d) a não-configuração de qualquer tipo de fraude, pois esta tornaria irremediavelmente írrito o ato e afastaria o propósito da incidência mesma do princípio da boa-fé;

e) a não-violação de outros requisitos substanciais quanto à licitude." [92]

A título de exemplo, a admissão de servidor para ocupar o cargo de servente sem comprovação do estado de saúde física e mental, mediante perícia médica, é manifestamente ilegal [93] por inobservância dos requisitos para a posse em cargo público, eis que possibilita aposentadorias precoces, ou por segurança a sua integridade física e para o bom desempenho das funções. Nesta situação, deve-se admitir a convalidação daquela admissão se comprovado, posteriormente, num prazo razoável, que o servidor está apto a exercer suas funções.

Assim, neste exemplo, à base dos princípios norteadores da Administração Pública, a declaração de nulidade da admissão se mostra contrária ao interesse público.

Para a Administração, haveria, quiçá, a perda de um excelente servidor, o prejuízo à continuidade do serviço público e o movimento desnecessário da máquina administrativa a fim de realizar um novo processo de admissão, incluindo aí o treinamento do substituto. Para o servidor, a perda do cargo público e o conseqüente corte em sua fonte de renda, destinada ao sustento da sua família, representa um elevado ônus.

Destarte, na execução da decisão, a aplicação do princípio da legalidade deve ser utilizado com cautela, sopesando aqueles outros princípios acolhidos pela ordem vigente: economicidade, boa-fé, eficiência, moralidade, dignidade da pessoa humana, impessoalidade, segurança jurídica, entre outros, todos eles inseparáveis, haja vista o peculiar processo de sinergia que lhes envolve.

Prosseguindo na análise da fase executória, convém observar que o procedimento executório é prescindível em algumas situações. A execução nem sempre decorrerá das decisões que declaram ilegalidade dos atos admissionais. No caso de contratação prevista no inciso IX do art. 37 da CF, o Tribunal pode declarar a legalidade das admissões, porém determinar a desconstituição daqueles contratos que permanecem em vigor além do prazo legalmente previsto.

Também não haverá procedimento de execução quando, no decorrer do processo, o ente auditado espontaneamente comprove a desconstituição da admissão considerada ilegal antes de executada a decisão. Todavia, a regra geral permanece: ocorrendo decisão denegatória de registro haverá procedimento executório, seja para desconstituir o ato ou para adoção de providências a fim de saná-lo ou convalidá-lo.

Para impedir a continuidade do ato atacado, o Tribunal de Contas tem seus próprios instrumentos de coação, não precisando se valer da tutela jurisdicional para ver suas decisões serem efetivadas e zelar pela res pública, mediante a atividade de controle.

Contudo, a execução não compreende o constrangimento direto pela força material, abrange apenas pressão psicológica, ou seja, meios indiretos de coerção, como a imposição de multa e o ressarcimento do Erário. Caso verifique a incidência de graves irregularidades, deverá representar ao Ministério Público para que este examine a ocorrência de ilícitos penais ou civis e intente a devida formulação processual.

Alguns regimentos internos [94] prevêem a possibilidade da conversão do processo de admissões em tomada de contas especial, objetivando apurar responsabilidades e o ressarcimento do Erário, quando houver indício de procedimento doloso ou culposo e, da mesma forma, quando constatada admissão sem prévia aprovação em concurso público ou inobservância do prazo de validade do certame público, situações estas passíveis de nulidade dos atos e responsabilização da autoridade nos termos do § 2 do art. 37 da CF.

Ainda nesta fase, havendo imposição de multa ou glosa de valores no decisum, não pagas, deverão ser adotados procedimentos de extração de certidão para fins de cobrança, pois tal decisão terá eficácia de título executivo (§ 3º do art. 71 da CF).

Aspecto delicado é a possibilidade da sustação de atos de admissão (Inciso X do art. 71 da CF/88) como decisão terminativa ou em fase executória nos processos de admissões, conforme dispõe o § único do art. 48 da Resolução Administrativa nº 004, de 21 de julho de 1992 do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia: [95]

"Art. 48 – Verificada a ilegalidade no ato de admissão ou de concessão, o Tribunal fixará prazo para que o órgão de origem adote as medidas corretivas que indicar para o exato cumprimento da Lei (art. 43 Lei Complementar 032/90).

Parágrafo único – Findo o prazo estabelecido sem que o órgão de origem cumpra o que lhe tiver sido determinado, o Tribunal sustará a execução do ato impugnado, comunicará a decisão à Assembléia Legislativa ou a Câmara Municipal, aplicando ao responsável a multa prevista no art. 54, inciso I da Lei Complementar nº 032/90 (art. 43, § 1º, incisos I, II, e III, Lei Complementar nº 032/90)." (grifou-se)

A primeira dúvida a raiar é o conteúdo e a eficácia da decisão sustatória. Conforme o consignado por De Plácido e Silva [96], sustação significa fazer parar, impedir, suspender, interromper, obstar. Trata-se assim de medida preliminar, preventiva, acessória, incidente em um processo, visando a obstar a execução de algum ato. Logo, sob a ótica processual, a decisão sustatória não envolveria decisão de mérito sobre o objeto do processo, ou seja, sobre a legalidade ou ilegalidade do ato sob exame.

Cumpre examinar como se comportava a sustação nos regimes constitucionais anteriores. Para tal objetivo, optou-se iniciar no século passado, excluindo a Carta de 1937, por remeter a matéria à legislação infraconstitucional, e a Carta de 1934, em razão da sua similitude ao texto de 1946, no tocante a sustação.

A Carta de 1946 assim tratava a matéria:

"Art. 77. Compete ao Tribunal de Contas:

(...)

III – julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões.

§ 1.° Os contratos que, por qualquer modo, interessarem à receita ou à despesa, só se reputarão perfeitos depois de registrados pelo Tribunal de Contas. A recusa do registro suspenderá a execução do contrato até que se pronuncie o Congresso Nacional.

§ 2º Será sujeito a registro no Tribunal de Contas, prévio ou posterior, conforme a lei o estabelecer, qualquer ato de administração pública de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional, ou por conta deste.

§ 3º Em qualquer caso, a recusa do registro por falta de saldo no crédito ou por imputação a crédito impróprio terá caráter proibitivo. Quando a recusa tiver outro fundamento a despesa poderá efetuar-se após despacho do Presidente da República, registro sob reserva do Tribunal de Contas e recurso ‘ex-officio’ para o Congresso Nacional.". (grifou-se)

Como se vê, o registro era condição de validade do contrato para que pudesse surtir efeitos jurídicos. A recusa de registro aos contratos importaria na suspensão da execução até o pronunciamento do Congresso Nacional. Neste caso, não haveria decisão definitiva pelo Tribunal, apenas sucedia a suspensão da execução do contrato, pois a decisão final caberia ao Congresso Nacional. Assim, a decisão do Tribunal era apenas provisória, objetivando resguardar o Erário.

Seriam passíveis de registro pelo Tribunal de Contas todos atos que resultassem pagamento pela Fazenda Pública. Ocorrendo irregularidades de ordem orçamentária (falta de saldo no crédito ou por imputação a crédito impróprio), acarretaria a não-validade do ato ou negócio. Nestes casos, a recusa era definitiva, declarava-se a ineficácia do ato e, por isso, não poderiam ser executados.

Na segunda parte do parágrafo 3º, a recusa de registro tinha inicialmente caráter provisório, pois a despesa poderia ser efetuada após determinação Presidencial, com o posterior registro sob reserva do Tribunal.

Apesar da declaração de ilegalidade do ato administrativo pelo Tribunal de Contas, havendo crédito orçamentário, a despesa poderia ser executada mediante despacho do Presidente da República. A decisão final era do Congresso Nacional, cujo conteúdo "é exame das razões da recusa mais, eventualmente, exame da conveniência política de atender ao ato do Presidente da República". [97]

Na Constituição de 1967, a matéria foi objeto de modificações conforme segue:

"Art. 73. O Tribunal de Contas tem sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional.

(.....)

§ 5.° O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões, deverá:

a) assinar prazo razoável para que o órgão da administração pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;

b) no caso do não atendimento, sustar a execução do ato, exceto em relação aos contratos;

c) na hipótese de contrato, solicitar ao Congresso Nacional que determine a medida prevista na alínea anterior, ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais.

§ 6.° O Congresso Nacional deliberará sobre a solicitação de que cogita a alínea ‘c’ do parágrafo anterior, no prazo de trinta dias, findo o qual, sem pronunciamento do Poder Legislativo, será considerada insubsistente a impugnação.

§ 7.° O Presidente da República poderá ordenar a execução do ato a que se refere a alínea "b" do § 5.º, ‘ad referendum’ do Congresso Nacional.

§ 8.° O Tribunal de Contas julgará da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões, independendo de sua decisão as melhorias posteriores." (grifou-se)

A primeira observação a ser feita é a desnecessidade de registrar todos atos da administração pública que envolvessem obrigação de pagamento. Tais alterações procuraram deixar o Estado menos burocrático, mais ágil, haja vista a anterior necessidade de registrar todos contratos e atos que resultassem obrigação de pagamento.

Embora mantendo procedimentos diferenciados em relação aos contratos e atos administrativos, a importância da Corte de Contas foi atenuada, porquanto excluída da sua competência a sustação da execução dos contratos, passando a ser exclusividade do Congresso Nacional.

Outra alteração digna de nota foi a criação de procedimento próprio quando constatada a ilegalidade da despesa (inclusive as decorrentes de contratos e aposentadorias): assinar prazo para a regularização e, se não atendido, sustar a execução do ato. Neste contexto, na inobservância do comando regularizador (assinar prazo para a adoção das providências cabíveis), a medida adequada, pelo procedimento imposto pela Constituição, seria a sustação da execução do ato. Tal procedimento, numa rápida leitura, revela aparente incoerência: constatada a ilegalidade, manda regularizar e, se não atendido, susta a execução do ato. Incoerente, porque o comando regularizador já tornaria desnecessária a sustação do ato. Por este caminho, após mandar afastar do mundo jurídico a irregularidade, sobreviria medida mais branda com a sustação.

Em verdade, considerando a possibilidade da execução do ato independente da determinação do Tribunal de Contas (§ 7º), a sustação passa a ser entendida como medida preventiva, até o pronunciamento do Presidente da República e do Congresso Nacional, afastando a incoerência antes mencionada, pelo simples fato de que, no momento da decisão proferida pelo Tribunal, inexistia caráter definitivo.

Através da Emenda Constitucional nº 1 (Constituição de 1969) o texto pouco mudou, podendo-se dizer que a única alteração substancial foi a exclusão da expressão "aposentadorias, reformas e pensões" do caput do §5.° do artigo, renumerado, 72, conforme segue:

"Art. 72. O Tribunal de Contas da União, com sede no Distrito Federal e quadro próprio de pessoal, tem jurisdição em todo o País.

(.....)

§ 5.° O Tribunal, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público, ou das auditorias financeiras e orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, deverá:

a)assinar prazo razoável para que o órgão da administração pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;

b)sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, exceto em relação a contrato;

c)solicitar ao Congresso Nacional, em caso de contrato, que determine a medida prevista na alínea anterior ou outras necessárias ao resguardo dos objetivos legais.

§ 6.° O Congresso Nacional deliberará sobre a solicitação de que cogita a alínea c do parágrafo anterior, no prazo de trinta dias, findo o qual, sem pronunciamento do Poder Legislativo, será considerada insubsistente a impugnação.

§ 7.° O Presidente da República poderá ordenar a execução do ato a que se refere a alínea b do § 5.°, ad referendum do Congresso Nacional.

§ 8.° O Tribunal de Contas da União julgará da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões não dependendo de sua decisão as melhorias posteriores."

Através da exclusão daquela expressão, arredou-se o exame da legalidade da despesa decorrente das aposentadorias, permanecendo o julgamento da legalidade de aposentadorias, reformas e pensões.

Apesar da adequada providência, pois afastou o duplo controle (§ 5º e § 8º do artigo 73 da Carta de 1967), algo escapou da interferência política (digna dos regimes autoritários) no Tribunal de Contas. Com aquela exclusão, as decisões do Tribunal, decorrentes de atos de aposentadorias, deixaram de sofrer qualquer interferência política. Contudo, esse poder "excessivo" da Corte de Contas teve vida curta.

Entre as inúmeras Emendas Constitucionais da Carta de 1967, a de nº 7, de 13 de abril de 1977, provocou corte profundo no prestígio dos Tribunais de Contas, ao alterar o conteúdo e a ordem dos parágrafos 7º e 8º do artigo 72, conforme a seguir trasladado:

"§7.° O Tribunal de Contas apreciará, para fins de registro, a legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões, independendo de sua apreciação as melhorias posteriores.

§8.º O Presidente da República poderá ordenar a execução ou o registro dos atos a que se referem o parágrafo anterior e a alínea b do § 5.°, ad referendum do Congresso Nacional."

Como se vê, até nas concessões iniciais de aposentadorias, o Presidente da República, com amparo do Congresso Nacional, poderia se sobrepor à decisão do Tribunal de Contas.

Passando o Tribunal a apreciar, para fins de registro, a legalidade das aposentadorias, além de repelir qualquer caracterização judicial de suas decisões, permitiu que o Presidente da República, com a anuência do Congresso Nacional, registrasse o que se havia negado.

Com a nova ordem vigente a partir de 1988, o Tribunal de Contas recuperou e ampliou sua importância e responsabilidades de modo nunca visto desde sua criação, nos albores da República, principalmente por ter sido afastada as intervenções do Presidente da República, referendadas pelo Congresso Nacional.

A imposição do registro de atos, contida na Carta de 1946, voltou de forma abrandada, agora somente para aposentadorias e admissões, sob a forma de "apreciação da legalidade". O registro dos atos de admissão não é novidade. O § 2.º do art. 77 da Constituição de 1946 já obrigava o registro de atos admissionais, pois indiscutivelmente resultariam em obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional. Em 1962, o STF, em sede de Recurso de Mandado de Segurança, produziu a seguinte ementa, evidenciando o registro de ato admissional:

"Sub-Procurador do Tribunal de Contas do Paraná, nomeado de forma regular, com sua nomeação devidamente registrada no Tribunal de Contas, não pode ter sua nomeação desfeita por ato unilateral do Executivo." [98] (grifou-se)

Em relação aos contratos, a Constituição de 1988 manteve a competência do Congresso Nacional para sustar a execução. Neste caso, como antes, o Tribunal de Contas apenas sugere ao Congresso Nacional a sustação, cabendo a este, inicialmente, sustar a execução do contrato e ao Executivo dar efetividade ao Decreto Legislativo. [99]

Subsidiariamente, poderá o Tribunal de Contas decidir sobre a sustação do contrato, caso ocorra omissão do Legislativo ou do Executivo, nos termos do § 1º do artigo 71 da CF/88.

Manoel Gonçalves Pereira Filho, comentando o §.1° do art. 71 da CF/88 [100], o qual atribui expressamente a execução da sustação ao Poder Executivo, diz que o texto peca por deixar de atribuir idêntica providência aos demais poderes, pois estes também firmam contratos. [101]

De outra banda, em se tratando de atos administrativos a sustação será de competência exclusiva do Tribunal de Contas, devendo este, apenas, comunicar o Poder Legislativo.

Seja como for, tanto a decisão sustatória do Tribunal de Contas no caso de ato, como o Decreto Legislativo para suspender a execução do contrato, dependem da adoção das medidas a serem efetivadas pela autoridade máxima do Poder ao qual se vincula aquele que emanou o ato ou pactuou com terceiros.

Na atual Carta, o mais relevante é a ausência de procedimento imposto no caso de constatação de ilegalidade, como era no Texto anterior (alíneas "a", "b" e "c" do § 5º do art. 72). Atualmente, não mais se impõe necessariamente prazo para adoção das medidas cabíveis e, se não cumprida, a sustação.

O procedimento anterior era adequado, pois as decisões do Tribunal eram suscetíveis de serem "reformadas" pelo Presidente e pelo Congresso Nacional. Desatendida a adoção das medidas cabíveis no prazo fixado, a providência apropriada era suspender a execução do ato, em face da possível manifestação presidencial em sentido contrário. Logo, diante do procedimento imposto pelas Constituições anteriores, a sustação era pertinente, porquanto tinha função cautelar, isto é, visava preservar o Erário diante da possível alteração das determinações.

Ao abrigo da nova ordem vigente, em se tratando de atos ilegais, cuja decisão do Tribunal é definitiva na órbita administrativa, o procedimento antes referido seria supérfluo ou inconveniente se aplicado, naqueles moldes, no processo admissional.

Cumpre lembrar que consoante o disposto no inciso LV do art. 5º da CF/88, os litigantes em processo administrativo, "e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Logo, verificada a ilegalidade do ato, deve ser garantido prazo para o fiscalizado apresentar suas razões para que se possa estabelecer o contraditório e a ampla defesa.

Durante o prazo para as razões, certamente pode o fiscalizado reexaminar seus atos, entender procedente as irregularidades apontadas e adotar as medidas cabíveis. Antes disto, ou antes do transcurso dos prazos recursais, não há que se falar em fixar prazo para a adoção das medidas cabíveis.

O comando do inciso IX do art. 71 da CF/88 é impositivo, com carga mandamental, desde logo, visando à cessação da ilegalidade, objetivo este de cunho satisfativo, quando já superada a discussão sobre o mérito do ato considerado ilegal.

Vencido o prazo concedido sem cumprimento do determinado, cabível é a aplicação de multa e representação ao Poder competente. Assim, a fixação de prazo para adoção das medidas cabíveis deveria vir acompanhada da possível sanção (multa) em caso de descumprimento. Logo, a decisão possuiria caráter coercitivo, impondo ao responsável o cumprimento da decisão após o trânsito em julgado do decisum.

Nesta ordem de idéias, correta a previsão na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (inciso IV do art. 58 da Lei nº 8443, de 16 de julho de 1992) estabelecendo que o "não-atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do Relator ou a decisão do Tribunal" (grifou-se), enseja a aplicação de multa.

A fixação de prazo para adoção das medidas ao exato cumprimento da lei deve ser entendida como medida executória, após o trânsito em julgado do decisum, sendo no caso, desnecessária ou imprópria a sustação dos atos.

A sustação dos atos, em razão do descumprimento das medidas cabíveis, pode ser perniciosa para a Administração Pública. Sendo a ilegalidade passível de saneamento, a sustação do ato pode ser contrária ao princípio da continuidade do serviço público, da economicidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, entre outros.

Volvendo a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da União, constata-se previsão no sentido da

"adequação entre os meios e os fins, vedada a imposição de obrigações, restrições em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público" (inciso VI do artigo 2°). Portanto, suspender a execução do ato indistintamente, nem sempre será a melhor decisão, tendo em vista o interesse público.

A declaração de ilegalidade e a imposição de prazo para adoção das medidas cabíveis se mostra muito mais eficiente em seus efeitos jurídicos do que a sustação, pois esta inicialmente apenas suspende a execução do ato e aquela impõe, de imediato, a desconstituição, convalidação ou o saneamento.

Com efeito, se o caso concreto exige a desconstituição do ato, por apresentar situação de nulidade absoluta, a sustação vem a ser uma determinação mais branda, na medida em que apenas suspende a execução. Por sua vez, na ocorrência de convalidação, a sustação se mostra contrária ao princípio da proporcionalidade, haja vista a imposição de obrigação além do necessário.

A fixação de prazo para o cumprimento da lei, não enfrenta este tipo de situação, pois é mandamento muito mais dinâmico e plenamente adaptável às variações da realidade fática, com certeza, abarcando aquela única finalidade da sustação: obstar a execução do ato.

Considerando ainda o caráter vinculante das decisões do Tribunal de Contas e a possibilidade de imposição de multa, a execução do decisum mediante pressão psicológica, produz resultados satisfativos, tudo dentro do âmbito administrativo, sem precisar aguardar o procedimento sustatório para chegar a resultados de menor eficiência, visto que dependerá, ainda, da adoção de medidas pelo Legislativo.

Desta forma, elimina-se um procedimento, o qual compreende a sustação, as cientificações e posterior movimentação do Poder Legislativo, tudo isto sob amparo do princípio da eficiência, da celeridade, da proporcionalidade e da economicidade.

Por outro caminho, ad argumentandum tantum, a sustação de atos admissionais é posta em dúvida, diante da hipótese admissão de servidores pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, seja em decorrência de concurso público (inciso II do art. 37 da CF/88) ou de contratação por prazo determinado (inciso IX do art. 37 da CF/88), realizada pela administração direta ou indireta. Em tais situações, se apresenta límpida a existência de contratos.

Tanto a admissão de servidores estatutários (relação de subordinação) quanto a de servidores celetistas (relação de coordenação), são classificadas como atos de admissão (a qualquer título). A par disso, estes deveriam sofrer sustação pelo Congresso Nacional, os outros, diretamente pelo Tribunal de Contas. Em tal postura, a sustação de atos de admissões se mostra, no mínimo, complicada e incoerente.

No entendimento que aqui se esposa, a sustação vem a ser instrumento cautelar incidente no processo de admissões, como salvaguarda dos interesses públicos. A sustação visa a resguardar o Estado, para que a execução de algum ato administrativo não cause qualquer dano ao Erário ou afronta aos princípios norteadores que regem a administração pública.

A título de exemplo, se durante a realização de auditoria constata-se que um concurso público, ato que não se confunde com ato de admissão, mas compreende a apreciação da legalidade, com milhares de candidatos inscritos, está eivado de vícios e sua execução trará grandes transtornos à administração, deve o Tribunal de Contas, de imediato, possibilitar ao fiscalizado a correção das falhas per se stante, que não o fazendo, caberá a sustação da execução do concurso público até a sua regularização se possível.

Na hipótese ora apresentada, após a publicação de vários editais, após a nomeação, posse e exercício dos candidatos, após toda maratona que compreende a admissão dos servidores (elaboração de laudos médicos, verificação da quitação eleitoral e militar, folha corrida judicial, declarações, etc..), após todo planejamento das repercussões orçamentárias, todo este trabalho, passível de conversão em espécie, restaria prejudicado ante a nulidade do certame, vindo em prejuízo à continuidade do serviço público e ao Erário.

Em verdade, a sustação de atos nos processos de admissões somente é cabível como medida cautelar, nunca como medida executória, definitiva ou terminativa. Assim, durante a realização da auditoria, verificada a existência de ilegalidade que possa causar dano irreparável ou grave lesão ao erário, constatado o periculum in mora e o fumus boni juris deve o Tribunal de Contas, inaudita altera pars, fixar prazo para adoção das medidas cabíveis e, se não atendido, sustar a execução do ato, comunicando tal decisão ao Poder Legislativo, tudo isto, não se confundindo com o mérito da legalidade do ato admissional.

Ademais, para amparar o alegado, cumpre citar que a Lei Federal nº 9.784/99 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), em seu artigo 45, prevê, em situações de risco impendente, a possibilidade de adoção de medidas acauteladoras sem a oitiva do interessado.

Por fim, também corrobora a este entendimento o fato de a sustação vir a ser um elemento compensador dos aspectos negativos da apreciação a posteriori dos atos admissionais, proporcionando maior eficiência e eficácia ao controle externo, retirando o enfoque apenas fiscalizador e acrescentando o caráter pedagógico e preventivo.

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Sobre o autor
Marcelo Monteiro Kuhn

Auditor Público Externo (Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul);Bacharel em Administração de Empresas;Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KUHN, Marcelo Monteiro. A apreciação da legalidade dos atos de admissão de pessoal pelos tribunais de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2145, 16 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12911. Acesso em: 18 nov. 2024.

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