IX – LIMITES AO PODER NORMATIVO
Quando se fala em limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho, é de curial lembrança os ensinamentos de Coqueijo Costa, segundo o qual aquele opera no branco da lei, criando normas que preencham as lacunas do ordenamento legal sem lhe se opor, entendimento expressado na ilustrativa ementa, de sua lavra:
"O Poder Normativo, atribuído à Justiça do Trabalho, limita-se ao norte, pela Constituição; ao sul, pela lei, à qual não pode contrariar; a leste, pela eqüidade e o bom senso; e a oeste, pela regra consolidada no art. 766, conforme a qual nos dissídios coletivos serão estipuladas condições que assegurem justo salário aos trabalhadores, mas permitam também justa retribuição às empresas interessadas. (TST-RO-DC-30/82, Rel. Min. COQUEIJO COSTA, Ac. TP, 1.071/82, de 27.5.82)." [23]
A EC 45 de 8.12.2004 deu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal traçando novos limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho, quais sejam: respeitar as disposições mínimas de proteção ao trabalho e as anteriormente convencionadas. Frise-se que este balisamento não extingue o poder normativo, assim como o ajuizamento de comum acordo também não. O que há é uma limitação de acesso e de matéria. Aí está a razão de ser da modificação, a vontade do legislador é prestigiar a negociação coletiva, o entendimento direto das partes interessadas, já prevendo e forçando um amadurecimento dos sujeitos detentores do fator capital e do fator trabalho.
X – A INSTITUIÇÃO DA PLR VIA DISSÍDIO COLETIVO
O art. 7º, VI da Constituição Federal é expresso em reservar à convenção ou acordo coletivo a possibilidade de redução salarial, assim como acontece com a redução de jornada (art. 7º, XII). São duas matérias que o legislador constituinte manifestamente impediu seu estabelecimento por sentença normativa. Se as partes envolvidas necessitarem, por um motivo ou outro, reduzirem salário ou jornada, haverão de negociar. Se a negociação não vingar, a condição não poderá ser estabelecida. Não há campo para ação de dissídio coletivo.
O art. 7º, XI da Constituição Federal não é expresso em vedar o estabelecimento da PLR por sentença normativa, mas o é em remeter sua regulamentação à lei infraconstitucional. Deste modo, o legislador constituinte deu uma folha em branco ao legislador ordinário para que este regulamentasse o instituto conforme os anseios da Nação. E este o fez e ao fazê-lo expressamente optou pela via negocial ou, no máximo, através do auxílio de mediação ou arbitragem de ofertas finais, mas mantendo a vontade autônoma das partes interessadas.
De fato existem temas não afeitos a serem regulados por sentença normativa, sem que com isso se possa dizer existir afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, positivado no art. 5º, XXXV da Carta Magna. A PLR é um direito eminentemente consensual, visto que não há imposição para sua instituição de forma obrigatória, logo, não há jurisdição a ser exercida.
Defende o festejado jurista Amauri Mascaro Nascimento que a Justiça do Trabalho não pode interferir sobre a própria organização do empreendimento [24]. Pedro Paulo Teixeira Manus argumenta que a Justiça do Trabalho não pode pretender substituir a vontade das partes e que a PLR tem como fundamento a cooperação entre a empresa e empregados, por isto não é estabelecida de forma obrigatória [25].
Uma suposta ausência de sindicalismo forte a opor-se ao poder econômico é argumento de pouca aplicabilidade quanto ao tema PLR. Como dito linhas acima, esta é uma importante ferramenta gerencial, logo, também é de interesse patronal por em prática o programa, pois a imposição unilateral de sua parte o caracterizará como gratificação de balanço, figura com natureza salarial (art. 457, § 1º, CLT).
O Tribunal Superior do Trabalho vem iteradamente agasalhando este entendimento como demonstram os acórdãos abaixo colacionados [26]:
"PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. A participação dos empregados nos lucros ou resultados das empresas, pressupõe, como condição prévia, a existência de procedimentos para a formulação de metas e avaliação de resultados, com vistas à melhoria da produtividade. Não há como determinar-se, na decisão normativa, que se proceda dessa ou daquela forma para a participação nos lucros ou resultados da empresa, já que a iniciativa das partes não pode ser suprida judicialmente, sob o risco de subverter-se o principal objetivo da lei: o de proporcionar motivação para a melhoria da produtividade. O tema da Cláusula não se coaduna com a previsão legal." (TST RODC nº 99687/2003-900-04-00.5, SDC, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 01/06/2007)
"PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS – A condição em tela não pode ser imposta por sentença normativa, porquanto se trata de matéria prevista na lei nº 10.101, de 19/12/2000, publicada no DOU de 20/12/2000, decorrente da conversão da Medida Provisória nº 1982-77, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa. Recurso a que se dá provimento para excluir a concessão de participação nos lucros e resultados." (TST RODC nº 709476/2000, Rel. Min. Wagner Pimenta, DJ 10/08/2001)
"É sabido que a teor do art. 2º da Lei nº 10.101/2000 a introdução da participação nos lucros ou resultados depende de acertamento entre as partes, mediante constituição de uma comissão paritária ou celebração de acordo coletivo, vale dizer, ser imprescindível haja negociação entre os protagonistas das relações coletivas de trabalho. Não cabe por isso à Justiça do Trabalho estabelecer normas procedimentais para a criação dessa comissão, muito menos estabelecer prazo para conclusão de estudos relativos à PLR, as quais ou devem promanar de lei ou serem instituídas por mútuo acordo entre as partes. Dou provimento para excluir a cláusula." (TST RODC nº 20236/2004-000-02-00.3, SEDC, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 20/10/2006)
"PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS – DISPOSIÇÕES MÍNIMAS ANTERIORMENTE PACTUADAS. Nos termos da lei 10.101/02, a participação nos lucros deve ser objeto de negociação coletiva. A previsão de cláusula em sentença normativa só se justifica em caso de pré-existência da condição na norma revisanda de caráter convencional (CF, art. 114, § 2º), como ocorreu na presente hipótese. Assim, o exercício do poder normativo fica limitado às condições e montantes previamente ajustados, no valor correspondente ao salário nominal (primeira linha) de 1 (uma) folha de pagamento." (TST RODC nº 12/2005-000-04-00, SDC, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ 23/11/2007)
Note-se, neste último aresto, que se manteve o posicionamento de não instituir a PLR por via de sentença normativa, entretanto mostra o que pode ser uma tendência de manter as condições ajustadas em outra norma coletiva convencional, isto é, criar/instituir, não; manter normas já constituídas, sim. O que parece ser um ponto de equilíbrio entre a limitação do poder normativo no que tange à PLR e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, constitui-se, porém, em interferência não querida ou pretendida pelo legislador ao regulamentar a PLR. O fato de em determinado exercício a empresa ter pago um valor a título de PLR não quer dizer que no exercício seguinte ela goze da mesma possibilidade ou que as bases que permitiram àquele acordo continuem presentes.
XI – A PLR NO DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE
A greve é um direito constitucionalmente reconhecido, competindo somente aos trabalhadores o momento de seu exercício e os interesses de classe que defenderão através dele. A greve é um instrumento legítimo e presente no ordenamento jurídico de qualquer país democrático.
A PLR também é um direito constitucionalmente reconhecido e exercitável por meio de negociação direta. Como qualquer negociação, pode esbarrar em um impasse, para o qual a Lei nº 10.101 de 19.12.2000 prevê a mediação e a arbitragem de ofertas finais como mecanismos de solução [27]. A greve não é um meio de solução de impasses, mas um meio de pressão para a resolução destes, por isso pode ser utilizável como instrumento para obtenção de um ajuste sobre a PLR.
Contudo, para que não seja julgada abusiva, há de observar os requisitos formais estabelecidos na Lei nº 7.783 de 28.06.1989, além de outros aspectos objetivos como a manutenção da ordem jurídica e o atendimento das necessidades inadiáveis da população. Observados estes requisitos formais, a greve não será tida como abusiva.
Contudo, existem requisitos de ordem material a serem observados, que correspondem ao conteúdo do direito defendido por meio da greve. Uma greve formalmente legal será declarada abusiva se o direito que se busca obrigar o empregador lhe for impossível de cumprir. Um exemplo seria a greve de solidariedade, onde uma categoria entra em greve em solidariedade a outra categoria que ainda não conquistou os mesmos direitos. É um caso de abusividade material do direito de greve.
Então pergunta-se: se a PLR é um direito que deve ser criado ou estruturado por meio de entendimento entre as partes interessadas, seja diretamente, por meio de mediação ou através de arbitragem por ofertas finais, um movimento grevista para defender este direito sofreria de uma abusividade material? Logicamente que não, a greve é um instrumento de pressão, não de solução propriamente. A solução será obtida por acordo ou pelo laudo arbitral, produzido com base nas ofertas finais. A greve apenas atuará no sentido de que esta solução se dê da melhor forma para a categoria profissional. Ademais, a instituição da PLR é um direito legítimo e possível de ser cumprido pelo empregador, logo, não há que se falar em abuso de conteúdo reivindicatório.
Bom, mas se o movimento paredista originar um dissídio coletivo de greve, a Justiça do Trabalho, verificando a legalidade do movimento, não deverá solucionar o impasse? Em princípio sim, mas somente quanto a matérias que estejam dentro dos limites do poder normativo. Redução de jornada e a própria PLR são exemplos de direitos fora do poder normativo da Justiça do Trabalho. Em casos tais, os Julgadores se limitarão a verificar a legalidade do movimento. Declarado não abusivo, o exame do conteúdo destas cláusulas não ocorrerá, por absoluta impossibilidade jurídica do pedido, expressão esta tomada em sua acepção mais técnica, isto é, não que o pedido seja em si impossível, mas impossível é sua apreciação em sentença de natureza normativa. Tese esta agasalhada pelo Eminente Ministro João Oreste Dalazen, como se extrai desta passagem de acórdão de sua lavra:
"Suscito de ofício a impossibilidade jurídica do pedido.
Com efeito. Refoge ao âmbito do Poder Normativo da Justiça do Trabalho arbitrar forma de participação nos lucros e resultados, porquanto a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que convalidou a Medida Provisória nº 1.982-77, dispõe que a matéria deve resultar da negociação livremente entabulada entre a empresa e seus empregados, com a participação do sindicato da categoria profissional, prevendo meios pacíficos para a solução de eventual impasse, a saber: mediação ou arbitragem de ofertas finais (art. 2º e art. 4º)." [28]
E como fica o movimento grevista? Este continuará até que as partes se entendam ou até que greve tome rumos que possam levar a sua declaração de abusividade.
Para finalizar o tópico, interessante transcrever ementa de acórdão também da lavra do Min. João Oreste Dalazen, o qual demonstra uma faceta que merece ser discutida:
"DISSÍDIO COLETIVO. GREVE. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. PODER NORMATIVO.
1. A participação nos lucros e resultados deve resultar, preferencialmente, da negociação livremente entabulada entre a empresa e seus empregados, com a participação do sindicato da categoria profissional, de conformidade com a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000. Para a solução de eventual impasse, a lei contempla métodos específicos, a saber: mediação ou arbitragem de ofertas finais (art. 2º e art. 4º).
2. Somente em caráter excepcional, assim, e desde que haja convergência de vontade dos interessados (CF/88, art. 114, § 2º), a Justiça do Trabalho pode arbitrar mediante sistema de aceitação de ofertas finais o conflito coletivo sobre participação nos lucros e resultados.
3. Não há possibilidade jurídica para a imposição da totalidade das cláusulas referentes à PLR pelo TRT, com base exclusivamente em proposta enviada pela Empresa e que não obteve a chancela da assembléia dos trabalhadores, mormente quando demonstrado que a negociação coletiva não seguiu os rumos demarcados nas diversas reuniões entabuladas e ainda não se esgotara.
4. Convicção que ainda mais se robustece ante a consideração de que o julgamento em apreço exorbita do objeto do dissídio coletivo (declaração da abusividade da greve iminente).
5. Recurso ordinário a que se dá provimento para julgar extinto o processo, sem exame de mérito, na forma do art. 267, IV, do CPC." [29] (grifou-se)
O grifo serviu para destacar a interessante posição adotada quanto ao julgamento da PLR. Sob este ponto de vista, a Secretaria de Dissídios Coletivos adotaria uma posição de arbitragem sobre as ofertas finais emanadas das partes. Note-se que difere de dar ou não procedência ao pedido formulado, mas aceitar uma das ofertas finais manifestadas pelas partes. Não é uma situação de julgamento, mas de arbitragem. O problema é quanto à natureza do provimento: será uma sentença normativa ou um laudo arbitral? Embora seja uma solução prática, esbarrara em sérios problemas de ordem jurídica. A começar que a decisão não poderá ser considerada um laudo arbitral, vez que provém de corte jurisdicional. Também não se pode considerar sentença normativa, pois, como vimos, é posição dominante no Tribunal Superior do Trabalho que esta não pode servir de veículo para instituir e normatizar a Participação nos Lucros ou Resultados. Não parece ser esta uma via a ser trilhada.
CONCLUSÃO
É uma tradição de o povo brasileiro eleger a via conflitual para dirimir todos os conflitos de interesse. Botar no pau é a expressão popular. O movimento sindical pátrio, patronal e profissional, também tem esta tendência. O acolhimento do Estado-juiz é buscado sempre sob o argumento de que o sindicalismo ainda não é suficientemente desenvolvido. Pode até que não o seja, mas é necessário que se dê margem a seu desenvolvimento. A via negocial deve sempre ser encorajada, pois não se pode pretender que as cortes trabalhistas resolvam com rapidez dissídios de centenas de categorias e que se renovam anualmente.
Dadas as suas características, a PLR é um excelente instrumento para promoção do amadurecimento das relações coletivas entre patrões e empregados, forçando-os a adotarem uma posição mais conciliadora e verificando as inúmeras vantagens que se pode extrair desse espírito de cooperação.
A PLR, do modo como foi arquitetada pelo legislador constituinte e ordinário, é refratária ao poder normativo da Justiça do Trabalho. É claro que impasses surgirão, mas estando o Estado-juiz impossibilitado de encampar este embate, a via negocial será prestigiada. Experiência que em virtude de seus benéficos efeitos poderá ser estendida a outros direitos, diminuindo-se gradativamente o movimento processual nas Cortes Trabalhistas. É o que se espera.
NOTAS
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- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 268; MASCARO, Marcelo. Principais questões. In: NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 337; MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 170.
- Art. 2º, Lei 10.101 de 19.12.2000.
- ROSA, Fernanda Della. Participação nos lucros ou resultados: a grande vantagem competitiva. 3. ed. São Paulo: IOB-Thomson, 2006. p. 92-94.
- SILVA, Eduardo de Azevedo. Sobre a participação dos trabalhadores no lucro e nos resultados. Revista Trabalho e Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 6, p. 19-33, setembro de 1995. p. 27.
- Art. 2º, § 2º. Lei nº 10.101, de 19.12.2000.
- ROMITA, Arion Sayão. A participação nos lucros à luz das medidas provisórias. Revista Trabalho e Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 6, p. 6-19, setembro de 1995. p. 13-16.
- Súmula nº 277, TST.
- Art. 28, § 9º, "j".
- Art. 3º, caput.
- Art. 3º, § 5º.
- SANCHES, Sidney; HARADA,Kiyoshi. Participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa: incidência de contribuições previdenciárias. Jus navigandi, Teresina, ano 10, n. 962, fev. 2006. Disponível em : http://jus.com.br/revista/texto/16671. Acesso em 19 jan. 2007. p. 25.
- BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 760.
- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 274.
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- MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 171.
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- Art. 4º, Lei nº 10.101 de 19/12/2000.
- TST RODC nº 69405/2002-900-02-00.5, SDC, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 20/08/2004, extraído em TST. Brasília. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em: 17 fev. 2008.
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