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A concessão pela União de isenções relativas a tributos estaduais e municipais. Possibilidade no âmbito dos tratados internacionais

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23/12/1998 às 00:00
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A ISENÇÃO HETERÔNOMA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

No que concerne à concessão de isenções heterônomas no âmbito internacional, o problema se agrava. Como já mencionado, a atual Constituição Federal, em decorrência do disposto em seu artigo 21, I, estabelece que a União é competente para representar a República Federativa do Brasil no âmbito do Direito Público Internacional, sendo dotada de soberania e podendo agir em nome de todos os entes políticos (a própria União, os Estados-membros, o DF e os Municípios).

No momento em que um tratado é firmado com o intuito de conceder isenções de impostos federais, estaduais e municipais, o ente competente para celebrá-lo e, via de conseqüência, conceder tal isenção, será a União.

Em matéria de Direito Internacional, não é a União, como pessoa jurídica de direito interno, quem se apresenta perante as demais nações. Como visto anteriormente, não basta apenas possuir autonomia para figurar ao lado dos demais Estados do mundo, no âmbito do Direito Internacional. É preciso estar dotado de total soberania.

No plano do Direito das Gentes, a União é a verdadeira representante dos demais entes participantes do sistema federativo. Se assim não fosse, não haveria outra forma dos Estados-membros e dos Municípios concederem isenções de impostos seus no âmbito internacional. Isto porque, por não serem dotados da soberania necessária para ratificar tratados internacionais, necessitam de um ente que os representem perante o Direito Internacional.

Não há que se falar, portanto, em invasão de competência nos casos de isenções estaduais ou municipais concedidas através de tratados internacionais, pois a República Federativa do Brasil é também composta por Estados, Distrito Federal e Municípios. Ao vedar isenções heterônomas no plano interno das competências tributárias autônomas, não o fez em relação aos atos da União enquanto representante da República Federativa do Brasil, no plano externo, onde sobreleva a soberania do país.

É correto afirmar, então, que a vedação contida no artigo 151, III da Constituição Federal, dirige-se, apenas, à União, enquanto pessoa jurídica de direito interno e não à União como pessoa jurídica de direito internacional, representante da República Federativa do Brasil (25).

Desse modo, a Constituição Federal de 1988, ao vedar as isenções heterônomas, o fez no plano interno das competências tributárias autônomas, não abrangendo, tal vedação, os atos celebrados pela União, enquanto representante da República Federativa do Brasil, no plano externo das relações internacionais, onde sobreleva a soberania da Nação.

Se assim não fosse, esta vedação à isenção heterônoma estaria atingindo a República Federativa do Brasil como um todo, ao invés de apenas resguardar as competências tributárias de cada ente da federação. Vê-se, portanto, que a proibição de isenção heterônoma na ordem interna não deve ser utilizada como argumento para impedir que a República Federativa do Brasil disponha sobre o regime tributário em encerros de tratado internacional.

Assim sendo, faz-se impossível assimilar o artigo 151, III, sem criticar a lacuna deixada pelo constituinte no que tange aos tratados e acordos celebrados no plano internacional. Certamente trata-se de lacuna, pois não parece provável que a intenção do legislador tenha sido a de restringir os efeitos dos tratados e acordos internacionais apenas à esfera jurídica da União, desobrigando os Estados-membros, pois tal ato seria altamente prejudicial à economia brasileira.



ITAIPU BINACIONAL E O GASODUTO BRASIL - BOLÍVIA

Dois exemplos interessantes sobre a utilidade do entendimento acima exposto são o Tratado de Itaipu, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai, em 26 de abril de 1973, e o Tratado de Montevidéu (Gasoduto Brasil-Bolívia), firmado em 12 de agosto de 1980.

A letra "b", do artigo XII, do Tratado de Itaipu, vedou a cobrança de impostos, taxas e empréstimos compulsórios que viessem a onerar direta ou indiretamente a Itaipu Binacional, caracterizando a concessão de isenção heterônoma por parte da União.

O mesmo ocorreu no caso do Gasoduto, visto que o Acordo de Alcance Parcial sobre Promoção de Comércio entre Brasil e Bolívia (Fornecimento de Gás Natural), firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Bolívia concedeu isenção de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre a implementação do projeto.

A isenção fiscal prevista nesse Acordo atende ao duplo objetivo de estimular o desenvolvimento de novas fontes gasíferas na Bolívia e de fortalecer uma maior participação do gás natural na matriz energética brasileira, criando oportunidades de investimentos produtivos e de geração de empregos.



ISENÇÕES RELATIVAS AO ICMS E ISS

A atual Constituição determina que, por meio de Lei Complementar, a União pode conceder isenções tanto de ICMS, sobre as exportações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e de mercadorias que não forem produtos industrializados (artigo 155, § 2º, XII, "e", da Constituição Federal), quanto de ISS, sobre as exportações de serviços (artigo 156, § 4º, II, da Constituição Federal).

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Desse modo, entende ROQUE ANTONIO CARRAZZA (26) que, mesmo não sendo permitido que a União conceda isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, por meio de lei ordinária, a Constituição Federal de 1988 consagrou duas possibilidades de isenções heterônomas através de Lei Complementar. Entende, contudo, que tal possibilidade está adstrita a estes dois casos, não sendo possível à União conceder isenções de quaisquer outros impostos estaduais ou municipais através de lei complementar.

Relativamente à estas isenções, perfeita é a conclusão de LUCIANO AMARO (27), para quem a questão da isenção de tributos estaduais e municipais por lei da União sempre esteve mal posta, pois "o que a Constituição anterior previa (art. 19, § 2º) é a possibilidade de a lei complementar (editada pelo aparelho legislativo federal) dispor sobre isenções de tributos estaduais e municipais, em determinadas situações; ora, a atual Constituição, em certa medida, autoriza algo análogo (cf. art. 155, § 2º, XII, e; art. 156, § 3º, II). Em casos mais estritos, portanto, a Constituição vigente continua autorizando a lei complementar (elaborada pelo legislativo da União) a excluir certas situações da incidência de tributo estadual ou municipal."



CONCLUSÃO

No sistema tributário nacional da Constituição Federal de 1988, as isenções de quaisquer tributos podem ser decorrentes de tratados internacionais. Se concedidas antes da nova Constituição Federal, foram por ela recepcionadas. Isto porque o tratado devidamente promulgado é lei interna do Estado brasileiro, e não simplesmente da União, obrigando a esta da mesma forma que obriga aos demais entes que formam a República Federativa do Brasil.

Assim sendo, um acordo tributário internacional celebrado pela União, que conceda isenções de tributos de competência estadual e municipal, não fere a vedação constante do art. 151, III, da CF/88 (veda à União a faculdade de instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do DF e dos Municípios).

A limitação constitucional ao poder de tributar do artigo 151, III, do CTN há que ser entendida com uma restrição: no caso de celebração de tratados, a União poderá, por força da aplicação destes, conceder isenções de tributos estaduais e municipais. Os Estados-membros e os Municípios, por sua vez, não poderão legislar contrariamente à disposição de tratado, nem em suas Leis Orgânicas ou Constituições, se o tratado lhes impuser isenções tributárias, pois o artigo 98 do CTN, ainda que possua disposição extravagante, goza de plena eficácia.

Tal posição não tem o condão de afirmar que o direito internacional paira absoluto sobre a ordem jurídica brasileira. É imperativa a compreensão de que o objeto disciplinado por um tratado internacional só causa conseqüências internas se não for contrário à Constituição Federal e se o Congresso Nacional aprovar devidamente o ato do Presidente da República.

Este estudo buscou demonstrar que a possibilidade de concessão de isenções heterônomas no âmbito dos tratados internacionais não deve ser reconhecida apenas com base no artigo 98 do Código Tributário Nacional, visto que outras premissas, até mais substanciosas, devem ser utilizadas como fundamentos para tal supremacia.

Além disso, apesar dos fundamentos apresentados para a correta interpretação do artigo 151, III, da atual Magna Carta, em virtude da importância e da segurança das relações internacionais, seria fundamental acrescentar um parágrafo único ao citado artigo, com o objetivo de excetuar as isenções concedidas por tratados internacionais da vedação ali estabelecida, o que poderia ser feito através da Reforma Tributária que se aproxima.

A essencialidade de tal medida é determinada em virtude da orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no que tange à matéria. Este Colendo Tribunal entende ser defeso à União "firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexistente lei estadual em tal sentido" (cf. Recurso Especial nº 90.871-PE, julgado em 17 de junho de 1997).



NOTAS

  1. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, EDUC, 1976.
  2. Curso de Direito Constitucional Tributário. 8a. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo.
  3. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. rev., Saraiva, São Paulo, 1998, p.174-178.
  4. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. Ed. RT, 1986, p. 47.
  5. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. rev., Saraiva, São Paulo, 1998, p. 176-7.
  6. Tratados internacionais e vigência das isenções por eles concedidas, em face da Constituição de 1988, Repertório IOB de Jurisprudência, nº 5, p. 83-4).
  7. Direito Tributário Brasileiro, p. 364.
  8. A contribuição social sobre o lucro e os tratados para evitar a dupla tributação sobre a renda, in Grandes questões aruais do direito tributário. São Paulo, Dialética, 1997, p.45.
  9. Neste sentido JOSÉ ALFREDO BORGES (Tratado Internacional em Matéria Tributária como Fonte de Direito. RDT 27-28/161); Posicionando-se pela constitucionalidade do artigo, JOSÉ CARLOS FALEIRO (A Supremacia dos Acórdãos Internacionais sobre a Legislação Interna. In Comentários ao Código tributário Nacional, vol. 3, José Bushatsky Editor, 1977, p.71).
  10. RE 119.814-1-SP, 116.335-6-SP, 116.198-1-SP, 113.759-2-SP.
  11. Pluritributação Internacional sobre a Renda das Empresas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
  12. Sobre a aplicação do conceito de tratado-contrato pelo STJ, os seguintes julgados: Recurso Especial nº 41784 de 09.03.94 e Recurso Especial nº 36555-4, de 08.09.93.
  13. RTJ 95/350.
  14. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. rev., Saraiva, São Paulo, 1998, p.174-178.
  15. Por isenção heterônoma entenda-se aquela concedida por ente político que não seja o titular da competência tributária para instituir o tributo objeto da isenção.
  16. "Art. 19. (...)

  17. § 2º A União, mediante lei complementar e atendendo ao relevante interesse social ou econômico nacional, poderá conceder isenção de impostos estaduais e municipais."
  18. Lei Complementar na Constituição. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1971.
  19. Lei Complementar Tributária. Ed. Revista dos Tribunais, EDUC, São Paulo, 1975.
  20. Lei Complementar Tributária. Ed. Revista dos Tribunais, EDUC, São Paulo, 1975.
  21. Lei Complementar na Constituição. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1971.
  22. MARCO AURÉLIO GRECO, superando a questão das isenções, entende que o tratado "pode prever que a competência estadual ou municipal não alcança determinada mercadoria, situação, pessoa, etc. (Tributação no Mercosul, in Pesquisas Tributárias, Nova Série, nº 3, p.45).
  23. Isenções Tributárias, p.151.
  24. "Art. 151. É vedado à União:

  25. III - instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito federal ou dos Municípios."
  26. Entendem vedada a isenção heterônoma: o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, BADY CURI, no julgamento da Ação Cautelar 88.360/5; ALCIDES JORGE COSTA (ICM na Constituição e na legislação complementar, p.170-1); JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO (Tributação no Mercosul, Pesquisas Tributárias, Nova Série, nº 3, p.198-201); DIVA MALERBI (idem, p. 80); HELENILSON CUNHA PONTES (idem, p.375-83); HUGO DE BRITO MACHADO (Curso de Direito Tributário, p.191).
  27. Consideram válida a concessão de isenções heterônomas: NATANAEL MARTINS (Tratados, in Imposto de Renda, p. 142); HELENO TORRES (Pluritributação Internacional sobre a Renda das Empresas. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997); HUGO DE BRITO MACHADO (Tributação no Mercosul, Pesquisas Tributárias, nº 3, p.90-1); VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (idem, p.279-81).
  28. Curso de Direito Constitucional Tributário. 3ª ed. , São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991.
  29. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. rev., Saraiva, São Paulo, 1998, p.174-178.



BIBLIOGRAFIA

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998.
ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974.
BORGES, Souto Maior. Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias. 1969.
__________________. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.
BORGES, José Alfredo. Tratado Internacional em Matéria Tributária como Fonte de Direito. Revista de Direito Tributário.
BRASIL, Francisco de Paula S. Legislação Tributária e Tratados Internacionais. Revista Forense, v.308.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 8a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
______________________. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na legislação complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978.
FALEIRO, José Carlos. A Supremacia dos Acórdãos Internacionais sobre a Legislação Interna. Comentários ao Código tributário Nacional. vol. 3, José Bushatsky Editor, 1977.
GRECO, Marco Aurélio. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias. Nova Série, nº 3.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
______________________. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias. Nova Série, nº 3.
MALERBI, Diva. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias. Nova Série, nº 3.
MARTINS, Natanael. Tratados Internacionais em Matéria Tributária. Imposto de Renda - Estudos nº 20. São Paulo: Resenha Tributária, 1991.
SOARES DE MELLO, José Eduardo. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias. Nova Série, nº 3.
PONTES, Helenilson da Cunha. A contribuição social sobre o lucro e os tratados para evitar a dupla tributação sobre a renda, in Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.
_________________________. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias. Nova Série, nº 3.
ROCHA, Valdir de Oliveira. Tratados internacionais e vigência das isenções por eles concedidas, em face da Constituição de 1988, Repertório IOB de Jurisprudência, nº 5/91.
TORRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre a Renda das Empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,1976.
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Sobre a autora
Daniela Ribeiro de Gusmão

advogada no Rio de Janeiro, na área de planejamento tributário, mestranda em Direito Tributário pela Faculdade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSMÃO, Daniela Ribeiro. A concessão pela União de isenções relativas a tributos estaduais e municipais. Possibilidade no âmbito dos tratados internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1304. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Este trabalho foi o vencedor do Prêmio Sampaio Dória de Direito Internacional Tributário, concedido durante o I Congresso Internacional de Direito Tributário em Vitória

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