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A crise do Supremo Tribunal Federal.

A repercussão geral e o regime de processamento de recursos idênticos como medidas de solução

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3. REGIME DE PROCESSAMENTO DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS IDÊNTICOS

Ao regulamentar o instituto da repercussão geral inserido no §3º do artigo 102 da Constituição Federal através da EC n.º 45/04, a Lei 11.418/06 criou o artigo 543-B no Código de Processo Civil, regulamentando o regime de processamento de recursos extraordinários idênticos pelo STF.

A onda renovatória do processo brasileiro trazida pela tão decantada em prosa e verso "reforma do Judiciário" previu a criação de uma série de medidas que efetivassem os princípios da celeridade e economicidade processuais, e o novel "duração razoável do processo", instituído pela EC 45.

3.1 Constitucionalidade do regime de processamento de recursos extraordinários idênticos

Neste rol das medidas criadas pela Emenda Constitucional n.º 45/04 inclui-se a repercussão geral, tratada nos itens anteriores. Deste instituto deriva o regime de processamento de recursos extraordinários idênticos.

Muito embora essas normas procedimentais não estejam previstas no §3º do artigo 102 da Constituição Federal, não se pode dizer que o mesmo é inconstitucional, segundo depreende-se das razões a apresentadas nas seguintes linhas.

A norma constitucional tem caráter amplo e geral, destinada a criar os institutos, conferindo à legislação infraconstitucional o poder de regulamentá-los. Assim, regras procedimentais, como esta em estudo prevista no artigo 543-B do CPC, não seriam previstas na Lei Maior.

De outro lado, o diploma normativo que instituiu o regime de processamento de recursos extraordinários idênticos é uma lei federal, notadamente a Lei 11.418/2006, guardando perfeita consonância ao disposto no artigo 22, I da Constituição Federal (9).

Além do artigo 543-B do Código de Processo Civil guardar o caráter da constitucionalidade formal, esta é ainda materialmente constitucional à medida que esta conexão por afinidade (10) entre os recursos extraordinários idênticos se insere dentro do novo quadro jusfilosófico do processo após a edição da Emenda Constitucional n.º 45/2004, notadamente a garanti da duração razoável do processo.

Uma vez que o regime processual previsto no artigo 543-B da Lei Processual Civil é um meio idôneo para tornar célere o julgamento de recursos extraordinários, guardando pertinência aos objetivos da reforma do Judiciário, outra não pode ser a conclusão senão de sua constitucionalidade, desde que se observe, por óbvio, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

3.2 Regime de processamento de recursos idênticos

Conforme já referido alhures, o regime de processamento de recursos extraordinários idênticos está previsto no artigo 543-B do Código de Processo Civil, norma esta criada pela Lei 11.418/06, a qual pedimos vênia para transcrever:

"Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral." (grifou-se)

Todos os recursos extraordinários que versarem sobre matéria idêntica guardam entre si uma conexão por afinidade. Todavia, ao invés de reunirem-se os autos e proceder-se ao julgamento simultâneo dos mesmos, a Lei 11.418/06 criou um regime especial de processamento.

Segundo o disposto no §1º do artigo 543-B, o Tribunal de origem selecionará um ou mais recursos extraordinários representativos da demanda e os encaminhará ao Supremo Tribunal Federal, ao invés de remeter todos os autos. Os processos mantidos no Juízo a quo permanecerão sobrestados até o julgamento dos anteriores.

Importante ressaltar que o Tribunal de origem deve remeter ao Supremo recursos que apresentem maiores possibilidades de serem conhecidos, uma vez que aqueles serão leading cases para todas as demandas posteriores, sendo patente o interesse público.

Uma vez distribuídos, o Pretório Excelso procederá à análise da existência ou não da repercussão geral, conforme procedimentos previstos no artigo 543-A da Lei Processual Civil largamente debatida no capítulo anterior deste trabalho.

Se porventura a Corte Suprema negar a existência da repercussão geral dos leading cases, todos os recursos sobrestados no Tribunal de origem serão inadmitidos com fundamento na decisão matriz do Supremo. E esse também será o destino de futuros recursos extraordinários idênticos.

Ultrapassado juízo de admissibilidade em sede de Supremo Tribunal Federal, após julgamento do mérito do recurso extraordinário, os Tribunais Inferiores serão notificados da decisão e poderão declarar os recursos extraordinários sobrestados prejudicados ou retratarem-se de suas decisões.

Importante observar-se que os §§3º e 4º do artigo 543-B demonstram que não há obrigação de os órgãos jurisdicionais de segunda instância aplicarem a orientação do acórdão de mérito julgado pelo STF nos leading cases, salvo no caso de ser expedida súmula vinculante.

Logo, se a Turma, Câmara ou Turma Recursal é livre para manter seu acórdão, ato no qual o Presidente do Tribunal remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal para que este aprecie o caso.

Por fim, urge ressaltar que, embora o artigo 543-B do Código de Processo Civil não preveja, é possível a admissão de amicus curiae no Supremo Tribunal Federal para auxiliar no juízo de admissibilidade dos leading cases, demonstrando-se a existência ou não da repercussão geral, conforme artigo 543-A, §6º do CPC. Todavia, não há previsão dessa intervenção de terceiros ainda em sede de Tribunal Inferior.

Conclui-se, portanto, que o regime de processamento de recursos extraordinários idênticos foi criado para otimizar os procedimentos de julgamento desta espécie recursal, sendo mais uma medida para aliviar a demanda submetida ao Supremo Tribunal Federal.


4. CRÍTICAS AO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL

Após a exposição aqui empreendida, dispomos de um arsenal de informações, para tecer as seguintes considerações e críticas sobre a repercussão geral e o regime de processamento de recursos idênticos.

4.1 Incipiente dificuldade de se romper com a estrutura individualista do Código de Processo Civil

Ao longo da História, principalmente nessas duas décadas desde a promulgação da Constituição de 1988, vê-se verdadeira evolução do Brasil em todos seus aspectos, jurídicos, sociais, econômicos, políticos, etc. Evoluiu-se de um Estado de welfare state a um Estado com características sócio-democráticas, ora liberal, ora interventor na esfera particular.

O Código de Processo Civil tem forte orientação liberal, pois o processo, embora seja uma instituição pública e de interesse geral, somente tem efeitos, ao menos em tese, na esfera das partes e apenas alcança as questões trazidas por estas, independentemente da verdade real, extra-autos, como se observa, por exemplo, do disposto nos artigos 2º e 6º, ambos da Lei Processual Civil.

"Artigo 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais".

"Artigo 6º. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".

Apesar desse caráter individualista do processo, no sistema jurídico brasileiro vigora, desde a publicação da Consolidação das Leis Trabalhistas, a ideia de um Direito Coletivo do Trabalho, exercido ostensivamente pelos sindicatos. Não se pode olvidar, por óbvio, que a regulamentação da ação civil pública se dá através da Lei 7.347, a qual fora publicada no ano de 1985, bem como que o Código de Defesa do Consumidor regulamenta, desde 1990, uma ideia de processo coletivo.

Ou seja, a coletivização do processo é bastante recente, e apesar da evolução do pensamento jurídico em progressão geométrica, é ainda difícil de se conceber a ideia de um Direito Processual Coletivo, ou seja, os efeitos do processo transcendendo a esfera dos interesses individuais e atingindo a uma parcela da sociedade enquanto coletividade.

Assim, apesar de toda a evolução da teoria processual brasileira e estrangeira, ainda temos dificuldades em se conceber um processo coletivo de caráter ordinário, em que apenas duas partes litigantes podem decidir os rumos dos direitos de toda a sociedade sem a observância de meios que garantam a participação de toda a coletividade.

4.2 Reflexos históricos da estrutura administrativa Imperial Brasileira na conceituação de "causas relevantes". Segurança jurídica

Neste trabalho observou-se incansavelmente que a Emenda Constitucional n.º 45/04 é conhecida como reforma do Judiciário e possibilitou, dentre outras medidas, a introdução do requisito da repercussão geral a ser observado quando da interposição de recurso extraordinário. Verificam-se, aqui, matizes desta incipiente ideia de um Direito Processual Coletivo, quando se exige que a matéria discutida neste recurso excepcional ultrapasse os limites subjetivos individuais dos autos e atinja à coletividade.

Muito embora possua um caráter de ruptura com o sistema individualista-liberal do processo civil, e seja louvado por parte da doutrina, a exemplo de Alexandre Freitas Câmara (11), cabem aqui as presentes críticas ao instituto da repercussão geral.

Primeiramente, as raízes históricas da organização político-territorial do Brasil impedem a aplicação de um instituto de forte cunho federalista, qual seja, a repercussão geral, quando a República Federativa do Brasil adota um federalismo um tanto dissociado de sua concepção original.

Isso porque a estrutura imperial entendia o território brasileiro como uma unidade política, adotando-se uma filosofia provincial. A República, por seu turno, apenas atribuiu às províncias o nome de Estado, quando, em verdade, em nada são autônomos e soberanos como propõe o federalismo.

Debruçando-se sobre o artigo 22 da vigente norma constitucional, observa-se que a União detém o poder soberano de regulamentar as questões mais importantes sob o prisma da "segurança nacional" e "interesse da nação". Aos Estados cabem somente as questões regionais e residuais, sendo sua autonomia limitada aos poderes da União. Exemplo crítico desta constatação é o disposto no caput do artigo 25 da CRFB:

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"Artigo 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição".

Ainda, a já transcrita norma constitucional expressa no artigo 102, III, "b", "c" e "d" aduz que é cabível o recurso extraordinário para controlar a constitucionalidade de lei estadual que não esteja de acordo com a Constituição Federal ou mesmo com lei federal. Ou seja, a conclusão que se pode alcançar é que a norma do Estado é subsidiária e desprovida de total autonomia, atendendo-se a um "federalismo placebo", mas que mantém a orientação provincial dos tempos de Império.

O que propomos na presente discussão é ter em mente que os reflexos históricos da estrutura administrativa do Império Brasileiro impedem que seja traduzido para nosso sistema jurídico o writ of certiorary sem que sejam observadas as raízes ideológicas da organização política do Brasil.

Nos EUA vigora a verdadeira estrutura federalista, pois todos os Estados-membros são autônomos para legislar, por exemplo, sobre direito penal, processual, eleitoral, etc., inexistindo, a exemplo do Brasil, uma Constituição Federal que mais ou menos esgota todas as previsões da vida jurídica do país.

A Constituição norte-americana, por sua vez, prevê somente as questões federais, ou seja, aquelas que importem a coesão do ente União e os poderes a ela conferidos como representante daqueles cinquenta Estados Federados em questões internacionais, dos quais se destacam os procedimentos de eleição do Presidente dos Estados Unidos da América, impostos federais, obrigações recíprocas dos Estados, organização da Supreme Court e liberdades individuais.

Diante desta realidade completamente inversa, pode-se falar que há questões federais que são relevantes e oferecem repercussão geral e outras não, pois os Estados detém soberania a ponto de solver internamente todas as questões judiciais sem demandar a interferência da Supreme Court. Esta realmente funciona como órgão político que detém a higidez da norma constitucional federal, que só é alcançada após a infringência a toda norma local.

Já no caso do Brasil, salvo melhor juízo, todas as questões constitucionais são relevantes, pois a Constituição Federal é o único diploma normativo de cunho ideológico e organizador da sociedade, e qualquer ferida ao que nela estiver disposto, desde que demonstrado nos autos, oferece transcendência dos limites subjetivos do processo. Exigir como pressuposto de admissibilidade que o mérito do recurso extraordinário seja "relevante" e transcenda os limites da demanda soa de forma, no mínimo, juridicamente estranha.

O pressuposto da repercussão geral para interposição e admissão do recurso extraordinário possibilita, em análise final, que haja no mundo jurídico, decisões em última ou única instância que afrontem a norma constitucional, mas que não serão conhecidas e posteriormente corrigidas pelo STF se a questão não for relevante e não repercutir entre setores da sociedade.

Logo, mesmo que o acórdão recorrido tenha violado norma constitucional, se seus efeitos não repercutirem em esfera que vá além das partes do processo, não se justifica a interposição de recurso extraordinário por não ser esta questão relevante do ponto de vista do espectro de pessoas e relações jurídicas afetadas pelo decisum.

Se a relevância da questão não representar interesse coletivo, mas apenas individual, o decisum que afrontou a norma constitucional manter-se-á e gerará todos os efeitos decorrentes da execução. Contudo, qualquer decisão judicial que subverta o disposto na Constituição Federal deveria ser passível de reforma, simplesmente pelo fato de ser inconstitucional.

Portanto, a mera possibilidade de decisão judicial subverter o texto da Lex Magna e criar situação de insegurança em todas as relações jurídicas repercute negativamente, salvo melhor juízo, na sociedade como um todo, ensejando sua reforma através do recurso extraordinário.

4.3 Grande número de recursos extraordinários e algumas propostas para solução do problema

Independentemente de quaisquer bases jusfilosóficas que os juristas utilizem para defender a aplicabilidade da repercussão geral, todos concordam que o referido instituto foi introduzido no sistema jurídico brasileiro justamente para coibir o grande número de recursos extraordinários apresentados diariamente ao Supremo Tribunal Federal.

Contudo, esse grande número de recursos extraordinários podem ser corroborados por diversos fatos, dos quais destacam-se as seguintes possíveis hipóteses: (i) são efetivos os meios que garantem o amplo acesso ao Judiciário, como sindicatos, Defensoria Pública, escritórios modelos, etc.; (ii) os Tribunais Inferiores não estão laborando de forma justa e tecnicamente correta; (iii) os advogados não estão trabalhando de forma eficaz e laboriosa, reflexo da falência do sistema brasileiro de ensino níveis médio e superior.

Registre-se que as hipóteses acima levantadas não representam qualquer opinião deste subscritor, mas apenas fazem parte do intróito da discussão que propomos no início deste artigo e pretendemos ver concluída.

Independentemente das razões que levaram ao enorme crescimento do número de recursos extraordinários, a criação de mais um pressuposto de cabimento recursal não será efetiva, ainda mais quando esta possibilitar a existência de decisões judiciais que afrontam a Constituição Federal.

Consigne-se que não somos, de forma alguma, avessos à possibilidade de serem criadas medidas que visem coibir uma verdadeira e desnecessária "enxurrada" de interposições RE, atabalhoando o STF e impedindo que este cumpra de forma plena e satisfatória seu mister de Corte Constitucional Suprema. Contudo, hão de ser democráticas, razoáveis e eficazes as formas de apresentação destes recursos excepcionais, pois ao que parece, a repercussão geral é desprovida de qualquer juridicidade. Não se pode subverter o direito do cidadão acessar ao Judiciário em nome da celeridade e da economia processual.

Nesta esteira, o ideal seria que periodicamente fossem oferecidos aos advogados e magistrados cursos de reciclagem profissional, uma força conjunta dos Tribunais, AMB e OAB, de modo evitar que os órgãos julgadores profiram o menor número possível de decisões errôneas, bem como evitar que os advogados recorram de forma inútil. Esta medida é efetiva somente a médio e longo prazo. Concomitantemente, poderiam ser adotadas medidas pequenas e efetivas, tais como as apresentadas a seguir.

Uma delas seria a criação, no Código de Processo Civil, de uma multa a ser cominada à parte que interpusesse recurso manifestamente improcedente de modo temerário, bem como o envio dos nomes de advogados que se utilizem reiteradamente destas práticas à OAB para sofrerem processo ético disciplinar.

Em se observando no Supremo Tribunal Federal que o magistrado a quo proferiu decisão frontalmente inconstitucional por falta de técnica ou mesmo má fé, que cópias dos autos sejam remetidas aos órgãos correicionais para processo disciplinar.

Somente com essas duas medidas as partes e os magistrados agiriam de forma mais atenta e preocupada com os objetivos do processo, quais sejam, a efetiva solução da demanda de forma justa e a pacificação social, ao invés de tornar o processo uma forma de tortura intelectual e um litígio para a vida toda.

Como é cediço, o Estado Democrático de Direito tornou-se deveras complexo, de forma que os clássicos Poderes Legislativo e Executivo não conseguem mais cumprir seus misteres de forma ampla e efetiva.

Um movimento de renovação das instituições sociais, principalmente no que tange às funções do Poder Executivo, destaca-se a especialização de assuntos e demandas, bem como a descentralização e delegação de poderes regulatórios a órgãos administrativos, exemplo dos conselhos profissionais e agências nacionais.

Uma outra boa e efetiva medida é a do Estado fomentar o exaurimento das vias administrativas, tornando o Judiciário a última hipótese de um iter para solução de demandas. Na sede de cada empresa concessionária ou permissionária de serviços públicos poderia haver uma estrutura da respectiva agência reguladora que funcionaria como instância de conciliação de natureza obrigatória, que tentaria solucionar as questões, principalmente as de consumidor, antes do ajuizamento da ação.

Em outros casos, poderiam ser criados órgãos arbitrais ou mesmo conciliadores nas sedes de sindicatos, associações e Defensoria Pública, como forma de desafogar o Judiciário, o qual julgaria somente as questões que não lograram êxito nas instâncias administrativas.

Estas medidas viabilizam a solução das demandas de forma pacífica e célere, não ofendem os princípios e garantias processuais e permite que o Judiciário trabalhe de forma efetiva.

4.4 Novel regime de processamento de recursos idênticos e formas de melhoria

Conforme foi explicitado em momento anterior, a regulamentação do processamento da repercussão geral através da Lei 11.418/06 criou um regime de processamento de recursos extraordinários idênticos, norma esta que mais tarde inspirou o regime do recurso especial previsto na Lei 11.672/08.

Este é um aspecto da repercussão geral que, num primeiro momento, inspira insegurança, principalmente ao advogado, pois, mesmo após o dispêndio de valores com custas processuais, porte de remessa e retorno, fotocópias e impressões, não há garantias de que estas razões recursais serão apreciadas pelo STF ou STJ, conforme o caso.

Correto é afirmar que a parte não detém o direito subjetivo de ver seu recurso apreciado pelo Tribunal pelo simples fato de tê-lo interposto. Todavia, uma vez que o mesmo apresenta todos os pressupostos de existência e admissibilidade, devem ser julgados.

Explicitamos acima que há ainda uma dificuldade de se aceitar a existência de um processo coletivo para situações que não sejam aquelas defendidas por ações civis públicas, ADI, mandados de segurança coletivos, dissídios coletivos na Justiça do Trabalho entre outras ações que defendam direitos e interesses transindividuais. Um processo em que sejam discutidos litígios individuais ainda não tem o condão, salvo melhor juízo, de decidir toda a vida jurídica de um grupo similar, como propõem a EC 45 e legislação regulamentadora.

Hodiernamente, a norma vigente prevê a possibilidade de participação de um amicus curiae para auxiliar no julgamento da admissibilidade do recurso extraordinário no que tange à repercussão geral, mas não há previsão desta assistência litisconsorcial no julgamento do mérito do recurso extraordinário.

Ainda, é possível a hipótese de um advogado experiente e especializado ter desenvolvido um recurso extraordinário bem fundamentado, mas este não seja remetido ao Supremo Tribunal Federal, encaminhando-se outro não tão bem redigido quanto o primeiro, segundo o previsto no artigo 543, §1º do CPC.

Este novo sistema do recurso extraordinário seria mais democrático e eficaz se fosse possível a intervenção do amicus curiae no julgamento do mérito do recurso, uma vez que a Lei 11.418/06 não determinou critérios objetivos para os Tribunais Inferiores elegerem as petições de interposição de recurso extraordinário a serem remetidas ao Supremo Tribunal Federal.

Outra medida importante que poderia ser adotada é a realização de uma audiência pública das partes que possuem casos idênticos para que estes elejam os melhores recursos extraordinários a serem encaminhados ao Pretório Excelso, uma vez que relegar esta responsabilidade ao Judiciário importaria a violação da imparcialidade do Juiz.

Crítica importante a se fazer ao regime de processamento de recursos idênticos ao Supremo Tribunal Federal representa, a longo prazo, o engessamento do pensamento da jurisprudência desta Corte Suprema, pois não serão apresentadas novas fundamentações e teses jurídicas ao Pretório Excelso, não havendo novas discussões do caso, já que o filtro nos Tribunais Inferiores não permitirá a remessa de novos RE. Ou seja, uma vez julgada a repercussão geral, esta terá efeito vinculante, segundo dispõe o artigo 543-A, §5º da Lei Processual Civil.

Importante observar que a norma acima citada explicita os termos "salvo revisão da tese", sem, contudo, criar qualquer tipo de regulamentação para que, periodicamente, o Supremo Tribunal Federal possa reavaliar seu posicionamento, já que novos recursos extraordinários não serão levados a seu conhecimento.

Penso que essa revisão da tese deve ser proposta pela parte recorrente em seu agravo de instrumento a ser apresentado ao Pretório Excelso quando da decisão que nega o seguimento de seu recurso extraordinário. O advogado teria como principal atribuição demonstrar que (i) a causa que defende é diferente do que foi julgado nos precedentes anteriores ou (ii) a tese do STF é equivocada porque o caso é relevante e repercute.

Nessa segunda hipótese poderia compor um "incidente de renovação de tese", diante de novas razões e dados que demonstrem a relevância da questão e sua repercussão geral.

Os institutos são novos e bastante controversos, mas esperamos que a prática jurídica os adapte aos clamores sociais por um Judiciário célere, efetivo e, acima de tudo, justo.

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Sobre o autor
Marcelo Alves Henrique Pinto Moreira

Bacharel em Direito pela UFRJ. Especialista em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes. Professor convidado da UERJ. Advogado militante. Assessor Jurídico do COREN/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marcelo Alves Henrique Pinto. A crise do Supremo Tribunal Federal.: A repercussão geral e o regime de processamento de recursos idênticos como medidas de solução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2180, 20 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13004. Acesso em: 28 mar. 2024.

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