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Cláusulas pétreas, peculiaridades, alcance da imutabilidade e inovações na CF de 1988

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19/06/2009 às 00:00
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Introdução

O presente trabalho foi realizado com a finalidade de auxiliar na compreensão das cláusulas pétreas, tendo como ponto principal o esclarecimento do real alcance do termo "abolir", usado para expressar a limitação imposta ao Poder Constituinte derivado sobre determinadas matérias da Constituição Federal Brasileira de 1988. Apreciou-se o sentido da expressão "abolir" em dois tópicos: - uma concepção restrita, pela qual o Poder Constituinte derivado fica proibido apenas de extinguir certas matérias da Carta Magna, tendo por base uma interpretação literal; - um significado amplo, onde a limitação compreende qualquer modificação tendente a reduzir a incidência das cláusulas pétreas, com fundamento, principalmente, na intenção do próprio Poder Constituinte originário. O estudo teve por base a análise de pesquisa sobre materiais jurisprudenciais e doutrinários, encontrados em livros e obras publicadas em endereços eletrônicos, além de uma abordagem pessoal acerca do assunto. Outros pontos também foram tratados, todos concernentes ao tema principal, com relevância às inovações apresentadas a respeito das cláusulas pétreas na CF/88.


1. Poder Constituinte

Importante tecer alguns esclarecimentos sobre o tema, uma vez que muito será referido no decorrer do trabalho. Além disso, também possui grande importância no estudo das cláusulas pétreas.

Manoel Gonçalvez Ferreira Filho [01] ensina que o Poder Constituinte recebe tal denominação pelo fato de estabelecer uma Constituição nova, tanto em substituição a uma anteriormente já existente, como a editando pela primeira vez, de modo a dar organização a um novo Estado. Refere, ainda, que apresenta, doutrinariamente, uma divisão, assim representada: - Poder Constituinte originário, sendo aquele que dá origem à organização jurídica fundamental, o qual, na realidade, é o único a ser merecedor do nome; - Poder Constituinte derivado ou instituído, assim chamado porque o poder do legislador de reformar ou revisar a Constituição Federal, nesse caso, decorre de um poder anterior, que a editou, denominado de Poder Constituinte originário. Por isso, quando se faz menção apenas a Poder Constituinte, a referência é relacionada ao originário, pois o derivado, apesar de também receber tal titulação, sua colocação, na realidade, apresenta-se imprópria.

Ainda sobre a questão, reproduzo as palavras de Nelson Oscar de Souza [02], o qual, além de reforçar a lição acima, registra, com propriedade, a existência do Poder Constituinte decorrente, que é aquele exercido pelos Estados-Membros, através de suas assembléias estaduais, na hipótese de um Estado Federativo:

Recorda-se que a doutrina define três formas de poder constituinte: o originário, o instituído e o decorrente.

Será originário quando pela primeira vez se editar uma Constituição para um Estado, ou quando se o convoca para elaborar uma nova Constituição. Os autores dizem-no, então, inicial, autônomo e incondicionado.

Classifica-se como instituído (outros o intitulam reformador, ou secundário, ou derivado), quando recebe do poder constituinte originário a competência de reformar a Constituição, nos termos definidos pelo próprio poder originário.

Prefiro a expressão "instituído" por duas razões: a) porque essa forma de o poder constituinte exercer-se é determinada ou instituída pelo originário; b) porque, assim, evitar-se-á a confusão dessa forma com uma de suas características – a de ser derivada.

O Congresso Nacional detém, permanentemente, o poder constituinte instituído e dele poderá fazer uso nos termos da Constituição. É derivado, subordinado e condicionado o poder constituinte instituído.

O poder constituinte exercido nos Estados Federativos pelos Estados-Membros, através de suas assembléias estaduais, chama-se decorrente. Ele é secundário e, também, subordinado e condicionado.


2. Cláusulas pétreas: finalidade e definição

O Poder Constituinte originário, visando evitar alterações de pontos entendidos por ele como fundamentais para a Carta Magna, de modo que não se modifique sua essência em revisões futuras, vedou qualquer proposição que tenha por finalidade extinguir determinadas normas constitucionais, as quais doutrinariamente são denominadas de cláusulas pétreas. Essa proibição alcança já o início do processo legislativo de emenda constitucional, estando assim regulado no art. 60, § 4º, da CF/88: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)".

Uadi Lammêgo Bulos [03] ensina, conforme já mencionado, que a doutrina convencionou intitular essas limitações materiais impostas ao Poder Constituinte reformador de cláusulas pétreas, as quais também recebem alguns sinônimos, como cláusulas permanentes, intangíveis, absolutas, irreformáveis, imodificáveis, etc. O referido doutrinador cita, ainda, ser importante investigar o sentido dos vocábulos com o fim de evitar que sejam empregados indevidamente. Assim, buscando o significado de cada expressão tem-se: - cláusula, vem do latim, significando artigo, disposição ou condição de um documento público ou privado; - pétreo, vem do latim, significando de pedra, relativo à pedra, resistente como pedra. [04]

Portanto, considerando o propósito com que foram instituídas e, ainda, o sentido de cada vocábulo, podem ser definidas as cláusulas pétreas como os preceitos constitucionais que não admitem alteração por qualquer espécie de revisão, só sendo possível que sofram alguma mudança com nova Constituição.


3. Classificação dos limites ao poder de reforma da Constituição

O poder de reforma da Constituição (Poder Constituinte derivado) sofre limitações, sendo que, apenas para não deixar de constar, alguns autores, como Alexandre de Moraes [05], fazem referência à limitação implícita, como, por exemplo, a proibição de supressão das expressas.

No tocante à restrição expressa, é assim chamada por constar de forma explícita no texto da Carta Magna, dividindo-se em quatro espécies [06], apesar de haver menção, pela maioria das obras, de somente três:

- Temporais: consiste na proibição de reforma da Lei Maior por determinado lapso temporal ou na permissão de sua revisão somente em épocas certas ou, ainda, uma fixação de determinado prazo para futura revisão, hipótese esta exemplificada no art. 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88;

- Formais ou procedimentais: tratam das regras exigidas pela própria Carta Magna, estabelecidas pelo legislador constituinte originário, para possibilitar alterações de suas normas. Referem-se ao processo legislativo de emenda à Constituição (art. 60, incisos I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º);

- Circunstanciais: vedam as modificações em certas situações ou ocasiões, de modo a evitar a quebra ou o abalo da liberdade, da autonomia e da independência do legislador com poder de realizar a revisão na Carta Magna. Na CF/88, estão previstas no art. 60, § 1º (proibição de emendá-la na vigência de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio);

- Materiais: recebem essa denominação porque abrangem elementos que formam o núcleo imutável da Constituição, compreendendo as normas proibidas de serem excluídas da Carta Magna.

Portanto, as cláusulas pétreas apresentam-se como limitação expressa e material ao poder de revisão da Carta Magna.


4. Origem e histórico das cláusulas pétreas nas Constituições brasileiras

4.1. Origem:

A previsão de norma constitucional imutável, ou seja, não passível de ser alterada pelo Poder Constituinte derivado teve seu surgimento no século XVIII, com a Constituição norte-americana de 1787, ao regular a impossibilidade de alteração na representação paritária dos Estados-membros no Senado Federal [07].

4.2. Histórico nas Constituições brasileiras:

a) Constituição Imperial de 1824: nela não havia limitação expressa e material sobre o poder de reforma, estando assim regulada sua revisão nos artigos 173 a 178 (ipsis literis) [08]:

Art. 173. A Assembléa Geral no principio das suas Sessões examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para prover, como fôr justo.

Art. 174. Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.

Art. 175. A proposição será lida por tres vezes com intervallos de seis dias de uma á outra leitura; e depois da terceira, deliberará a Camara dos Deputados, se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais, que é preciso para formação de uma Lei.

Art. 176. Admittida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá Lei, que será sanccionada, e promulgada pelo Imperador em fórma ordinaria; e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.

Art. 177. Na seguinte Legislatura, e na primeira Sessão será a materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou addição á Lei fundamental; e juntando-se á Constituição será solemnemente promulgada.

Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.

b) Constituição de 1891: foi a primeira Constituição Brasileira Republicana, bem como a constar limitação expressa e material ao poder de reforma da Carta Magna, compreendendo a forma de governo Republicana, a forma de Estado como Federação e a representação igualitária dos Estados no Senado, assim regulado em seu artigo 90, § 4º [09]:

Art. 90 - A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso Nacional ou das Assembléias dos Estados.

(...)

§ 4º - Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado.

c) Constituição de 1934: manteve, como limitação expressa e material, a forma de governo Republicana e a forma de Estado como Federação, conforme regrado no parágrafos 5º do seu artigo 178 [10]:

Art. 178 - A Constituição poderá ser emendada, quando as alterações propostas não modificarem a estrutura política do Estado (arts. 1 a 14, 17 a 21); a organização ou a competência dos poderes da soberania (Capítulos II III e IV, do Título I; o Capítulo V, do Titulo I; o Título II; o Título III; e os arts. 175, 177, 181, este mesmo art. 178); e revista, no caso contrário.

(...)

§ 5º - Não serão admitidos como objeto de deliberação, projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa.

d) Constituição de 1937: assim como ocorreu na Constituição de 1824, nesta não havia limitação material sobre o poder de reforma, estando assim regulada sua revisão no seu artigo 174 e parágrafos [11]:

Art. 174 - A Constituição pode ser emendada, modificada ou reformada por iniciativa do Presidente da República ou da Câmara dos Deputados.

§ 1º - O projeto de iniciativa do Presidente da República será votado em bloco por maioria ordinária de votos da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal, sem modificações ou com as propostas pelo Presidente da República, ou que tiverem a sua aquiescência, se sugeridas por qualquer das Câmaras.

§ 2º - O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição de iniciativa da Câmara dos Deputados, exige para ser aprovado, o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara.

§ 3º - O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Este, dentro do prazo de trinta dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte.

§ 4º - No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro em trinta dias, resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á noventa dias depois de publicada a resolução presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe for favorável o plebiscito.

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e) Constituição de 1946: assim como ocorreu na Constituição de 1934, manteve, como limitação expressa e material, a forma de governo Republicana e a forma de Estado como Federação, conforme regrado no parágrafo 6º do seu artigo 217 [12]:

Art. 217 - A Constituição poderá ser emendada.

(...)

§ 6º - Não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República.

f) Constituição de 1967: preservou, como limitação expressa e material, a forma de governo Republicana e a forma de Estado como Federação, estando assim regulado no parágrafo 1º do seu artigo 50 [13]:

Art. 50 - A Constituição poderá ser emendada por proposta:

(...)

§ 1º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.

g) Emenda Constitucional nº 1 de 1969: conservou, como limitação expressa e material, a forma de governo Republicana e a forma de Estado como Federação, conforme regrado no parágrafo 1º do seu artigo 47 [14]:

Art. 47. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 1º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.

h) Constituição de 1988: foi inovadora em nosso sistema jurídico, pois, apesar de excluir a forma de governo Republicana, ampliou consideravelmente as normas constitucionais a serem compreendidas pela limitação expressa e material, passando a abranger, além da forma federativa de Estado, as seguintes matérias: - o voto direto, secreto, universal e periódico; - a separação dos Poderes; - os direitos e garantias individuais, estando assim regulados em seu art. 60, § 4º [15]:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Claro que, além das cláusulas pétreas, outras limitações ocorreram nas constituições brasileiras, como, por exemplo a expressa e circunstancial quando na vigência do Estado de Sítio. Tal hipótese pode ser observada no caso das Constituições de 1934 (art. 178, § 4º), de 1946 (art. 217, § 5º), de 1967 (art. 50, § 2º), da Emenda Constitucional nº 1, de 1969 (art. 47, § 2º, sendo acrescentado, nessa espécie de limitação, o Estado de Emergência, através da EC Nº 11/78), e da CF/88 (art. 60, § 1º), sendo que nesta última também foram adicionadas as situações de vigência de intervenção federal e estado de defesa.


5. As cláusulas pétreas perante as demais normas constitucionais

No exame das cláusulas pétreas, faz-se importante analisar eventual existência de hierarquia dessas perante as demais normas constitucionais.

Necessário registrar que, apesar de não haver unanimidade acerca da questão, em algumas obras doutrinárias encontra-se tese sustentando que princípios e regras constitucionais seriam espécies do gênero normas constitucionais. Por conseqüência, também se defende a existência de uma hierarquia entre as normas da Carta Magna, assim apresentada: 1º) os princípios constitucionais fundamentais, que seriam superiores às demais normas constitucionais; 2º) os princípios constitucionais gerais, os quais se configurariam subordinados aos primeiros e superiores aos demais; 3º) as regras constitucionais, que se apresentariam como inferiores aos dois primeiros.

A respeito do tema, transcrevo parte do pertinente estudo realizado por Vladimir da Rocha França [16]:

(...)       

Já podemos aqui identificar o primeiro ponto de hierarquização entre as normas constitucionais: os princípios constitucionais constituem normas constitucionais hierarquicamente superiores às regras constitucionais, por aquelas gozarem de uma dimensão axiológica e teleológica mais ampla e influente do que a destas, repercutindo sobre todo o ordenamento jurídico-constitucional. É certo que as regras constitucionais também tem uma dimensão axiológica e teleológica, mas esta se encontra adstrita as situações jurídicas individuais que visa regular, não incidindo diretamente, como fazem os princípios, sobre o sistema jurídico estatal.

(...)

A Constituição, como norma fundamental e legitimadora do ordenamento jurídico, deve guardar um mínimo de unidade, univocidade e coerência, a fim de que sua concretização normativa seja estável.

Através da Constituição, os padrões axiológicos e teleológicos a serem seguidos na produção e concretização da norma são predeterminados, vinculando toda a atividade estatal à obediência dos fundamentos e diretrizes consagrados constitucionalmente. Destes, a Constituição de 1988 destaca em seus arts. 1º e 3º, os fundamentos e diretrizes constitucionais fundamentais, as opções político-ideológicas que devem orientar o ordenamento jurídico-constitucional e infraconstitucional.

Contudo, os fundamentos e diretrizes constitucionais fundamentais somente encontram positividade quando sistematizados e ordenados em normas constitucionais, tornando possível sua individualização no caso concreto. As normas constitucionais podem ser princípios ou regras constitucionais.

As normas constitucionais se encontram hierarquizadas na Constituição, para que sua aplicação não seja desordenada e incerta.

A hierarquia entre as normas constitucionais ocorre da seguinte maneira:

a) Em primeiro lugar, os princípios constitucionais fundamentais, expressos ou não no texto constitucional, assim qualificados por compor parte do núcleo de limites materiais ao Poder de Reforma, que incidem sobre todo o ordenamento jurídico, e aos quais se encontram subordinados os demais princípios constitucionais e as regras constitucionais;

b) Em segundo lugar, os princípios constitucionais gerais, que são decorrentes e/ou subordinados aos princípios fundamentais, com incidência limitada a um determinado subsistema constitucional;

c) Por fim, as regras constitucionais, subordinadas aos anteriores.

Como não há hierarquia entre as regras constitucionais, na antinomia entre elas, uma terá que necessariamente excluir a outra. As regras jurídicas são ou não são constitucionais, mesmo que elas estejam formalmente na Constituição.

Os princípios constitucionais guardam uma hierarquia entre si, ao sobrepor os princípios constitucionais fundamentais aos princípios constitucionais gerais. Entretanto, inexiste uma antinomia entre princípios, mas sim uma concretização proporcional dos princípios nas situações jurídicas individuais. Inexiste um princípio constitucional inconstitucional, pois ao se dar maior relevância a um em aparente detrimento de outro, não se está excluindo este do ordenamento jurídico-constitucional. Temos sim a presença mais forte de um princípio constitucional de grau hierárquico maior, sem invalidar o de grau inferior.

Se há um aparente conflito entre princípios de mesma hierarquia, deve-se aplicar o princípio constitucional fundamental da proporcionalidade, que concederá ao caso concreto uma aplicação coerente e segura da norma constitucional, pesando a incidência que cada um deve ter, e, preservando-se assim, o máximo dos direitos e garantias consagrados constitucionalmente.

A Constituição pressupõe uma hierarquia entre suas normas, pois do contrário, sua concretização se torna desarrazoada e insegura.

(...)

Apesar de importante o registro, essa discussão exige análise especial e aprofundada, por isso parece mais adequado não colocar as cláusulas pétreas dentre alguma daquelas espécies de normas constitucionais, nem criar uma nova para elas. Na verdade, a distinção entre as cláusulas pétreas e as demais normas constitucionais cinge-se ao fato de aquelas estarem cobertas por uma proibição de serem abolidas da Carta Magna. Tal fator não se configura uma supremacia perante as demais normas da Constituição, mas tão somente uma limitação imposta ao Poder Constituinte derivado.

Aliás, sobre a questão, foi nesse sentido o posicionamento do Supremo Tribunal Federal ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade nº 815/DF [17], conforme a ementa que segue:

- Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1. e 2. do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originarias dando azo a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe e atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as clausulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como clausulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.

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Sobre o autor
Evandro Luís Falcão

analista judiciário no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, especialista em Direito Público pelo IDC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Evandro Luís. Cláusulas pétreas, peculiaridades, alcance da imutabilidade e inovações na CF de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2179, 19 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13021. Acesso em: 26 abr. 2024.

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