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A crise do Supremo Tribunal Federal.

A repercussão geral e o regime de processamento de recursos idênticos como medidas de solução

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CONCLUSÃO

Diante do exposto neste trabalho, conclui-se que a repercussão geral representa instituto que compreende um movimento de coletivização do processo, encarando o objeto litigado de forma transindividual.

Sendo um instituto novo, cuja sistematização legal data de pouco tempo, a repercussão geral ainda possibilita sua ampla discussão e críticas, como as empreendidas ao longo deste estudo.

A repercussão geral é pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário inserido no mundo jurídico através da Emenda Constitucional n.º 45/04, conhecida como "a reforma do Judiciário". Mais tarde regulamentada pela Lei 11.418/06, este instituto prevê que somente será admitido o recurso extraordinário cujo objeto transcenda os limites objetivos dos autos e repercuta na sociedade como um todo.

Desta forma, a sociedade brasileira pode estar condenada a conviver com acórdãos que afrontem a norma constitucional se seus efeitos não configurarem questões relevantes, tampouco oferecerem repercussão geral.

Uma vez que o recurso extraordinário tem por propósito garantir a autoridade da norma constitucional nas decisões dos tribunais inferiores, exigir-se a repercussão geral das questões constitucionais para sua admissibilidade representa absurdo jurídico à medida que reconhece que os direitos debatidos ao longo do processo são desprezíveis se não tiverem o condão de repercutirem na esfera coletiva.

As raízes históricas da organização político-territorial do Brasil impedem a aplicação da repercussão geral, um instituto de forte cunho federalista, quando a República Federativa do Brasil adota um federalismo dissociado de sua concepção original, pois a hodierna estrutura política do Brasil ainda reflete o ponto de vista imperial, a qual compreende como uma unidade, a administração do país, concentrando na mão de um ente central o poder de comando, vide o artigo 22 da vigente norma constitucional que atribui à União o poder soberano de regulamentar as questões mais importantes sob o prisma da "segurança nacional" e "interesse da nação".

Cabe aos Estados somente as questões regionais e residuais, sendo sua autonomia limitada aos poderes da União. Destarte, não pode ser traduzido para nosso sistema jurídico o writ of certiorary dos EUA sem que sejam observadas as raízes ideológicas da organização política do Brasil.

Nos EUA, onde funciona o verdadeiro federalismo, pode-se falar que há questões federais que são relevantes e oferecem repercussão geral e outras não, pois os Estados detêm soberania a ponto de solver internamente todas as questões judiciais sem demandar a interferência da Supreme Court. Esta realmente funciona como órgão político que detém a higidez da norma constitucional federal, que só é alcançada após a infringência a toda norma local.

Já no caso do Brasil, todas as questões constitucionais são relevantes, pois a Constituição Federal é o único diploma normativo supremo e que regulamenta toda a vida social do nosso país. Exigir como pressuposto de admissibilidade que o mérito do recurso extraordinário seja "relevante" e transcenda os limites da demanda soa de forma, no mínimo, juridicamente estranha.

Um Estado Democrático de Direito justo é aquele que consegue compor e administrar os interesses públicos e privados, sem privilegiar um em detrimento do outro. Ou seja, para que a repercussão geral possa vigorar em nosso sistema jurídico, deve sofrer algumas adaptações de forma a homenagear a democracia e a estrutura constitucional.

Uma destas adaptações, talvez a mais importante delas, é a possibilidade de ingresso do amicus curiae no juízo de admissibilidade, pois homenageia o princípio democrático entranhado na Constituição Federal, pois possibilita que toda a sociedade possa participar de um importante julgamento, de interesse geral.

Todavia, esta espécie de assistência deveria ser também viabilizada quando do julgamento do mérito do recurso extraordinário na Turma, já que o regime dos recursos idênticos permite que o tribunal inferior encaminhe apenas uma ou algumas petições de interposição deste recurso extremo, cujo acórdão servirá de decisão-quadro para todos os casos idênticos.

Seria de bom alvitre também que a lei estabelecesse regras e critérios objetivos para que o tribunal inferior encaminhasse os recursos extraordinários que apresentassem teses jurídicas com embasamento consistente, de modo a possibilitar maiores chances de êxito para todos os casos idênticos.

A eleição destas petições de interposição de recurso extraordinário deveria ainda, ser fundamentada, de forma que os contendores em casos idênticos possam controlar e fiscalizar antes as teses a serem apresentadas ao Pretório Excelso, inclusive apresentar recurso.

Com a adoção destas e outras medidas estaria garantida a juridicidade e, consequentemente, o sucesso do instituto da repercussão geral e do regime de processamento de recursos idênticos.


NOTAS

(1)http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual. Acessado em: 05/04/2009.

(2) RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Tomo I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 1 apud FÉRES, Marcelo Andrade. Processo nos Tribunais Superiores: de acordo com a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 617.

(3) Resenha contida na obra O Supremo Tribunal Federal em Face da Nova Constituição: questões e perspectivas, Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, jun-set. 1989 apud MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 9. ed. versão ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 76.

(4) Segundo o Ministro do STF Carlos Velloso, em entrevista concedida ao Conselho Federal da OAB, em 1940 os 11 Ministros do STF receberam 1.807 RE. Em 1997 esse número aumentou para 33.345 e em 1998 foi uma média de 47.319 RE distribuídos aos Ministros do STF.

(5) ALVIM, Arruda. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral, in WAMBIER, Luiz Rodrigues. Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2002. p.63.

(6) MEDINA, José Miguel Garcia, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 103-104 apud DIDIER JR., Fredie. op. cit. p. 336.

(7) LEAL, Vitor Nunes. Revista de Direito Processual Civil. Vol. 6. pp. 16-17 apud FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. pp. 291-292.

(8) GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. A Arguição de Relevância: A Repercussão das Questões Constitucional e Federal. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.25.

(9) "Artigo 22: Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".

(10) Nomenclatura utilizada por DIDIER JÚNIOR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisão Judiciais e Processo nos Tribunais. v. 3. 7ª ed. Bahia: JusPODVIUM, 2009, p. 339.

(11) CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. II. 12ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 134.


LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

AI – Agravo de Instrumento

ADI –Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

AMB – Associação dos Magistrados do Brasil

art. – Artigo

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CPC – Código de Processo Civil

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988

EC – Emenda Constitucional

ED – Embargos de Declaração

EUA – Estados Unidos da América

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

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RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

RISTJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça

ss. – seguintes

STF – Supremo Tribuna Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

USSC – United States Supreme Court (Corte Suprema dos Estados Unidos da América)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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__________ Lições de Direito Processual Civil. v. II. 12ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

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DIDIER JÚNIOR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisão Judiciais e Processo nos Tribunais. v. 3. 7ª ed. Bahia: JusPODVIUM, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Meios de Impugnação ao Julgado Civil: Estudos em Homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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___________ Código Civil Comentado. 6ª ed., ampl. e atual. até 28 de março de 2008. São Paulo: RT, 2008.

___________ Leis Civis Comentadas: atualizado até 20 de julho de 2006. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 2006.

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PEREIRA, Vinicius Martins. Questões polêmicas acerca da repercussão geral no recurso extraordinário. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 915, 4 jan. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7804>. Acesso em: 17 nov. 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2002.

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Sobre o autor
Marcelo Alves Henrique Pinto Moreira

Bacharel em Direito pela UFRJ. Especialista em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes. Professor convidado da UERJ. Advogado militante. Assessor Jurídico do COREN/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marcelo Alves Henrique Pinto. A crise do Supremo Tribunal Federal.: A repercussão geral e o regime de processamento de recursos idênticos como medidas de solução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2180, 20 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13004. Acesso em: 25 abr. 2024.

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